Deus e o Diabo na Terra do Sol vai fazer parte da coleção da Criterion a partir de julho. Os extras incluem documentários sobre o filme e sobre o cangaço.
Arthur Freitas
Histórias de fantasmas
Os filmes de Andrew Haigh são repletos de ausências, de pessoas que não fazem mais parte da vida dos personagens que acompanhamos. Por todas as cenas de 45 Anos, Kate percebe o quanto o “fantasma” da ex-namorada de seu marido assombrou sua vida, décadas depois de sua partida. O clímax de Weekend acontece quando Russell consegue falar para Glen algo que ele queria muito falar para seus pais, que nunca conheceu; e o último segundo de Charley em A Rota Selvagem é com ele finalmente olhando para trás, se deparando com o luto que ele fugiu no filme inteiro — tanto da morte de seu pai quanto de seu amigo.
Então parece natural que Andrew Haigh finalmente tenha feito uma história de fantasma no seu belíssimo Todos Nós Desconhecidos, em que um roteirista começa a visitar a casa em que cresceu e acaba encontrando nela seus pais, mortos em um acidente de trânsito quando ele tinha doze anos. Não surpreende, inclusive, a naturalidade com que Haigh filma esses encontros — a estranheza não está na forma, mas na falta de jeito que um filho adulto tem de falar com seus pais depois de um longo período de tempo. Os fantasmas finalmente dominaram o cinema de um diretor fascinado pela influência deles em seus personagens.
O que difere Todos Nós Desconhecidos dos filmes anteriores de Haigh, porém, não é apenas em olhar diretamente para esses fantasmas, ao invés de observá-los agir na sombra da vida de seus personagens. O protagonista, Adam, é assombrado pela ideia de seus pais em sua cabeça, pela ausência e tudo o que não foi dito ou não compreendido entre eles enquanto eles estavam vivos, enquanto eles eram uma família.
A cada encontro, seus pais conhecem um pouco de quem Adam se tornou, mas ele também tem a oportunidade de saber um pouco mais sobre eles como pessoas completas — o que sua mãe achava de seus avós, ou o que seu pai pensava sobre sua mãe. É um marco no nosso amadurecimento, parar de enxergar nossos pais como partes de nós para vê-los como as pessoas que são, com suas falhas e fissuras, manias e humores. Haigh monta com tanta habilidade essas relações que você consegue perceber rapidamente, mesmo em uma conversa entre vivos e mortos, que muito fica não dito entre eles.
Não existe paz na melancolia de encontrar, em nossos sonhos, os os fantasmas de pessoas que amamos. Eles não nos confortam, nem resolvem nada em nosso íntimo saber que uma parte deles ainda está em nós. Se tudo, esses encontros esvoaçados — que Haigh traduz tão bem aqui em planos lânguidos, filmados através de espelhos ou de janelas — trazem saudade, e a incerteza do que essas pessoas pensariam de nós se nos conhecêssemos como somos agora. Sentir a ausência deles só reforça aquela sensação de que estamos, de fato, sozinhos nesse mundo.
Todos Nós Desconhecidos inverte os papeis dessas histórias no cinema de Haigh. Agora, essas ausências são o norte do filme, enquanto a relação entre Adam e seu vizinho, Harry, é construída às margens dessas visitas do roteirista aos fantasmas de seus pais. Como Adam, Harry é uma pessoa solitária, com muito não dito para as pessoas que já foram próximas a ele. Resta aos dois tentarem, entre eles, retribuir um pouco do conforto que não sentiram em lugar nenhum.
Haigh filma essa história de amor com uma melancolia e um melodrama que eu nunca vi no cinema dele até então — seus personagens estão sempre refletidos em superfícies, como se estivessem semitransparentes, se unindo à arquitetura do prédio distópico em que vivem. Eles ganham corpo no toque um do outro, na intimidade que compartilham. Até mesmo os fantasmas ficam mais físicos quando Adam troca um abraço com seu pai, ou deita na cama ao lado da mãe.
E é tão lindo ver como Adam percebe como esse seu luto o isola do mundo mais do que os seus fantasmas o isolaram. Não é por causa deles que ele sente essa solidão — pelo menos, não a que ele sente agora. Mas talvez, ao aceitar o vazio que existe em si, Adam finalmente possa se sentir completo, e possa olhar e abraçar a pessoa ao seu lado. Todos nós estamos sozinhos nesse mundo, de certa forma. Mas tudo o que podemos fazer é enxergar o próximo em sua próxima solidão, e ajudá-lo a enxergar que estamos juntos nesse desconhecido. Sortudos, todos nós.
Eu ainda estou feliz que “Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo” levou o Oscar de Melhor Filme
(Uma apreciação com um ano de atraso).
No início de 2022 eu recebi uma mensagem de um amigo que mora em Los Angeles, Joseph, me recomendando um filme. Eu sabia que Joseph estava trabalhando como assistente em um filme para a A24, e ele me explicou que tinha acabado de sair de um corte de trabalho dele. Eu fiquei bem contente com a notícia — meu amigo estava feliz com o trabalho que ele fez! —, até que ele me explicou que o projeto, a nova produção dos Daniels, seria o filme do ano: a história de uma mulher que atravessa todas as realidades paralelas do multiverso para salvar a filha de uma depressão que, ao que tudo indica, ela ajudou a acarretar. Joseph acompanhou a recomendação com um aviso: eu devia tentar ir no cinema, e assistí-lo com o maior número de amigos que eu conseguisse.
No início, eu achei que isso era uma estratégia de marketing — meu amigo estava me pedindo para levar mais gente para fazer minha parte em melhorar a bilheteria de um filme em que ele fez parte — mas foi só ver Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo que eu entendi o que ele queria dizer. O novo filme dos Daniels era um evento, e grande parte da diversão de acompanhar eventos assim é testemunhar a exaltação que ele provoca em sua plateia. E Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo não decepcionou. Quando eu vi ele com uma amiga durante uma viagem para Curitiba, o cinema estava cheio em uma sessão no meio da tarde de um dia de semana, e as reações da plateia eram imensas: pessoas se levantavam da cadeira para conseguir rir com mais força, e outras choravam sonoramente no final do segundo ato. É um filme vertiginoso, sem medo nenhum de explorar sua criatividade imensa que a história propõe com técnica de sobra — lutas de kung-fu (!), realidades paralelas em que a humanidade possui uma forma física diferente (!!), diálogos metafísicos entre piñatas (!!!!!!!!). Joseph tinha toda a razão.
A trajetória de Tudo em Todo Lugar foi meteórica. Embora não tenha sido o arrasa-quarteirões na bilheteria como Joseph previu, o filme cresceu organicamente tanto com críticas quanto com o boca-a-boca até que venceu grande parte das premiações de cinema americano no início de 2023. Como grande parte dos filmes com uma carreira semelhante, as pessoas que não concordam com os méritos dele ficaram mais audíveis, com críticas de que o filme não é tão profundo assim, ou que a forma como lida com a natureza da relação entre a protagonista e sua filha não tem muitas nuances. Um filme com tantos problemas como esse, em um ano em que um filme adulto e maduro como Tár, uma jornada íntima pela memória de um dos maiores diretores como Os Fabelmans, ou uma fábula implacável e precisa como Os Banshees de Inisherin concorriam seria mais uma prova da incapacidade da academia de cinema americana de reconhecer um grande filme quando vê um.
Porém… aqui vai o meu argumento, às vésperas de uma edição que com certeza vai deixar escapar o melhor filme (Segredos de um Escândalo) ou o filme do ano (Barbie), de que o prêmio de Melhor Filme para Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo é uma das raras circunstâncias do Oscar ter acertado. Eu não concordo que ele seja o melhor filme da lista de indicados (esse mérito fica para Tár, na minha opinião), mas tem vezes que o grande reconhecimento da noite precisa ir pro filme que captura uma geração. Não reconhecer o que Tudo em Todo o Lugar faz seria cometer o mesmo erro que o Oscar cometeu em 2000, quando deu o prêmio a Beleza Americana e deixou Matrix, o evento cinematográfico do ano, e de uma geração, sem sequer uma indicação a Melhor Filme.
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A comparação com Matrix não é em vão. Tanto o clássico das Wachowskis quanto o filme dos Daniels têm semelhanças — a influência dos filmes de kung-fu e um apreço pelo cinema de Hong-Kong; questionamentos sobre a interpretação humana sobre o tecido do espaço-tempo que usamos para decifrar o que é “realidade”, e o que faz o “eu” e a nossa ideia de “identidade”; um interesse genuíno em usar efeitos especiais de maneiras inventivas. Mas eles também são filmes que conseguem capturar com perfeição o tempo em que são feitos.
Matrix previu, com muita precisão, a forma como a internet mudaria nossa percepção de nós mesmos e a “ameaça” que algoritmos causariam na nossa sociedade. Com Tudo em Todo o Lugar, os Daniels conseguem capturar a amargura inter-geracional que resulta na ansiedade e depressão que assolam as gerações mais novas, um misto de decepções e medos alimentados tanto pela ideia de não sermos quem queremos ser, quanto pela ideia de tudo o que poderíamos ser se algo tivesse sido diferente.
Eventos cinematográficos assim, que atingem um grande público de uma maneira acessível sem abrir mão da realização estética, são cada vez mais raros. Eles já eram anormalidades quando Matrix foi lançado em 1999, e se tornaram ainda mais únicos depois de uma década em que os grandes estúdios estado-unidenses aperfeiçoaram suas franquias até as tornarem grandes veículos automáticos com suas fórmulas precisas e sem inspiração. É claro que Tudo em Todo o Lugar não corta tão profundamente quanto a dissecação provocada por Tár, mas ele nem precisa fazer isso para revelar a humanidade de suas personagens. A exaltação divertida e inventiva de todas as possibilidades nos faz entender quem elas são, mas é na compreensão de que todos esses universos são vistos (por Evelyn e Joy) como uma frustração de cada ideia que não seguiu em frente ou de um sonho que não foi realizado, que os Daniels entregam, como as Wachowskis entregaram há mais de duas décadas, um misto de filme de ação com um questionamento genuíno sobre a vida que vivemos.
O Oscar vai falhar esse ano nessa missão: Barbie, um outro filme-evento que atingiu o público em massa sem abrir mão da visão de sua diretora, e eu tenho minhas dúvidas se o prêmio vai para os “melhores filmes” do ano, como o imenso Assassino da Lua das Flores, o precioso Vidas Passadas ou o inclassificável Segredos de um Escândalo. O Oscar tende a ficar no meio do caminho — alguém lembra quando ele tinha a opção de premiar um evento como A Rede Social mas escolheu O Discurso do Rei; quando não teve coragem de premiar um filme de ação como Estrada da Fúria para premiar um filme insosso como O Regresso; ou quando deixou Pantera Negra e Roma de lado para premiar Green Book? Raramente o prêmio principal me agrada, e não necessariamente porque ele não se alinha com o melhor filme do ano na minha opinião (eles raramente são sequer indicados), mas porque ele costuma ser covarde demais para reconhecer quando o filme do ano também se dá o luxo de ser bobo e bagunçado e confuso e estranho. Ano passado, como meu amigo Joseph um ano antes, a academia finalmente acertou.
(Eu sei que esse post tá com um ano de atraso, mas o meu bloqueio na escrita finalmente parece ter acabado!)
“Seen”
Seen é um curta-metragem bem melancólico, mas delicado sobre uma garota tentando reconectar com um velho amigo. Por Tae Young.
Aprendendo a dançar como David Byrne com David Byrne
Muito obrigado a David Byrne por esses dois tutoriais sobre como dançar como David Byrne, um dos meus sonhos foi realizado.
Deixa eu começar os posts desse ano com uma dica rápida de música. Parte da trilha-sonora de Tears of the Kingdom, o tema do céu (longa história) é esparso e transmite muito bem o que é passar horas brincando sozinho no meio do campo (longa história também, mas eu vivi isso). É uma lembrança que eu não estava esperando quando joguei o novo Zelda, mas foi muito bem vinda — e traduz um bocado o que é a experiência de jogar ele.
As cinco melhores coisas de 2023
Duas coisas que percebi fazendo a lista de fim de ano do Pão em 2023:
- Minha dieta cultural esse ano foi bem rala. Um pouco culpa do trabalho. Um pouco culpa de Eventos Acontecendo Em Minha Vida (contas).
- Eu desaprendi a escrever. Meu maior norte (conte o que acontece, não o que faz) ao escrever minhas resenhas não acontece nas cápsulas a seguir. Me desculpem, eu estou destreinado.
Eu escrevi pouco em 2023. E escrevi menos ainda sobre cultura em 2023. Não é culpa do que eu vi, joguei, li, ouvi, cliquei, etc. Escrever é terapêutico pra mim, mas muito desse último ano eu me descuidei da minha saúde mental, de desvendar o que eu estou sentindo. Eu também fui perdendo, aos poucos, a vontade de falar o que eu estou sentindo ou o que eu experimentei. É algo que eu quero mudar em 2024, e espero que meus queridos leitores, fieis escudeiros, estejam dispostos — eu estou empolgado para uma penca de filmes que vão estrear nos próximos três meses! Espero que estejam preparados para minhas péssimas opiniões!!
Enfim… não foi um ano ruim. Eu consegui realizar meu plano de assistir filmes majoritariamente no cinema, por exemplo. E de jogar quase todos os jogos que eu quis jogar. Eu tive tempo, e eu tive disposição. Mas eu não sei o que houve, mas na maioria das vezes eu não tinha palavras pra descrever o que eu sentia. É pura falta de prática. Como corrida, que eu também parei na segunda parte desse ano, eu só preciso exercitar um pouquinho mais pro ritmo das ideias voltarem. Eu só preciso me organizar. Eu planejo me organizar. Só essa semana eu escrevi bem mais que meses inteiros nesse último ano! Eu tô empolgado por 2024. Vocês acreditam que o blog vai fazer onze anos? Foi nessa idade que eu aprendi a ler!
O filme: Assassinos da Lua de Flores
(Martin Scorsese, 2023). Todo ano eu fico com esse questionamento. Meu filme do ano é a melhor experiência que eu tive no cinema (Barbie)? Ou é o filme que mais me deu material pra pensar (Tár)? Ou é o filme que simplesmente me conectou àquela cinefilia adormecida dentro de mim (Showing Up)?
Assassinos da Lua de Flores não é nenhum desses casos. Mas é o meu filme do ano. O filme que eu saí do cinema sabendo que uma parte de mim mudou, que uma parte de mim nunca tinha visto nada igual. Em parte, porque é um dos meus tipos de filme favorito: parece ser uma coisa, mas Scorsese está fazendo outra. E, quando a gente percebe o que ele está fazendo, o filme se abre na nossa frente. Parece mais um dos seus filmes de gângster, mas Assassinos da Lua de Flores é muito mais. É uma história de amor doentio, de uma ganância monstruosa, da beleza arrancada e perdida dos povos nativos. Tudo isso sob os olhos da melhor atriz de sua geração, com Lilly Gladstone entregando ondas de emoção inteiras através de seu olhar, impenetrável e dilacerante.
Tudo isso. _ Tudo isso _ enquanto Scorsese se questiona, o tempo todo e humildemente, se ele é capaz de contar essa história como deveria ser contada. Se ele tem o que é capaz de ver através dos olhos de sua protagonista como ele queria tanto ver. Se ele fez jus à história dela. Nem ele, o grande mestre do cinema ainda vivo, sabe responder. É uma cicatriz que ele deixa à mostra para seu espectador.
E também:
Barbie (Greta Gerwig, 2023). Provavelmente o filme do ano? Eu sou fascinado pelo cinema de Gerwig, que com apenas três filmes já tem o que é provavelmente a melhor adaptação de um livro para a tela, e agora esse feito inacreditável de um filme realmente questionador, usando o dinheiro de uma mega-corporação. Na primeira vez que eu assisti, ficava me perguntando como a Mattel permitiu um filme desses. Mas foi na segunda, no natal com minha família, que eu me deparei com o filme muito sensível que existe por baixo do conceito de fachada. Uma dramédia às avessas sobre pessoas não aceitando seu espaço na sociedade, e como elas agem para mudar. Umas se fingem de mortas, outras criam o patriarcado, outras conversam umas com as outras e mudam de pouquinho em pouquinho. Quero que o Caetano cresça com esse filme por perto.
Monster (Hirokazu Kore-eda, 2023). Até dezembro, Assassinos da Lua de Flores tinha o meu final favorito do ano. Mas Kore-eda fez o que eu achei impossível: um filme tão bem construído que a mera ideia de um final feliz parece um sonho. Não é só de final que Monster se sustenta, é claro. Talvez o melhor roteiro que eu já tenha visto em tela desde que David Fincher encarou o Facebook, aqui vários pontos de vista se juntam para moldar uma história que eu acharia um crime dar mais detalhes. Grande parte da beleza desse filme tão sensível, tão delicado, está na forma que Kore-eda desdobra-o em nossa frente, com sua precisão estética igualmente sensível. É avassalador, mas também sabe ser belíssimo.
Showing Up (Kelly Reichardt, 2022). Não tem nem previsão de estreia no Brasil, mas Showing Up é mais uma obra-prima de uma diretora que nunca fez um filme menos que impecável. Eu escrevi no meio do ano como esse filme parece conversar com uma parte de mim que acredita no processo artístico como uma forma de arte em si. Mas Showing Up não é tão chato: é uma comédia sobre uma mulher querendo fazer arte, mas a vida se intrometendo no meio. E é nesse vai-e-vem de vida e trabalho que Reichardt, com a ajuda de sua grande escudeira Michelle Williams, encontra sua arte. A arte do processo, das pequenas coisas, que se constroem devagar. Que preciosidade de filme.
Tár (Todd Field, 2022). Nenhum filme esse ano me deu material como o novo do Todd Field. Tár é um colosso de cinema, daqueles poucos filmes que tudo reverbera, que é difícil de apontar e classificar. E, ainda assim, é bem claro sobre o que ele quer: dissecar a alma de uma regente no topo do mundo, no seu poder máximo. Quando se tá no topo, porém, o único movimento possível é a queda. E Tár dá tons operísticos à queda de sua personagem título (Cate Blanchett, em uma performance pra vida toda). O verdadeiro filme ruminante — pra ficar mastigando por meses após visto.
O jogo: The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom
(Nintendo, Switch). Eu me debati muito se Mario ou Zelda levariam esse ano, mas foi em uma breve conversa com o Erê, a qual transcreverei abaixo, em que isso foi decidido:
Arthur: É Mario ou Zelda?
Erê: Zelda, né?
Arthur: É, é Zelda.
Significativo, porque Tears of the Kingdom, a continuação do monumentalBreath of the Wild, só fez sentido pra mim quando eu compartilhei o controle com o Erê, e nós tivemos algumas das madrugadas mais divertidas que eu tive em anos. Não só pra ver o que é possível de fazer nesse jogo gigantesco, mas também pra poder dividir essa aventura com alguém. TotK é um jogo de se criar histórias — sobre como você subiu aquela montanha, ou como construiu algo para enfrentar aquele quebra-cabeça — e depois contá-las, compartilhar notas e descobertas. É um jogo comunal, como seu antecessor foi, que expande e aprofunda os conceitos de BotW. Nem sempre de maneiras necessárias, mas sempre inesquecíveis.
E também:
Cocoon (Geometric Interactive; PlayStation, Switch, Windows, Xbox). Como seus antecessores, Limbo e Inside, Cocoon maneja entrar na sua mente. À primeira vista, parece ser um daqueles jogos que se joga automaticamente, que as respostas para seus quebra-cabeças são fáceis demais, ou lineares demais. Mas é a pura alquimia do próprio jogo: de apresentar seus conceitos tão bem e espaçá-los com uma cadência precisa para fazer você pensar na velocidade que seus desenvolvedores delimitaram. É uma delícia de jogar. De uma fluidez de botar inveja em muitos arrasa-quarteirão por aí.
Japanese Rural Life Adventure (GameSTART, Apple Arcade). Obrigado Victor, que me apresentou esse jogo depois de eu (finalmente) aposentar minha ilha em Animal Crossing. JRLA é, acredite, um Stardew Valley aperfeiçoado. Um simulador rural simples, mas charmoso, que me fez perder horas do meu dia enquanto eu tentava coletar bambu o suficiente para construir meu templo. Me fez querer ir morar numa fazenda no Japão, e a me questionar se minhas preocupações são realmente preocupações. Tá aí um novo objetivo de vida.
Lil Gator Game (MegaWobble; macOS, PlayStation, Switch, Windows, Xbox). Não foi só Breath of the Wild que ganhou continuação esse ano. Outro jogo seminal dos anos 2010, A Short Hike, ganhou uma sequência espiritual com esse jogo de aventura carismático e delicado. Inspirado em BotW e, de maneiras peculiares, Link’s Awakening, Lil Gator Game é uma aventura sobre um irmão se deparando com uma irmã que cresceu para além de suas brincadeiras de infância. Curtinho e lindo, foi uma boa entrada para o mundo deZelda antes de Tears of the Kingdom chegar.
Super Mario Bros. Wonder (Nintendo, Switch). Esse é o melhorSuper MariodesdeSuper Mario World (e tenho dito!!!), um jogo pingando criatividade e genialidade, imenso sem ser maçante. O único jogo que eu joguei esse ano em que eu cogitei que, talvez, tivesse superado TotK em sua engenhosidade. Em alguns momentos, eu ainda acho que sim. É tão — mas tão — divertido, de maneiras completamente inesperadas, que foi como jogar um Super Mario pela primeira vez outra vez. Que tipo de feito grandioso, e impossível, é esse?
A música: The Great Collapse
(Joe Hisaishi, The Boy and the Heron). Sabe o que eu mais gosto nos mitos de criação? Como eles dão precisão para os verbos mais complicados. Atos como criar a luz, ou assoprar a vida, são maiores do que a minha cabeça pode compreender. Mas eles trazem essa complexidade inteira com um toque de fascínio, de mágica.
Foi exatamente o mesmo sentimento, de excitação, de presenciar essa mágica primordial que dá vida e que cria sentido, que eu senti ao ouvir The Great Collapse, uma das músicas que Joe Hisaishi compôs para O Menino e a Garça, pela primeira vez. Como ver alguém dobrar um origami na frente dos meus olhos pela primeira vez. Ver algo que eu não sabia o que seria ganhar forma, e então significado. Eu não sei exatamente o que é isso que se cria ao ouvir essa música. Mas ele é real, eu sinto ele no fundo do meu peito. No infinito da minha mente.
E também:
A Running Start (Sufjan Stevens, Javelin). O delicado novo álbum do Sufjan Stevens é pra se ouvir de manhã, tomando café. De certa forma, qualquer música dele poderia estar nessa lista (foi, e ainda é, um dos álbuns que eu mais ouvi logo depois de acordar nos sábados). Mas tem algo em A Running Start que me chama a atenção. Talvez seja o lampejo de animação, ou talvez seja porque ela me faz parar e prestar atenção, não só servir como música de fundo enquanto eu lavo a louça do café da manhã. É íntima, como todo Javelin, mas é estranhamente etérea, como uma música ambiente. Entra na pele.
Deceiver (M83, Fantasy). O novo álbum do M83 foi a trilha-sonora do meu ano. Deceiver, em especial, me acompanhou em dois dos momentos mais inesquecíveis que eu tive. Muito pelo fato de eu estar ouvindo a música certa na hora certa: o primeiro raio de sol em uma estrada infinita, e Anthony Gonzalez gritando “Distance driver” com aquela imensidão musical que ele sabe criar? Foi a minha música do ano até o novo trabalho do Joe Hisaishi aparecer, quase que no último minuto.
Madrugada Maldita (FBC, O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta). A batida dessa música, a abertura do disco, é a mais contagiante que eu ouvi em anos. As letras continuam sendo o que menos me impressiona no trabalho de FBC, mas ele trabalha com o som que as acompanha em um espaço todo dele. Madrugada Maldita é uma daquelas músicas que eu não teria problema nenhum se durasse para sempre.
One Without (Oliver Coates, Aftersun). Provavelmente a música que eu mais ouvi esse ano, essa faixa da trilha-sonora de Aftersun me ajudou a decodificar o que torna o filme tão eficaz, e algo que eu tentei traduzir nesse texto. É um trabalho fantástico de entender o tom de um filme e transpô-lo para outro meio. É como ouvir a maré de um mar até então silencioso finalmente rugir.
A série: Succession
(4ª temporada, HBO). Talvez seja a resposta mais óbvia de se dar, mas também é a única que eu consigo. Misturando o tom farsesco com uma tragédia shakespereana, Succession finaliza com uma quarta temporada que alcança os pontos altos da segunda, e então os extravasa. Seja na perfeição de um episódio como Connor`s Wedding quanto a construção do arco narrativo que desemboca no devastador All The Bells Say, talvez a series finale mais emblemática desse lado de The Leftovers.
Succession sempre foi de difícil classificação. É uma série sobre seres humanos horríveis que, mesmo assim, nos força a ter empatia por suas dores (é o que nos diferencia deles, afinal de contas). É, também, uma comédia de erros, em que herdeiros se provam incapazes de navegar nos absurdos capitalistas que seu pai ajudou a fundar. É uma típica novela das oito, mas também é uma tragédia de como inescapável e destruidor pode ser o legado de nossas famílias em nós mesmos. É tudo isso, e é também uma baita duma série que me faz passar a vergonha alheia mais dolorosa, semanalmente. Vai fazer muita falta.
E também:
Alguém em Algum Lugar (2ª temporada, HBO). Já faz muito tempo que meu subgênero favorito da TV são as tragicomédias de meia-hora da HBO (Looking, Togetherness, Betty). Alguém em Algum Lugar talvez seja a melhor delas, e a sua segunda temporada aperfeiçoou os acertos da temporada anterior, expandindo a série em intensidade, e não em escopo. Uma série sobre procurar, encontrar e construir uma comunidade ao redor de si, é um deleite e uma preciosidade, sempre carismática e melancólica (e, quase sempre, as duas ao mesmo tempo).
Barry (4ª temporada, HBO). Por toda a sua trajetória na TV, Barry tem sido um joia oculta na programação. É uma comédia, mas não é engraçada. Na maior parte de suas duas últimas temporadas, é até muito depressiva. Mas é única e, se o experimento nem sempre funcionou (principalmente na terceira temporada), ainda assim entregou os episódios mais interessantes dos últimos anos. Unindo o cômico e o doloroso, Barry nunca perdeu o coração humano de seus personagens de vista. Não oferece nenhuma resposta fácil para os dilemas morais de um assassino arrependido, uma atriz arrependida, e um pai arrependido. Mas termina seus arcos com aquela precisão cirúrgica entre absurdo e humanismo em que Barry sempre encontrou algo de muito real.
Mrs. Davis (1ª temporada, seu torrent favorito). Que saudade que eu tava das séries de Damon Lindelof (The Leftovers, Watchmen). A estranheza perfeita. A construção de significados cumulativos através do tempo. O drama absurdo. O manejo entre a tragédia e a comédia. Não existem séries iguais às dele. Mrs. Davis, curtinha (vai ser uma antologia daqui pra frente), hilária e emocionalmente dilacerante em igual medida, faz as nossas perguntas difíceis que todo o mundo está com medo de fazer sobre IA. E as faz sem medo de olhar ao redor das respostas, e de questionar aquele belo e se que Lindelof sabe tão bem fazer. Aposta mais alto, e daí aposta mais alto ainda.
O Urso (2ª temporada, Star+). Das séries que parecem um milagre por existirem, O Urso mistura a comédia de espaço de trabalho com a tragédia da vida mundana. Todos os seus episódios beiram a perfeição (e Fishes e Forks a encontram), então é uma série boa de recomendar por momentos específicos. Para mim, porém, O Urso brilha pela construção, as vezes quase imperceptível, dos seus personagens. É uma série como as poucas que sabem construir e nutrir significado através do tempo. Seja com um talher, com um prato ou um jogo de olhares. O segredo de uma série que vai longe. Eu aceito, no mínimo, oito temporadas.
O link: A sumaúma que comoveu Belém
A sumaúma que comoveu Belém - SUMAÚMA
(texto, Helena Palmquist, SUMAÚMA). Me emociona toda a vez ler o relato sobre a morte da sumaúma. Um apelo à natureza, mas uma lembrança da nossa humanidade, capaz de velar a morte, mesmo daqueles tão diferentes de nós. Eu linkei pra esse texto no início do ano aqui no blog, e eu ainda paro para relê-lo de tempos em tempos.
Também me fez conhecer o site em si, SUMAÚMA, que se transformou em um dos meus feeds favoritos no meu RSS.
E também:
Aftermath (site). Meus escritores favoritos sobre jogos debandaram um a um, o Kotaku nos últimos anos. Foi difícil de acompanhar o trabalho deles desde então, em cadernos de jornais que foram terminados logo depois, ou em sites questionáveis. Um pouco disso porque textos sobre jogos ainda tem muito de publicidade, e o trabalho desse pessoal é questionador e difícil. Outro, porque jornalismo de jogos não é levado a sério, e publicações desistem logo que veem que a comunidade ao redor, geralmente avessa às críticas, tende ao violento. Aftermath segue o exemplo de Defector, e cria algo uma comunidade, sem publicidade, voltado para seus assinantes, e já tem alguns dos melhores textos desde o tempo deles no Kotaku. É bom ter eles de volta.
Everything is Alive Presents: The Animals (podcast, Radiotopia__). Pensando seriamente em tornar Everything is Alive um hors-concurs nessa categoria, porque todo o ano eles entregam um dos meus podcasts favoritos. Esse ano, um spin-off entrevista alguns animais sobre suas vidas, e o charme e deleite em encontrar humanidade em tudo continua. Curtinho, delicado e mágico, como sempre.
Radio Garden (site). Minha dificuldade de listar cinco músicas que me marcaram esse ano se deve ao Radio Garden, meu principal meio de ouvir música desde que eu o descobri: eu sintonizo em uma estação de rádio aleatória no mundo (eu ando gostando muito das rádios romenas, por algum motivo?), e fico ouvindo absurdos. Músicas que eu nunca vou ouvir de novo, comentários em idiomas que eu não entendo. Como a Wikipédia, o Radio Garden deixa o mundo grande.
The Retrievals (podcast, Serial Productions). Desde a terceira temporada de Serial, a equipe de produtores e escritores vem trabalhando em minisséries que seguem a mesma linha do podcast-fenômeno: uma história, contada com maestria em vários episódios. Esse método produziu alguns dos melhores podcasts dos últimos anos, como S-Town e We Were Three. The Retrievals talvez seja o melhor até aqui, e o meu podcast favorito no ano. O caso de um crime médico em uma clínica de fertilidade nos EUA é surreal, mas em cinco episódios, The Retrievals torna a dor e a injustiça palpáveis.
É isso! Muito obrigado por esse décimo ano acompanhando esse espacinho na internet. Muito obrigado, especialmente, ao meu amigo Raul, que fez a ilustração de capa do post (e o sanduíche que você vê em todas as páginas desse blog).
Feliz 2024, nos vemos lá!
Big Walk é o novo jogo da House House, desenvolvedora do ótimo Untitled Goose Game, aquele charme de jogo em que você controlava (?) um ganso causando o caos em uma pequena cidade no interior do Reino Unido.
Big Walk parece ser diferente, mas tem o mesmo espírito do jogo anterior. É um mundo aberto de exploração e passatempos para se jogar com seus amigos, em que você controla uma espécie de smilinguido. É um “walker-talker”, como descreve a House House: um jogo para caminhar e conversar (e, as vezes, atirar seus amigos no mar). A previsão de lançamento é em 2025, o que o torna o segundo jogo mais esperado daquele ano.
Um ranking de todos os Super Mario
Durante a maior parte de 2017, ninguém suspeitava que algum outro jogo ia conseguir destronar Breath of the Wild dos prêmios de melhor jogo do ano. Foi o GOTY mais rápido e mais unânime que eu já vi: logo na semana do lançamento, no início de março, parecia que não importava o que fosse lançado, nada seria do tamanho do último Zelda. Até que outubro chegou e com ele veio o outro jogo que a Nintendo tinha preparado para o primeiro ano do seu novo videogame, Super Mario Odyssey chegou e as listas de final de ano indicavam que a Nintendo não tinha só um GOTY na manga. Se algum jogo fosse destronar um clássico instantâneo da Nintendo, só mesmo o próprio Mario.
Durante os meses seguintes ao lançamento de Odyssey eu não largava o jogo de jeito nenhum. Eu já tinha atingido o lado escuro da lua (e o lado mais escuro da lua), e o novo jogo do Mario ainda não tinha clicado em mim. O que esse jogo faz de tão bom que as pessoas denominaram como o melhor jogo de plataforma do Mario desde Super Mario Bros. 3? Por que ele não tinha funcionado comigo?
Essas perguntas ficaram na minha cabeça nos últimos dois anos, e eu decidi respondê-las com o único jeito saudável. Para entender o que faz um bom Super Mario, eu precisava jogar todos eles. Pra entender o que Super Mario Odyssey tinha de tão bom, eu precisava jogar por todas as fases que o jogo referenciava. E, mais importante, pra compreender o que me faz um fã dos jogos Super Mario, eu precisava observar o que me leva a amar esses jogos, e talvez entender exatamente o que nunca me pareceu no lugar em Odyssey.
Então me acompanhe na minha jornada de três meses em que eu joguei todos os jogos de plataforma do Super Mario, que podem também ser considerados três meses de febre intensa em que eu nunca tive tanta raiva da imprecisão dos meus dedos enquanto um Bullet Bill me persegue enquanto eu cruzo um bosque cheio de Koopas e morro não porque o Bullet Bill me alcança ou porque eu errei um pulo e um Koopa acabou me pegando, mas porque eu fui tentar pegar uma moeda que eu nunca precisava em primeiro lugar e logo acima dela tinha a porra de um espinho e puta que pariu eu amo esses jogos demais.
Nota de atualização: esse post foi publicado originalmente em 14 de agosto de 2019, e foi atualizado em 28 de novembro de 2023 para incluir Bowser’s Fury e Super Mario Bros. Wonder.
22. New Super Mario Bros. 2 (3DS, 2012)
Vamos deixar claro que nenhum jogo de plataforma do Mario é ruim. Essa é a franquia mais bem cuidada da Nintendo, e o padrão de qualidade é muito alto. Ainda assim, o aparato técnico e a criatividade que são dois elementos que elevam outros jogos da série à algo próximo da perfeição não salvam New Super Mario Bros. 2 da sensação de que esse jogo é apenas um cash grab. A própria temática do jogo parece um meta-comentário da Nintendo pra existência dele: Mario agora quer ficar (mais) rico, e a principal missão do jogo é você coletar o máximo de moedas possível.
Coletar moedas é um aspecto essencial dos jogos de plataforma do Mario, e em muitos é um dos desafios mais difíceis que existem para que jogadores mais experientes possam voltar em fases mais simples e encontrarem um novo nível de dificuldade que beira à insanidade emocional. NSMB2 coloca esse aspecto na frente e acaba por tirar todo o fator de replay que a franquia aperfeiçoou por décadas. Nos seus melhores momentos, NSMB2 é uma versão bem simplória de uma das melhores séries dos videogames; nos seus piores, é uma visão desesperadora da Nintendo de tentar conseguir um dinheiro rápido enquanto o Wii U afundava.
21. Super Mario Land (Game Boy, 1989)
NSMB2 é o único jogo dessa lista que pode ser considerado desnecessário. Cada Super Mario apresenta algum novo aspecto do gênero de plataforma ou aprofunda uma mecânica até ela parecer completamente revolucionária. Super Mario Land, o primeiro jogo do gênero em um dispositivo portátil, não faz nada disso, mas apresenta o conceito básico da jogabilidade da franquia em uma nova escala. É um jogo curto com fases muito curtas, que parece ter sido pensado para ser jogado em intervalos de cinco minutos ou menos.
Super Mario Land só não é um jogo melhor porque é curto demais, mas ele também não tem grandes ideias para expandir como seus irmãos maiores fizeram. Então… isso também é algo bom? Ajuda que alguns níveis são tão bem fechadinhos que dá vontade de você se aperfeiçoar neles até conseguir terminá-los em 30 segundos. E isso é bem difícil de fazer.
20. Super Mario Run (iOS/Android, 2016)
Geralmente os jogos do Mario apresentam uma mecânica de jogabilidade de uma forma simples, e vão gradualmente dificultando e reformulando ela conforme as fases seguintes. Quando você volta para uma fase anterior, você descobre que seu novo domínio dessa determinada mecânica possibilita descobrir passagens secretas com inimigos mais difíceis ou especiais.
No primeiro jogo de plataforma fora de um console da Nintendo, Super Mario Run pula por todo o período de adaptar seu jogador à uma mecânica, e vai direto ao ponto: em uma mistura única de endless runner com plataforma, SMR já começa demandando ao jogador a extrapolar a tela de toque do seu celular. É uma curva de aprendizado que a série nunca explorou com tanta força antes, e que demora para começar a recompensar o jogador. Eventualmente, Super Mario Run supera esses tropeços inicias e entrega uma experiência que é desafiadora mas divertida com um multiplayer simples, mas muitíssimo eficaz.
19. Super Mario Bros.: The Lost Levels (Famicom, 1996)
Talvez a coisa que mais me impressionou jogando os Super Mario um atrás do outro por meses seguidos foi perceber como esses jogos aperfeiçoaram o balançeamento de jogabilidade. Super Mario sabe ensinar o seu jogador uma mecânica sem nunca pegá-lo pela mão, e então incentivá-lo a aperfeiçoar essas mecânicas com estágios cada vez mais desafiadores. Quando a franquia subverte uma regra é para ensinar algo ao jogador, e não para vencê-lo. É uma regra de confiança que a maioria dos Super Mario segue à risca.
Não é o que The Lost Levels faz. Lançado originalmente como a continuação direta do Super Mario Bros. original no Japão, e chegando no ocidente uma geração depois como parte do pacote Super Mario All-Stars, The Lost Levels é um jogo que subverte muitas das regras fundamentais do jogo anterior de Mario mais para aumentar a dificuldade do que para propôr uma nova maneira de jogar. Inimigos são empilhados ou escondidos, espinhos e buracos aparecem inesperadamente, e bugs infestam essa versão do jogo. Jogar The Lost Levels nem sempre é recompensador como os outros jogos são, mas é um dos títulos da série que envelhece muito bem graças aos glitches que permitem aos jogadores descobrirem todas as excelentes formas de quebrar o jogo.
18. Super Mario Sunshine (GameCube, 2002)
Olhando agora, Super Mario Sunshine é o jogo perfeito para continuar o legado de Super Mario 64. Não teria um jeito mais Mario (e mais Nintendo Geração GameCube) do que levar os personagens para uma ilha paradisíaca e apresentar toda uma nova jogabilidade baseada no FLOOD, um instrumento que serve como veículo/arma de Mario, que precisa limpar as manchas de petróleo da Ilha Delfino.
Sunshine é perfeito também por dificultar a comparação com Super Mario 64. Se o jogo anterior reintroduzia todos os conceitos de Mario para uma dimensão nova, o Mario do GameCube não tem uma missão tão importante. Ele é mais uma prova de que a execução de 64 foi tão impecável que muito pouco precisou ser aperfeiçoado em termos de jogabilidade — e o FLOOD, a grande novidade, é mais um artifício para impressionar com uma ou outra invenção bacana, mas nada que a franquia fosse herdar.
17. Super Mario Land 2: 6 Golden Coins (Game Boy, 1992)
A simplicidade de Mario Land é uma qualidade e um problema para o primeiro Mario portátil, mas Super Mario Land 2 encontrou o ponto ideal entre um jogo mais breve mas que parece um Super Mario: os estágios mais curtos se transformam em experimentos únicos em que os desenvolvedores permitem apresentar uma mecânica diferente de cada vez, e remixando-as com os bonés que dão ao Mario seus superpoderes.
Essa experimentação se estica até o ponto que Land apresenta um vilão novo, uma versão ao contrário de Mario (Wario, que hoje em dia tem suas próprias aventuras) e uma jornada mais pessoal para o herói em um mundo que as vezes parece o oposto do Reino do Cogumelo. Land 2 é uma constante brincadeira, com seus visuais cartunescos e uma aparente simplicidade que está sempre surpreendendo por causa do seu fator de replay. É provavelmente tudo o que o Land original precisava ser.
16. New Super Mario Bros. (DS, 2006)
New Super Mario Bros. foi o primeiro jogo do Mario em 2D em onze anos (desde Super Mario World 2: Yoshi’s Island em 1995). A linha de jogos do personagem para o Game Boy Advance foi uma série de remakes dos clássicos, e o Nintendo DS precisava de algo novo mas parecido para tomar o lugar do atual rei da empresa. E New Super Mario Bros. era exatamente isso.
NSMB segue à risca a fórmula de plataforma que os clássicos Super Mario Bros. 3 e Super Mario World definiram décadas antes e apresenta poucos elementos que adicionam à experiência — um cogumelo gigante e um pequenininho são os mais divertidos. Mas o visual novo e o uso inventivo das duas telas do DS fazem New Super Mario Bros. ser refrescante de jogar: é exatamente aquele Mario que a gente conhece e que tinha sumido por um tempo, mas está mais bonito e colorido. Como não amar?
15. Super Mario Bros. 2 (NES, 1992)
De maneira semelhante a Super Mario World 2: Yoshi’s Island, a continuação americana para Super Mario Bros. (que no Japão recebeu o título de Super Mario USA) fundamenta as mecânicas de jogabilidade de vários personagens, como os pulos longos de Luigi, a velocidade de Toad ou o vestido que flutua da Peach. Hoje essas mecânicas são básicas e são exploradas de formas diferentes em cada jogo da franquia, mas em SMB2 elas brilham como fator central da jogabilidade.
Super Mario Bros. 2 ainda é uma continuação de um jogo muito maior, mas as mecânicas diferentes de seus personagens fazem com que os estágios sejam repletos de segredos muito específicos que só podem ser desbloqueados em condições específicas, o que faz o jogador querer voltar a esse jogo diversas vezes (algo que a Nintendo ia aperfeiçoar tanto nos jogos seguintes que foi um problema pra execução própria deste post!)
14. Super Mario Odyssey (Switch, 2017)
É um problema fazer um ranking de jogos tão bons porque parece que eles não são tão bons assim. Mas acredite, mesmo estando em 12º nessa lista, Super Mario Odyssey é um dos melhores jogos dos últimos anos. É um jogo que expande Super Mario 64 mas que, diferente do que Sunshine faz, não o faz de formas superficiais. Odyssey leva Mario a vários outros reinos novos para poder expandir os limites criativos de um jogo do Mario para além dos conceitos que a série fundamentou nesses trinta anos.
Odyssey transforma Mario em sapos, árvores, estátuas e até mesmo em Goombas para apresentar todas as novas maneiras que os futuros jogos da franquia vão poder explorar mais a fundo. É um jogo imenso que está sempre apresentando uma mecânica nova em uma série de desafios tão bem concatenados um ao outro que é fácil de você achar que o jogo é curto, mas na verdade você está 17 horas sentado na frente do sofá (aconteceu).
Mas também, embora apresente tantas mecânicas novas e satisfaça até mesmo o mais experiente dos jogadores, que vai conseguir realizar os movimentos dificílimos que o jogo pede com sequências de botões surreais, Odyssey nunca leva todas essas mecânicas a um clímax onde elas se complementam da mesma forma que outros jogos da franquia conseguiam. Ao invés de dificultar, jogos como Mario 64 e Galaxy 2 brincam de reformular suas mecânicas somando umas às outras de maneiras inventivas que nos fazem repensar os fundamentos de Mario. Odyssey nunca vai a tal ponto, mas nos apresenta todas as novas brincadeiras que em breve vão ser elevadas dessa forma.
13. New Super Mario Bros. U (Wii U, 2012)
Muitas vezes é difícil de ver porque um jogo do Mario é bom, como eu falhei com Odyssey antes. New Super Mario Bros. U não faz pouca coisa, e mesmo assim é fácil confundir ele com mais do mesmo. Mas é um jogo que está trabalhando incansavelmente em retribuir a habilidade do jogador com desafios à altura sem nunca desencentivá-lo. Considerando que o jogo faz isso tão frequentemente, é fácil esquecer o quão difícil é conseguir alcançar esse balanço delicado. Mas essa é a magia de Super Mario, fazer a perfeição da jogabilidade parecer ter sido feita naturalmente, tão naturalmente quanto pular de um barranco na cabeça de um Koopa, jogando o casco dele em uma fileira de Goombas e ganhando um 1-Up com isso.
É gratificante como poucas coisas nessa vida. E NSMBU faz isso em um jogo enorme, e na quarta potência (e ei, pra um jogo dessa década funcionar tão bem em um videogame já é um milagre, imagina num Wii U).
12. Super Mario World 2: Yoshi’s Island (SNES, 1995)
Yoshi’s Island é uma continuação de um jogo quase perfeito, e não tem o fôlego de Super Mario World. E nem quer ter, porque é um experimento de Miyamoto em expandir o universo de Super Mario tanto em visual quanto em cânone. E em ambos os sentidos, Yoshi’s Island excede expectativas. É um jogo fantástico que impressiona até hoje, e que define muito do que a gente conhece do Yoshi.
Em World, Yoshi possui duas características principais: sua língua comprida e sua velocidade. É fácil esquecer que não é de SMW que o pulo flutuante e o carisma do Yoshi que são característicos do personagem. Yoshi’s Island apresenta esses detalhes através de uma mecânica de jogabilidade tão intensa e intrincada com seus visuais riquíssimos (o jogo faz o SNES suar) ao expandir as capacidades do dino que pode atirar ovinhos (!), mudar de forma (!!) e tem uma voz fofa pra caramba (!!!). É tão estranho a gente não lembrar tanto de Yoshi’s Island hoje em dia, porque muito do que consideramos fundamental da franquia foi apresentado aqui.
11. Super Mario Bros. (NES, 1985)
Imagina como deve ser difícil você criar um personagem que o jogador possa confiar suas habilidades. Saber que quando você apertar o botão de pular com determinada intensidade, o personagem vai pular em determinada distância. Que, quando apertar o botão de correr, ele vai demorar tantos passos para impulsionar, e vai derrapar por mais tantos passos.
Por trás da aparente simplicidade de um jogo como Super Mario Bros. vive a exceção à regra que os jogos dessa série levam como cotidiano: a extrema perfeição de jogabilidade, de um game design calculado de tal maneira que retribui o jogador por aprender uma mecânica ou por aperfeiçoá-la. É tão difícil fazer isso, e é mais difícil fazer isso parecer tão natural como Super Mario Bros. faz ser. E ele ganha mais pontos pela sua simplicidade — é um jogo que pode ser vencido em menos de uma hora, porque essa perfeição natural se estende a cada elemento na tela em um tempo que era necessário calcular o quanto era possível colocar num cartucho. Cada bloco e cada pulo de Mario teve que ser calculado para esse jogo ser tão bom quanto pudesse ser. E hoje, mais de trinta anos depois, ainda é.
10. Super Mario 3D World (Wii U, 2013)
Super Mario 3D World expande as experiências de habilidades de personagens de Super Mario Bros. 2 com o multiplayer de New Super Mario Bros. Wii e o game design intrincado de Super Mario 3D Land. E mesmo assim ele consegue ser mais do que apenas um monte de experimentos juntos, porque ele próprio tem novas ideias para explorar.
3D World expande e preenche os mundos de 3D Land para dar mais espaço para os quatro jogadores poderem explorar os níveis com liberdade o suficiente, mas mesmo assim o jogo continua sendo baseado em cursos e todos precisam seguir até o poste que termina esses cursos. Mas ao invés de incentivar o caos como NSMBW, 3D World investe em permitir que os jogadores explorem esses cursos da forma que melhor suprir seus personagens. Ajuda também que o jogo retribui com uma pancada de itens (inclusive a novíssima roupinha de gato que meu deus) e uma beleza visual que dá inveja até mesmo no Odyssey.
9. New Super Mario Bros. Wii (Wii, 2010)
Aqui vai um grande segredo: New Super Mario Bros. Wii não é um jogo do Super Mario. É um jogo com os personagens de Mario e parece um jogo de plataforma. Mas na verdade o que move ele é o mesmo preceito de Super Smash Bros.: completo caos.
NSMBWii pode ser jogado como um jogo singleplayer, mas isso honestamente é contra seu propósito: é um jogo com cenários espaçosos que está pronto para deixar os quatro personagens (Mario, Luigi e dois Toads) se destruirem enquanto decidem quem vai conseguir alcançar o poste no final dos cursos. Em certos momentos sequer importa que a câmera está mais distante dos personagens, é impossível ver qualquer coisa porque alguém explodiu um Koopa que bateu num POW e tudo se transformou em moeda e agora todo o mundo morreu em menos de três segundos.
Sério, é perfeito.
8. Bowser’s Fury (Switch, 2021)
Talvez o jogo mais curto da série desde Super Mario Land, e divulgado como um “conteúdo bônus” para o relancamento de Super Mario 3D World no Nintendo Switch, Bowser’s Fury é o pequeno notável: o experimento que pode se transformar na fórmula de sucesso para o futuro dos Super Mario em 3D.
A mecânica é genial, e extrapola o conceito de “Mario em mundo-aberto” explorado nos reinos de Super Mario Odyssey. Em Bowser’s Fury, o vilão está dominado por uma substância que o tornou gigante e furioso, uma espécie de Godzilla mesmo, e Mario precisa enfrentá-lo de igual para igual, se transformando em um Mario-Gato super saiyajin. Para isso, você precisa coletar “sóis” que iluminam os farois do arquipélago de ilhas que você e Bowser Jr. se encontram, e é você que decide como vai fazer isso. Tem sóis por todos os lados, alguns mais difíceis que os outros, e praticamente qualquer um deles está disponível depois de você liberar o primeiro farol. Itens são intercambiáveis, e os desafios em plataforma são tão bem integrados com a exploração do mundo aberto, que parece um trabalho de relojoeiro, de tão preciso. Bowser’s Fury estabelece um parâmetro muito alto para os próximos Super Mario em 3D e de exploração livre, algo que vem muito de como os desenvolvedores dominam tão bem o legado de…
7. Super Mario 64 (N64, 1996)
Super Mario 64 tem o peso da idade, sem dúvidas. Eu tenho a impressão que mecânicas em 3D tendem a envelhecer mais do que as em 2D, e mesmo que Mario 64 tenha feito tanta coisa tão bem, o fato é que suas plataformas são mais imprecisas do que deveriam, os seus movimentos são mais truncados e… bem, o jogo não é tão bonito quanto um dia a gente pensou ser.
Isso faz com que Super Mario 64 seja pior de jogar hoje em dia do que Ocarina of Time, por exemplo, que depende menos da mudança visual e mais do design dos dungeons. Mas quando Mario 64 pede para explorarmos seu game design lembramos porque o jogo nos vislumbrou nos anos 90: não só esse mundo do Mario é lindo mesmo quadriculado e com esses ângulos estranhos, mas ele está disposto a todo o momento em pegar algo que você conhecia da plataforma em 2D e dar literalmente uma dimensão nova enquanto explora uma forma de você experimentar ela através de um espaço novo (quando o jogo experimenta com profundidade vertical no mundo do relógio, lá no final, dá vontade de entrar na tela da TV e beijar seja lá quem foi esse game designer).
Ajuda muito que Mario 64 ainda é muito divertido de jogar: há um apreço pelos detalhes no jogo que estabeleu um nível muito alto para seus sucessores bater (e é compreensível porque Sunshine teve que se esticar do jeito que se esticou para ser inventivo). 64 brinca com a ênfase dos seus conceitos mais simples para revitaliza-los e prepará-los para toda uma nova geração. Considerando que demorou anos para que outros jogos alcançassem esse patamar, e mais ainda para superá-lo, é um legado imenso que o escopo de Mario 64 faz questão de nos lembrar — desde os controles de câmera até os pulos infinitos de Mario, tudo aqui parece novo a todo o momento, e ainda assim funciona do mesmo jeito que funcionava antes. É como mágica.
6. Super Mario Galaxy (Wii, 2007)
Odyssey é um retorno do Mario à fórmula de 64 e Sunshine, em que Mario pode explorar livremente um amplo espaço aberto. Durante a geração do Wii, a Nintendo decidiu reconsiderar a forma que os jogadores abordavam esses espaços, criando delimitações com a câmera do jogo para direcionar os jogadores do ponto A ao ponto B de forma mais direta.
Se isso faz você imaginar que Super Mario Galaxy é um jogo que restringe a jogabilidade mais do que seus antecessores, não se engane. Galaxy usa essa delimitação da câmera para reconsiderar os espaços 3D que Super Mario 64 nos apresentou na década anterior. Levando em conta uma nova relação com a gravidade e a forma como Mario pode explorar mundos distintos, Galaxy extrapola os sentidos de direção do jogador fazendo plataformas mudarem de lugar ou transformando cursos de 3D em 2D e de volta em 3D de forma orgânica. O que é teto vira chão e planetas feitos por um oceano gigante apresentam essa nova relação de Mario com seus cenários com surpresas constantes e aquela sensação de estar conduzindo o único personagem que você pode confiar para explorar esses lugares com a precisão necessária.
Poucos jogos são tão perfeitos como Super Mario Galaxy, que tem o uso mais ideal do sensor de movimentos do Wii e explora o poder de processamento do videogame até o seu limite. É impressionante como a Nintendo conseguiu tirar visuais tão lindos e tão únicos de uma plataforma tào fraca, mas Galaxy faz isso 120 vezes seguidas.
5. Super Mario 3D Land (3DS, 2011)
É comum ouvirmos que toda a vez que a Nintendo lança um videogame é preciso esperar pelo Super Mario para ver por que o videogame existe. E, honestamente, Super Mario 3D Land é basicamente o pretexto para que o 3DS exista. 3D Land é um exercício de criar níveis visualmente intrincados que mais parecem vindos de um The Legend of Zelda, com todos esses elementos que se conversam e que precisam ser explorados para que você possa seguir em frente.
É exatamente essa pequena revolução que torna 3D Land em um título como nenhum outro na franquia. Uma caixa bem escondida que só pode ser descoberta se você encontrar uma tocha e usar a Fire Flower nela esconde os níveis menores e permite que eles possam ser explorados de formas menos lineares.
3D Land também é lindo. Herdando a beleza visual de Galaxy, o jogo usa o poder gráfico do 3DS para entregar um dos mundos mais vívidos da franquia, cheio de cores, texturas e pesos. E tem uma pequena surpresa final, quando você enfrenta o Bowser e descobre que essa é só a primeira metade do jogo, apresentando depois ainda mais boas ideias para você explorar.
4. Super Mario Bros. 3 (NES, 1990)
Super Mario Bros. elevou à perfeição a relação entre jogador e personagem. Mas é Super Mario Bros. 3 que elevou todo o resto do game design ao mesmo nível. Do mapa de mundos ao ritmo das fases, que possuem ênfases e climaxes, Super Mario Bros. 3 pega toda a ambição de game design da Nintendo e as une de uma forma compreensível, onde uma leva à outra até que as mecânicas se somam e se confundem, se transformando em um sistema complexo de labirintos e inimigos que funcionam exatamente do jeito que você espera, e ao mesmo tempo se tornam mais desafiadores conforme você vai tomando conhecimento de como eles agem.
SMB3 foi lançado já no fim da vida do NES, e por anos os consoles de 16 bits que o sucederam receberam inúmeros clones do jogo que não só deixavam claro como era difícil alcançar tamanha criatividade como a equipe de Miyamoto alcançou, mas também como a técnica estava muito a frente de seu tempo. Super Mario Bros. 3 ajustou praticamente todas as mecânicas do jogo, desde o tamanho do pulo do Mario à distância da câmera para suas medidas ideais. É uma tentativa de alcançar a perfeição que se transformou em um fantasma para a franquia, mas que nunca soou como um peso, e sim como um legado. É difícil conseguir fazer algo tão bem como Super Mario Bros. 3 fez com seu gênero. Mas chegar perto de algo assim já é bom o suficiente.
Coloque um controle na mão de uma pessoa ela aprenderá os conceitos mais básicos logo na primeira tela de forma quase instintiva. Super Mario Bros. 3 conversa com seu jogador de uma forma íntima e animal. Não é a toa que ainda é considerado o ápice da franquia e um dos melhores jogos de todos os tempos. Ele é. É só jogar para provar.
3. Super Mario Bros. Wonder (Switch, 2023)
Não precisava ser tão bom assim. O retorno da Nintendo ao Super Mario em 2D, e o primeiro não sendo um New Super Mario em 17 anos, é um absurdo. Super Mario Bros. Wonder é um jogo tão repleto de ideias, que uma fase possui mecânicas que poderiam ser exploradas em jogos inteiros.
E Wonder, como os melhores Super Mario, não é sobre coesão. É sobre excesso. É um apanhado gigante de ideias e experimentos que se conversam de maneiras únicas, todas de maneiras imprevisíveis. Já em sua segunda fase, apresenta um musical de Plantas-Piranha, e a coisa só cresce exponencialmente a partir daí. E isso até metade de cada fase. A outra metade, influenciada pelas Flores Fenomenais, mudam absolutamente tudo, apresentando ainda mais ideias e experimentos.
Super Mario Bros. Wonder consegue o feito magnífico de apresentar Super Mario a você pela segunda vez. Ainda é, fundamentalmente, o mesmo jogo, a mesma fórmula, dos clássicos. Mas é tudo novo, de novo. Desde a apresentação visual, cuidadosamente reconstruída para se tornar em uma continuação espiritual de Super Mario Bros. 3 e Super Mario World, aos níveis repletos de segredos e caminhos intrincados, que remetem tanto ao Super Mario Bros. original quanto a World, tudo é pensado no menor detalhe, trazendo mudanças fundamentais que parecem heresia antes, mas são obviamente uma evolução necessária depois de experimentá-las (a retirada do timer nas fases, por exemplo, libera a exploração do jogador da urgência de finalizá-la, tornando toda a experiência muito mais rica e divertida). É um jogo cheio de vida, cheio de ideias, e cheio daquela magia que apaixonou o mundo pelos videogames nos anos 80 e 90. E está de volta agora.
2. Super Mario Galaxy 2 (Wii, 2009)
No fim das contas, Super Mario são jogos de confiança. Você quer subir aquela colina em Super Mario Galaxy 2, que é difícil de subir onde a gravidade é um obstáculo a ser dominado, porque sabe que atrás dela os desenvolvedores te deixaram uma surpresa. Quando você finalmente consegue, e descobre o que é, é aquele misto de recompensa e confiança que uma boa relação possui — ambos estão investidos na mesma medida. O desenvolvedor sabia que você era capaz de chegar até lá, e você sabia que ele tinha deixado algo lá para você.
É difícil, como um desenvolvedor, criar essa confiança com a pessoa que vai interagir com o punhado de códigos que você coloca na frente dela. Seja na forma de um jogo ou de um editor de texto, essa relação depende de expectativas e desejos e, principalmente, de confiança. Galaxy 2 tem um legado imenso para defender — ele é o ápice criativo de uma equipe, e uma segunda chance dessa equipe de mostrar tudo o que é capaz de fazer. É um jogo que sequer consegue conter todo o conteúdo que foi desenvolvido para ele. É feito com uma diversidade de vozes e de experiências, e respeita todas elas. Você aprende a compreendê-las e a respeitá-las. Desde aquele pulo milimetricamente mais longo que você precisa dar para alcançar uma nuvem e pegar a centésima moeda, ou aquele estágio em que você não consegue ver o chão, mas já está tão acostumado com o ritmo daquela galáxia que você simplesmente sabe, instintivamente, onde tem que pular.
É algo que Galaxy já fazia, mas não com a mesma frequência ou intensidade. Galaxy 2 não só eleva tudo à enésima potência, mas também reapresenta o Yoshi na jogada, que revitaliza as mecânicas de Yoshi’s Island que há anos foram relegadas a spin-offs. Super Mario Galaxy queria dar a impressão que você atravessava um espaço sideral de fases do Super Mario, mas é Galaxy 2 que entrega essa promessa naquele que talvez seja o jogo 3D definitivo.
1. Super Mario World (SNES, 1991)
É difícil perceber, hoje em dia, o pulo tecnológico que foi dado entre o NES e o SNES. Mas o dobro de poder de processamento é muita coisa. Seja de 8 para 16 ou de 512 para 1024. Mas é fácil de ver ele em execução: coloque Super Mario Bros. 3 e Super Mario World lado a lado e você vê que perfeição de game design não envelhece, mas com certeza melhora quando há mais para se jogar.
É na variedade, na constante surpresa, no escopo. Se SMB3 parecia espremido em um cartucho de NES com tanto conteúdo, Super Mario World parece se estender com tantas fases para explorar e tantos caminhos para desbravar. Se a mecânica já havia sido aperfeiçoada no jogo anterior, cabe a Mario World colocar ela à prova na exaustão em um jogo imenso que retribui os jogadores menos experientes com a sensação de estarem desbravando um jogo que constantemente pede mais de suas habilidades; e retribui os mais experientes com ainda mais fases para aprender e se aperfeiçoar.
Seu nível de qualidade é tão alto e tão constante que é difícil de absorvê-lo em uma só sessão como os outros jogos do Super Mario foram pensados antes dele. Explorando fases que são extensas e propositalmente cansativas, ou fases que desvirtuam completamente aquilo que o jogador espera de determinada mecânica, World está disposto a, de forma semelhante a Odyssey anos depois, extrapolar e apresentar o máximo possível de novas possibilidades para o jogador. Mas em World há uma clara progressão de jogabilidade — um ponto em que essas mecânicas convergem ou que trabalham para levar o jogador a uma experiência específica.
Seu mapa imenso e cheio de passagens secretas e caminhos alternativos liberta o jogador a experimentar o jogo da sua própria maneira, e o pulo tecnológico da Nintendo permite que seus desenvolvedores possam experimentar com novos modos de jogo em um jogo de plataforma. O que resulta é um jogo de aprendizado, troca, e descobertas constantes, onde Super Mario encontra um ápice criativo e nunca é desapontado pela sua plataforma (algo que é meio constante com os videogames da empresa). É um jogo que foi feito na hora certa para a plataforma certa, que expande aquilo que sabemos que pode ser um jogo do Super Mario para todo o dobro de poder de processamento. Algum jogo pode parecer ser maior e mais diverso e mais repleto de vida que Super Mario World?
Ah, e tem o Yoshi, que coloca tudo isso em dobro na sua frente. É só dar um soquinho na cabeça dele.
4.5 Bilhões de Anos em Uma Hora
Para celebrar 100 anos do canal, o Kurzgesagt fez um vídeo sobre a história do planeta terra. Cada segundo dos 60 minutos equivale a um milhão de anos.
O momento em que eu me apaixonei por “The Bear”
Meu momento favorito de The Bear acontece no quarto episódio: Tina, uma das cozinheiras mais antigas do restaurante em que a primeira temporada da série se passa, precisa apresentar um purê novo para a avaliação da nova chefe, Sydney. Durante todo o episódio (e por parte dos episódios anteriores), Tina e Sydney se confrontaram. A novata quer implementar um novo sistema na cozinha do “The Beef”, e Tina não quer saber.
É o clássico setup de uma série de espaços de trabalho: uma pessoa nova quer mudar como as coisas funcionam, alguns colegas se adaptam bem, mas os mais experientes não aceitam a mudança, até perceberem que ela veio para o bem. O que torna esse momento incrível em The Bear é que ela une justamente o que faz a série ser brilhante pra mim: ela usa a brutalidade visual e do ambiente (a cozinha do “The Beef” não é saudável para a cabeça de ninguém) e vê dessa brutalidade sair algo muito humano e sensível.
Não só o purê que Tina precisa entregar é de uma delicadeza (quando ela prova o leite com ervas que Sydney preparou para ela é um detalhezinho brilhante de construção de personagem), mas a crueza estética de The Bear realça quando um breve momento de beleza acontece. Nesse caso, quando Tina leva o purê para Sydney provar, Sydney elogia o prato com um misto de surpresa e costume: sim, está gostoso, mas é claro que está gostoso — foi a Tina que fez, e ela é uma grande cozinheira. Em uma breve troca, The Bear aproxima essas personagens enquanto elas se nivelam.
The Bear sabe ser cruel. É uma série de momentos bastante cruéis em um ambiente cruel, mas é na beleza que essa crueza cria, de vez em quando, que mora tanto a genialidade da série quanto, eu acredito, a de uma cozinha. Tina errou o processo do purê várias vezes durante o episódio. Mas quando ela acertou, um breve momento em que duas grandes personagens finalmente se encontram no mesmo patamar acontece. The Bear não precisa chamar atenção para esse momento esteticamente. Já no quarto episódio de sua primeira temporada, a série já ensinou o espectador a saboreá-los.
O Talking Heads decifrou o que faz “Stop Making Sense” ser um grande filme
Stop Making Sense, o filme-concerto dirigido por Jonathan Demme para a turnê dos Talking Heads lançado em 1984, foi restaurado e relançado no Festival de Toronto esse ano.
No debate com Spike Lee após a exibição do filme, os integrantes da banda (reunidos pela primeira vez em vinte anos) simplesmente entregaram a melhor descrição do faz Stop Making Sense ser considerado o melhor filme-concerto já feito. Em um relato de Jill Krajewski para a Vulture:
“Eu percebi que ele [Demme, o diretor] estava encarando como um filme de conjunto”, disse Byrne sobre o diretor falecido. “Você tem um grupo de atores, você acaba conhecendo cada um dos personagens, e então você assiste eles interagindo uns com os outros. Eu pensei, eu estou no meu próprio mundo, mas ele enxergou o que estava acontecendo ali”.
A comparação com “filme de conjunto” (ou “ensemble film”) é perfeita, e algo que eu não tinha percebido nem visto alguém ter feito antes. Um filme de conjunto constrói cada personagem, para então exibir todo o grupo se confrontando ou trabalhando junto (geralmente, um caos entre as duas coisas). É assim com Nashville e MASH, por exemplo. Dois grandes filmes de conjunto dirigidos por Robert Altman que, junto com Max Ophüls, é considerado o grande diretor desse tipo de filme.
Quando um filme acerta, o resultado é mágico. Você entra na dinâmica que o diretor quer capturar e vê, ao mesmo tempo, cada um dos personagens pelo que são, e como eles coexistem juntos.
Pra ter uma ideia de como funciona, essa performance de “Once Upon a Lifetime” em Stop Making Sense é um bom exemplo. Note como o filme se preocupa em exibir cada integrante da banda tocando o seu som, mas perceba como a sua mente “soma” cada uma das ações, formando a performance da banda. Você entende os comportamentos deles como um grupo tanto quanto como indivíduos:
Uma prova do que fazia Demme o grande diretor. Ele entendia como dar espaço para compreendermos seus personagens, por mais difíceis que eles fossem. É o que torna, por exemplo, O Silêncio dos Inocentes no grande filme que ele é: ele absorve tanto o modo como Clarice enxerga o mundo, que você começa a enxergar como ela; o que torna o baque de conhecer Hannibal tremendo tanto para o personagem quanto para o espectador. Em O Casamento de Rachel, ele estende essa empatia para toda uma família de uma forma muito parecida com o que Demme fez em Stop Making Sense, eu acabei de perceber.
O trailer do misterioso novo filme do Studio Ghibli
O novo (e, ao que tudo indica, último) filme de Hayao Miyazaki no Studio Ghibli foi lançado no Japão com quase nenhuma divulgação. Tudo o que as pessoas sabiam era o título e o belíssimo cartaz:
Para o lançamento americano em dezembro, a distribuidora G-Kids divulgou esse trailer, que mostra algumas das imagens estonteantes que os filmes do estúdio costumam ter, mas muito pouco sobre a história.
É mais sobre o tom do filme do que qualquer outra coisa. Acho que os melhores trailers são assim. Você vai preparado para o tom do filme, sem saber muito de como a história vai progredir.
O novo filme, intitulado como O Menino e a Garça nos EUA (o título japonês é Como Você Vive), não tem data de estreia no Brasil. Como é quase certo que ele vai para o Oscar de melhor filme de animação, eu não duvido que chegue aqui no início do ano que vem.
“The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom” dá vida a Hyrule
Uma das minhas memórias favoritas em Breath of the Wild é também uma das mais mundanas: eu subi em uma pequena colina e, lá de cima, eu enxerguei uma fumaça subindo entre as árvores de um bosque. Indo até lá, eu vi uma pessoa — uma das primeiras pessoas que eu encontrei enquanto caminhava por Hyrule pela primeira vez, já com algumas horas de jogo. Ele estava sentado ao lado de uma fogueira, e me comentou sobre como é difícil de ver pessoas por ali. Ele me comentou sobre as ruínas de Hyrule, e para onde eu poderia ir se quisesse encontrar mais pessoas.
Breath of the Wild era cheio de momentos melancólicos como esse. Um jogo esparso, onde a aventura estava em qualquer lugar, bastasse você estar disposto a procurar. Entre elas, você andava por Hyrule. Uma preocupação do jogo e de seus desenvolvedores parecia ser você sentir a textura do solo nos pés de Link, o jeito que a brisa mexe com a grama e as árvores, ou como os animais que pontuam essa vastidão respondem à você ao mesmo tempo que seguiam seus caminhos. A Hyrule de Breath of the Wild era silenciosa, e esparsa, indiferente ao jogador, e ao mesmo tempo responsiva. Você poderia passar longos períodos de jogo sem receber uma missão ou sem cruzar com outros personagens. A principal relação que você cria no jogo é entre Link e Hyrule em si.
A geografia de Hyrule mudou pouco no tempo que se passou entre Breath of the Wild e sua continuação, Tears of the Kingdom. As montanhas que você aprendeu a escalar, os rios que você aprendeu a cruzar e as cidades que você encontrou no meio do caminho estão todas lá. O novo jogo, porém, as enche de vida: personagens estão por todos os lados, todos eles com suas pequenas histórias. Existem trupes musicais, grupos de artistas, pescadores e jornalistas explorando os lugares que você vai encontrar. Eles estão envolvidos em conflitos políticos, mistérios arqueológicos, caças a tesouros e competições de moda.
Esse é o aspecto mais fascinante para mim em The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom. É uma poucas vezes que podemos ver o reino de Hyrule florescendo e prosperando em toda a série. Passando alguns anos depois de Breath of the Wild, ToTK se alimenta da relação que você criou com o ambiente no jogo anterior para encher aquela Hyrule em ruínas com uma nova vida. Cidades estão sendo construídas, a cultura está fluindo, e os pequenos causos da vida de sua população voltou a importar, agora que o perigo do apocalipse iminente parece não existir mais.
É claro que o perigo só “parece” não existir. Logo no início, Ganondorf, o maior vilão da franquia, desperta. E, com ele, um evento chamado de “A Perturbação” começa: monstros voltam a invadir Hyrule mais fortes do que nunca, cavernas há muito fechadas voltam a abrir; e mais do que tudo: fissuras para as Profundezas e ilhas voadoras aparecem no solo e no céu de Hyrule, quase triplicando o tamanho do mapa original.
A Perturbação de Ganondorf, os monstros e o desaparecimento de Zelda, em uma trama que vai alimentar ainda mais teorias sobre a linha temporal da franquia e sobre a mitologia de Hyrule, são os grandes eventos que movem a narrativa dessa vez. E eles “movem” a narrativa de um jeito muito mais direto do que a Calamidade do jogo anterior. Tears of the Kingdom possui uma estrutura narrativa consideravelmente mais dura do que do jogo anterior, apontando constantemente para onde você supostamente deve ir. Do momento que você acorda na Grande Ilha do Céu, cai para Hyrule pela primeira vez, se aventura nas Profundezas, volta para a superfície e ruma ao seu primeiro templo, você possui muito mais indicações do que fazer do que jamais teve em Breath of the Wild.
Mesmo assim, o aspecto mais fundamental do jogo anterior se mantém vivo aqui: a liberdade de escolher como chegar onde precisa continua, e a vastidão de Hyrule agora é repleta dessas pequenas histórias que, muitas vezes, são emocionalmente surpreendentes. A viagem do jornalista indo de estábulo a estábulo, o golpe político acontecendo em Hateno, um homem preso tentando entrar em contato com sua família, a busca de duas irmãs por um mistério em Hebra, e uma penca de outras histórias que você vai encontrar no meio do caminho, são todas opcionais, mas irresistíveis. Eu demorei muito mais tempo do que eu imaginava para encontrar todos os Templos (as dungeons no sentido mais tradicional da franquia, que também fazem um retorno aqui depois de sumirem em BotW), porque fiquei procurando os membros de uma trupe musical perdidos em suas próprias peripécias.
Essas pequenas histórias até influenciam o seu entendimento dos eventos que levaram à Perturbação, ou revelam segredos sobre a enésima vinda de Ganondorf e as lendas dos Zonai, personagens centrais na trama principal. Sua maior contribuição para o jogo, porém, é fazer o mapa de Hyrule receber uma nova importância. Esses personagens estão por toda a parte, e todos eles conhecem Link, o herói de um evento recente, e podem contar com ele para acessar lugares difíceis, ou coletar um item raro que só é visto em um ambiente do outr lado do mapa.
Ao invés de parecerem pessoas chatas que não sabem fazer nada, elas parecem pessoas vivendo suas vidas e resolvendo seus problemas que, por acaso, você encontrou em um momento oportuno. Ao ajudá-los, você percebe sua importância na jogabilidade. Diferente de BotW, que apresentava seu punhado de mecânicas na primeira hora e o liberava para explorar o mapa como você quisesse, Tears of the Kingdom possui muito mais mecânicas e recursos de jogabilidade para ensinar ao jogador, e dominá-las vai demandar muito mais tempo. As missões curtíssimas, aparentemente desimportantes que populam Hyrule são um aspecto de jogabilidade genial por parte da Nintendo: entregar ao jogador a oportunidade de (tentar) dominar suas mecânicas no ritmo que ele quiser.
Essas mecânicas se apresentam principalmente como quatro habilidades principais: Ascend permite que Link trafegue verticalmente pelo mapa, passando por uma superfície e chegando ao seu topo; Rewind vai “retroceder” o movimento de um objeto por um período de tempo; Fusion permite que você una um objeto, como partes de monstros, comidas, pedaços do ambiente, à sua arma e ao seu escudo, ampliando suas possibilidades.
Além dessas, a maior dessas novas habilidades é o Ultrahand, que permite ao jogador manipular o ambiente, movendo e unindo objetos uns aos outros, criando embarcações, pontes, armadilhas e armas com as ferramentas ao seu redor. É o resultado do que parecem várias críticas apresentadas à BotW: expande seu arsenal de armas, dá ainda mais opções de navegação, e “enche” o mapa de Tears of the Kingdom com ainda mais possibilidades aos seus jogadores serem ainda mais criativos do que antes.
Na minha honesta opinião, em alguns momentos Tears of the Kingdom parece demais. As novas habilidades enchem o jogo de possibilidades, mas ao mesmo tempo tornam os controles mais complexos, um balanço que eu achei ideal em BotW. Embora a dificuldade do jogo não extrapole (eu encontrei poucos desafios que eu passei mais de dez minutos pensando em como resolver), eles demandam muita naturalidade com os controles mais no início, o que tornam a primeira hora do jogo bastante maçante. E o mapa, ainda mais extenso com a adição das Profundezas, não parece possuir aquela precisão milimétrica do jogo anterior, onde cada pedra parecia estar disposta em um jeito específico para acentuar mais o sentimento de aventura potencial.
Mas, ao mesmo tempo, esses pequenos problemas são pontuações breves em um jogo que expande Breath of the Wild de maneiras inventivas e geniais. E elas dão espaço, e possibilidades, para a verdadeira textura emocional de Tears of the Kingdom: a nova vida que os vários novos personagens espalhados pelo mapa ainda maior trazem, que permitem que você conheça Hyrule, seu passado e seus mistérios de maneiras ainda mais criativas que antes.
Tears of the Kingdom continua com todas as virtudes técnicas do jogo anterior: a direção de arte é estonteante, e a profundidade dos detalhes que os desenvolvedores e artistas da Nintendo levaram à Hyrule e aos personagens, com seus visuais reminiscentes dos filmes de Hayao Miyazaki (principalmente O Castelo Animado e Nausicaä do Vale do Vento, com um misto de tecnologia primordial e magia) explodindo em cor e em movimento. A trilha-sonora continua pontuando muito mais do que definindo o tom, o que eu acho um acerto em um jogo que, como o anterior, pode passar horas em uma meditação silenciosa pelas pradarias.
Eu acho que nenhum jogo vai conseguir parecer monumental desde os menores detalhes aos maiores como Breath of the Wild conseguiu, um jogo onde a intenção de seus desenvolvedores ressoava pelo seu ciclo de jogabilidade perfeito. Tears of the Kindom expande esse sentimento com experimentação e diversão, mesmo que tire um pouco da perfeição anterior. É um jogo que aprecia o incerto e o incomum, a tentativa, o erro e até mesmo a bagunça.
Se minhas memórias favoritas de BotW têm a ver com a solidão, a contemplação e a melancolia de uma Hyrule do passado; minha memória favorita de Tears of the Kingdom é uma noite que eu e o Erê passamos a madrugada adentro dividindo um controle e explorando as novas maneiras de construir veículos para viajar pelos céus ou explorar as profundezas, descobrindo ilhas que parecem luas, cavernas que nos levaram à morte certeira e dragões que eu até hoje não tive coragem de enfrentar. A cada nova descoberta (“então você pode fazer isso?!”) e cada novo acerto, Tears of the Kingdom revela duas ou três novas mecânicas para você experimentar. É de se perguntar como eles conseguiram colocar tanta coisa em um jogo só, com esse grau de refinamento e qualidade. É a prova da fundação sólida que BotW ofereceu, claro, mas também da criatividade estonteante que Tears of the Kingdom oferece para seus jogadores, e demandou para sua própria criação. Um jogo tão vivo quanto a Hyrule que ele apresenta.
Quando você dá um email para uma árvore
People Are Writing Thousands of Emails to Trees
A história é de 2015, mas vale a lida ainda hoje. A cidade de Melbourne criou um endereço de email para cada árvore. A princípio, os emails eram para ser utilizados para a população reportar problemas com as árvores, como galhos caídos, ou raízes expostas, etc.
Acabou que a população começou a enviar mensagens de amor e carinho às suas árvores favoritas:
To: Golden Elm, Tree ID 103714821 May 2015
I’m so sorry you’re going to die soon. It makes me sad when trucks damage your low hanging branches. Are you as tired of all this construction work as we are?
Essa foi enviada por outra árvore, nos EUA:
To: Oak, Tree ID 107054611 February 2015
How y’all? Just sayin how do. My name is Quercus Alba. Y’all can call me Al. I’m about 350 years old and live on a small farm in N.E. Mississippi, USA. I’m about 80 feet tall, with a trunk girth of about 16 feet. I don’t travel much (actually haven’t moved since I was an acorn). I just stand around and provide a perch for local birds and squirrels. Have good day, Al
É tão linda a forma que nossa relação com árvores aparece no nosso cotidiano, como a sumaúma que comoveu Belémno início desse ano.
Adrianne LaFrance, no The Atlantic:
These sorts of initiatives encourage civic engagement and perhaps help with city maintenance, but they also enable people’s relationship with their city to play out at the micro level. Why have a favorite park when you can have a favorite park bench?
The trees I have loved do not have email addresses. But if they did, I might take the time to remark on the lovely crook of one question-mark-shaped branch, and the softness of summer maple leaves dappling four o’clock sunlight onto my desk.
“Dear 1037148,” wrote one admirer to a golden elm in May. “You deserve to be known by more than a number. I love you. Always and forever.”
The Uncolouring Book
the uncolouring book é um site que oferece um fundo colorido e uma “caneta”, você pode desenhar com o mouse ou com seus dedos. As instruções são simples: “adicione linhas às cores, e dê a elas significados”.
Eu estou tendo uma semana estressante no trabalho, mas eu não sabia que eu precisava muito parar tudo o que eu estou fazendo para assistir um vídeo de uma fábrica de lápis em Tóquio.
Dolphin is a man’s best friend in Brazil’s South
Amanda Audi, The Brazilian Report:
O golfinho fêmea Caroba teve uma atitude estranha. Nadou até o fim da praia de Laguna (SC) e entrou no rio Tubarão. Foi localizada a mais de 200 km de distância. Alguns diziam que ela bateu numa rede e se perdeu tentando fugir. Outros, que nadou para longe para morrer sozinha.
Uma força-tarefa de pescadores viajou para resgatar o animal. Passaram dias tentando guiar ele de volta pra casa. Falar sobre Caroba era engolir emoção. “Este boto trabalha na nossa região há muitos e muitos anos. Eu tenho 42 anos e o meu pai já pescava com ele”, disse um deles.
Caroba foi encontrada sem vida uma semana depois da fuga. A foto de seu corpo estampou os jornais da região – ela foi publicada borrada, como se costuma fazer com cadáveres humanos. Não se sabe a causa da morte. https://t.co/ASlo6OIJnO
O corpo foi levado de volta a Laguna e enterrado no cemitério dos botos, ao lado da baía onde eles costumam ficar. Cada boto que morre ganha uma cruz com o seu nome. Lá estão Batman, Borracha, Leleco, Tapete, Lata Grande, Prego, entre outros que se foram nos últimos anos.
“Tudo na vida tem um prazo. Para animais e humanos”, disse, melancólico, um morador enquanto prestava homenagem ao lado da lápide do amigo Caroba. “E ainda existe gente orgulhosa, que se acha melhor que o outro, mesmo sabendo que logo todos iremos embora”.
Caroba era um dos mais velhos da antiga prática de pesca com botos de Laguna – um dos raros casos de colaboração mútua entre humanos e animais. Há mais de 150 anos, pescadores e golfinhos trabalham e se beneficiam juntos. Estudos mostram que a relação é exemplo para o mundo.
Os golfinhos “pastoreiam” os peixes e emitem um alerta, então os pescadores lançam a tarrafa (rede pequena), em uma ação coordenada. Assim, os pescadores pegam mais tainhas e os golfinhos não precisam nadar até áreas perigosas para se alimentar –aumentando a chance de sobreviver.
Os chamados “bons botos”, são selvagens, e não há tentativa de domesticação. Mas é inegável que existe um carinho entre os envolvidos. “O meu melhor amigo não é um cachorro, é um boto”, diz um dos pescadores.
Os golfinhos são do tipo nariz de garrafa (o mesmo do Flipper). Aqueles que pulam pra fora da água e fazem gracinha para as pessoas.
Rotating Sandwiches
Vencedor do primeiro Tiny Awards, um prêmio que celebra sites de uma internet pequena, pessoal e casual.
É o site mais legal que eu visitei em meses.
A sumaúma que comoveu Belém
Helena Palmquist, SUMAÚMA:
Nas redes sociais, uma moradora definiu: “De madrugada, generosa, não feriu ninguém. A gente chora”. A câmera de vigilância registrou o momento, numa sequência que foi transmitida várias vezes pela televisão e pelas redes sociais. Pelo amanhecer a notícia e a comoção já se espalhavam pela cidade e moradores, primeiro os de perto, depois os de longe, não paravam de chegar, olhando para os restos da árvore, entre tristes e assustados, como se estivessem passando pelo velório de alguém famoso e querido. E estavam.
Tumblelogs
A definição de tumblelogs por Jason Kottke, o maior blogueiro da internet, é fantástica (lá de 2005):
A tumblelog is a quick and dirty stream of consciousness, a bit like a remaindered links style linklog but with more than just links. They remind me of an older style of blogging, back when people did sites by hand, before Movable Type made post titles all but mandatory, blog entries turned into short magazine articles, and posts belonged to a conversation distributed throughout the entire blogosphere. Robot Wisdom and Bifurcated Rivets are two older style weblogs that feel very much like these tumblelogs with minimal commentary, little cross-blog chatter, the barest whiff of a finished published work, almost pure editing…really just a way to quickly publish the “stuff” that you run across every day on the web.
Fazia um tempo que eu não escutava Soviet Kitsch, o terceiro álbum da cantora e compositora Regina Spektor. Soviet Kitsch foi um daqueles álbuns que ajudaram a moldar o meu gosto pra música quando eu tinha treze ou quatorze anos.
Eu não sei o que me levou a me afastar desse disco e de Regina Spektor como um todo, mas fazia ao menos um bom bocado de década que eu não ouvia Soviet Kitsch, mas ele deixou essa sexta-feira muito mais leve por reaparecer na minha vida. Spektor tem uma voz perfeita, e escreve com uma liberdade de dar inveja: coisas que parecem bobas se tornam em ótimas anedotas do dia-a-dia através da poesia dela. Ghost of Corporate Future, minha música favorita do disco e que eu simplesmente tinha esquecido até o momento que começou a tocar agora há pouco aqui na sala, me fez chorar com esse charme.
People are just people
They shouldn’t make you nervous
The world is everlasting
It’s coming and it’s going
If you don’t toss your plastic
The streets won’t be so plastic
And if you kiss somebody
Then both of you’ll get practice
Bom fim de semana, pessoal!
“Peaches”
A melhor (ou a única coisa boa?) em Super Mario Bros., o filme da Illumination e da Nintendo, é o Bowser, principalmente com sua vocação musical ao cantar Peaches, uma música original composta para o filme. Agora, a música tem um clipe com o próprio Jack Black, que dubla o personagem na versão americana.
Como diria o Dean Pelton de Community:
Um dia na vida de um carvalho
John Lewis-Stempel escreveu os eventos diários ao redor de uma árvore de carvalho. É mundano e bonito.
Ondas da memória — a beleza dilacerante de “Aftersun”
O que eu lembro da minha avó é o jeito que ela repousava a sua mão pesada e dura nas minhas costas enquanto eu dormia, e me massageava gentilmente até eu acordar com a voz profunda dela entoando uma canção. Essa memória — dessa específica manhã, mas também de todas as manhãs que ela estava na casa dos meus pais durante a minha infância — é tudo o que eu tenho da minha avó, que partiu no dia do meu aniversário quando eu tinha dez anos, e que mesmo assim teve uma influência profunda em minha vida.
Até hoje, eu durmo de bruços. Mesmo depois de um médico me explicar que dormir assim é horrível para a sua coluna e para a sua respiração, e para o descanso que você supostamente deveria estar tendo. Mas eu não consigo evitar. Em algum lugar do meu cérebro, as memórias de minha avó chegam ao meu corpo quando eu vou dormir, e eu lembro dela me acordando em um dia de aula há mais de duas décadas. É tudo o que eu tenho dela.
Memórias fazem parte de nós da maneira mais íntima e misteriosa. É como aprendemos, como quantificamos nossa vida. Pode nos destruir ou nos salvar. Memórias podem mudar de forma conforme vamos vivendo. Algumas são esquecidas. Outras parecem continuar vívidas em nossas mentes. Mesmo que sejam, na verdade, apenas visuais nebulosos de um sentimento.
Essa natureza das memórias, mantidas como a mais pura expressão de nossos sentimentos, é perfeita para o cinema — que são, em essência, imagens em movimento como nossas memórias e nossos sonhos. Nos melhores filmes, essas imagens são capazes de moldar nossos sentimentos, como nossas memórias, em uma experiência quase sobrenatural. Mas filmes sobre memórias são difíceis de serem feitos, porque filmes são dirigidos, um meio “proposto” em que tudo é planejado e ensaiado e filmado. É quase impossível de capturar a qualidade fugidia das memórias.
Só no ano passado, três filmes tentaram capturar essa sensação de uma peça de memória. Dois são de grandes diretores, com Steven Spielberg examinando sua infância e seu relacionamento com seus pais no lindo e mágico Os Fabelmans; e James Gray observando as raízes profundas do seu privilégio e de seu modo de ver o mundo no desolador Armageddon Time.
Mas é Aftersun, da estreante Charlotte Wells, que usa suas memórias da infância com seu pai para fazer um filme com a mesma sensação que é se lembrar de algo assim, que captura o que é lembrar de alguém que não existe mais. Ao menos em uma forma física.
Aftersun começa com Sophie, uma mulher no início dos trinta, olhando para as fitas-cassete de uma viagem com seu pai, Calum, para a Turquia. Não é um início fácil de decodificar: nós só vemos Sophie como um reflexo numa tela de TV enquanto as fitas estão sendo rebobinadas.
É no passado que a maior parte de Aftersun se passa, quando Sophie — então uma garota de onze anos — está começando a mostrar interesse na vida adulta. Ela tem curiosidade sobre a intimidade entre os jovens que estão hospedados no mesmo hotel, e tem uma leve ideia da dificuldade financeira pela qual seu pai está passando. Mas o que Sophie não consegue enxergar direito, muito porque ela é muito nova para entender a frustração e o vazio da vida adulta e porque seu pai a protege, é o estado mental de Calum. E é isso o que Sophie adulta está tentando entender. Ela é, afinal de contas, em uma idade próxima a de seu pai, e a mãe de um bebê.
Em filmes assim, você geralmente espera por um grande momento catártico de confronto entre a criança e seus pais, que pode ou fortalecer ou destruir seu relacionamento. Mas Aftersun aborda esse relacionamento em seus próprios termos. Não há dúvida que Calum ama sua filha, nem que Sophie ama seu pai. Mas Sophie não consegue remover uma certa distância que existe entre ela e Calum. Ela é uma criança honesta e espirituosa, desejando que seu pai compartilhe com ela seus pensamentos da mesma forma que ele pede que ela o faça.
Não há um conflito em Aftersun. Suas cenas perduram, criando lentamente uma maré emocional, com planos dos restos de jantar, de paragliders no céu, ou da lama em uma piscina, pontuando o que parece ser uma narrativa banal. Calum e Sophie na piscina, ou comendo o jantar, ou falando sobre o céu. Mas Wells e seu time deixam essas imagens continuar mesmo quando uma cena normalmente terminaria, perdurando em um quarto vazio depois que eles saem, ou na piscina que eles vão mergulhar.
Parece inconsequente, até que o filme começa a acumular esses momentos e você se dá conta de que talvez essas sejam as últimas memórias de Sophie com seu pai, e você começa a entender porque ela — que não está mais somente assistindo vídeos daquele lugar, mas lembrando de coisas que nunca foram filmadas — se mantém nesses detalhes, procurando por pistas que seu pai talvez tenha deixado: um cartão postal que ele deixou, as marcas no espelho, o modo como ele olha para ela enquanto ela canta um parabéns…
Essas pistas começam a se acumular como uma foto sendo revelada aos poucos, até tomar forma, e Aftersun representa essa busca de sua protagonista por compreender seu pai de uma maneira mais metafórica, no que parece ser uma festa. Esses momentos que ela e seu pai compartilharam começam a ficar nebulosos; seus detalhes, escassos. Ao mesmo tempo, nós queremos que eles fiquem juntos, que não desperdicem um segundo sequer. Nós sabemos que eles vão, que eles não conseguirão. É assombrador, porque é real.
O que Aftersun tem de clímax não é um confronto, nem uma culminação. Como suas cenas parecem formar uma maré levantando, subitamente as suas ondas começam a quebrar. Como o mar, as memórias podem nos enganar. Nós nem sempre conseguimos prever como uma onda vai nos alcançar, com qual tamanho ou com qual força, até que seja tarde demais, nos cobrindo de água. Quando Sophie lembra de uma dança, e que ela consegue se conectar com como o seu pai estava se sentindo, parece quase um afogamento. E, em uma escolha de música e montagem brilhante, tanto a trilha-sonora quanto a imagem parecem retratar a angústia de perder seu fôlego por um momento. A Sophie de hoje encontra o Calum de suas memórias no momento em que a Sophie do passado perde seu pai para sempre.
Isso é tudo o que ela tem dele. Não o tapete que ele comprou, ou a câmera que ele usou, mas suas memórias. E elas são incertas, nebulosas. Mas isso é tudo o que existe dele para Sophie. Parece ser perdido no mar no meio da noite, não sabendo onde começa o mar e termina o céu. Você perde sua direção, sua respiração. Você não sabe se seus pés vão tocar o solo de novo.
E então, ela é resgatada pelo barulho gentil do presente. Ele vai continuar na sua cabeça, em suas memórias e em seus sentimentos, guiando suas escolhas das formas mais misteriosas. Desconhecido e eterno. Ela vai tentar capturar ele em tudo o que fizer. E, se tiver sorte, vai conseguir traduzir pelo menos um pouquinho do que foi existir ao lado dele por um momento. Eu sei que eu tentei.
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Você pode ver Aftersun na MUBI.
O jogo perfeito para esperar pelo novo Zelda
Tears of the Kingdom, a continuação de The Legend of Zelda: Breath of the Wild, está logo aí. É o meu jogo mais esperado do ano. Parece fantástico. Eu passo horas do meu dia lendo teorias da conspiração sobre o jogo, que a gente sabe tão pouco mesmo estando há poucos meses de seu lançamento. Eu passo as noites sonhando em tirar umas férias bem longas e me aventurar em Hyrule de novo.
É um sentimento que me remete à infância. Quando eu era pequeno, eu esperava pelos novos livros do Harry Potter, que vinham no final do ano. Eu esperava lendo revistas sobre e revendo os filmes, e brincava com meus colegas da escola no recreio, fingindo que os corredores da nossa escola eram os corredores de uma escola de bruxos como as dos livros. A expectativa pelo lançamento de um novo livro da série era cheio de atividades, a maioria dentro das nossas cabeças.
Lil Gator Game remete à essa época de imaginação fértil em um jogo sobre um grupo de amigos brincando de aventura na ilha em que eles moram, imaginando que pedaços de papelão são monstros que precisam ser derrotados, que pessoas oferecem missões. O jacarézinho e seus amigos estão esperando pelo novo Legend of Hero, que parece ser incrível, e enquanto eles esperam pelo lançamento do jogo, eles criam a sua própria brincadeira para matar o tempo.
Do mesmo criador do incrível A Short Hike, Lil Gator Game não é um jogo de aventura como Zelda, mas é uma carta de amor à franquia da Nintendo. Não só pelas referências (no início do jogo, os amigos precisam encontrar uma “espada”, um “escudo” e um chapéu, já que o jacaré já é verde, para continuar a brincar), mas pela estrutura. Lil Gator Game começa bem simples e, dado o tamanho da criação anterior do estúdio, você se engana que o escopo será pequeno também. Mas então ele oferece uma experiência semelhante a Breath of the Wild, e se abre para o jogador. A estrutura é muito mais simples: você encontra seus amigos, você brinca, e finge que está em uma aventura.
Por incrível que pareça, Lil Gator Game consegue capturar a mágica de Zelda, de que você está em um mundo labiríntico, misterioso e fascinante, não repetindo a fórmula, mas por mostrar o carinho desses personagens pelo mundo fantasioso. A empolgação em “brincar como” deles é contagiante que Lil Gator Game te coloca na brincadeira também. Você não vai solucionar quebra-cabeças para liberar novos itens aqui, mas você vai acompanhar uma criança aprendendo que o tempo que ela tem para imaginar mundos vai passar, e que é precioso enquanto ela pode fazer isso.
pointerpointer.com
Esse site vai encontrar o ponteiro do mouse pra você.
Como eu escuto música
É estranho, mas eu tenho uma pequena coleção de discos de vinil que foi crescendo sem eu perceber. Eu moro perto de uma feira de antiquários que acontece no sábado de manhã, e nesse último ano eu encontrava discos incríveis, como o Alucinação do Belchior e o Little Creatures do Talking Heads por R$ 30 (o mais caro, a trilha-sonora do Blade Runner pelo Vangelis, foi R$ 75).
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Eu posso não ter percebido, mas meus pais perceberam. Eu levava esses discos para a casa deles nos fins de semana para ouvir no toca-discos que eles têm. Nesse Natal, eu ganhei um toca-discos para mim, e eu tô impressionado em como ele mudou drasticamente a minha relação com a música de um jeito tão rápido.
Aconteceu o seguinte: fora determinadas circunstâncias, como quando eu apresento uma música para alguém, eu escuto música fazendo outras coisas. Eu ouvi Cool It Down, meu álbum favorito do ano passado, enquanto corria. Até mesmo Random Access Memories, o álbum que eu lembro de ter feito um lembrete no calendário para marcar o lançamento, eu escutei enquanto “trabalhava” (ênfase para as aspas).
Minha relação com a música, geralmente, é na forma de trilha-sonora. É o que está nos meus ouvidos enquanto eu trabalho, ou faxino a casa, ou no ônibus para visitar meus pais. Diferente de ir ao cinema ou esperar o novo episódio de uma série no domingo de noite, eu raramente reservava meu tempo para ouvir música. Talvez seja por isso que eu tenha tanta dificuldade para comentar sobre música com meus amigos, e que minha relação com meus discos favoritos geralmente seja baseada em memórias que tenho ao ouvi-los*.
Enfim… voltando ao assunto. Com o toca-discos, eu comecei a reservar um momento para sentar ao redor dele e colocar um disco para tocar. Como parar para ler, eu paro para ouvir um disco. Eu não vou ficar aqui argumentando sobre a qualidade do som nem coisas assim. Eu não entendo o suficiente disso para ser contra ou a favor. Mas existe algo no fato de que você precisa colocar um disco, ajustar a agulha, e prestar atenção na música para trocar o lado, que me faz me relacionar com o ato de ouvir a música de um jeito diferente.
E então eu lembro que, quando eu era criança, meus pais faziam isso com a gente. Geralmente nas sextas-feiras, meus pais colocavam a coleção (consideravelmente maior) de vinil deles para tocar, no pequeno quartinho que a gente chamava de escritório, enquanto eles tomavam vinho ou cerveja. Eu e minha irmã ficávamos em volta, mas nem sempre dávamos muita bola (era impossível não ouvir, já que eles colocavam o som muito alto) para as histórias que eles contavam quando ouviam as músicas. Mas eles estavam ali, prestando atenção nas faixas que eles escolheram levar pra vida deles através daquela coleção. As vezes nem eram memórias, e sim sentimentos específicos. As vezes vinham os amigos, mas as vezes eram só os dois. Uma espécie de listening party.
Em 2020, no início da pandemia, eu escrevi um pouco sobre a minha relação com música. Ano passado, eu encontrei um backup de músicas que eu ouvia na adolescência. Então essa mudança que ocorreu com o toca-discos pode ser parte desse processo de reavaliar a música na minha vida. Tá sendo um processo muito bacana, em que eu tenho realizações tardias sobre coisas que todo o mundo já sabia, por exemplo:
Alucinação é um disco perfeito.
(*) Acho que não comentei aqui, mas ano passado eu fui visitar a Manu em Curitiba, e no trajeto de volta, em que ela me levava no aeroporto, colocamos The Suburbs para tocar. Foi um momento perfeito, em que o disco durou exatamente o tempo da viagem, enquanto a gente olhava para os subúrbios e nos despedíamos.
Minha dieta cultural nas últimas semanas
Eu ando sumido por aqui. Não só aqui, na verdade. Eu não ando escrevendo. Isso tem sido um problema que eu tô levando pra terapia já faz uns meses. Pode ser um punhado de coisas — eu suspeito que seja o conjunto dessas coisas, com uma confusão amorosa, o calor (que me tira a inspiração) e a reforma do meu apartamento.
Então eu resolvi dar um jeito nisso. Eu posso não ter muito o que escrever por aqui mais (pelo menos eu acho que não), mas eu posso oferecer uma pequena atualização do que eu ando assistindo e lendo e jogando. Algo bem breve. Talvez esse pequeno exercício me inspire a escrever mais. Eu tô torcendo pra que isso funcione.
Se você assinava A Baguete há uns anos atrás, já conhece o formato desse post. Depois dessa pequena introdução, vem uma lista com filmes, séries, jogos, livros e (as vezes) músicas que eu gostei nas últimas semanas. De vez em quando eu coloco alguns links interessantes que eu achei também. Vamos começar.
Pela primeira vez em muitos anos eu não fiz aquela “corrida do Oscar” que eu costumava fazer em janeiro e fevereiro. Eu não procurei a maioria dos filmes indicados para assistir. Eu decidi me comportar como um ser humano normal e assisti os filmes que mais me interessavam, e eu não me arrependo muito de ter feito isso? Eu já tinha assistido Ataque dos Cães na Netflix no ano passado e Mães Paralelas nos cinemas (e agora está na Netflix também).
Fora esses, eu queria muito ver Licorice Pizza, que estreou nos cinemas brasileiros em fevereiro e é um arraso — tem toda aquela energia que os filmes do Paul Thomas Anderson têm, repleto de vida e de movimento. Mas os destaques pra mim foram os dois filmes estrangeiros que conseguiram algumas indicações aqui e ali: o magnífico Drive My Car (nos cinemas, e a partir de hoje na MUBI) e o estonteante A Pior Pessoa do Mundo, que tá nos cinemas e eu não posso recomendar um filme mais do que esse.
Minha verdadeira paixão nesse início de ano, porém, foi com Sempre em Frente, o novo filme do diretor Mike Mills (eu escrevi sobre o filme anterior dele, Mulheres do Século 20), um filme bem pequeno sobre um homem cuidando do sobrinho enquanto entrevista crianças e jovens para seu programa de rádio. É belíssimo, e tem a minha sequência favorita do ano por enquanto — ele lendo o livro Star Child da Claire A. Nivola enquanto as memórias que os dois fizeram juntos vão sumindo lentamente. É maravilhoso.
Além dos filmes, eu sigo firme e forte na minha maratona de Plantão Médico na HBO Max (eu escrevi ano passado sobre como essa série ainda é impressionante de assistir). Também na HBO, minha série favorita do ano até aqui é a Estação Onze. Talvez eu tenha que rever ela. Ela fazia meus sentimentos parecerem grandes e pequenos ao mesmo tempo.
Eu ando assistindo muita coisa na Apple TV+, o que é um saco porque é chato de recomendar um serviço tão específico assim. Mas tá cada vez mais difícil contornar essa situação. A Apple TV+ tá com algumas das séries mais interessantes no ar atualmente: eu continuo amando assistir Central Park por lá, mas o verdadeiro arraso é Ruptura, sobre os funcionários de uma empresa que passaram por um processo médico que faz as memórias da vida pessoal e do trabalho se separarem, criando essencialmente duas pessoas no mesmo corpo. Quando eles estão na empresa, eles não lembram nada da vida pessoal deles fora dali; quando eles saem do turno de trabalho, eles não lembram nada do que aconteceu lá dentro. É brilhante.
Em termos de jogos, eu me arrisquei um monte em Elden Ring, que é um arraso de construção de mundo e de jogabilidade. Não é meu estilo de jogo (eu já sou ruim em jogos fáceis, imagina num assim), mas eu amo como a jogabilidade profunda que os jogos da FromSoftware oferecem é tão enriquecido com o mundo aberto.
Eu ando jogando mesmo é o Paper Mario original no catálogo do Nintendo 64 no Switch. Eu amo esse jogo e, mesmo que os visuais tenham envelhecido muito (o Paper Mario: The Origami King de 2019 é de uma beleza estonteante), a história ainda é uma das minhas favoritas dos jogos. Todos os personagens são muito carismáticos, e o humor é uma delícia. Mais jogos deviam ser bem humorados.
Meu maior destaque em jogos, porém, vai pra Tunic (Xbox, Game Pass e Windows/Mac), que provavelmente vai ser o meu jogo favorito do ano. Ele é tipo Zelda, tipo Dark Souls, mas é completamente único também. Um jogo de ação-aventura que explora o legado do próprio gênero enquanto contorce suas regras de jogabilidade pra criar algo único. Você só vai lembrar de jogos como A Link to the Past enquanto joga Tunic pra perceber como esse jogo faz você sentir que está se deparando com outra obra-prima. Não tem elogio melhor que esse.
The Lightning I, II
Eu amo esse momento. Mensagens estranhas começam a aparecer na internet. Algumas pessoas ao redor do mundo encontram cartões postais com pistas de locais, de dias e de horas. As pessoas se reúnem nos fóruns dos fã-sites do Arcade Fire e começam a especular. É como se estivesse no ar — vem música nova por aí.
E veio. Depois de aparecimentos estranhos nas caixas de correio dos fãs, de partituras espalhadas por Nova Orleans e Montreal, o Arcade Fire finalmente divulgou sua primeira música inédita em cinco anos, desde o lançamento de Everything Now: The Lightning i, ii. E é o Arcade Fire que eu gosto.
Definido como um hino aos que ficaram em quarto lugar, The Lightning é o tipo de música que tornou o Arcade Fire em uma das maiores bandas norte-americanas hoje: fazendo grandes declarações sobre nossos sentimentos mais íntimos e pequenos, criando uma sensação de comunidade com seus ouvintes. Em The Lightning, é aquele sentimento de falha — de que a gente espera por aquele momento em que tudo vai acontecer, e as vezes as coisas não dão certo. “Some will win, some will lose when the lightning comes”. Eu não sabia que eu precisava de companhia nesse sentimento de medo e incerteza e fracasso. Mas como a saudade e o luto, o Arcade Fire tornaram essa angústia em algo que a gente pode cantar bem alto até que ele fique um pouco menor. A minha banda favorita tá de volta.
A banda anunciou seu novo álbum junto com o lançamento da música. WE, o sexto disco do Arcade Fire, vai ser lançado em 6 de maio. O título do álbum vem do título do romance distópico russo “Nós”, de Yevgeny Zamyatin.
The Lightning I, II já está disponível no Spotify e no Apple Music, onde vocë pode salvar WE na sua biblioteca para ouvir assim que for lançado.
Bidoof vai te ajudar a se concentrar
Bidoof é o meu Pokémon favorito. Ele é inspirado no meu animal favorito, o castor. Ele é ao mesmo tempo um pokémon inútil e um dos mais úteis. Isso porque, embora ele não seja muito útil para batalhar (o principal objetivo de um pokémon nos jogos), ele é muito útil para te ajudar a navegar pelo mundo. Bidoof pode mover obstáculos e cortar caminhos. Quando eu jogo Pokémon Diamond/Pearl, Bidoof é a minha primeira captura, e o único pokémon que fica na minha equipe do início ao fim do jogo. Bidoof é um bom companheiro.
Nesse último ano, a The Pokémon Company andou apreciando o Bidoof. Em parte por causa do lançamento de Pokémon Brillant Diamond & Shinning Pearl, o remake dos jogos que introduziram Bidoof ao mundo, e de Pokémon Legends: Arceus, que se passa na mesma região onde ele é encontrado. Também porque Bidoof acabou encontrando uma leva de fãs ultimamente justamente pelo seu charme e companheirismo. Teve animação especial, tributos nos jogos e tudo o mais. Bidoof é amado.
A homenagem mais recente ao melhor dos pokémons é Bidoofwave, um vídeo de 9 horas de música relaxante para estudar ou se concentrar (por algum motivo, TPC não quer que eu incorpore o vídeo aqui). É um sonzinho bem bacana, que muda lentamente conforme a duração do vídeo (o vídeo em si é só um clipe de uns cinco segundos se repetindo constantemente), e eu tô curtindo ouvir enquanto faço umas coisas maçantes no trabalho. Bidoof é um ajudante.
Além do vídeo no YouTube, a Pokémon Company também colocou a trilha-sonora da minha vida em um disco no Spotify.
As melhores correntes de reblog do Tumblr
O Tumblr está fazendo quinze anos nesse mês de fevereiro. Para celebrar, a equipe decidiu homenagear as melhores correntes de reblog que aconteceram na plataforma nesse tempo através de reblogs (claro) no blog best-of-reblogs. É surreal de tão bom.
Se você não participou do Tumblr nos tempos áureos de 2010—2015, pode não saber o que é uma cadeia de reblogs, e deixa eu te explicar: é a melhor coisa que uma rede social já conseguiu criar. No tumblr, cada post pode ser “reblogado”. Se você postou algo que eu gostei, eu posso reblogar no meu próprio blog e adicionar alguma contribuição. Algumas vezes, os reblogs acontecem por dias ou meses e as vezes até anos, criando uma cadeia de reblogs de colaboração, geralmente muito bem humoradas e as vezes muitíssimo informativas.
O best-of-reblogs compila algumas das melhores cadeias de reblogs. Tem essa, em que os membros do site levam o aviso de uma placa às últimas consequências; ou essa que eu só posso classificar como “copypasta”, de tão absurda. Tem também essa excelente classificação de tipos de comida usando sua forma.
Mas o meu favorito no best-of-reblogs é a dos números ímpares, e a destruição completa da minha sanidade conforme eu fui lendo. Eu vou me dar ao trabalho de reproduzir ela aqui na íntegra, porque eu não quero enlouquecer sozinho.
O tratamento mal-sucedido de um caso de "bloqueio do escritor"
Esse é o artigo acadêmico The Unsuccessful Self-Treatment of a Case of “Writer’s Block” na íntegra:
É uma piada acima de tudo, mas como foi um artigo publicado ele pode ser citado por outros artigos acadêmicos, e aparentemente ele já foi citado mais de cem vezes.
O próprio artigo da Wikipédia sobre ele não se aguenta de fazer umas piadinhas.
(Via Kottke).
Estação Onze torna o mundo grande de novo
Mother e EarthBound (finalmente) chegam ao Switch Online
Eu não tenho ideia do porquê demorou tanto tempo para a Nintendo adicionar EarthBound, um dos melhores jogos do SNES, no Switch Online — o serviço de assinatura em que eles disponibilizam alguns jogos clássicos do NES, SNES e Nintendo 64. Mas a espera acabou: tanto EarthBound quanto o jogo anterior da série, Mother, que nunca saiu do Japão na época do NES, chegaram ao Switch Online ontem de noite.
Foi a melhor das várias boas surpresas que foram anunciadas no Nintendo Direct de ontem. Portal e Portal 2! No Man’s Sky! Eu nem sabia o quanto eu queria um novo Wii Sports pro Switch até assistir o trailer de Switch Sports! Eu vou jogar vôlei online e não quero saber a opinião de ninguém sobre o assunto.
EarthBound é um dos poucos RPGs que eu gostei de jogar. Seu misto de RPG com aventura da Sessão da Tarde é algo que me atraiu e que até hoje não vi nenhum outro jogo tentar fazer igual. E embora seja um fracasso comercial reconhecido da Nintendo, ainda é um dos seus jogos mais ousados e únicos.
Eu ainda não joguei Mother, que só foi lançado fora do Japão através do Virtual Console do Wii U como EarthBound Beginnings, décadas depois do seu lançamento original, mas é por onde eu vou começar minha jornada dessa vez. Eu suspeito muito que eles estejam preparando alguma forma de lançar Mother 3, a continuação para GameBoy Advance que também nunca saiu do Japão, mas tem uma legião de fãs fervorosa no mundo todo.
Também achei um charme que a Nintendo publicou um vídeo apresentando o jogo para as pessoas que só conhecem Ness através do Super Smash Bros. (meu main, inclusive):
If Not Now, When
Eu acompanho e gosto muito do trabalho de Mike Rugnetta desde que descobri seu projeto Idea Channel, que buscava conexões improváveis entre os temas mais variados, de arte ao comportamento humano à física e reações biológicas. É o tipo de projeto de uma geração que, cresceu explorando a internet e descobrindo e exercitando esse tipo de pensamento — que conecta e constrói, como quando a gente se perde enquanto explora a Wikipédia.
Rugnetta tem vários projetos na internet e eu sabia de suas instalações, mas é a primeira vez que eu vejo uma gravação de uma delas. If Not Now, When é uma instalação feita por ele, Madeline Best e Brian Rogers que consiste na sobreposição de luzes, projeções e sons em um espaço público. O resultado parece um daqueles momentos de sonho, em que as coisas que parecem desconectadas se unem dentro e fora da sua mente. Fora, elas convergem em uma coisa só, como se fosse algo vivo. Dentro, elas se unem em um sentimento forte, de presenciar algo belo.
Eu amo esse efeito dessas obras de arte públicas, que a gente as vezes encontra enquanto anda na rua. É um bom jeito de lembrar de tudo ao redor de nós e tudo o que isso pode nos fazer sentir.
O que está acontecendo por aqui
Me desculpem pela falta de movimentação por aqui nesses últimos meses. Como eu comentei no post de fim de ano, eu ando meio atucanado com a reforma do meu apartamento e outros acontecimentos do lado de cá do computador, e o tempo está curto.
E eu não digo só pra aparecer aqui e escrever algo, mas para tudo o que geralmente me leva a escrever nesse blog em primeiro lugar. Eu não tô conseguindo ler meu RSS direito nas últimas semanas, nem ficar de olho em links legais no Twitter pra postar aqui. Pessoalmente, eu ando com pouco tempo até para visitar Léte, minha ilha no Animal Crossing, algo que eu achava inimaginável há alguns meses. Sem conseguir ler, navegar e conversar com os outros, eu fico com poucas ideias para escrever sobre coisas legais por aqui, o que acaba deixando o blog sem muita movimentação, e por isso eu peço desculpas.
Eu não vou dar uma data para quando eu talvez consiga voltar para o Pão. Ele funciona melhor sem cronogramas nem promessas, como eu já aprendi nos últimos anos. Por isso, eu peço só um pouquinho de paciência. A reforma do meu apartamento ainda deve demorar umas três semanas pelas minhas contas, então ao que tudo indica eu talvez volte a ter tempo pra respirar ali por fevereiro, e eu espero voltar pra cá assim que possível. Muito obrigado pela paciência, eu mal posso esperar pra comentar como eu sou apaixonado pelo Wordle.
Uma foto do Cometa Leonard
Essa é uma foto (composta por outras doze fotos) do “cometa de natal”, Leonard, capturada pelo astrônomo amador Andrew McCarthy (via Instagram):
“Apesar de estar bem baixo no céu a sudoeste, consegui tirar cerca de 12 minutos de fotos em close-up, o que me deu uma ótima visão da incrível estrutura e cor ao redor do núcleo. Eu não conseguia ver a olho nu, mas com binóculos dava para ver muito claramente. Você pode fotografá-lo com a câmera de um celular se souber onde procurar!”
McCarthy apareceu no blog em abril do ano passado com essa foto do Sol.
Boas vindas ao ano novo, pessoal!
As cinco melhores coisas de 2021
Everything is Alive entrevista Sal, a meia
Uma coisa interessante aconteceu hoje. Eu tava voltando da minha corrida, enquanto eu ouvia os meus podcasts da semana, quando o episódio de hoje de Everything is Alive começou. Eu tava tirando minhas meias quando Sal, uma meia, começou a contar sobre Rebecca, sua parceira.
Essa temporada de Everything is Alive tá sendo mais ou menos, mas Sal talvez seja o meu episódio favorito do podcast até aqui. A empolgação de Sal contando sobre Rebecca é daqueles momentos de genialidade que compõe o podcast em seus melhores momentos: breves lampejos da beleza do nosso dia-a-dia sendo relembrados em perspectivas completamente diferentes da nossa. É uma reapreciação de se estar vivo.
O episódio também tem uma entrevista com Sebastian Connelli, o homem que ilustra esse artigo sobre usar sandálias e meias, e sua esposa, que publicou a foto no site — algo que eu não fazia ideia de que era polêmico, até porque eu amo usar crocs e meias.
Aí estão dois casais conversando sobre meias. Quem diria que seria tão bonito.
Como recomendar sua série de TV favorita
Relendo “A Visita Cruel do Tempo”
Tem um sentimento que eu gosto muito, e que eu percebi que eu tô sentindo de novo depois de muito tempo, que é o de ouvir uma música que eu amo e me lembrar de todos os momentos que ela tocou no momento perfeito, ou todos os momentos perfeitos que eu queria que essa música estivesse tocando.
Quando eu era mais jovem eu achava que isso era uma loucura da minha cabeça, que por algum motivo minhas memórias tinham um jeito de “molhar” o presente na primeira oportunidade possível. Nos últimos anos, em que eu me distanciei da música e de muitos sentimentos, eu nem lembrava que isso podia acontecer.
Essa semana eu tava revirando uma das caixas no meu quarto (eu acabei de me mudar, e ainda não posso colocar as coisas no lugar) quando encontrei A Visita Cruel do Tempo. Eu nem lembrava que ele é o meu livro favorito, e que eu escrevi sobre ele aqui há muitos anos. Eu comecei a reler ele, e eu lembrei exatamente desse sentimento que eu descrevi acima, porque ele é um livro cheio deles, e eu nunca tinha percebido isso antes.
Não vou resenhar A Visita Cruel do Tempo aqui, até porque eu nem sei mais como fazer isso. É um livro sobre uma mulher, Sasha, e um homem que, por alguns anos, foi o chefe dela, Bennie. Mas o livro dificilmente fala dos dois diretamente, fora os dois primeiros capítulos. A Visita Cruel do Tempo conta a história dos amigos, dos mentores, dos filhos, de pessoas que cruzaram com eles nas ruas. Os capítulos são todos muito diferentes entre si, mudando de pontos de vista e de modo narrativo. Mas, de alguma forma, todos eles se interligam. São momentos na vida de um punhado de pessoas, e como eles reverberam — como eles são lembrados ou esquecidos com o tempo, mas como eles continuam existindo, de alguma forma, aqui e ali.
Esse sentimento me pegou de jeito no terceiro capítulo do livro, “Safari”, que é contado no ponto de vista de vários personagens ao redor de um produtor musical chamado Lou: pelos seus filhos, Charlie e Rolph; e sua amante, Mindy. Parece uma história bem comum sobre a vez em que o pai das crianças levou eles para o Quênia para ver leões. Até que chega numa cena de dança.
Nela, a autora Jennifer Egan emprega um recurso que eu amo, e que lendo eu percebi que é o mesmo recurso que Mike Mills empregou em Mulheres do Século 20: usando o presente pra falar do futuro que os personagens não viveram, mas a gente tá tendo a oportunidade de ouvir como se fosse uma lembrança:
Conforme os dois vão se movendo juntos, Rolph sente a vergonha desaparecer como por milagre, como se estivesse virando adulto bem ali na pista, tornando-se um menino que dança com meninas feito a irmã. Charlie também sente a mesma coisa. Na verdade, essa lembrança é aquela que irá revisitar vezes em conta, pelo resto da vida, muito depois de Rolph ter se matado com um tiro na cabeça na casa do pai aos 28 anos de idade: seu irmão ainda menino, com os cabelos colados à cabeça, os olhos brilhando, aprendendo timidamente a dançar. Mas a mulher que se lembrará disso não será Charlie; depois que Rolph morrer, ela recomeçará a usar seu nome de verdade — Charlene —, desassociando-se para sempre da menina que dançou com o irmão na África. Charlene vai cortar os cabelos curtos e estudar direito. Quando tiver um filho, vai querer batizá-lo de Rolph, mas seus pais ainda estarão traumatizados demais. Ela então chamará o filho assim na intimidade, apenas em pensamento, e anos depois estará em pé com a mãe junto a um grupo de pais torcedores ao lado de uma quadra esportiva vendo-o jogar e olhar para o céu com uma expressão sonhadora em seu rosto de menino.
Esse é um em uma série de parágrafos que revelam o destino dos personagens do capítulo. Quase todos eles recebem um parágrafo assim. O que me impressiona nele é como ele resume uma vida inteira em um parágrafo, mas não reduz a vida da personagem nele. Existe muita coisa que a gente não sabe que Charlie vai viver até adotar seu nome de Charlene, mas a gente sabe como aquele momento que ela tá vivendo naquele instante — aprendendo e ensinando seu irmão caçula a dançar — vai acompanhar ela.
Eu me emocionei muito lendo A Visita Cruel do Tempo, porque é cheio de momentos assim, em que as pessoas percebem que estão vivendo um momento definitivo. Não “decisivo”, necessariamente, mas um desses momentos eternos, que vão ser lembrados até serem esquecidos para poderem ser lembrados de uma nova forma, de novo.
Eu nem sabia que eu ainda gostava de ler tanto assim até esse final de semana, quando peguei esse livro e tive que me segurar pra não devorar ele de uma só vez. Reencontrar ele foi como salvar minha vida. Eu sinto que ele já fez isso antes, mas eu tinha esquecido até que ele me lembrou.
Mona Lisa, explicada
Eu sou um fã do canal Great Art Explained no YouTube. Os vídeos nele me ensinam a reapreciar peças de arte que eu sei que são extraordinárias, mas que eu simplesmente concedo que são porque todos dizem que são ou porque são “bonitas”.
A verdade é que uma peça de arte é um processo que se esconde em um resultado. E no caso da Mona Lisa, que se tornou um sinônimo de obra-prima, é fácil de apenas conceder que ela é uma bela pintura a ponto de desvalorizarmos como ela é uma obra-prima em si: ela é o resultado, e o processo, da carreira de um homem que nunca parou de aprender, e que fez alterações nela até o fim de sua vida, aperfeiçoando-a.
Esse vídeo coloca todos os seus feitos – da pose, do sorriso, da composição, até mesmo da anatomia de sua expressão – em um contexto: por que pintar uma mulher “normal” como Lisa foi um ato revolucionário em si; porque eternizá-la contente, quase confiante, é algo quase transgressor; e como ela nos pede para parar e olhá-la, em um mundo que simplesmente colou seu sorriso em todos os cantos possíveis, ela ainda consegue atrair um olhar diferente.
Achei poético que o melhor vídeo do canal é um vídeo sobre a obra-prima definitiva. Além de instrutivo, é emocionante de assistir. Ainda bem que arte existe.
Um site para rabiscar
Clive Thompson é um escritor, e ele desenvolveu um script na web para ajudar a rabiscar que você pode acessar aqui. Use as setas para guiar a direção do rabisco e aperte “c” para começar um novo.
Ele escreveu sobre o processo e a motivação em um post para o blog Better Humans. Rabiscar ajuda ele a se concentrar no que ele precisa escrever, e uma parte fascinante do post dele é sobre a ajuda cognitiva oferecida pelo rabisco:
Em um estudo, pessoas que rabiscavam enquanto escutavam uma palestra lembraram de 29% a mais do que as pessoas que não o fizeram. Alguns terapeutas suspeitam que nossos rabiscos podem ser úteis emocionalmente, formando pistas para os problemas que estamos lidando em nosso subconsciente. Pesquisas também descobriram que muitas pessoas em empregos de resolução de problemas rabiscam muito. Existe algo sobre essa atividade — que é simultaneamente criativa, uma maneira de liberar energia nervosa, e ao mesmo tempo bobo e atento — que ajuda a revigorar nosso combustível.
Como Sunni Brown, autora de The Doodle Revolution, escreveu…
Existe um motivo legítimo do porquê rabiscos aparecem nos cadernos de nossos pensadores, cientistas, escritores e inovadores mais celebrados. E, surpresa, não tem nada a ver com eles fazendo nada. Existem muitas evidências que sugerem que o que realmente est[a acontecendo é que o rabiscador está se envolvendo em um processamento de informações profundo e necessário. Um rabiscador está conectando os caminhos neurológicos com caminhos que antes estavam desconectados. Um rabiscador está se concentrando intensamente, vasculhando informações, concientemente ou não e — muito mais do que a gente consegue perceber — gerando pensamentos massivos.
Eu não sei se rabiscar no computador oferece tantos benefícios para o cérebro quanto um rabisco num papel (provavelmente não?), mas eu acabei de pegar meu caderninho e puxar ele mais pra perto, tá aí algo que eu fiz muito na escola e simplesmente parei depois. Vai ser interessante voltar a fazer isso.
O dispositivo mais importante do universo
O vídeo acima é uma coletânea de aparições de um dispositivo que aparece em praticamente todos os Jornada das Estrelas, e também em vários outros filmes de ficção científica por anos. É um achado meio fascinante — ele geralmente tá ali, piscando as luzes como sempre fez, mas sempre diferente em cada uma das suas aparições.
O mais bacana é que os comentários desse vídeo no YouTube não são uma poça de lodo como geralmente são, e sim um pouco daquela experiência de conhecimento colaborativo que a internet nos oferece nos melhores dias. Segundo o comentário de Gene Turnbow:
It was built at Modern Props - Modern Props owner John Zabrucky designed it. It dates to about 1977 or so, but was updated several times. I worked there around 1984-1986, so I worked directly with this piece on a regular basis.
E assim o dispositivo finalmente recebeu um nome, dado por SCOTHBOX em ujma resposta a Turnbow:
Let it forever be known as the “Zabrucky-Turnbow Drive”
Que tenha uma vida longa e próspera.
Onde encontrar a colina do Windows XP
Momentos.
Eu acho que a colina que aparece no papel do Windows XP é a colina mais vista do mundo. Em algum momento há duas décadas (!!!!!!!!) ela era a imagem de fundo de mais de um bilhão de computadores — provavelmente bem mais, porque naquela época era muito mais fácil falsificar um Windows.
Hoje ela é uma colina normal, e talvez ela sempre tenha sido. Isso porque ela não está em nenhum lugar especial. A fotografia foi tirada em 1998 pelo fotógrafo do National Geographic, Charles O’Rear, que estava indo visitar sua namorada quando passou por uma colina em Sonoma, na Califórnia. Ele parou para fotografar ela porque a grama estava muito verde depois da chuva. O resto é história.
O Atlas Obscura tem os detalhes:
O’Rear used Fujifilm’s Velvia (said to rival Kodachrome), a film often used by nature photographers, which created the image’s saturated tones. He says the image was completely untouched when he uploaded it to Corbis, a stock photo site founded by Bill Gates.
In 2000, Microsoft called to see if they could use his picture for its new operating system. O’Rear sold all the rights for an undisclosed sum—but a sum large enough that no one was willing to insure the images to be shipped. O’Rear flew to Seattle and delivered them in person.
Hoje a colina recebe a atenção de quem sabe o que ela protagonizou, mas para a maioria das pessoas que passam por ela todos os dias ela é só mais uma colina. O que é interessante, ees provavelmente viram ela várias vezes nas telas dos computadores, mas nunca pararam para ver ela quando estavam voltando do trabalho. Mas ei, ela ainda está lá.
Tudo o que eu voltei a sentir enquanto ouvia as músicas que eu esqueci
Eu enfrentei um dos piores momentos da minha vida entre 2015 até meados de 2019, vivendo com uma depressão que durou tanto tempo que eu achei que eu nunca ia conseguir sair dela. Com o tempo, ele deixou de ser uma constante na minha vida e se transformou em algo como o clima: as vezes fica calmo e bonito, as vezes fica agitado e confuso, e as vezes ele muda de uma hora para a outra.
Meu processo de recuperação foi, em parte, aceitar que eu precisava reaprender a sentir as coisas de novo, a buscar significados que eu perdi naqueles anos de novo. É uma via de mão dupla, porque eu fico feliz de reencontrar um velho sentimento ou de perceber algo ou de me inspirar com algo de novo; mas ao mesmo tempo eu percebo que esse sentimento está um pouco diferente, que existe um peso em algum lugar. É como se eu convivesse com um fantasma no canto do meu cérebro, que nem sempre quer me assombrar, mas que só por estar ali já me causa um desconforto.
Isso causou um efeito interessante aqui no Pão, que se tornou em uma espécie de documentação dessas redescobertas. Durante os anos em que eu estive doente, o blog caiu em desuso e era atualizado pouquíssimas vezes, então ele documenta muito a empolgação da época em que ele foi criado, entre 2013 e 2014, o silêncio dos anos seguintes até eu voltar a escrever em 2019. E, de 2019 pra cá, muitos desses posts são minha reação à pequenas percepções que eu tenho no meu dia a dia que em ajudaram a ficar melhor. A primeira vez que eu escrevi sobre isso foi em julho de 2019, mas vários posts desde então registram essas pequenas redescobertas do dia a dia.
A última veio nesse último fim de semana, enquanto eu fazia uma limpeza no meu computador antigo. Eu encontrei um backup das minhas playlists do serviço de streaming que eu usava antes do Spotify, o Rdio.
O Rdio era muito bonito.
O Rdio foi o primeiro dos streamings de música a fazer (um relativo) sucesso no Brasil, principalmente porque ele possuía um plano gratuito muito bacana, que te dava acesso a todos os recursos na versão web (você precisava pagar para usar no celular). Na época eu não tinha um smartphone, e usava o Rdio principalmente no meu primeiro trabalho, entre os anos 2011 e 2014. Foi a primeira vez que eu tive o acesso à muitas músicas sem precisar ficar baixando, e o Rdio tinha uma função de enviar dicas de música para os amigos de uma forma fácil, então eu e meus amigos ficávamos compartilhando músicas uns com os outros o dia inteiro.
Essa foi a mesma época que eu tenho algumas das minhas melhores memórias antes de adoecer. Eu era um estagiário em uma empresa bacana e recebia bem, o que me dava tempo e dinheiro — eu já tinha saído da casa dos meus pais, morava perto do trabalho e podia fazer o que bem entendesse. Eu tava saindo do ensino médio, e essa perspectiva de já ter um emprego sem nem ter se formado ainda me deu muita independência de uma hora pra outra. Eu não sabia, mas muito desse sentimento tinha sido guardado nas músicas que eu ouvia nessa época.
E muitos desses sentimentos vieram esse fim de semana, quando encontrei esse backup de playlists e músicas salvas daquela época e recuperei no meu Spotify. Discos e músicas que eu tinha esquecido completamente apareceram na minha biblioteca, e muitas memórias voltaram à tona. Memórias são bonitas, mas podem ser frias se não vêm acompanhadas de sentimentos muito específicos do momento que elas relembram. Eu armazeno muito dos meus sentimentos nas músicas que eu ouço, foi como abrir um velho baú de várias coisas que eu não sentia há muitos anos.
Se você quer dar uma olhadinha em algumas das músicas que eu acabei de redescobrir, eu tô juntando elas nessa playlist:
Isso me ajudou a perceber como eu escuto música de um jeito diferente do que naquele tempo. Por boa parte da última década, meu contato com músicas — principalmente músicas que eu não conheço — se deram por meio de playlists, geralmente criadas por algoritmos do Spotify. Isso parece que tirou muito a cara dessas músicas pra mim. Antes, músicas vinham de alguém ou de algum lugar: uma amiga me recomendou, ou eu vi em um filme que eu gostei muito, ou tocaram em uma festa e eu gostei tanto que tive que anotar o nome na palma da mão e torcer que eu não borrasse tudo quando chegasse em casa. Cada música era um achado, um momento perfeito porque traduzia o momento em som, e que deixava o momento mais perfeito por causa disso. Essas músicas então me levavam a artistas ou discos inteiros. Foi como eu conheci a minha banda favorita, por exemplo.
Tá sendo muito bacana voltar a reencontrar essas músicas, porque eu sinto que eu tô reencontrando velhos amigos depois de muito tempo. Eu tô muito diferente daquele tempo, e eu enxergo eles de um jeito muito diferente agora. Mas tem algo ali que não mudou. Falando objetivamente, são as ondas sonoras que continuam as mesmas. Mas parece que é algo mais. É como se fosse uma máquina do tempo.
Eu espero aprender essa lição, e voltar a descobrir músicas (e também filmes e livros e séries e jogos) através de pessoas e de momentos como esses que eu acabei de recuperar. De ficar curioso pelo que elas acham, e pelo que elas esperam que eu veja e escute e sinta. Eu não troco isso por nada, porque me mostra como é bom de sentir de novo, como é bom estar de volta.
O trailer da quarta temporada de Everything is Alive
Everything is Alive, meu podcast favorito, vai começar sua quarta temporada na próxima quarta-feira, dia 22 de setembro, depois de um episódio especial em maio. Aí está o trailer.
Everything is Alive é um podcast muito especial e muito bonito, em que Ian Chillag entrevista objetos do nosso dia-a-dia, como um elevador ou um espelho, uma calça jeans e sua amiga jaqueta de couro.
Quando eu apresentei esse podcast pra um amigo meu, ele me disse que é perfeito pra quem cresceu assistindo Toy story e começou a imaginar que tudo tinha uma vida secreta, e é verdade.
Os trailers dos meus filmes mais esperados nos próximos meses
Depois de um bocado de tempo, eu finalmente tô voltando a ficar empolgado com filmes de novo. Tá sendo um processo bem devagar, e bem calmo, de olhar pra algo e conseguir sentir uma certa empolgação de novo.
O sentimento em si já é empolgante por si só, e eu quero compartilhar um pouquinho com vocês. Ao invés de ficar escrevendo sobre os filmes que tão me reconectando com o carinho que eu sinto pelo cinema, eu acho que é melhor tentar deixar vocês, meus amigos que leem esse blog, empolgados pelos filmes que eu provavelmente vou forçar vocês a assistirem comigo. Achei uma solução saudável, que tal?
007 — Sem Tempo para Morrer
Honestamente, eu não me importo muito com 007 em si, mas eu sou apaixonado pela encarnação do Daniel Craig pro personagem. Eu não tenho muito saco pras versões clássicas do James Bond, mas os filmes protagonizados por Craig são divertidos, muito bem dirigidos e Craig encheu o personagem com um carisma que ele nunca teve antes. Ele finalmente é um homem intrinsicamente falho que só sabe lidar com o mundo ao redor dele com suas armas, e não o salvador da rainha da Inglaterra. E esse é o último filme de Craig no papel, dirigido pelo magnífico Cary Fukunaga (de Jane Eyre e da excelente primeira temporada de True Detective).
O filme deve ser lançado em 30 de setembro nos cinemas.
Duna
Eu amo as ficções científicas do Denis Villeneuve. Tanto A Chegada quanto Blade Runner 2049 são gigantes em escopo e em proposta, e Duna parece ser maior ainda. Vai ser um fracasso de bilheteria, vai ser magnífico, eu mal posso esperar.
O filme vai ser lançado em 21 de outubro.
A Crônica Francesa
Eu já falei aqui sobre o novo filme do Wes Anderson. Por muitos meses da pandemia no ano passado, enquanto esse filme ainda tinha a previsão de ser lançado em outubro de 2020, eu imaginei que esse seria o primeiro filme que eu veria no cinema depois de meses. Acabou não sendo — eu vi Mank em novembro de 2020 e First Cow em maio desse ano —, mas eu tenho certeza que esse é o filme que eu vou assistir numa sala de cinema. O último filme do Anderson que eu assisti no escuro, O Grande Hotel Budapeste, foi uma das melhores experiências da minha vida. A Conexão Francesa não foi tão bem recebido no Festival de Cannes esse ano, mas quem se importa? A magia dos filmes do diretor parece estar todinha nele.
O filme deve ser lançado em 18 de novembro nos cinemas.
Annette
A verdade é que eu já vi Annette, em casa. Eu não consegui esperar, e é o meu filme favorito do ano por enquanto. Mas se a MUBI for lançar esse filme nos cinemas, como fez com First Cow, eu vou estar lá. É um espetáculo que é pequeno demais pra qualquer tela, então quanto maior, melhor.
O filme vai ser lançado na MUBI em novembro. Tomara que eles lancem no cinema também!
Ataque dos Cães
O novo filme da mestre Jane Campion, diretora de O Piano e Top of the Lake, um filme e uma série perfeitos. Ataque dos Cães estreou no Festival de Veneza desse ano como o filme mais aclamado do festival, e considerado por alguns críticos como o melhor filme da diretora até aqui. Eu gostei muito do tom do teaser desse filme e me recuso a saber mais sobre o que acontece nele. Parece incrível.
O filme deve ser lançado na Netflix em 1º de dezembro.
Matrix Resurrections
O retorno da franquia mais ousada, mais influente e mais poderosa do lado de cá de Star Wars. Matrix foi revolucionário, Matrix Reloaded e Revolution pedem que o público revolucione também. Nenhuma franquia de blockbusters foi tão corajosa quanto essa foi desde a virada do século, e eu mal posso esperar pra ela voltar com Resurrections. A gente tá precisando.
O filme vai estrear nos cinemas e no HBO Max em 22 de dezembro.
Spencer
Eu amo, amo, amo Jackie, a outra biografia de Pablo Larraín sobre uma mulher sob os holofotes do mundo em um momento crítico na sua vida (qual será a próxima, Britney Spears?), e Spencer parece seguir o mesmo caminho para falar dos três dias em que a princesa Diana ficou presa com a família real em um Natal nas vésperas do final do seu casamento. O filme tá sendo descrito como “uma fábula sobre uma tragédia real”, que é a mesma forma que eu descreveria Jackie, então eu não tenho críticas. Ele também tem o melhor cartaz do ano:
O filme ainda não têm previsão pra estrear no Brasil.
Memoria
Primeiro filme de Apichatpong Weerasethakul fora do seu país de origem, Memoria tem a excelente Tilda Swinton e o melhor trailer do ano. O som desse trailer fez meus ouvidos se abrirem de um jeito difícil de explicar.
O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.
Petite Mamain
Ah, o novo filme de Céline Sciamma, a diretora do melhor filme que eu vi em anos, o magnífico Retrato de uma Jovem em Chamas. Eu nem sei o que esperar desse filme, mas parece que ela volta pro realismo francês do seu Tomboy, que é outro filme excelente. Sciamma não erra, e esse filme tá sendo alardeado como o melhor dela. Eu duvido, mas é um “eu duvido” cheio de vontade de estar errado.
O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.
C’mon C’mon
De Mike Mills, mesmo diretor de Mulheres do Século 20, eu tô sentindo que esse filme — sobre um radialista entrevistando crianças sobre como elas veem o futuro — vai me fazer chorar pesado , Que nem Mulheres do Século 20 fez, e eu não trocaria um segundo sequer daquele choro.
C’mon C’mon não tem previsão de estreia no Brasil.
Lamb
Nada me tira da cabeça que o cara comeu a ovelha.
O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.
O trailer de “C'mon C'mon”, novo filme de Mike Mills
Mike Mills, diretor de um dos meus filmes favoritos, tá de volta com C’mon C’mon, estrelando Joaquin Phoenix. O trailer já encheu meus olhos… parece que o diretor abraçou a minha característica favorita de Mulheres do Século 20, de transformar seus filmes em um baú de memórias, mais do que de histórias.
O filme não tem previsão de estreia no Brasil ainda, mas vai ser lançado nos EUA em novembro.
Obrigado Leo pela dica!
Wes Anderson lança um livro com as leituras que inspiraram “A Crônica Francesa”
A Crônica Francesa, o décimo filme de Wes Anderson, é sobre uma revista publicada por escritores estadunidenses na França. A revista ficcional é inspirada na revista americana New Yorker e, agora, o diretor vai lançar [um livro com os artigos que o inspiraram a escrever o filme](https://www.newyorker.com/culture/the-new-yorker-interview/how-wes-anderson-turned-the-new-yorker-into-the-french-dispatch.
Para a New Yorker, o diretor explicou o que o motivou a publicar um livro com suas inspirações em An Editor’s Burial.
Two reasons. One: our movie draws on the work and lives of specific writers. Even though it’s not an adaptation, the inspirations are specific and crucial to it. So I wanted a way to say, “Here’s where it comes from.” I want to announce what it is. This book is almost a great big footnote.
Two: it’s an excuse to do a book that I thought would be really entertaining. These are writers I love and pieces I love. A person who is interested in the movie can read Mavis Gallant’s article about the student protests of 1968 in here and discover there’s much more in it than in the movie. There’s a depth, in part because it’s much longer. It’s different, of course. Movies have their own thing. Frances McDormand’s character, Krementz, comes from Mavis Gallant, but Lillian Ross also gets mixed into that character, too — and, I think, a bit of Frances herself. I once heard her say to a very snooty French waiter, “Kindly leave me my dignity.”
Tá aí uma ideia bacana, que eu adoraria que outros diretores abraçassem: um diretor acompanhando seu filme com uma “lista de leituras”. É algo que eu faço meio que na marra (eu comecei a ler os contos de Raymond Carver depois de descobrir os filmes de Kelly Reichardt, por exemplo), mas eu ia adorar uma ajudinha na hora de expandir meus horizontes literários.
A Crônica Francesa deve ser lançado nos cinemas brasileiros em 11 de novembro.
random.earth
Ok, esse site tirou toda a minha produtividade hoje. O random.earth é uma curadoria aleatória de imagens bonitas da Terra feitas pelos satélites do Google Earth.
Ele funciona tipo o antiguíssimo StumbleUpon: você vota numa imagem que outra pessoa recomendou, e depois o site te oferece uma imagem para recomendar.
É o tipo de experimento que une coisas que me interessam, a aleatoriedade e a cartografia, em um só link. Adoro quando descubro coisas assim.
Daqui e pra frente
A cerimônia de abertura do Kinoforum
O Gui comentou mais cedo como o Pão vai cobrir o Kinoforum esse ano, vocês estão convidados a acompanhar na tag!
E daqui a instantes começa a cerimônia de abertura do festival, que vocês podem conferir acima.
As melodias dos metrôs ao redor do mundo
Meu tipo favorito de link é aquele sobre um assunto tão específico que é interessante tanto pelo assunto em si quanto pela curiosidade que levou até ele.
Esse texto do New York Times é uma volta ao mundo maravilhosa: como são os tons de embarque/desembarque dos metrôs em diferentes cidades. A de Paris é bem comum, acho que porque a gente ouve ela em vários filmes que se passam na cidade, mas eu acho tanto a de Toronto quanto a do Rio um charme. São pontuações bonitas pro nosso dia-a-dia.
O bacana do artigo (além da direção de arte) é a história de alguns desses sons.
In Paris, a simple “A” note plays as the doors shut. This is also a throwback, a sound that mimics the vibrations of a mechanical part that is no longer in use on any of the system’s trains. “But for a half century Parisians and visitors alike became used to that sound, so we decided to keep it, and recorded a synthesized version,” said Song Phanekham, a communications manager for the Paris transit system. “It’s a tribute to the heritage of the Paris Metro.”
In Tokyo, each station has its own custom jingle to signal departures. In Rio de Janeiro, the subway’s door chime pays homage to bossa nova. In Vancouver, the doors still close to a three-note sound that was recorded in the 1980s on a Yamaha DX7. (“The hallmark of any mid-80s pop song,” said Ian Fisher, manager of operations planning at British Columbia Rapid Transit Company.)
O artigo, que acompanha a “coleção de sons” de Ted Green, me lembrou da linda banalidade do dia-a-dia, algo que eu sinto falta agora que eu passo dias inteiros dentro de casa. Essa passagem me pegou:
“I think the appeal is the simplicity,” Green said. “You wonder, how can there be so many different variations of beeps? And then you listen, and they’re all so different.”
Quando eu ia a pé para o trabalho, eu gostava de não usar fones de ouvido porque tem algo no som da cidade naquela hora da manhã que me atraía. Ainda dava para ouvir o som dos pássaros enquanto os ônibus chiavam na João Pessoa.
Se você quer cair em um vórtice sobre esse assunto específico, esse canal do YouTube possui vários vídeos (alguns gravados pelo próprio Ted Green) com bipes e sons de vários trens ao redor do mundo.
O Apple Arcade é excelente para descobrir novos jogos
A maioria dos jogos que eu me interesso no computador são independentes ou “experimentos de jogabilidade”. Não tem nenhum motivo poético aí: eu cresci em uma casa onde o único computador era o do trabalho do meu pai, e poucos jogos rodavam naquele gabinete da IBM com um processador Pentium 2. Meu pai, inclusive, gostava de jogos de aventura de apontar-e-clicar, então a gente não tinha nem iniciativa de ter um computador melhor para rodar os jogos mais pesados, a gente precisava aguentar jogar The Sims 1 quando TS2 já tinha sido lançado.
Isso guiou bastante o meu acesso e o meu gosto por jogos com o passar do tempo. Quando eu finalmente tive um computador um pouquinho melhor, ele ainda estava a alguns anos de distância de jogos mais modernos. Eu joguei Half-Life 2 em 2008, por exemplo — quatro longos anos depois do seu lançamento. A Steam tava crescendo muito nessa época, e com ela a explosão do acesso mais fácil a uma cambada de jogos menores. Existe todo um ecossistema de “jogos mais curtos e com gráficos piores” por trás dos blockbusters de Call of Duty e Battlefield, e foi esse ecossistema que eu aprendi a explorar por muitos anos em promoções da Steam e recomendações de amigos com as mesmas limitações tecnológicas que eu.
Hoje eu sou um usuário de Mac, o que é um beco sem saída: embora ele seja excelente para trabalhar com aquilo que eu preciso, ele não é muito poderoso nem tem uma oferta de jogos muito grande.
Mas tem algo fascinante aparecendo agora. Graças ao Apple Arcade, lançado no final de 2019, o Mac tá recebendo um fluxo constante de jogos novos. Toda a sexta-feira, o serviço de assinatura lança um jogo novo que roda em qualquer dispositivo suportado da Apple (do iPhone à Apple TV, passando pelo Mac e pelo iPad). E, por causa das limitações tecnologicas dos sistemas da Apple — por mais poderosos que sejam seus processadores, sua performance na hora de lidar com gráficos complexos não se compara a placas de vídeo dedicadas —, o Arcade está criando um ecossistema muito semelhante àquele que a Steam gerou nos anos 2000: estúdios ganharam um lugar para lançar seus jogos estranhos e que provavelmente não têm nenhum apelo de publicidade.
Eu amo esses lugares. O Wii tinha algo semelhante com o WiiWare, e o Xbox 360 tinha com o seu próprio Live Arcade. Ecossistemas assim oferecem jogos mais baratos, e por serem mais baratos eles se arriscam mais. Grandes títulos saíram de lugares assim, como os clássicos World of Goo e Dear Esther.
Agora, com o Apple Arcade, eu tô tendo a chance de descobrir jogos maravilhosos de novo. Eu já falei aqui de uns, como The Last Campfire e Populus Run, mas tem também WHAT THE GOLF? e Skate City e Alba e versões “definitivas” (sem compras adicionais) de Alto’s Odyssey e Monument Valley.
É uma pena que, como o Apple TV, o Arcade sofra da exclusividade que a Apple coloca nesses serviços. Eu quero muito poder recomendar um jogo como The Pathless ou Skate City para meus amigos, mas não posso porque eles não usam um Mac ou um iPhone, e eu acho essa limitação contra o espírito dos jogos que o Arcade oferece. Esses jogos contam histórias mais diversas do que as grandes produções da Microsoft ou da Sony, ou exploram temas mais difíceis como o luto e a gentrificação, e estando isolados em plataformas tão caras impedem que eles provoquem o barulho que podem.
Isso está mudando aos poucos: jogos do Arcade parecem ter um período máximo de exclusividade antes de aparecerem em em outras plataformas, e ele tá se transformando no meu jeito favorito de descobrir os jogos que quero comprar no meu Switch. Sayonara Wild Hearts e Cozy Grove e The Last Campfire são títulos que joguei muito no último ano, e que descobri primeiro no Mac e, de tanto gostar, queria levar eles para qualquer lugar no meu Switch. Da mesma forma que o streaming fez maravilhas para a diversidade da minha coletânea de filmes, o Arcade tá expandindo ainda mais a minha coleção de jogos. Esse é um espírito bacana de manter e de se inspirar.
Blob Opera
Blob Opera é um experimento de aprendizado de máquina de David Li junto ao Google Arts and Culture, em que quatro vozes são moduladas pelo mouse do usuário para criar sons semelhantes aos cantores de Ópera.
Se você clicar no ícone do planeta no canto inferior direito da tela e escolher alguma outra casa de ópera, você pode escolher assistir os blobs tocando algumas composições famosas. Em Paris tem a belíssima Gymnopédie no. 1, mas a minha favorita é a canção de ninar zulu na casa de ópera da África do Sul.
Existe a possibilidade de eu ter passado tempo demais brincando com isso na hora do almoço.
Faces do Século
O fotógrafo Jan Langer fez retratos de pessoas centenárias no estilo de fotos que elas tiraram setenta ou oitenta anos antes para seu projeto Faces do Século.
Se você clicar no ⓘ embaixo de cada uma das fotos você pode ler uma pequena biografia da vida do retratado, sua antiga ocupação, seu relacionamento com a família. São histórias de pessoas que sobreviveram as duas guerras mundiais, a era espacial, a guerra fria, e viram a era da computação começar.
Segundo Langer, a República Tcheca possui 1.200 pessoas com mais de cem anos, mas esse número deve aumentar para 14 mil nas próximas décadas. A idade média do mundo parece crescer conforme a perspectiva de vida aumenta também, e mesmo assim vemos muito pouco sobre como é a vida quando se atinge esse estado centenário.
De onde vem essa cacatua?
Esse artigo da Rebecca Mead para o The New Yorker é sobre uma cacatua que aparece em um quadro renascentista do pintor Andrea Mantegna de 1496.
A curiosidade da autora é fascinante: a espécie que aparece no quadro “Madonna della Vittoria” habita naturalmente a região da Oceania, o que fez ela questionar “o que a presença desse pássaro revela sobre as conexões entre uma cidade italiana e as florestas distantes além do mundo conhecido pelos europeus”.
É um texto curtinho, mas excelente. Mead observa como os traços da mudança climática estão documentados por toda a parte na arte, quando espécies assim aparecem como intrusas. História da arte é basicamente ecologia forense, e um barômetro do meio-ambiente.
O som do espaço
O diretor John Boswell e o podcast Twenty Thousand Hertz produziram esse vídeo sobre como o som do espaço poderia ser se náo fosse um vácuo, desde o “barulho” do Sol à explosão do Big Bang.
Eu gosto de como eles explicam que o espaço é formado por “trilhões de ilhas de som”, cada uma com características sonoras muito diferentes — as tempestades de Venus ou a superfície de Marte “soam” muito diferentes do que a Terra.
Rebeca Andrade em Tóquio
Assistindo a Rebeca Andrade em Tóquio hoje mais cedo me fez lembrar dessa performance belíssima da Daiane dos Santos em 2005, quando um problema no equipamento de som interrompe o “Brasileirinho”, e ela continua a apresentação às palmas da platéia.
Não teve falha de som em Pequim nas Olimpíadas de 2008, mas dá pra ouvir um “vai lá Daiane” que é de encher o coração:
A Daiane voou.
Construir algo em Animal Crossing cansa demais, mas é tão bom…
Eu passei o fim de semana jogando Animal Crossing. Não como eu passei os últimos meses. Eu passei horas na frente do meu Switch, na minha ilha. Agora é final de domingo, e eu tô exausto.
Por algum motivo, eu fiquei irritado com o layout da minha ilha nessa última semana, e eu decidi que era a hora de mudar as coisas. Eu sou muito apegado a Léte pra apagar meu jogo salvo e começar uma nova ilha, então eu pensei em renovar tudo o que eu podia. Animal Crossing sempre permitiu que você modificasse a vila em que você e seus vizinhos animais moram. Você tinha um catálogo de “obras públicas”, como pontes, uma fonte, um poço artesiano, um farol, postes de luz, esse tipo de coisa. Mas você estava preso ao layout original da vila: a disposição das casas, a forma do rio, etc.
Mas New Horizons está em um nível completamente diferente de personalização. Você pode criar rios e lagos, modificar a forma do terreno, criando platôs, mudar a disposição das casas e dos edifícios públicos; além de poder colocar qualquer objeto em qualquer lugar. New Horizons também oferece um sistema de construção, em que você recolhe recursos naturais, como madeira, mato, flores, e frutas, e constrói seus próprios objetos, como cadeiras e mesas e baús e casas de passarinho.
Só que fazer tudo isso dá trabalho. New Horizons não oferece um “modo deus” como SimCity e The Sims, que você pode criar paredes e modificar o terreno e posicionar objetos como quiser. Tudo é feito através do seu personagem. Você quer construir uma fonte? Você precisa ir coletar ferro batendo com sua pá em algumas rochas, e torcer para sair ferro suficiente para construí-la. Literalmente, eu passei horas nesse sábado e nesse domingo coletando materiais para construir peças de cerca para fazer alguns jardins de flores (e as flores… precisam ser plantadas uma a uma…). Além disso, não existem menus no jogo. Tudo é feito a partir de diálogo. Quer ir buscar mais recursos em uma ilha? Você precisa_ _conversar com Orville para ele te pôr no próximo voo. Quer construir uma ponte ou mover um prédio? Você precisa ir até o prédio de serviços residenciais e conversar com o Tom Nook sobre isso (e pagar, é claro).
É exaustivo, de verdade. Mas quer saber? Eu tô muitíssimo satisfeito.
Eu geralmente fico encarregado de cuidar da casa dos meus pais quando eles vão viajar. Eles moram no interior, em uma casa grande com um pátio bem grande, cheio de bichos, mas existe uma certa calma em você visualizar tudo o que precisa fazer e todos os pequenos passos que você precisa dar para fazer tudo o que precisa fazer: eu preciso limpar o galinheiro todas as manhãs. Para isso, eu preciso pegar um balde específico, e uma pá específica. Eu preciso soltar as galinhas, e ter certeza que nenhuma delas pôs um ovo num lugar escondido. O mesmo vale para os canteiros, e para a organização de onde cada cachorro dorme, e para a casa em si, que precisa ser limpa e organizada. São pequenas tarefas que montam o todo, e elas demoram. Não muito, mas cada pequena tarefa têm seu próprio tempo, e você não pode acelerar mais. Se você regar as plantas muito rápido, pode machucar elas (ou quem sabe nem mesmo oferecer água suficiente). Se não bater e botar as camas dos cachorros no sol, elas vão começar a feder, e vai ser muito mais trabalho ter que tirar o cheiro depois.
É o mesmo limpando minha casa: varrendo o chão e desengordurando a cozinha, arrumando as coisas no lugar e tirando o pó. Tudo tem seu tempo, e não tem como acelerar muito mais do que o aspirador de pó ou a vassoura me permitem.
Eu trabalho no computador, e em desenvolvimento. É quase que engraçado e triste ao mesmo tempo o quanto desenvolvedores “otimizam” seu tempo para teclar menos e desenvolver mais com o tempo ganho. Isso extrapolou o nível de produtividade, o que torna empresas de tecnologia e agências de publicidade em um mar de péssimas condições de trabalho e de burnout. É também um trabalho muito mais mental do que físico, então no fim do dia eu me sinto cansado e agitado ao mesmo tempo. Meu corpo tá cheio de energia, porque ficou sentado o dia inteiro; mas minha cabeça está exausta, e eu não quero fazer absolutamente nada depois.
Isso muda quando eu tô encarregado de cuidar da casa dos meus pais. A casa, e os bichos, precisam da minha atenção, então minha mente está pré-disposta a não ficar exausta demais, porque o meu corpo vai precisar depois. Quando as tarefas do dia acabam, corpo e mente estão cansados, mas é algo muito sincronizado em um efeito de satisfação único. Tá tudo feito, e o descanso fica ainda mais gostoso porque não tem um pingo de culpa.
É mais ou menos o que eu tô sentindo, de um jeito meio bobo. Léte ainda não está pronta, mas eu reorganizei e construí tanta coisa nos últimos dias, que eu fiquei satisfeito com minha paciência e dedicação. Eu decidi que não ia usar nenhum objeto de decoração pronto — tudo o que está na ilha precisa ser construído por mim mesmo — e tá sendo muito bacana. Tem muita espera nesse processo, já que a ilha te oferece um número limitado de recursos por dia, o Tom Nook não faz mais do que uma mudança de layout por dia, e colocar ladrilhos é tão demorado que você precisa descansar de tempos em tempos, com medo de estragar o controle do Switch.
Quando tudo tiver pronto eu vou gravar um tour virtual para vocês. Tô muito feliz e orgulhoso de como Léte tá ficando.
Como se desenhar como um personagem de Peanuts
Um guia bacana de como desenhar um personagem de Peanuts com um dos artistas que faz Snoopy & Sua Turma na Apple TV. Eles fazem uma propaganda pra usar o Pages e o Apple Pencil ali, mas as dicas parecem funcionar pra um papel e caneta qualquer.
A Apple também disponibilizou um guia de como desenhar os personagens em PDF.
O Internet Archive faz 25 anos
Reflections as the Internet Archive turns 25 - Internet Archive Blogs
O Internet Archive completa vinte e cinco anos. Junto com a Wikipédia, esse é um dos projetos mais importantes pra manter a web um lugar aberto a todos.
Alguém virou Breath of the Wild sem pisar duas vezes no mesmo lugar
Ash Parish, no Kotaku:
“It felt like cheating to just launch myself off the plateau and into the castle in a straight line, although technically it was Snake,” Pipkin said. “So I said my win state included all towers—a fully filled map.”
It took eight months and six restarts but on June 30, Pipkin finished the challenge. According to them, a lot of that time was spent waiting—either on NPCs or enemies. Since reaching shrines to obtain Spirit Orbs can potentially cause pathing troubles, Pipkin could only complete so many. As a result they were severely underleveled, making regular enemies very dangerous. An attack could either kill Link outright or knock them back, so they often waited, perched on towers or cliffs, biding time until enemy paths to reset so they could make their way forward safely. There were also more minor but equally time consuming moments when Pipkin would accidentally walk the wrong way trying to reach a quest NPC, requiring them to wait whole in-game days for their paths to reset to a more favorable position so they could complete the quest.
Incrível.
Se apaixonando pelo Nintendo 3DS, dez anos depois
It made me think about Nintendo’s late president Satoru Iwata, who loved to talk about ways to make hardware a genuine pleasure to use, beyond the questions of shape, button size and so on. Consoles don’t do that anymore - they want to be serious, towering skyscrapers in your home that look like alien artifacts, not cute little toys.
Uma carta de amor bonita pro 3DS, e secretamente uma investigação da “experiência” que foi jogar um jogo num console da Nintendo sob Iwata. Do GameCube/GBA ao 3DS, passando pelo Wii e pelo DS original, tinha algo de único de jogar nesses videogames bastante diferentes. Essa experiência de brinquedo dos consoles da Nintendo tornam o ato de jogar em si memorável.
Remakes e remasters tem seu valor para preservação e acessibilidade de jogos, mas essa experiência de jogar Wind Waker no GameCube, Mario Galaxy no Wii ou Nintendogs no DS não é traduzível em HD e som surround 5.1. É a fisicalidade do hardware — dos botões espaçosos do Wavebird à tela 3D do 3DS ao menu Home do Wii — que enchem as experiências de personalidade.
O Switch tem um pouco disso nos Joy-Cons, mas o resto do hardware parece muito mais voltado à praticidade do que pra diversão. Eu sinto falta de brincar no meu Switch como eu brinco no Home do meu 3DS.
Um close-up no topo da Pirâmide de Quéops
Alexander Ladanivskyy fotografou recentemente a Pirâmide de Quéops, a maior das três Grandes Pirâmides de Gizé, de cima. É uma série de fotos no Instagram que se aproximam do cume da pirâmide, permitindo ver as gravações nas pedras usadas bem no topo dela (via Colossal).
Uma breve anotação sobre fantasmas
Eu acho que o que eu mais valorizo na arte é o poder que a melhor arte tem de me fazer sentir ser parte do mundo, de algo maior, como uma experiência comunal mesmo – isso, feito por uma outra pessoa, existe entre mim e ela, e me faz lembrar que existe muita coisa ao meu redor.
É tipo uma experiência de sonho, de sair do próprio corpo e se enxergar ao redor do mundo. acho isso muito mágico e muito bonito. Mas tem algumas que fazem isso e não só me deixam ver o lugar, mas também o tempo.
Tem uma parte em Kentucky Route Zero que faz isso. me faz pensar que a gente pisa nos ossos das pessoas que viveram aqui antes da gente, e vamos ser o chão onde o futuro vai pisar.
Quando você para para olhar o mundo assim, através do tempo e não só do lugar. Eu olho para meu cobertor e lembro que minha avó costurou ele. Eu olho para a casa do meu vizinho e lembro que ele cortava a grama toda a semana, até um dia que sofreu um acidente e mudaram ele para um asilo.
Acho bonito que somos “assombrados” pelos fantasmas das pessoas que nos tocaram. Eu penso no canto do meu quarto que, não importa o quanto eu limpe, ele sempre vai mofar no final do mês de junho, quando a chuva não para de cair. Um dia eu não vou mais viver nessa casa, nem nesse quarto, mas alguém vai se irritar com esse mesmo pequeno detalhe.
Um dia vamos assombrar os lugares que a gente viveu também.
“Memoria”, o novo filme de Apichatpong Weerasethakul
Esse é o trailer do novo filme do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, Memoria, sobre uma mulher escocesa — a magnífica Tilda Swinton — que começa a ter sensações estranhas depois de ouvir um barulho misterioso.
Se você já viu um dos filmes de Weerasethakul, como Tio Boonme ou Mal dos Trópicos, deve ter tido a mesma impressão que eu: esse trailer tá se esforçando muito pra “transformar” o estilo contemplativo de Weeasethakul em algo que parece um filme de suspense. O que me deu dois efeitos: o primeiro, eu quero muito assistir um filme de suspense do diretor; e segundo, mesmo que o trailer se esforce para esconder, a mão inegável de Weerasethakul ainda consegue aparecer.
O design de som desse trailer é incrível. Escute com fones de ouvido.
O segredo de The Sims 2 é algo bem simples
Eu passei muito tempo pensando no porquê eu me sinto meio fora de The Sims 4. Eu amo muitas coisas no jogo. Os sistemas são poderosos – Sims agora são multitarefas, sentimentos deram uma nova imprevisibilidade na simulação, e relacionamentos estão muito melhores do que nas gerações anteriores. E eu amo a direção de arte do jogo, uma evolução natural de The Sims 1 e The Sims 2, deixando o realismo estranho de TS3 em favor de algo mais expressivo e divertido.
Mas alguma coisa não estava clicando em mim até recentemente. Eu venho experimentando TS4 desde o lançamento, e me diverti um bocado com o pacote de expansão Estações, mas eu sempre senti que algo estava faltando. Então, depois de anos especulando eu decidi que ia tentar descobrir o que era. Eu reinstalei The Sims 2, o jogo que eu tenho as melhores memórias, e a resposta veio rapidamente.
Literalmente! A resposta é a tela de boas-vindas da vizinhança.
Em The Sims 2, depois que você escolhe uma vizinhança você é recebido por uma tela de boas-vindas, que conta um pouco das histórias que estão acontecendo, passando por cada residência e por cada vizinho. Dessa forma, quando o você começa um novo jogo, você é posto dentro da história dessa vizinhança, e você tem uma ideia melhor de como seus Sims vão se relacionar com seus vizinhos e quais são os eventos acontecendo por ali. Seja o mistério do sumiço da Laura Caixão ou o novo triângulo amoroso do Don Lotario, nós sabemos que algumas coisas estão acontecendo ao redor dos nossos Sims e podemos escolher se queremos fazer parte desses eventos ou não.
Eu não acho que essa é a solução para todos os problemas que os fãs de The Sims tem com os jogos seguintes da série, mas é um detalhe relativamente pequeno que sempre me distanciou depois que a tela de boas-vindas foi reduzida a apenas uma pequena descrição da vizinhança em The Sims 3, e The Sims 4 removeu esse recurso completamente.
The Sims é uma franquia difícil porque cada jogador gosta de experimentar de um jeito diferente, e nem todo mundo deve gostar da tela de boas-vindas ou quer jogar The Sims ao redor de personagens criados pelos desenvolvedores, e eu entendo isso! Mas eu amaria ter uma opção de ativar algo assim de novo, que me ajude a entender onde meus Sims estão vivendo, e saber as histórias que meu Sim vai participar.
Eu acredito que isso foi o que fez The Sims 2 ser tão memorável: nós éramos apresentados aos Sims e as suas vidas, e então decidíamos o que queríamos fazer com isso. E é por isso que os personagens da segunda geração são tão queridos. Todos nós, que jogamos ela, temos memórias de como estragamos os planos amorosos da Cassandra ou destruímos a vida dos Quero-Tudo-Que-É-Seu. Eu não tenho ideia do que se passa com os Sims nas vizinhanças de The Sims 3 e 4, porque não sou apresentado à eles. O maior contato que eu tenho é quando eu cruzo com eles em algum lote comunitário, mas ali eles são completos estranhos, o meu Sim parece ser o único com uma “história” por trás. E eu sei que isso não é verdade.
A história de quando Hayao Miyazaki percebeu o problema de visão de um de seus animadores
Em um relato traduzido pelo Kotaku, o animador Masaaki Endo recontou o momento em que descobriu que seu problema de visão agravou quando Miyazaki percebeu que seu trabalho para Meu Amigo Totoro estava distorcido:
Endo recalled how after he submitted the key animation for Totoro, Miyazaki called him over, saying, “Hey the art is distorted. Your glasses prescription is wrong, isn’t it?”
“I don’t think it is,” Endo replied to Miyazaki, adding, “I’ll get it checked out anyway.”
Not exactly convinced by Miyazaki’s armchair diagnosis, Endo went to the eye doctor. He got his eye check out, and low and behold, Miyazaki was right: the vision in one of Endo’s eyes had gotten worse.
Eu adorei essa história, não só porque o poder de observação e o detalhismo de Miyazaki vai além do trabalho em si – ele poderia muito bem só dizer que a animação estava distorcida e Endo talvez não teria ido ao médico. Mas também porque ela me lembrou do meu antigo oftalmo, que cuidou da minha visão pelos primeiros 25 anos da minha vida, até ele se aposentar. Ele me contava que ele me diagnosticou por acaso. Ele tava, na verdade, cuidando da visão da minha irmã, e minha mãe me levou junto porque quando eu era muito novo eu chorava demais. Meu oftalmo disse pra minha mãe, sem nem me olhar, que esse choro era de dor, e pediu para dar uma olhada no que poderia ser. Minha visão era severamente atrofiada quando eu era bebê (eu sinto dores quando tiro os óculos até hoje).
Meu oftalmo era meio mágico. Ele nunca precisou fazer uma série de procedimentos em mim, geralmente só olhando para o meu olho ele conseguia observar se o grau dos meus óculos precisava mudar ou se alguma das minhas deficiências visuais tinha piorado. Uma vez eu fiquei meio cético pra essa habilidade dele de observação e decidi em ir em outro oftalmo, que fez uma série de testes nos meus olhos que me deixaram com os olhos estragados por dias. No fim das contas o resultado foi o mesmo, meu oftalmo tava certo. Eu sou eternamente agradecido ao Dr. Horta e essa magia que ele tinha de observar bem os meus olhos e o jeito que eu estava enxergando as coisas e saber exatamente o que estava acontecendo.
O trailer da terceira temporada de Succession
Todos saúdam o retorno do rei, agora que a nova temporada de Succession, a minha série favorita no ar atualmente, está de volta. O trailer parece indicar que o tom da série – uma tragédia shakespeareana com uma pitada de paródia, que torna a tragédia ainda mais trágica – tá afiada como nunca.
Succession volta na primavera na HBO, depois de mais de um ano de espera.
Forasteira Americana: os filmes de Kelly Reichardt
First Cow, um dos meus filmes favoritos do ano, está nos cinemas desde a semana passada, e essa sexta-feira ele vai ser lançado no MUBI junto com um bate-papo com Kelly Reichardt.
Para aproveitar a ocasião, o MUBI está fazendo uma retrospectiva da carreira da diretora com três obras-primas dirigidas por ela. Entitulado “Forasteira Americana”, a programação especial está exibindo Antiga Alegria e Wendy & Lucy, e semana que vem O Atalho vai entrar na programação também.
No início do isolamento social, no ano passado, eu escrevi sobre como os filmes da Kelly Reichardt estavam me ajudando a aguentar o dia-a-dia em isolamento. Isso ainda é verdade: embora tenha dirigido poucos filmes, eu gosto de sentar e rever os filmes dela em alguns sábados de manhã. Eles são estranhamente confortáveis, mesmo tristes.
Eu recomendo muito você dar uma olhada no cinema dela quando puder. Todos os filmes na programação do MUBI são curtinhos, mesmo que eles fiquem na sua cabeça por um bom tempo.
"Se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor"
Celso Rocha de Barros, na sua coluna pra Folha:
O primeiro lado bom [da adesão gradual de partidos de centro e de direita às manifestações] é que o pessoal parece ter entendido que, se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor. Não dá para esperar que a esquerda organize a manifestação e seja proibida de erguer sua bandeira.
A essa altura, já está claro que a turma do “meu partido é o Brasil” queria dizer que, para eles, o Brasil era só o partido deles. A direita democrática tem que ter partido, camisa, bandeira próprios, porque a bandeira do Brasil tem que ser de todo mundo. Aí os amigos de esquerda vão dizer: bom, com exceção dos caras do Acredito, esses “centristas” todos entraram na briga pelo impeachment só porque agora perceberam que é mais fácil tirar Bolsonaro do segundo turno de 2022 do que Lula.
É, né, companheiro? É por isso que a notícia saiu no caderno de política, onde, aliás, também sai esta coluna.
Nosso objetivo deve ser esse, alinhar o máximo de interesses possíveis contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro. Se a turma liberal voltar a tentar vencer na política, nas alianças, disputando as ruas, sem impeachment mutreteiro ou apoio à extrema direita, maravilha. Que vença o melhor em 2022 e que o Jair volte a ser nanico.
Até porque não basta derrotar Bolsonaro, é preciso reorganizar uma democracia estável no Brasil. O democrata que vencer em 2022 tem que contar com uma oposição liderada por outros democratas.
Há algo que talvez ainda não tenha sido percebido por todos os militantes da esquerda brasileira. Em 2021, nós não somos o minúsculo PT de 1980, fazendo barulho enquanto o MDB conduz a transição. Se Lula suceder o desastre de Bolsonaro, terá que assumir papel parecido ao do PMDB nos anos 1980, Deus queira que com políticas econômicas melhores, mas com a mesma disposição de atrair aliados. Pode não ser o que a esquerda gostaria de fazer agora, mas ninguém escolhe sua tarefa histórica.
“Ninguém escolhe sua tarefa histórica”.
As séries que assisti na primeira metade de 2021
Em janeiro eu fiz uma lista com as séries que eu assisti em 2020. Eu gostei bastante do formato e acho que vou começar a usar ele semestralmente.
Aproveitando que estamos terminando essa primeira metade do ano, vou pôr em dia as séries que eu mais gostei de acompanhar no início de 2021. Não é uma lista de todas as séries que eu assisti porque, pra falar bem a verdade, algumas eu simplesmente esqueço. São as que me marcaram ou que me fizeram uma boa companhia nesses seis últimos meses, mais ou menos na ordem que eu assisti elas.
The Americans (Amazon). Eu comecei a rever essa quando ela voltou ao streaming no fim do ano passado. Como eu não maratono séries, The Americans me acompanhou por todo esse semestre, e é muito bom. Em pensar que a segunda metade dos anos 2010 esse nível de qualidade era um padrão para as séries de TV é de enlouquecer, porque a construção de Americans com o passar dos anos é um dos meus desenvolvimentos narrativos favoritos.
Ted Lasso (Apple). Como Betty no ano passado, eu não tenho ideia do porquê eu me apaixonei por Ted Lasso, uma série em que um treinador de futebol americano vai para a Inglaterra treinar um time de futebol de verdade. Acho que é bem humorado, mas também bem sincero no seu otimismo: nem tudo o que Ted tenta funciona, nem sempre o pessoal leva na boa o seu bom humor, mas Ted insiste e tenta, e todo o mundo quer ajudar ele a tentar. Eu amo séries em que as pessoas aprendem a trabalhar juntas, e Ted Lasso é uma dessas, sem um pingo de cinismo no coração.
Undone (Amazon). Me recomendaram essa série (que deve receber uma segunda temporada em breve) por muito tempo e eu fiquei postergando, por algum motivo que eu não sei e provavelmente era preguiça. Mas agora eu me arrependo, porque Undone é incrível. Ela usa a animação para igualar a realidade e a impressão da realidade da protagonista, e você não sabe direito o que é um e o que é outro.
Superstore (Amazon). Uma espécie de The Office com mais coração, ou uma Brooklyn 99 mais cínica? Superstore tá nesse meio, e arrasa muito entre ser um comentário pesado sobre as condições de trabalho nos EUA e a beleza de quando você consegue formar uma comunidade com aqueles que você passa seus dias. A última temporada, que aconteceu durante a pandemia, é sensacional.
For All Mankind (Apple). Eu gostei muito da primeira temporada da série de ficção científica da Apple, em que a União Soviética foi a primeira a chegar à lua, o que faz com que a Corrida Espacial não tenha acabado. Mas a série cresce tanto em sua segunda temporada, que ela automaticamente se tornou em uma das melhores séries que eu vi nos últimos anos, e eu não duvido nada que na terceira temporada ela alcance minhas outras favoritas, como Halt and Catch Fire e The Americans.
Barry (HBO). Eu não sei porque eu parei de assistir Barry na primeira temporada. Eu lembro de ter amado, mas eu lembro também de ter perdido uma semana e parei de acompanhar. Ainda bem que eu dei uma segunda chance, porque a primeira temporada é excelente, e a segunda é de tirar o chão e fazer ele de teto. Uma comédia sobre um assassino de aluguel que quer ser ator se transforma em um thriller e em um drama e em um filme de ação experimental e o que mais os criadores da série conseguem pensar. Tudo isso em meia hora. É bom demais.
Mare of Easttown (HBO). A HBO enganou geral com a primeira minissérie da Kate Winslet desde Mildred Pierce em 2011. Parece muito parte da onda de séries-prestígio de detetives em que uma estrela de Hollywood vai pra TV por uma temporada (ver também: The Night Of, Big Little Lies, Sharp Objects, True Detective, The Sinner), porque o crime e a investigação são só o gatilho do que eu chamaria de “Gilmore Girls e Twin Peaks mas bem triste”: como a vida de diferentes gerações de uma família em uma pequena cidade reage aos próprios traumas com o passar do tempo. É muito bonita, e tem tanta atuação boa que chega a tirar a minha atenção.
The Underground Railroad (Amazon). A minha série do ano por enquanto. The Underground Railroad é pesadíssima de se assistir de uma vez só, eu recomendo que você deixe no mínimo um dia de “repouso” entre os capítulos. São só dez, e são bem episódicos mesmo, ainda bem. Nada de ganchos ou surpresas, e sim a continuação natural de uma história das várias formas que a população negra nos EUA foi escravizada e explorada, e as várias formas que ela se libertou. É poético, é triste pra caramba, mas é também um retrato tão humanista do sofrimento e da sobrevivência. Barry Jenkins é um dos mestres do nosso tempo.
Calls (Apple). Uma temporada, episódios entre quinze e vinte minutos que são só ligações entre algumas pessoas, Calls faz aquele mesmo cafuné de A Vastidão da Noite, um mistério feito em linhas telefônicas e em frequências interrompidas, que transforma a tecnologia em algo fantástico e misterioso novamente.
Sweet Tooth (Netflix). Eu não tenho ideia como essa série, adaptada dos quadrinhos da DC pela Warner, não tá na HBO. É um sinal de como a emissora tá com problemas, que deixou essa primeira temporada, fabulesca e muito simpática, ficar pra Netflix. Eu nunca li os gibis, e a série derrapa um pouco na metade quando os episódios parecem mais ser parte de um filme do que de uma série, mas é uma jornada muito bonita, e a trilha-sonora é gostosa demais.
Betty (HBO). A segunda temporada dessa joia de série acabou de começar, e eu já estou apaixonado por Betty de novo. O grupo de skatistas precisa lidar com o fechamento de Nova York por causa da pandemia, e a perda do seu espaço para praticar o esporte enquanto também precisam lidar com as pequenas escolhas que fazem no dia-a-dia que guiam a vida delas. Continua linda, continua divertida, e continua estranhamente revolucionária na TV. Eu tava precisando reencontrar esse pessoal logo, e ainda bem que a segunda temporada chegou na hora certa.
A história da web
Eu sou apaixonado por histórias daqueles dez, quinze primeiros anos da internet, quando comunidades se formavam ao redor do brilho dos monitores para desbravar tudo o que a internet poderia fazer. Essas comunidades eventualmente criaram as tecnologias fundadoras da web, e serviços que até hoje sustentam a mega-infraestrutura que existe para manter a internet o mais livre e independente possível.
Como The Soul of the New Machine e Halt and Catch Fire, a série de artigos Web History, de Jay Hoffmann, narra em um tom poético mas nada romântico como essa fundação da web aconteceu – das brigas internas dos times de pesquisadores da ARPANET à introdução de CMS como o WordPress e o Blogger, que democratizaram a criação de sites. Alguns capítulos, como o dedicado ao CSS, podem ser cheios de termos muito técnicos para quem não trabalha com esse tipo de coisa, mas vale muito conferir. É uma documentação histórica da internet, e eu gosto que ela existe de uma bonita assim.
Além dos textos, os capítulos são oferecidos em formato de áudio em um podcast, que é o meu jeito preferido de acompanhar. Eu posso ouvir enquanto desenvolvo as coisas do trabalho. É em inglês, mas o narrador Jeremy Keith usa uma voz bem calma e espaçada, se você está arranhando um pouco na língua acho que é uma boa pedida.
Betty é uma série mágica
Arquitetura infinita de Benjamin Sack
“Boxed In”
“Roots of Being (Per Aspera ad Astra)”
Detalhe de “Roots of Being”
Detalhe de “Leitmotif”
Esses são alguns desenhos do artista Benjamin Sack, que imagina ambientes em que construções e estruturas em megalópoles podem até parecer labirintos imensos. Sua nova obra, a imensa Roots of Being (Per Aspera Ad Astra) vista acima, começou a ser feita no início do lockdown em março de 2020 e foi finalizada quando ele tomou a primeira dose da vacina, em abril desse ano. Ele descreve a tela para o [Colossal] como “um labirinto enorme, emblemático da época em que nós persistimos”.
Confira também esse vídeo que mostra um pouco do processo de Sack.
O trailer da segunda temporada de Central Park
As minhas séries favoritas do ano passado decidiram voltar juntas nesse mês, aparentemente. E eu não vou reclamar. A segunda temporada da charmosa Central Park tá aí, e a série volta nessa sexta-feira, dia 25, na Apple.
Eu comentei sobre Central Park ano passado, e como eu tava triste que essa comédia tava presa em um serviço de streaming que ninguém ia assinar. Ano passado eu achava Central Park (e, em menor medida, For All Mankind) a única série que valia a pena assistir no serviço, mas nesse último ano entre as temporadas a Apple TV trouxe Ted Lasso, Snoopy e sua Turma, Wolfwalkers, a maravilhosa segunda temporada de For All Mankind, e uns documentários maravilhosos, como Boys State e O Ano em que a Terra Mudou.
Eu ainda não tenho certeza que a Apple TV “vale a pena”, mas eu acho que se a qualidade desse último ano se manter por mais um ano eu não duvido que a gente vai parar de comparar a Apple TV como um Netflix com menos conteúdo e começar a comparar ela com a própria HBO, e daí sim não vai ter como fugir de assistir essas séries. A qualidade tá lá em cima.
O trailer da segunda temporada de Ted Lasso
Ted Lasso e Betty foram o milagre da TV ano passado. A segunda temporada de Betty já está passando na HBO (e tá melhor ainda), e a de Ted Lasso estreia em 23 de julho, eu mal posso esperar.
A minha nova dieta da internet
Em janeiro eu escrevi sobre como o recurso de lista de leitura me ajudou a navegar melhor pela internet nos últimos anos. Porém, há algumas semanas, a forma como eu navego pela internet mudou bastante de uma hora para a outra, e me fez pensar em como eu gosto de como eu navego hoje em dia.
Mês passado o Twitter comprou um serviço que eu utilizava todos os dias: o Nuzzel. O Nuzzel era um agregador de links das pessoas que você segue no Twitter. Ou seja: quando um amigo meu tuíta sobre um artigo, esse artigo aparece no Nuzzel com um “comentário” (o tuíte) do meu amigo. Quanto mais pessoas tuítavam sobre um mesmo link, mais destaque o link recebia no Nuzzel. Há um tempo já eu não acessava o Twitter em si, eu via aquilo que meus amigos comentavam no Twitter através do Nuzzel, que dá destaque ao conteúdo em si. Em sua eterna sabedoria, o Twitter desativou o Nuzzel assim que o comprou.
O Nuzzel era, junto com o Digg, uma ótima forma de descobrir coisas novas na internet. O Pão é basicamente o meu recorte daquilo que eu mais gosto nessas minhas descobertas — um artigo interessante, um vídeo bacana, uma galeria de fotos bonitas no Flickr, etc. O fim do Nuzzel me atrapalhou um bocado, porque ia ser mais difícil de ver o que estava chamando a atenção dos meus amigos, mas me incentivou a repensar em como navegar por aí para não ter que me fazer voltar a acessar o Twitter com maior frequência.
Eu me esforço muito para não depender de acessar o Twitter para descobrir coisas bacanas. Por exemplo: sites que possuem feeds, como Kottke e BLDGBLOG, ficam no meu leitor de RSS. Mas eu descobri que meu leitor também dá suporte à listas do Twitter, então eu criei algumas listas com autores que eu gosto (e que não possuem blogs ou coisas do gênero) e “assinei” a lista no meu leitor.
Minha dieta da internet hoje em dia consiste basicamente em feeds RSS, newsletter e podcasts. Quando links chegam pra mim, eles geralmente são compartilhados diretamente pelo Telegram ou WhatsApp. Eu acho bacana.
Mas uma dieta não é apenas o que, mas também quando e como. No caso, eu não passo o dia inteiro com leu leitor RSS aberto, nem fico de olho no meu email para ler minhas newsletters assim que elas chegam. E esse é um detalhe importante, que eu até comentei no guia de RSS: meu leitor RSS não pode parecer trabalhoso, e o que eu assino por lá importa muito.
Por isso meu leitor RSS não é a única forma que eu assino meus feeds. Eu divido eles em basicamente dois grupos, assinados em lugares diferentes:
- No meu leitor RSS eu recebo “descobertas”, coisas postadas em blogs e revistas que postam mais eventualmente. Eu acesso o meu leitor RSS antes do trabalho, no intervalo do almoço e no fim do expediente, e não gosto de ter um número muito alto de artigos não lidos, porque assim eu não vou acabar vendo nada. Vou só ignorar todos os itens e fechar o leitor. Com poucos posts, todos são interessantes.
- Feeds que postam mais frequentemente (geralmente sites de notícias), eu assino através do Livemarks, uma extensão para o Firefox que assina feeds RSS e os transforma em pastas de favoritos (ou live bookmarks) que ficam na minha barra de favoritos do navegador. Como meu navegador está sempre aberto no trabalho (eu trabalho com internet, afinal de contas!), sempre que sobra um tempinho eu dou uma olhada nas últimas notícias da Folha ou do Kotaku, por exemplo. Eu clico nas manchetes que me chamam atenção, e não preciso ficar “marcando como lido” todas as 300 notícias que eu não leio.
O bom dessa forma de navegar pela internet é que ela não é ditada pelo momento em que um link apareceu para mim, e sim o momento em que eu me liberei e posso conferir o link. É uma mudança sutil, mas importante: a gente para de se sentir “preso” à timeline e começa a tomar as rédeas de como acessamos a internet de volta. Eu defino quando e como eu vou acessar os links que meus amigos compartilham, ou que aparecem no meu leitor, que eu acesso quando tenho tempo o suficiente para prestar atenção. A falta de um algoritmo para criar falsos “prazos de validade” faz com que a ansiedade de perder um link acabe, então aquela checagem constante de Twitter, Facebook ou Instagram acaba.
Quando tem algo que eu quero prestar muita atenção, mas não vou ter tempo para ler naquele momento, eu salvo no Pocket, minha lista de leitura que já é integrado no Firefox. Nele eu posso destacar trechos e fazer anotações, e eu gosto de ler meus artigos no Pocket antes de dormir ou tomando meu café antes do expediente. A gente volta a gostar de acessar a internet quando a gente coloca ela à nosso serviço, e não o contrário. Como uma boa dieta, a gente se sente um pouco mais saudável e mais bem disposto também.
Pelo visto eu devia ler as notas da edição em livros antigos?
Eu, em minha eterna ignorância, sempre pulei tudo aquilo que “não era o livro em si” quando eu lia algum livro antigo. Eu não queria saber sobre o prefácio do tradutor ou as notas da tradução. Eu queria pular pro prato principal.
Lendo a coletânea de contos do Raymond Carver no ano passado, eu li pela primeira vez a introdução do editor. Ainda bem que sim, porque a introdução me preparou pra evolução estilística de Carver que eu provavelmente não ia ter percebido nem apreciado quando eu fui de Fogos para Catedral, por exemplo.
Mesmo assim, eu cometi o mesmo erro de ignorar todo o conteúdo extra-textual em Orgulho & Preconceito quando eu comecei a ler o livro no início do mês. Tinha um ou detalhe que estavam me chamando a atenção, uma estranheza mesmo, na forma como essa ou aquela frase terminam ou uma oração muda de forma. Primeiro, eu achei que era resultado do discurso indireto livre de Jane Austen, o que torna seus livros tão deliciosos de ler (além do sua sagacidade e bom humor).
Então eu me rendi e li os comentários da edição, e aí sim que entendi que Orgulho & Preconceito sofria mudanças a cada publicação, tentando “corrigir” justamente essa estranheza que eu tava sentindo. As notas da edição me deram o contexto em que essas passagens possam ter surgido (um problema na primeira edição, ou algo assim), e como a tradução tratou de cuidar delas para não causar nenhuma estranheza que a própria autora não pretendia. É importante esse contexto, porque Austen, uma mulher, teve que lidar com desconfiança e machismo na hora de tomar suas decisões autorais que reverberam até hoje na sua literatura.
Foi aí que eu decidi ler notas das edições de outros livros antigos que eu li, como Uma Criatura Dócil e Fausto e, amigos, é assim que eu percebo minha burrice. Eu passei meses lendo Fausto, por exemplo, porque passava muito tempo me preocupando que eu não estava entendendo isso ou aquilo. E tava ali, explícito na nota da edição, o porquê daqueles detalhes. Isso teria poupado tanto da minha atenção e do meu mau humor, vocês não têm ideia.
Enfim, leia as notas da edição. Não faça como eu.
videogamedunkey faz uma resenha surpreendente de Playtime
videogamedunkey é um dos meus canais favoritos no YouTube. Ele faz ótimas reviews de jogos que são ao mesmo tempo engraçadas e esmiuçam muito bem como o jogo funciona ou não. Ele também faz vídeos engraçados de vez em quando.
Eu não tava esperando que ele fizesse uma review de um filme, principalmente não de uma comédia quase experimental francesa dos anos 1960, mas aí está. E é uma ótima resenha, inclusive, que consegue esmiuçar como esse filme faz você procurar o que olhar, e porque isso é legal.
“Esse filme” é PlayTime, um dos melhores filmes que eu já vi e provavelmente o filme mais impressionante de todos. É uma comédia gigante, tanto em escopo quanto em potência, e eu recomendo muito se você não viu. PlayTime é um filme estranho no início, então eu realmente recomendo que você assista à resenha do Dunkey antes de assistir para te preparar pelo que está por vir.
Se você gostar de PlayTime, o que eu acho muito provável que vai acontecer, eu também recomendo que você se aventure em toda a filmografia do seu diretor, Jacques Tati (o MUBI faz uma retrospectiva do diretor de vez em quando). Tati é um dos grandes mestres do cinema, que tinha um domínio surreal sobre o que e como a gente vê um filme. E são grandes filmes, que precisam ser vistos em telas gigantes para poder entender o que está acontecendo. De certa forma, PlayTime é como nada do que você já viu ou foi feito no cinema, e ao mesmo tempo é o progenitor de muito o que foi feito no audiovisual desde então.
Tacoma é uma boa alternativa para quem tem muito medo de Alien: Isolation (eu)
Eu tô jogando Tacoma essas últimas semanas. Tacoma é um jogo de mistério em que você investiga o que aconteceu com a população em uma estação espacial através de registrosde conversa e acesso aos computadores pessoais deles.
Tacoma é um jogo do pessoal da Fullbright, o estúdio que alcançou as estrelas com Gone Home, que tem uma jogabilidade muito parecida: são jogos em primeira pessoa, e você precisa investigar uma série de ambientes. “Investigar” é uma palavra forte pro que acontece, na verdade. Você faz isso mentalmente, mas no jogo a investigação é uma série de ações mundanas: ver capas de livros, olhar com atenção para um quarto, ouvir o disco favorito de um personagem.
Através dessas ações, você vai remontando a história dos personagens que habitavam os lugares que você está. É uma fórmula “simples” – alguns jogadores sequer consideram esse tipo de jogo um jogo, mas eles são babacas –, mas eu acho extremamente eficaz. É fácil de pegar o jeito com os controles, e Tacoma retribui sua atenção com passagens belíssimas. O verdadeiro cuidado desses jogos está em como a história do todo é distribuída cuidadosamente por esses espaços inabitados. A gente vê apenas o que restou daquelas pessoas, mas na nossa mente a gente consegue imaginar quem elas foram, e pelo que elas tavam passando.
Eu cheguei em Tacoma por acaso: eu tava jogando Alien: Isolation, mas eu sou extremamente suscetível à me apavorar em jogos de terror, e tava sendo muito difícil passar por alguns maus bocados naquele jogo. Isolation é lindo, e se você tem o coração e o fôlego pra jogar um jogo em que você está em um ambiente que não quer você lá, eu super recomendo.
O que eu mais gostava em Alien: Isolation, porém, era como ele conseguia capturar aquele sentimento do Alien original, de pessoas que precisam conviver no meio do vácuo mortal do espaço sideral através de câmaras de metal. São espaços muito vívidos, cheios de detalhes sobre a tripulação daquelas naves, e quando o Alien me dava uma trégua eu adorava ficar vasculhando a nave por detalhes sobre a tripulação e ver o apreço aos detalhes que o time da Creative Assembly pôs em cada espaço que o jogador passa.
Mas jogos são feitos com verbos, e alguns deles são mais fortes que outros: em Alien: Isolation, o verbo “sobreviver” é mais forte do que “descobrir”. É um jogo em que você está preso na mesma bolha de ar que um ser feito para matar tudo o que ver pela frente, então é uma questão de prioridade mesmo. Em Tacoma, o desastre já aconteceu, e você precisa ver o que restou daquelas pessoas. “Investigar”, em Tacoma é ver, ouvir e prestar atenção. As vezes, algumas coisas que você está ouvindo só vão fazer sentido bem depois, porque você só ouviu o final de uma discussão e não viu o que causou ela.
Eu sou um fã de ficção científica, e um fã de histórias que se passam no espaço em especial. Tacoma olha para essas histórias com doses certas de fascínio e cinismo: fascínio pela conquista da humanidade, de enviar pessoas para fora do nosso planeta; e cinismo, sabendo que cada conquista da humanidade leva nossos traumas de imperialismo e colonialismo e autoritarismo junto. Mas Tacoma consegue manejar esse cinismo com a humanidade que as melhores histórias no espaço – como Alien – com a beleza da vida humana que a gente leva pra onde nós conseguimos ir. A gente investiga um desastre e o resultado da exploração desenfreada, e o que a gente encontra é a humanidade, que luta para mostrar suas marcas mesmo fora do nosso planeta.
Minuto a minuto do dia em que os dinossauros morreram
Há 68 milhões de anos (ontem), os dinossauros tiveram um dia muito ruim.
Adorei o vídeo porque eu certamente nunca tive um dia tão ruim assim, então me deu um pouquinho de perspectiva.
Aqui está o trailer da continuação de Breath of the Wild
Eu tô muito emocionado. Na apresentação, Eiji Aonuma disse que a sequência de Breath of the Wild vai ter seu cenário expandido de Hyrule para os céus.
Tem algo que o time do Aonuma conseguiu nesses trailers que eu simplesmente não sei expressar direito. Eles nos atraem pro seu senso de aventura. Eles querem que a gente vá e explore e descubra tudo o que esse mundo de Zelda tem a oferecer. Esses jogos nos atraem para uma mágica que existe nesses jogos. É como se fosse mágica mesmo.
A sequência de Breath of the Wild deve ser lançada em 2022. Eu acho que, se esse novo Nintendo Switch for real, ele pode ser lançado só quando esse jogo estiver pronto. Zeldas abrem gerações.
Em outras notícias da apresentação da Nintendo na E3, minha lista de compras para o Switch até o final do ano tá assim:
- The Legend of Zelda: Skyward Sword HD (julho)
- WarioWare: Get It Together (setembro)
- Metroid Dread (EU NÃO ACREDITO, outubro)
- Pokémon: Brilliant Diamond (novembro)
Eu achei que a Nintendo ia anunciar uma coleção de remakes para celebrar o aniversário de Zelda esse ano (a gente sabe que Twilight Princess HD e Wind Waker HD estão parados lá no Wii U), e agosto e dezembro ainda são meses sem nenhum lançamento grande da empresa, então ainda tenho um pouquinho de chance de que isso pode acontecer. Fico feliz que eles mencionaram que Metroid Prime 4 ainda tá em desenvolvimento (eu aposto que esse aí se tornou em um título de lançamento pro novo Switch), e ainda mais contente que o primeiro Metroid em 2D em mais de duas décadas vai ser lançado esse ano. O trailer até chama Metroid Dread de “Metroid 5”.
Enfim, mais um ano sem um relançamento de EarthBound.
Como a montagem de Ted Lasso captura o espírito colaborativo da comédia
Na TV, comédia pode ser filmada de algumas maneiras. As duas mais comuns são os chamados setup de multiplas câmeras (multi-cam setup) e o setup de câmera única (single cam setup). Você provavelmente já viu séries que usam cada uma dessas abordagens, e provavelmente sabe dizer qual é qual instintivamente: as chamadas “sitcom” são geralmente gravadas com várias câmeras em frente à uma platéia. É o caso de Friends e The Big Bang Theory, por exemplo. Já comédias como Fleabag e Ted Lasso são gravadas com uma câmera só, de uma forma mais parecida com um filme.
Nesse texto para o AV Club, Saloni Gajjar comenta como a montagem de Ted Lasso traduz bem a sensação de colaboração do futebol, e das amizades, e como ele cria uma série tão boa de sentir com isso:
Look no further than the first meeting between Ted, Coach Beard, and kit-man Nathan (Nick Mohammed) in the pilot. When Ted and his fellow coach ask the latter for his name, he’s surprised; no one ever asks. Instead of immediately giving an answer, there’s a pause as the camera cuts back and forth between their faces, setting the comedic tone and letting Nathan’s confusion linger (and Mohammed’s performance shine). The joke continues when Ted and Coach Beard see Nathan again and remember his name, and the scene cuts to another look of happy surprise on the kit-man’s face. The Ted Lasso editors build on a similar momentum for every character and running gag. One of the show’s biggest secondary arcs is Roy and Keeley’s romance, and the editors prime us to root for them early on by focusing on their longing gazes, flirtatious parking lot conversations, and when Roy finally asks Keeley out in episode eight (“The Diamond Dogs”).
McCoy and Catoline’s intercuts from the field, to the coaches, to the viewers in the stands and those watching the game at home present the matches in an appealing way to fans as well as viewers not particularly interested in soccer. In the establishing shot of the premiere with the AFC Richmond team practicing on the field, the duo combines close-ups of legs and passes with slow-motion scenes and pans out to catch all the gameplay. These jump-cuts, especially in the finale, generate the necessary energy for high-stakes storytelling. This is true of non-game scenes as well. Two of the show’s most memorable moments—the team celebrating its win by going to a karaoke club in “Make Rebecca Great Again,” and Ted’s game of darts with Rebecca’s ex-husband, Rupert (Anthony Head), in “The Diamond Dogs”—speak to McCoy and Catoline’s remarkable ability to follow the script’s character developments and the actors’ work with their cuts.
Ai, ai. Ted Lasso é muito boa. A nova temporada estreia no mês que vem, e eu mal posso esperar.
Um guia gentil para você começar a usar RSS
Eu escrevi aqui (mais de uma vez) sobre como RSS é bom e como ele melhorou meu dia-a-dia na internet depois que eu voltei a usá-lo. Eu tô prestes a terminar um próximo post sobre ele, mas antes disso eu lembrei que alguns amigos meus me pediram ajuda para começar a usar leitores de feeds, e os tutoriais na internet sobre o assunto geralmente são escritos por entusiastas da tecnologia, que têm um tom um pouco presunçoso. Então eu decidi escrever esse guia bem simples de como configurar um leitor e encontrar seus feeds favoritos.
O que é o RSS
RSS é uma sigla para “distribuição realmente simples” em inglês, e é isso que ele faz: ele distribui o conteúdo de um site para outros lugares através de feeds, uma lista desse conteúdo que outros aplicativos podem ler e mostrar para o usuário. Um leitor de feeds é esse aplicativo, que consome o feed — o conteúdo dos posts desse site — e o disponibiliza no próprio aplicativo.
Com o RSS, eu posso distribuir o conteúdo do Pão para um leitor RSS. Com um leitor de RSS, você pode receber o conteúdo distribuído por diversos sites em um só lugar. Você decide de quais, você decide quando abrir, e você decide se quer ler ou não.
Digamos que você assina uns dez feeds: alguns blogs, algumas newsletters, e o feed de um jornal, como a Folha de São Paulo. Quando você abrir o seu leitor RSS de manhã, você vai ver as notícias, os novos posts e as edições de newsletters desde a última versão que você abriu em um só lugar. É como se fosse um jornal personalizado. Essa é a mesma tecnologia que distribui podcasts, então se você escuta algum podcast, você já está usando RSS!
Se o número de conteúdos não lidos acumula, você pode achar maçante ter que abrir seu leitor RSS, então eu recomendo que você assine apenas aquilo que realmente importa para você: os sites que você visita com mais frequência durante o dia, ou blogs que você esquece que existem até que o algoritmo do Twitter ou do Facebook finalmente lembre você de ir lá conferir — eles provavelmente postam raramente, então você não vai ficar com muita coisa acumulada.
Se você pesquisar sobre RSS vai encontrar artigos sobre Atom e XML e versões do RSS. Não se preocupe, de verdade! Um leitor RSS está preparado para tudo para que você não se preocupe com isso.
RSS e redes sociais
As melhores qualidades da internet de antigamente estão preservadas no RSS: ele é composto por arquivos pequenos, então eles carregam rápido, não consomem muitos recursos do seu computador ou do celular. Isso também significa sem anúncios que ocupam a página inteira, ou que controlam a rolagem do seu navegador enquanto você lê.
Diferente das redes sociais, o RSS não é controlado por algoritmos. É um jeito mais calmo de explorar a internet. A lista de posts é ordenada dos mais recentes para os mais antigos. Quando você marca eles como lidos, eles são arquivados. Você pode acessá-los quando quiser.
Você não precisa ter medo de perder algum conteúdo legal. O leitor não vai esconder posts que você não leu porque você ficou a última semana sem abrir o aplicativo. Ele vai esperar você voltar quando quiser. Se você não quiser ler nada, você pode marcar tudo como lido de uma vez. Se algo te interessa, você pode marcar para ler depois.
Usando um leitor RSS
RSS é uma tecnologia aberta e gratuita, então existem vários leitores bem diferentes para você escolher e que melhor se adaptam à sua experiência! Alguns oferecem sincronia entre diversos dispositivos, então sua lista de feeds vai estar atualizada entre seu celular e seu computador, por exemplo.
Esses serviços costumam ser pagos, mas você pode optar por ter um leitor RSS só no seu computador ou só no celular, ou receber feeds diferentes em cada dispositivo. E para isso existem várias alternativas gratuitas. Fica ao seu critério como você vai querer usar.
Alguns dos mais populares são:
- Feedly, com planos gratuitos e pagos.
- InoReader, também com planos gratuitos (bem generosos!)
- The Old Reader, o plano gratuito é cheio de recursos
- Feedbin, pago mas com recursos poderosos
Todos eles oferecem os mesmos recursos básicos, então é muito mais uma escolha sobre o design do que você mais gosta e se os recursos “extra” te chamam mais a atenção. Eu uso o Feedbin, por exemplo, porque eu posso criar feeds de perfis no Twitter e de canais no YouTube. É muito útil!
Uma ótima alternativa também é o Livemarks, uma extensão para o Firefox que permite que você assine um feed na barra de favoritos do navegador. A extensão cria uma pasta com os links mais recentes do feed e os atualiza na periodicidade que você escolher. Eu gosto muito de usar essa extensão para feeds que se atualizam constantemente, como a Folha de S. Paulo, porque as últimas notícias ficam sempre se atualizando enquanto eu trabalho.
Encontrando feeds
Todos os blogs possuem feeds, e a maioria dos jornais oferecem feeds gerais e específicos. Se você quer receber todas as notícias publicadas no G1 você pode, mas se você quiser receber apenas as notícias de um colunista ou de uma seção (Esportes, por exemplo), o site oferece um feed específico para você só receber o conteúdo daquilo que desejar.
O jeito mais fácil de encontrar um RSS é pesquisar pelo nome do site e o termo RSS no Google. Cada página de escritor no Medium oferece um feed; cada canal do YouTube também.
Para assinar esses feeds, você só precisa copiar a URL da página para o seu leitor. Ele vai escanear a página pelo endereço do feed e assinar. Você pode organizar seus feeds em pastas ou em tags, para deixar tudo arrumadinho.
Seu RSS é algo que você vai construir com o tempo. Você vai descobrir um site legal ou um canal no YouTube interessante, e então você assina o feed. Se você perder o interesse por algum desses feeds, ou se eles postam demais e você se sente perdido, você cancela a assinatura. É tudo muito simples, e você tem o controle sobre tudo.
Como as melhores tecnologias da web, o RSS foi feito para melhorar o seu dia e fazer você se sentir bem. Está na hora de a gente voltar a usá-lo!
E não esqueça de assinar o feed do Pão no seu novíssimo leitor.
Quem é você, Charlie Brown?
Esse é o trailer de Quem é você, Charlie Brown?, um documentário sobre o criador de Peanuts, Charles M. Schulz que vai estrear na Apple TV+ no próximo dia 25.
O documentário vai ser narrado por Lupita Nyong’o e parece bonzão. Eu tô gostando um bocado da leva de produções de Peanuts que tão aparecendo na Apple TV. Eles tem todo o acervo dos desenhos clássicos (com exceção de Snoopy, volte para cara) e Snoopy & Sua Turma é um charme. Se você gosta de espaço e de Peanuts, como eu, Snoopy no Espaço é ótimo. Eu só gostaria de uma série animada da turma mesmo, não só do Snoopy. Quem sabe mais pra frente.
No Sudden Move, e outros filmes que tem mais elenco do que espaço no cartaz
A HBO lançou o trailer do novo filme de Steven Soderbergh, No Sudden Move:
No Sudden Move parece um tipo específico de filme que eu adoro, que é aquele em que tem tanta gente boa no elenco que parte da graça é ver como eles conseguem encaixar o nome de todo mundo nos cartazes e nos trailers. São filmes que, com tanto talento, precisa de muita trama pra fazer render, então os filmes vão pra tudo o que é lado e inventam as desculpas mais improváveis para “acumular” essas atuações. É como ler um baita livro.
Isso acontece direto nos filmes do Wes Anderson também, como em O Grande Hotel Budapeste e no seu novo filme que estreia em Cannes esse ano, The French Dispatch – o filme que eu mal posso esperar pra assistir na minha primeira ida ao cinema depois da vacina:
O falante mais rápido do mundo canta “Bad” em 20 segundos
John Moschitta Jr. era considerado o homem que falava mais rápido no mundo, e para provar tem esse vídeo de 1987 em que ele recita “Bad”, de Michael Jackson, em vinte segundos. A música original tem mais de quatro minutos e meio.
Em contrapartida, esse vídeo acabou de reduzir a velocidade da minha fala porque meu queixo ainda não voltou pro lugar.
Gilberto Gil sobre o desenvolvimento e a democratização da tecnologia
Gil, sempre o mestre, em entrevista à Folha:
Desde os grandes produtores de tecnologia de internet, passando pelos consumidores e indo até os órgãos reguladores, todos estão de uma certa forma preocupados.
O Instagram estabeleceu suas regras. O Whatsapp apareceu agora com uma novidade. Todos tentando regulações, chamando o Estado para participar desse processo todo. Você vê, por exemplo, o [Mark] Zuckerberg [presidente do Facebook] tentando melhorar os serviços prestados pela companhia dele, estabelecendo um debate com os órgãos regulatórios para melhorar o atendimento ao consumidor, a questão das fake news. Tudo isso é preocupação permanente de cada vez mais pessoas na sociedade global.
O que se pode fazer é isso. A permanente atenção em relação aos usos dessas tecnologias todas, a avaliação permanente dos resultados desses usos, das correções que vão sendo feitas.
É um processo contínuo?
Como sempre foi. Uma solução cria novos problemas, que demandam novas soluções.
Quem é contra regulação nas redes fala em liberdade de expressão, tema que também é caro a artistas. Como equilibrar isso?
São critérios variados e oscilantes. Uma hora tendendo a favorecer um lado, outra hora o outro.
É uma discussão permanente sobre até onde vai essa liberdade, o que é liberdade, o que não é, qual o grau de interferência tolerável por parte da regulação, onde é que realmente a liberdade está sendo ameaçada ou quando a liberdade é ameaçada por mais liberação (risos). É tudo muito complexo. Não é uma visão linear que dará conta.
Em “Cérebro eletrônico”, de 1969, o sr. diz que a máquina é muda, não chora, não anda. Será preciso atualizar a letra?
Ela vai começar a mandar em vários níveis e vai ser travada pela inteligência humana em vários outros. Isso porque, de outro lado, a configuração da biociência vai se desenvolvendo, vai dando ao cérebro humano nova profundidade, nova capacidade de expansão de seus potenciais.
A contribuição que a máquina traz é equilibrada por aquilo que na existência humana não é técnico, maquínico. Esse lado vai sempre discutir com a máquina. A máquina só vai mandar sozinha, trabalhar sozinha, se o ser humano deixar, por alguma razão.
A humanidade pode decidir em determinado momento que a gente não quer mais a bioexistência, que queremos a existência maquínica e aí entregamos tudo para a máquina. Mas, enquanto a gente apreciar essa dimensão biológica, fisiológica em que estamos, a relação com a máquina será sempre de diálogo.
Ela só vai avançar se for permitida. Essa possibilidade de desastre do tipo “2001, Uma Odisséia no Espaço”, filme em que o computador resolve matar a tripulação toda, é uma situação extrema que deve estar no mapa, no elenco das possibilidades, mas que são muito remotas, porque nós conservamos nossas condições biológicas, de nossa cognição, na nossa corporalidade. Por mais maquínicos que estejamos, nossa autonomia biológica ainda é muito forte, o projeto humano é muito forte.
Desfazer a polarização que a internet alavancou na última década é um processo muito mais difícil, porque a binaridade é própria da tecnologia. Como desenvolvedores, a gente está constantemente trabalhando em casos em que algo acontece ou algo não acontece, e desconsideramos ou “generalizamos” casos em que não é um nem outro. A arte sempre teve essa função de enxergar os cinzas entre o preto e o branco, de discutir porque um é um e outro é outro, e de onde vêm essas ideias. Acho fantástico que o Gil tá fazendo essa ponte.
A tecnologia já tá ligada demais ao nosso cotidiano pra gente tentar reduzir nossas vidas à ela. O caminho é oposto – nós precisamos começar a olhar para a transformação tecnológica de forma mais complexa e fazendo perguntas mais difíceis se quisermos continuar usando e desenvolvendo. Nas palavras do próprio Gil:
Tudo é bom e ruim. Igual copo de leite, que é muito bom para alguém em determinada circunstância, mas pode ser terrível para alguém que tenha alergia a laticínios.
Gil vai dar a palestra Caminhos para a Democratização da Tecnologia no canal da ThoughtWorks Brasil no YouTube nessa quinta, às 19h.
Onde Fica a Casa do Meu Amigo? na MUBI
O filme do dia na MUBI é Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, o filme que colocou o diretor iraniano Abbas Kiarostami na mira do público internacional. Se você nunca viu um filme do meu diretor favorito, eu recomendo muito começar por ele. É curtinho, e tudo o que eu aprendi a amar no cinema de Kiarostami começa aqui.
A história é simples: nosso protagonista, um garoto de oito anos, pega sem querer o caderno de um colega. O colega está tendo uns dias ruins, e o garoto imagina que se ele não entregar o tema de casa feito na aula seguinte, ele vai ser punido. O filme inteiro é a busca de Ahmed pela casa do seu colega, e como os adultos ajudam ele muito pouco, mas Kiarostami filma muito menos pela indiferênca dos adultos do que pela perseverança de Ahmed, que torna esse filme realista em uma pequena fábula, em que o mundo se contorce sob a visão de como as coisas funcionam para uma criança de oito anos. É lindo e é enganosamente simples, como os melhores filmes costumam ser.
Onde Fica a Casa do Meu Amigo? é o primeiro filme em uma “falsa trilogia” em que Kiarostami volta à região de Koker, onde esse filme foi filmado, e eu tenho a sensação de que os outros dois filmes vão chegar logo logo na MUBI também.
Portal 2 não tinha como ser tão bom
As obras-primas do streaming
A Polygon está com uma série de artigos chamada The Masterpieces of Streaming, com foco nos filmes e séries lançados no Netflix e em outras plataformas de streaming desde o início da criação de conteúdo específico pra esse meio (os chamados “originals”). Tem a típica lista dos 50 filmes mais importantes dessa era, e as séries que melhor utilizam a plataforma para maratonar. Tem também sobre um outro tipo de conteúdo, os vídeo-ensaios no YouTube, que por algum motivo não lista nenhum vídeo da ContraPoints.
O que eu mais gostei são os artigos que analisam essa era de conteúdo, em especial esse em que o autor, Charles Bramesco, tenta identificar o porque as plataformas de streaming geram tão poucos clássicos como as locadoras (e os cinemas) conseguem:
Humanity has spent a little over one hundred years developing a relationship to “the movies” as both a sentimental notion and a real place, priming us for the emotionally revelatory highs of a life-changing screening. There’s a crucial feeling of ceremony absent from the process of clicking around on the couch, and a certain investment in buying a ticket rather than simply hitting play. For the deliberateness required, these transactions mean more; it’s even in the language, of “going to the movies” versus “seeing what’s on.” Netflix has poured a bit of its capital into eventizing its films along these lines, buying out the Paris Theater in Manhattan as a place for the tastemakers of New York to take in the service’s more dignified releases as they were meant to be seen.
“As they were meant to be seen” is not a figure of speech. There are visceral, physical reasons for the way we have traditionally seen art and absorbed its effects. The sheer scale of theatrical presentation makes for an immediate bigness that amplifies our response to the moving lights on the wall. The enveloping environment of darkness, the elimination of extraneous sounds, and the upright stillness in the chair lull a viewer into a state of what film theorists called “lower wakefulness,” under which movies can permeate deeper than when watched from a couch. The company of the crowd goes a long way as well, their reactions giving approval to ours and vice versa in feedback loops of fuller-throated laughter, fear, or in the case of Magic Mike XXL, joy. The forced isolation of the past year-plus has only underscored the critical importance of the social, communal dimension to viewership.
Mas meu artigo favorito de todos é esse ensaio sobre o poder, e a influência, do Vine nisso tudo. Esse sim foi o rei da internet enquanto durou.
Em defesa da quinta temporada de The Americans
A simulação secreta de SimCity
Esse vídeo da Polygon sobre a simulação “secreta” que rege o que a gente faz em SimCity é excelente (e muito, muito denso, eu tive que rever umas vezes). Ele me fez lembrar esse texto sobre a política oculta e perigosa do jogo.
Também me lembrou que, depois que o SimCity foi lançado em 2013, uma galera tava reclamando sobre como era “difícil ou quase impossível remover os moradores de rua” da cidade. Tem esse post no Motherboard sobre isso.
Reaprendendo a amar o cinema
Se você acompanha o Pão há um tempo, pode perceber que nos últimos dois anos eu falei muito pouco sobre filmes. No início, o Pão era quase inteiro um blog sobre os filmes que eu gostava ou tinha descoberto recentemente, mas de meados de 2019 pra cá isso mudou um bocado.
Antes, eu era uma pessoa empolgada por descobrir diretores novos e explorar a filmografia de um país longínquo. Eu gostava de ir no cinema e pegar uma sessão sem nem saber a sinopse do filme que eu ia assistir, eu me importava com filmes que foram selecionados para festivais e organizava calendários de estreia para ficar atento a quando eu ia ver o quê.
Mas de lá pra cá, minha relação com o cinema mudou profundamente. Primeiro eu achei que era algo momentâneo, como acontecia antes, de eu passar umas semanas sem ver tantos filmes até que o fôlego de assistir um filme (ou mais!) por dia voltasse. Mas esses intervalos começaram a durar mais e mais, até que eu percebi que talvez fosse algo diferente, definitivo.
A verdade é que não foi só a minha relação com o cinema que mudou nesse tempo, mas a forma com que eu enxergo os filmes também1. Eu comentei um pouco sobre isso em uma edição recente da Baguete: eu leio resenhas antigas que eu publiquei aqui no blog lá por 2013 e 2014 e vejo o quanto isso mudou. Eu reduzia os filmes que eu assistia, até mesmo aqueles que eu gostava muito, a temas simples. Antes eu achava que meus posts sobre Zodíaco e Ela não eram bons porque eu não conseguia formular bem os motivos pelos quais esses filmes são bons. A verdade é que esses textos são ruins porque eu mesmo não era honesto sobre o que eu gostava sobre eles, conscientemente ou não.
Por exemplo, no post sobre Zodíaco, eu digo que o filme é bom porque é um retrato obsessivo sobre pessoas obsessivas, e a obsessão do personagem sobre a identidade do assassino do Zodíaco reflete a obsessão do diretor, David Fincher, em esmiuçar os eventos. Esse é uma das características que me fazem apreciar esse filme, mas não é por isso que eu gosto dele.
Eu passei o último ano sem falar muito de cinema por aqui, e não porque eu não vi filmes excelentes. Foi pensando nos motivos de eu não conseguir escrever um post sobre First Cow e Minari que eu comecei a entender o que mudou em mim. Esses são dois filmes que parecem simples: First Cow conta a história de dois amigos na era colonial dos Estados Unidos que começam a roubar o leite da primeira e única vaca da região para fazer quitutes e vendê-los por uns trocados. Minari conta a história de uma família de imigrantes coreanos na década de 1980 tentando criar uma plantação de legumes.
Porém, quando eu tentei aplicar minha abordagem pra resenhar eles, eu não consegui. Isso porque First Cow e Minari não são filmes “sobre” algo, não existe uma força temática forte sobre eles com a qual eu pudesse reduzir os filmes. Não que Zodíaco seja um filme com apenas um tema como eu dou a entender naquela resenha, mas eu “descasquei” um tema do filme e saí correndo com ele. Se eu fosse escrever sobre Zodíaco hoje, eu não saberia como.
Eu acho que isso tá acontecendo porque eu tô vendo filmes de um jeito diferente. Eu não vejo mais filmes “sobre um acontecimento”, mas sim filmes no momento em que algo acontece. É um jeito diferente de olhar, e eu acho mais difícil de escrever sobre o que eu gosto nesses filmes. Eles capturam algo que eu gosto, e me mostram de um jeito que eu gosto.
Minha impressão é que esse é um jeito mais gentil de ver filmes. Eu parei de cobrar que coisas aconteçam nos filmes, ou que eles me falem sobre algo — que eles tenham um Grande Tema, que eles me expliquem Uma Grande Situação. Eu ando assistindo filmes como se eu estivesse olhando pra janela enquanto tenho uma folga do trabalho. Eu vejo as coisas acontecerem naquele momento que eu enxergo elas. As vezes elas fazem sentido, as vezes não. É sobre o que elas me fazem sentir, bem mais do que elas fazem no filme em si.
Não sei se dá pra entender isso, mas essa mudança foi crucial pra eu voltar a gostar de ver filmes. Por um tempo, foi ficando cada vez mais difícil de escolher um filme pra assistir — eu fui ficando mais chato, eles tinham que ser mais inteligentes do que os anteriores, mais formalmente impressionantes, etc. Até um ponto que eu não tava gostando de mais nada do que eu assistia, e parei de querer ver filmes. E então eu percebi essa mudança em filmes pequenos. Filmes como First Cow, em que muito pouco acontece, mas que limparam a minha mente e me fizeram enxergar o que tava acontecendo neles, e não “sobre” o que eles tavam tentando me dizer.
Não sei se um dia eu vou voltar a resenhar filmes, mas provavelmente não. Eu ainda tô experimentando formas de escrever sobre os filmes que eu vi, e ainda não achei uma forma ideal. As vezes eu acerto em cheio, como essa observação de Certas Mulheres, que é até hoje um texto meu favorito sobre filme, mas é difícil de escrever algo assim. As vezes eu prefiro descrever como o filme me fez sentir, e acho que essa é uma boa saída também. As vezes eu faço uma observação mais pontual. Pode ser que eu escreva mais coisas assim.
Vocês provavelmente vão ler alguns desses experimentos no Pão daqui pra frente. Eu só precisava desabafar sobre isso em primeiro lugar. Acho que, agora, eu consigo ser mais honesto sobre os filmes que eu vejo.
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Tem uma questão de tempo aí também, eu simplesmente não tenho mais tanto tempo livre pra assistir a quantidade de filmes que eu via antes. ↩
Everything is Alive está de volta
Everything is Alive, o meu podcast favorito, está de volta para sua novíssima temporada entrevistando Adam, um banquinho de sentar.
Esse podcast é perfeito pra quem, assim como eu, assistiu Toy Story muito cedo e desenvolveu uma empatia perigosa por absolutamente tudo ao seu redor. Eu sento devagar no sofá pra não machucar ele, eu limpo a louça com cuidado para elas dormirem bem. Faz muito tempo que eu não acredito que as coisas ao nosso redor não têm uma vida própria e julgam o nosso dia-a-dia, mas resquícios desses pensamentos ainda vivem dentro de mim. E Everything is Alive ilustra isso com entrevistas com esses objetos. São conversas charmosas demais pra descrever, mas eu vou tentar: algumas são engraçadas, como a da jaqueta de couro e a calça jeans, que conversam sobre como seu dono não tem mais idade para vestí-las. Outras, como a do elevador, são de partir o coração.
A melhor dica que eu poderia dar a você nesse início de final de semana é essa. Escute Everything is Alive. Ele me ajudou a ver a beleza daquilo que nos cerca no dia-a-dia. Não tem presente melhor que esse.
Dois links nessa manhã de segunda
Dois links nessa manhã de segunda:
A história não contada de “Back at it again at Krispy Kreme” (nymag.com)
A história do melhor Vine de todos os tempos, com direito à uma investigação detetivesca de onde e porque ele aconteceu.
100 Visões da Maternidade (theluupe.com)
Um ensaio fotográfico curado pelo TheLuupe. São cem fotografias que mesmo assim sugerem que são poucas para conseguir capturar a experiência maternal pelo mundo.
Dois links nessa manhã de sábado
Dois links nessa manhã de sábado
scroll + click (hakim.se)
Eu adoro esses experimentos da web que você pode brincar de ser artista.
CORGI ORGY (corgiorgy.com)
Meu tipo favorito de site são esses single-serving sites, ou sites com uma única utilidade. Procurar por eles é meu divertimento favorito no sábado de manhã.
Barry Jenkins: The Gaze
Enquanto filmava a monumental minissérie The Underground Railroad, o diretor Barry Jenkins também começou a trabalhar em The Gaze, um filme não-narrativo que parece existir naqueles momentos dos filmes do diretor em que os personagens extrapolam suas próprias histórias e olham o próprio espectador nos olhos.
In my years of doing interviews and roundtables and Q&A’s for the various films we’ve made, there is one question that recurs. No matter the length of the piece or the tone of the room, eventually, inevitably, I am asked about the white gaze. It wasn’t until a very particular interview regards The Underground Railroad that the blindspot inherent in that questioning became clear to me: never, in all my years of working or questioning, had I been set upon about the Black gaze; or the gaze distilled.
I don’t remember when we began making the piece you see here. Which is not and should not be considered an episode of The Underground Railroad. It exists apart from that, outside it. Early in production, there was a moment where I looked across the set and what I saw settled me: our background actors, in working with folks like Ms. Wendy and Mr. and Mrs. King – styled and dressed and made up by Caroline, by Lawrence and Donnie – I looked across the set and realized I was looking at my ancestors, a group of people whose images have been largely lost to the historical record. Without thinking, we paused production on the The Underground Railroad and instead harnessed our tools to capture portraits of… them.
What flows here is non-narrative. There is no story told. Throughout production, we halted our filming many times for moments like these. Moments where… standing in the spaces our ancestors stood, we had the feeling of seeing them, truly seeing them and thus, we sought to capture and share that seeing with you. The artist Kerry James Marshall has a series of paintings of ancestors for whom there is no visual record but for whom he has supplied a visual representation of their person. For me, most inspirationally, “Scipio Moorehead, Portrait of Himself, 1776.”
[…]
This is an act of seeing. Of seeing them. And maybe, in a soft-headed way, of opening a portal where THEY may see US, the benefactors of their efforts, of the lives they LIVED.
Nook: temas do Animal Crossing no Firefox e no Chrome
Se você já jogou Animal Crossing, você sabe que o jogo têm pequenos temas musicais para cada hora do dia. O das 9h é diferente do das 10h, que são diferentes do das 21h e das 22h. Alguns temas são mais “espaçosos”, outros são mais agitados, tudo depende do jogo e da hora do dia.
Esses temas são perfeitos pra quando eu estou jogando New Horizons, porque o jogo requer ao mesmo tempo um pouquinho de concentração e de criatividade. Por coincidência, o meu trabalho também requer um pouco de concentração e de criatividade ao mesmo tempo, então eu fiquei muito feliz quando encontrei o Nook, uma extensão para o Chrome e o Firefox que executa os pequenos loops musicais de vários Animal Crossing de acordo com a hora do dia.
Eu pessoalmente gosto de ouvir os temas de New Leaf de manhã, eles são mais melancólicos e bonitos. À tarde, geralmente o período mais movimentado do meu trabalho, eu gosto de ouvir as notas acústicas dos temas de New Horizons, que me acalmam. Eu acho um barato, porque a extensão tem algumas configurações muito úteis — eu posso diminuir o volume do tema sem precisar baixar o volume do resto do computador, então eu deixo ele baixinho durante as reuniões. Você também pode ativar a chuva (a música muda quando chove ou neva nos jogos). Você pode até mesmo ativar as músicas do K.K. Slider nas noites de sábado, pra quando você precisa fazer aquela hora extra.
Os postos de gasolina mais bonitos
Via Kottke, que também linka pra esse artigo sobre como postos de gasolina podem ser transformados em coisas melhores quando gasolina e combustível forem coisa do passado, tomara que esse dia chegue logo.
Eu sou apaixonado por postos de gasolina, bonitos ou não. Tem algo muito real nesses lugares pedestres, são estruturas “eternas” para momentos passageiros — muito como um elevador, mas eu tenho medo de elevadores. É estranho, mas eu geralmente vejo postos de gasolina como respiros em cidades grandes. Eles são horizontais, e não verticais como os prédios, eles precisam ter espaço, porque os veículos vão passar bem nom eio deles. E eles são momentâneos: existem para aquele momento que você precisa deles, e depois você vai embora. Tem algo poético e trágico em lugares assim.
Kentucky Route Zero é basicamente sobre isso: aquilo que é trágico e poético porque é passageiro. Ele começa em um posto de gasolina.
27 anos depois, ainda não existe uma série como ER
Nintendo anuncia Game Builder Garage
Game Builder Garage é um jogo/aplicativo para o Nintendo Switch que permite que as pessoas criem jogos usando uma interface gráfica amigável, como o Scratch ou o Kodu Game Lab da Microsoft. O usuário vai ligar blocos que podem ser objetos ou ações à blocos de interação, permitindo criar comportamentos e cenários.
Pelo trailer, Game Builder Garage é bastante inspirado no Labo Garage e no Dojô do Yamamura em Super Mario Maker 2, e aposta no grande forte da Nintendo: seu conhecimento inigualável dos fundamentos do game design. De longe as melhores aulas de design de níveis que eu tive foram através do Yamamura no SMM2, com lições com foco em cada elemento que um nível de jogos do Mario podem apresentar. Game Builder Garage parece uma versão extendida e mais poderosa desse modo de jogo e tô bem interessado no que ele pode oferecer. Me lembrou de quando a Nintendo lançava aplicativos como leitor de livros e bloco de anotações para o DS e o 3DS, sempre com um diferencial bacana. Parece que o Switch tá tomando esse mesmo caminho.
Algumas anotações de atualizações
Oi pessoal, queria só deixar uns avisos por aqui antes de começar o dia. Espero que todos estejam bem e seguros.
se você é um leitor atento do Pão, já deve ter percebido que eu tô sempre fazendo umas modificações aqui e ali. As vezes eu mudo o espaçamento nos posts, as vezes eu troco algo de lugar. O Pão já passou por alguns redesigns, mas eu tô bem contente com esse e a forma como ele vem crescendo. Você já deve saber que eu trato esse blog como um pequeno jardim, sempre arrumando uma coisinha ou deixando outra mais bonitinha. Eu adoro sentar na frente do computador no sábado ou no domingo por uma ou duas horas e ficar mexendo um pouco no código-fonte do Pão.
Nas últimas semanas eu estive dedicado a remover a plataforma de comentários que eu usava aqui antes, o Disqus. Ele era a única fonte de cookies externos sendo usados no Pão, e ele começou a exibir anúncios na seção de comentários há um tempo. Eu nunca gostei disso, mas como o Pão é um site estático, sem um painel de administração por trás dele, eu não sabia se tinha muitas opções como alternativas.
Como vocês podem ver abaixo desse post, eu encontrei uma! Na verdade eu lembrei que o IntenseDebate existia — eu o usei em um dos meus primeiros blogs há muitos anos. Então temos comentários de novo, e agora sem interferir a sua privacidade e sem abusar do meu layout. Todo mundo ganha!
Agora a má notícia: eu ainda estou tentando importar nossos comentários do Disqus pra IntenseDebate, mas tô suspeitando que isso não seja possível. Se não tiver, paciência. Os comentários do Pão nunca foram muito ativos (mais sobre isso em um post futuro, eu acho!), mas com o passar dos anos eles acumularam um efeito muito bacana de pessoas encontrando séries ou filmes ou jogos que eu comentei aqui há um tempão e reagindo às minas considerações. Era bacana ver essas reações com anos de distância, e elas ainda estão disponíveis no Disqus do Pão. Os novos comentários do Pão ainda vão permitir esse tipo de interação, mas esse histórico talvez fique pra trás.
Enfim, os comentários estão vivos, e continuam sendo regidos pela etiqueta de comentários. Eu também aproveitei para atualizar as considerações de privacidade para remover a nota sobre o uso dos seus dados pelo Disqus. Ele não tem mais vez aqui no Pão.
Obrigado pela visita e fiquem bem! Nos vemos logo mais.
Memories of the Age of Anxiety
O vídeo acima é Memories of the Age of Anxiety, uma nova composição do Arcade Fire em parceria com John Legend para o aplicativo de meditação Headspace.
Tá sendo um bom acompanhamento para a trilha-sonora de Ela, que eu escuto no trabalho. A música tem 45 minutos e é ótima para uma tarefa longa, ou para estudar, ou para ler.
Olhe para esse sol
Esse é o nosso Sol em uma foto de 140 megapixel tirada por Andrew McCarthy.
Via Kottke.
Fotos restauradas das missões Apollo
Toby Ord passou longas tardes restaurando fotos tiradas durante as missões Apollo, é um trabalho muito lindo que ele documentou no seu projeto Earth Restored, com detalhes de como essas fotos foram tiradas e de como foi o processo de restauração delas.
Most recent Earth photography is from the International Space Station. It is a superb vantage point, with excellent equipment and skilled photographers. But its position in low Earth orbit is just too close to allow photographs of the entire planet. If the Earth were a schoolroom globe, 30 centimetres across, the ISS would be viewing the Earth from less than a centimetre away — far enough to see a curving horizon and the black of space, but not to see the whole Earth. In fact, being so close, it can see just 3% of the Earth’s surface at a time.
To take a portrait of our planet you need to step further back. For example, to geostationary orbit (about 90 times further away) or the Moon (about a thousand times further). From these distances, you can see nearly an entire half of the Earth’s surface at any one time, while remaining close enough for a sharp image.
[…]
To find truly great photographs of the Earth — portraits of our planet — we have to go back to the 1960s and 70s. The Apollo program, with its nine journeys to the Moon, is the only time humans have ever been beyond low Earth orbit; the only opportunity they have had to take photographs of the whole Earth. They did not waste it. With great foresight, NASA equipped the astronauts with some of the best cameras ever made — specially modified Hasselblads, with Zeiss lenses, and 70mm Kodak Ektachrome film. But with the custom modifications, these were not easy to use. The cameras had no viewfinders or range finders, just a simple sighting ring. Composition, focus, and exposure came down to a mix of intuition and guesswork.
As imagens da NASA estão em domínio público, e Ord permite o uso de suas restaurações para fins não comerciais. Para saber mais, dê uma olhada na página do projeto.
Dois trailers de projetos que eu estou empolgado pra assistir
The Underground Railroad é uma minissérie de dez episódios escrita e dirigida por Barry Jenkins, diretor dos maravilhosos Sob a Luz do Luar e Se a Rua Beale Falasse, dois dos meus filmes favoritos da última década. Jenkins é um mestre, e mal posso esperar pra ver o que ele vai conseguir fazer num escopo gigante de uma minissérie.
The Underground Railroad vai ser lançado no Prime Video em 14 de maio.
Annette é o primeiro filme de Léos Carax desde Holy Motors[^1], um dos melhores filmes da década passada. É um musical com Adam Driver e Mario Cottilard e é um projeto que eu tô acompanhando há anos (acho que a primeira notícia sobre esse filme veio em 2016?). É empolgante saber que ele finalmente vai ser lançado.
Annette vai abrir o Festival de Cannes em 6 de julho e ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. Eu espero que eu possa assistir nos cinemas quando eles puderem reabrir em 2024.
Como eu organizo o que eu vou assistir
Até pouco tempo atrás, eu não precisava muito me organizar pra assistir filmes ou séries. Eu fazia isso meio que instintivamente. Se eu acordasse cedo o suficiente, eu podia assistir um episódio de uma série enquanto tomava meu café da manhã, e eu conseguia encaixar uns dois filmes depois do trabalho e antes de dormir.
Escrevendo isso agora eu fico pensando que loucura era aquela, mas eu consegui manter esse “ritmo” por uns anos. Mas hoje em dia eu não consigo mais. Eu acho que o isolamento social tá tornando cada vez mais difícil que eu me focar em algo — imagina, sentar só pra ver um filme! Mas eu também tô tentando ser uma pessoa com hábitos mais saudáveis, e a diversificar um pouco a minha “rotina cultural”, digamos assim. Quando eu arranjava tempo pra assistir tudo que é filme ou série, eu acabava me dedicando muito pouco a ler os livros que eu queria, e eu gostava muito de ler! Eu também não jogava tantos jogos que eu queria, e acumulava coisas na minha biblioteca do Steam.
Quando eu percebi que eu queria voltar a ler mais, eu comecei a tentar encaixar a leitura na minha rotina (isso tem sido um tema frequente na newsletter desde maio do ano passado). Mas só tentar encaixar não foi o suficiente, porque parece que o meu nível de atenção e de “disponibilidade emocional” mudou. Eu não consigo assistir The Americans, jogar Alien Isolation e depois ir para cama e continuar lendo meu livro de contos, por exemplo. Parte do meu processo de absorver cultura, hoje em dia, é justamente ter um tempo para digerir ela. O que significa que eu precisei espalhar ela pela semana, e não ficar tentando encaixar o máximo possível em um só dia.
Em contrapartida, tinha dias que eu sabia no que eu queria me dedicar (por exemplo, ver um filme na noite de quarta-feira), mas ficava muito tempo passeando pelos catálogos da Netflix, da Amazon ou sei lá mais do quê, até que a vontade desaparecia e eu ia dormir triste porque queria ter visto um filminho. Ou eu me pegava num loop onde eu só conseguia rever Community e Gilmore Girls, e deixava um monte de série bacana para trás.
Eu acho que é sinal da idade. Talvez seja. Talvez eu vou acabar ficando cada vez mais insuportável conforme eu vá envelhecendo, tendo que organizar minha rotina ainda mais, mas esse é o jeito que eu encontrei de fazer um pouquinho a cada dia, de não ficar naquela ânsia de querer assistir algo, mas gastar todo o curto tempo que eu tenho antes de dormir escolhendo o que eu quero assistir1 não é uma opção que me deixa feliz.
Então eu elaborei um cronograma, que é mais ou menos esse que tá aqui embaixo. Ele é bem aberto em partes, mas rígido onde eu preciso: eu tenho pré-definido o que eu vou assistir e quando eu vou assistir, e não superestipula minha semana. Pode ter um dia que eu vá ter um mal dia, então eu posso só relaxar e rever Succession. Mas isso não pode ser frequente, porque senão eu entro nesses loops perigosos. E eu me conheço bem, um loop perigoso é desculpa para eu comer bobagem e ir dormir tarde. Eu vou me sentir horrível no outro dia se eu fizer isso por uma semana inteira.
Mas ele também me libera nos fins de semana: como eu já vou ter lido durante a semana e vou ter progredido na porra do RPG de 90 horas que eu teimei em querer jogar, eu posso sentar e ver todos os filmes que eu quis ver durante a semana e que eu lembrei de ter posto na minha watchlist do Letterboxd. Eu não consigo assistir mais que dois filmes por noite antes de dormir, mas geralmente são filmes que eu queria muito assistir. A qualidade vence a quantidade.
Esse é o meu cronograma atualmente. Ele provavelmnte vai mudar conforme as séries que eu tô assistindo forem terminando (o último episódio da temporada de For All Mankind foi nessa última sexta) ou forem estreando (tudo vai mudar quando a terceira temporada de Succession estrear). Mas, por enquanto, ele tá assim:
- Entre segunda e quinta-feira: dependendo do dia, assisto um episódio de série (atualmente: Succession), mas só um por semana. Eu tento dar prioridade para um jogo mais longo — RPG ou aventura (atualmente: Alien: Isolation e Mother 3) — e, antes de dormir, ler meu livro (atualmente: Exhalation e Ask Iwata).
-
Sexta-feira:
- Durante a janta: episódio de série (1h, até semana passada: For All Mankind)
- Depois: noitada de filmes!
-
Sábado:
- Durante a janta: episódio de série (1h, atualmente: The Americans)
- Depois: noitada de fimes!
-
Domingo:
- Manhã: um filme da Agnès Varda
- Noite: dobradinha de séries (30min, atualmente: Barry; 1h, atualmente: Mare of Easttown)
-
Uma reação colateral desse momento em que eu fico passeando pelos apps de streaming é que, se eu recebo uma notificação do Twitter ou do Instagram enquanto eu tô escolhendo o que eu vou assistir, a chance que eu perca ainda mais tempo preso na timeline por motivo algum é muito maior. ↩
A decadência silenciosa dos jogos da Nintendo
Video Works: uma jornada pela história dos jogos
Eu escuto poucos podcasts por vez, então nem sempre tenho o que ouvir durante o trabalho. As vezes eu começo a ouvir um podcast novo e posso ficar horas tirando o meu atraso ouvindo todos os episódios até ali. Mas isso é raro, e eu não consigo ouvir muita música enquanto tô trabalhando.
Foi então que eu decidi seguir uma recomendação feita (há muito tempo) por um amigo meu e assistir os vídeos de Jeremy Parish, um escritor especializado na história dos videogames. Chamado de Video Works, Parish acompanha a história moderna dos consoles (tudo o que veio depois do crash da Atari nos anos 80) de forma cronológica.
É um trabalho gigante, e muito divertido. Parish não fala só dos jogos ou dos consoles, mas oferece uma contextualização gigante ao redor dos seus lançamentos — como a crise energética dos EUA ofereceu uma oportunidade única para os videogames japoneses desembarcarem no ocidente, por exemplo.
Video Works é dividido em várias playlists, como NES Works e Game Boy Works. Se você tem um interesse em especial por algum console em específico pode ir numa playlist específica com tranquilidade, já que as séries são autossuficientes. Até mesmo os vídeos em si são divertidos. Eu dei uma chance pro projeto assistindo o vídeo sobre o Super Mario Bros. original, e é fantástico.
Como são feitos os sons de animais em documentários da natureza?
Eu encontrei esse vídeo há umas semanas no Open Culture e fiquei pensando nisso desde então (já que eu tô assistindo muito documentário natural nos últimos tempos). É algo nada surpreendente se você para pra pensar em documentários da natureza — nós temos tecnologia para capturar boas imagens de todos esses animais em longa distância, mas é difícil de capturar o som deles quando você tá escondido no meio da selva e não quer que a onça se assuste com você e sua equipe de três pessoas filmando ela pular de um lugar pro outro.
Na escola de cinema a gente aprende sobre a técnica de Mickey Mousing, em que animações antigas usavam a trilha-sonora para “sonorizar” ações que não têm sons muito “interessantes” para o público infantil. Então passos são notas de piano, uma gargalhada é um dedilhado no violão, ficar triste se torna umas notas de piano, etc. Eu vejo essa recriação de sons (que são feitos pelos profissionais de foley, heróis nunca mencionados do cinema) em uma espécie de Mickey Mousing 2.0. O som das aranhas é especialmente genial.
Uma ponte pra cada situação
Neremiah Mabry é um professor e um engenheiro de estruturas, e nesse vídeo para a revista Wired ele explica cada tipo diferente de ponte e qual situação ela é usada.
Me fez lembrar que eu tinha um medo incomum de pontes quando eu era criança. Quando meus pais me levavam para Porto Alegre e eu via a Ponte do Guaíba eu ficava muito nervoso. Hoje em dia tem uma ponte ainda maior ao lado dessa, mas eu não tenho medo.
Efeitos práticos são tudo de bom
O vídeo acima é de um anúncio de uma empresa japonesa de bebidas, e é mais um anúncio que vai pra minha coleção de vídeos que eu amo porque usam efeitos visuais práticos.
Eu gosto muito de vários usos de computação gráfica, e esse vídeo com certeza usa para compôr e remover alguns detalhes pontuais, mas a parte mais legal mesmo — os corredores maleáveis e tudo voando pelos ares, é 100% efeito prático. Eu amo a sensação que esse tipo de efeito visual passa. Se você quiser dar uma olhada em como tudo foi feito (inclusive no corredor de 85 metros criado especificamente pro anúncio), dê uma olhada nesse vídeo de bastidores.
Esse vídeo me fez lembrar do anúncio Welcome Home que o Spike Jonze dirigiu para o lançamento do HomePod da Apple. É um dos meus vídeos favoritos (e também tem um making off muito bacana):
Eu não quero entrar para a briga de efeitos práticos e efeitos em computação gráfica aqui (até porque eu acho que essa é uma briga com um vencedor já). Computação gráfica cria coisas além da nossa realidade, mas eu amo a fisicalidade que os efeitos práticos de Mad Max: Estrada da Fúria criam, tornando aquilo que não pode ser verdade em algo real e tangível:
E usa computação gráfica para finalizar, tirar cabos e equipamentos de segurança e compôr os planos gerais. Que filme perfeito.
Kentucky Route Zero: Memory Overflow
O compositor Ben Babbitt lançou no seu BandCamp um disco de “sobras” da trilha-sonora de Kentucky Route Zero. O disco inclui músicas ouvidas só nos trailers (como a belíssima The Flood) e músicas do jogo que não foram incluídas na trilha-sonora oficial, como ruídos de estações de rádio, sons distantes e sonhos.
Eu passei o fim de semana ouvindo esse disco, e me deu uma vontade imensa de jogar KRZ de novo. Essas “sobras” representam muito da minha experiência com o jogo: segundo Babbitt, esse é seu último envolvimento com o projeto que acabou ocupando toda uma década para o trio que compõe o Cardboard Computer, e de alguma forma eles ilustram o furor, o desespero e os sonhos dessa última década que não foram registrados como as faixas do disco oficial, mas que de alguma forma foram sentidos. Ouvir elas assim, fora do contexto do jogo, parecem justamente memórias. São músicas passageiras, que antes eu ouvia com os efeitos sonoros do jogo por cima. Elas soam diferentes agora, como uma memória parece ter um sentimento diferente daquele momento que foi vivido antes.
Lindo demais. Dá pra ouvir de graça no BandCamp, eu comprei pra manter comigo porque são músicas muito especiais.
Ted Chiang: Medos da tecnologia são medos do capitalismo
Ted Chiang, autor de Exhalation, o livro de contos de ficção-científica que eu estou lendo nesse exato momento, e do conto que deu origem ao filme A Chegada, em uma entrevista para o podcast de Ezra Klein (ênfases minhas):
I tend to think that most fears about A.I. are best understood as fears about capitalism. And I think that this is actually true of most fears of technology, too. Most of our fears or anxieties about technology are best understood as fears or anxiety about how capitalism will use technology against us. And technology and capitalism have been so closely intertwined that it’s hard to distinguish the two.
Let’s think about it this way. How much would we fear any technology, whether A.I. or some other technology, how much would you fear it if we lived in a world that was a lot like Denmark or if the entire world was run sort of on the principles of one of the Scandinavian countries? There’s universal health care. Everyone has child care, free college maybe. And maybe there’s some version of universal basic income there.
Now if the entire world operates according to — is run on those principles, how much do you worry about a new technology then? I think much, much less than we do now. Most of the things that we worry about under the mode of capitalism that the U.S practices, that is going to put people out of work, that is going to make people’s lives harder, because corporations will see it as a way to increase their profits and reduce their costs. It’s not intrinsic to that technology. It’s not that technology fundamentally is about putting people out of work.
It’s capitalism that wants to reduce costs and reduce costs by laying people off. It’s not that like all technology suddenly becomes benign in this world. But it’s like, in a world where we have really strong social safety nets, then you could maybe actually evaluate sort of the pros and cons of technology as a technology, as opposed to seeing it through how capitalism is going to use it against us. How are giant corporations going to use this to increase their profits at our expense?
And so, I feel like that is kind of the unexamined assumption in a lot of discussions about the inevitability of technological change and technologically-induced unemployment. Those are fundamentally about capitalism and the fact that we are sort of unable to question capitalism. We take it as an assumption that it will always exist and that we will never escape it. And that’s sort of the background radiation that we are all having to live with. But yeah, I’d like us to be able to separate an evaluation of the merits and drawbacks of technology from the framework of capitalism.
Via Kottke. Esse é um assunto que me fascina desde que eu li The Soul of the New Machine, de Tracy Kidder.
Essa é a Shameika
Fetch the Bolt Cutters é uma obra-prima intimista e crua, composta por histórias que Fiona Apple não só conta como sente, porque são momentos e sentimentos da vida dela que a marcaram, de homens abusivos e da irmandade que ela encontrou em mulheres ao seu redor. Uma dessas é Shameika, em que Apple lembra da conversa que uma colega sua teve com ela na quarta-série sobre não dar ouvido para o bullying que ela estava sofrendo.
Uma das coisas lindas que Shameika captura é a imensidão de um pequeno momento. Na música, Apple conta que Shameika esteve em sua vida por pouco tempo — elas só foram colegas de escola na quarta-série —, e nunca teve a oportunidade de dizer para ela como o que Shameika disse foi importante para sua vida.
As pessoas se perguntaram onde estaria Shameika agora, e pelo visto a Pitchfork encontrou. Em novembro, Jenn Pelly publicou sua entrevista com Shameika Stepney, a colega de escola de Fiona Apple:
It was late April, deep in quarantine, when Shameika first found out about Fiona’s song, but not by hearing it. (She was always only vaguely aware of her former schoolmate’s music career.) The news came, instead, via an out-of-the-blue handwritten card sent in the mail by her and Fiona’s adored third grade teacher, Linda Kunhardt.
Shameika remembers venturing to her mailbox one day for a bit of fresh air and finding the curious note. Her disbelief is still palpable as she recalls the contents of the card: “Shameika, I hope this letter is finding you safe during quarantine, I had to write you because I don’t know if you remember this girl Fiona McAfee. You told her not to listen to bullies, and that she had potential. I just wanted to say thank you. And I wanted to let you know that your prophetic words have been turned into a beloved song titled your name…”
A entrevista toda é bacana, e uma prova de que Shameika realmente é a pessoa incrível que Fiona Apple lembrava ser, e contextualiza seu desaparecimento na vida de Apple — Shameika foi expulsa da escola um ano depois, quando bateu em uma garota branca que a insultou. Shameika, que também é uma compositora, mostrou a música que fez com o seu lado da história, Shameika Said:
Peanuts, 50 anos antes
Essa foi a tirinha de Peanuts em 29 de março de 1971:
Esse é o meu lema da semana (e do ano, etc.)
Via @Peanuts50YrsAgo.
Em outras notícias, me desculpem pela ausência de posts nas últimas semanas. Eu caí naquele pensamento de novo que existem observações do meu dia-a-dia que não valem um post, e acaba que quando eu paro pra pensar, quase nada vale um post. Eu tô tentando reverter essa ideia! Que essa semana seja um pouquinho melhor por aqui. Tomara que seja por aí também.
“Lore” é uma armadilha
Um dos melhores textos que eu li nas últimas semanas é “What we argue about when we argue about WandaVision”, da Emily VanDerWerff. Como os melhores textos da autora, ela pega uma série como contexto para destrinchar e analisar outros assuntos da cultura em geral. Seu último ponto é sobre como muito da recepção e discussão sobre os filmes e séries que assistimos hoje em dia se dá sobre sua trama: será que ela faz sentido no contexto maior do MCU? Será que um easter egg que apareceu no segundo episódio não significa outra coisa? O texto é fantástico, em especial essa última parte:
In a piece for Current Affairs, Aisling McCrea put something that lots of culture writers have been circling for years so succinctly, I actually am jealous. McCrea discusses culture via two terms used by the ancient Greeks: logos (stuff pertaining to the material world, which we can see and measure and quantify in some way) and mythos (stuff that is more elusive, which we mostly feel or contemplate). Around the piece’s midpoint, she writes:
This rejection of imagery, symbolism, or any higher meaning that cannot be reduced to the literal, has become especially pervasive in contemporary art criticism. This is not to say that there isn’t still great art criticism; it’s just that the internet has led to a much greater volume of all criticism, and much of it is dominated by a worldview that seems to reject metaphor, symbolism, mood and tone, or at least render them secondary to “plot.”
What McCrea touches on here is something I would imagine you’ve noticed if you consume a lot of pop culture writing. Though there are a ton of great critics out there working, by far the most popular articles and videos about culture are those that purport to “explain” to you what’s happening. At their best, these articles and videos reach beyond the cultural artifact at hand to talk about connections to other pop culture topics or dig into the long, complicated history of the characters whose adventures we so enjoy. At their worst, they more or less repeat the plot and tell you how to feel about it. (If you doubt me, watch any given YouTube video with “the ending, explained” in its title.)
But the problem is that when you boil down a piece of art to its most immediately obvious qualities — the plot and/or the lore underlying the story, for instance — you turn it into something tangible. You place boundaries on it that are designed to make it easier to consume so you can move on to the next pop culture artifact.
But art isn’t tangible. Even the worst, most cynical Marvel movie is full of things worth discussing for their more intangible qualities, like how particular visuals made you feel or the way the themes intersect with your life, or just the way a joke made you laugh really hard. There are a lot of superhero movies I strongly dislike, such as Batman v Superman, that are still worth dissecting as art rather than as commerce because they’re trying to say something and express some fundamental truth of the human condition.
Eu concordo com tudo o que VanDerWerff diz, e sua definição de logos e mythos é tão boa e simples que me revigora toda a vez que eu leio. Esses são termos que estudamos na faculdade de cinema (e que você provavelmente já se deparou se lê bastante sobre narrativas), e ela os usa aqui de uma maneira bem objetiva: por causa da natureza das histórias como WandaVision, nós somos impelidos a dissecar seu logos — sua história tangível, seus enigmas, sua representação daquilo que a gente sabe, como os personagens da Marvel — e deixamos o mythos — o intangível, o misterioso, o que é sentido, o que a gente sabe que existe, mas não sabe bem explicar o que é — para trás, ou até mesmo consideramos ele um problema de roteiro.
Eu acho que isso é um efeito cíclico. Como eu argumentei no meu post sobre WandaVision, a série é um misto de duas coisas que fazem muito sucesso no boca-a-boca da internet: o universo da Marvel e séries que usam o modelo da caixinha de surpresas que Lost aperfeiçoou. São filmes e séries feitos para serem decodificados, para suas referências serem compreendidas e assinalar o que vem pela frente nos próximos filmes e séries. Como eles fazem muito sucesso, mais gente se junta nessas discussões, que as tornam ainda mais onipresentes (você se lembra a loucura que era Lost? O Obama chegou a remarcar um discurso por causa da série).
Eu tenho a impressão que um dos efeitos colaterais desse tipo de discussão é uma canonização da mitologia dessas histórias. O MCU está passando por um ponto que Lost alcançou em sua quarta temporada, em que o sua própria história trabalha contra ele, limitando o que o público acha que pode acontecer, e limitando o que seus autores podem explorar. São histórias que dependem e presenteiam a dedicação de seus espectadores em relação aos detalhes e as referências, mas isso cria uma impressão de autoridade sobre seus fãs1, que cobram e reclamam toda a vez que essas histórias contradizem esse cânone, ou ignoram algum evento anterior.
Essa mitologia que existe dentro de uma ficção é chamada pelos fãs de “lore” (de “folclore”). Existem iniciativas para organizar e explorar o lore de franquias famosas, e é um trabalho realmente impressionante quando você confere a dedicação do trabalho em mapear O Senhor dos Anéis e Star Wars com tanta precisão.
Mas eu sinto que, conforme a voz dos fãs vai ficando mais alta, esse lore que antes servia mais para dar contexto à uma história acaba se transformando em uma armadilha para essas próprias histórias, como uma forca onde você mesmo dá a quantidade de corda.
E isso me faz pensar em como eu gosto quando algo tá nem aí pro lore, ou pro que você pensa que aconteceu. A terceira temporada de Twin Peaks faz isso com maestria, e a série seguinte do criador de Lost, The Leftovers, faz questão de criar uma história onde o que aconteceu é propositalmente incerto.
Mas acho que minhas abordagens favoritas para resolver a armadilha do lore vêm dos jogos de The Legend of Zelda e das tirinhas de Peanuts.
Zelda segue uma fórmula: todas as histórias dos jogos aconteceram, de uma forma ou de outra. A única coisa que é certa no lore dos jogos é de que Hyrule é um reino mantido sobre o balanço de três forças: coragem, poder e sabedoria, e quando esse balanço está instável, três figuras nascem para reestabelecer esse balanço: a princesa Zelda (sabedoria), o seu cavaleiro Link (coragem), e o monstro Ganon/Malice (poder).
Pronto. Nós sabemos porque a história básica de Zelda é sempre a mesma. É uma explicação direta que esconde uma limitação técnica na época que os primeiros jogos foram criados, mas que define a estrutura de todos os jogos até hoje. Zelda trata cada aparição de Zelda, Link e Ganon como eventos isolados com gerações e gerações de diferença. Quando um jogo referencia outro, ele o faz com a incerteza de uma lenda: alguns duvidam do que aconteceu, outros consideram isso uma verdade absoluta, etc.
Isso dá uma liberdade para os game designers de Zelda se desprenderem da história dura de sua franquia e se dedicar mais à jogabilidade, criando uma “lenda” que se adapta aos interesses do que o jogo quer explorar, e não o contrário. A própria linha do tempo “oficial” que eles oferecem para os fãs é revisada constantemente (e não faz muito sentido, o que eu acho que é exatamente o ponto).
Zelda usa esse aspecto de lenda em suas histórias justamente para enriquecê-las através das incertezas. O que acontece entre as centenas de anos que separam Ocarina of Time e The Wind Waker, por exemplo? O que a Hyrule de um ainda existe na de outro?
Peanuts faz um trabalho ainda mais surpreendente em sua simplicidade. Foi uma tirinha escrita por mais de cinquenta anos, e seu autor, Charles Schulz, conseguiu estabelecer uma identidade para seus personagens sem nunca limitá-los.
Existe algo específico da forma. Peanuts trata de um breve momento do dia-a-dia de Charlie Brown, Snoopy e seus amigos. isso não impedia que Schulz se aventurasse em narrativas maiores — alguns eventos na vida dessas crianças se desenrolavam um pouquinho todos os dias por semanas a fio.
Mas esses eventos nunca era jogado contra seus personagens. As coisas que acontecem em Peanuts nos informam sobre a personalidade de nossos personagens, e não de suas histórias. E é isso que tornou as tirinhas no marco que são: você não precisa ler todas para saber tudo o que acontece com a turma do Charlie Brown. Em poucas tiras você consegue identificar que o Minduim é um fracassado, a Lucy é irritada, o Linus é sabio, o Schroeder é esnobe, e o Snoopy é um sonhador. Se você lê continua lendo, você descobre algo mais bonito: com esses pequenos momentos quase irrelevantes no dia-a-dia deles, a gente descobre que esses traços não são tudo o que esses personagens são. Nós observamos como Linus trata os irmãos, como Charlie Brown se relaciona com o pai, e assim por diante.
Dessa forma — fazendo as tirinhas explorarem quem essas pessoas são, e não o que acontece com elas —, Schulz conseguiu tornar Peanuts no marco editorial que foi, porque se baseou em uma verdade da nossa existência: a gente nunca conhece alguém completamente. A gente sempre vai se surpreender com as pessoas que a gente conhece, e eu diria que a chance disso acontecer conforme a gente convive mais tempo com elas é ainda maior. Nós usamos os eventos do nosso dia-a-dia para conhecer as pessoas que nos acompanham nele. Os eventos acontecem, mas as pessoas ficam.
Eu acho que se nos prendemos demais à esses eventos, esse lore, nós acabamos caindo na armadilha de julgarmos demais o presente, a história que a gente estamos acompanhando. Entender o passado e como ele informa nosso presente é necessário para a nossa vida, mas se usarmos o passado para enxergar o presente — e não o contrário —, caímos na armadilha de ignorarmos o que está acontecendo em detrimento daquilo que já conhecemos, de supervalorizarmos aquilo que sabemos bem, e negarmos o desconhecido.
A gente pode acabar deixando de descobrir um ponto de vista novo, uma pessoa legal, um momento importante, ou uma nova faceta de alguém que a gente achava que não tinha mais como nos surpreender. E por que apreciaríamos a arte, se ela não olhasse para quem somos e onde estamos agora para nos ajudar a enxergar aquilo que, na nossa mera existência humana não conseguiríamos enxergar sozinhos?
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A gente tá passando por um momento em que os fãs andam com muita força em tomar decisões, e se isso é bom ou não (não é) é um tema para outro post. ↩
A trilha sonora de Ela
Pra mim, cada mudança de computador é um evento. Eu faço tudo no meu computador, então sempre que eu preciso trocar de um computador por outro, eu preciso tomar cuidado. Eu demoro meses considerando, eu preparo a mudança com semanas de antecedência, e faço tudo com calma, pra não perder nada. É engraçado, mas eu tomo muito mais cuidado com as coisas que estão no meu computador do que as que estão no meu celular. Eu acabo apagando mensagens, fotos e aplicativos sem muita consideração. Mas eu sei a localização de cada arquivo no meu computador, eu conheço de cor as minhas configurações preferidas dos programas que eu uso para trabalhar ou para escrever.
Eu mudo de computador a cada cinco anos1, e é um processo que eu me dedico à fundo porque é o aparelho central do meu dia-a-dia, mas também porque eu tenho coisas no meu computador que eu tenho muito medo de perder. Eu acho isso um tanto mágico: o digital nos permite armazenar qualquer coisa em pouco espaço de um jeito milagroso, mas também completamente efêmero. Um comando descuidado e puf, você perdeu algo importante para sempre.
Uma das coisas mais importantes para mim nesses momentos é a trilha-sonora de Ela, que sobreviveu três transferências de computador já. É um dos objetos mais raros, vindos de uma internet pré-streaming, mas pós-torrent: um álbum nunca lançado do Arcade Fire, levado para a internet em links suspeitos, no formato de um bootleg. A promessa da banda é de que o lançamento oficial do disco viria pouco tempo depois do lançamento do filme, em 2013, mas isso acabou só acontecendo na última sexta-feira.
Agora eu posso recomendar a trilha-sonora de Ela sem precisar mandar um link para a pessoa baixar — o disco tá disponível no Spotify, no Apple Music e no YouTube. Ela também mais suscetível à efemeridade digital — ele também foi lançado em vinil e em fita cassete. Ela está salva na minha biblioteca do Music, mas também tá salva no HD do meu computador. E no meu HD externo. E no Dropbox que eu tenho só pra ela. Essa trilha-sonora é especial demais para eu ter a chance de perdê-la.
Eu considero a trilha-sonora de Ela a minha “música ambiente perfeita”. Eu não sei se ela faz parte do gênero musical ambiente (eu acho que não?), mas eu penso nela nesses termos porque ela é, muito provavelmente, o disco que eu mais ouvi na minha vida. Eu escuto suas músicas quando estou triste, e quero me sentir menos sozinho na minha melancolia. Mas eu também gosto de ouvir quando estou feliz, porque suas notas são doces e sensíveis, e cada segundo em que elas me acompanham se torna um momento um pouquinho mais bonito, um pouquinho mais inesquecível. São músicas boas para trabalhar, porque suas notas são espaçadas na medida certa; e também são boas para relaxar e aproveitar o momento, porque elas parecem cercar ele com seus toques de piano.
Meu momento mais perfeito ouvindo esse disco foi em 2014. Eu me lembro como se fosse ontem. Naquele verão eu morava muito perto do trabalho — eu podia ir a pé até ele em menos de cinco minutos. Eu gostava de acordar bem cedo para poder ficar caminhando um pouco antes de chegar no escritório. Eu gostava de ir pelo meio da Santa Casa, porque no meio dela tem um café que eu gostava de pegar meu café com leite. Era uma manhã cinzenta e fria, logo depois de uma noite chuvosa. Eu caminhei pela Santa Casa ao som de Morning Talk. Ela começa lenta e triste e eu não lembro o porquê, mas eu tava meio triste também.
Eu tirei os fones de ouvido para pedir o meu café e agradecer a atendente, e quando coloquei eles de volta a música estava entrando em Supersymmetry, sua parte mais agitada e mais mágica. A música parecia guiar a movimentação da rua: os carros começavam a andar mais depressa, mais pessoas pareciam sair e andar na rua. O dia tava começando. Graças a esse momento, e à essa música, o meu estava começando um pouquinho melhor.
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Eu parei pra pensar sobre isso agora a pouco no banho e me deparei com esse padrão inesperado. Eu ganhei primeiro computador (um desktop Positivo) em 2005; depois substituí ele por um MacBook Pro em 2010, e por outro MacBook Pro em 2015. Em dezembro de 2020 eu troquei por um Mac mini. É uma periodicidade que eu nunca fiz questão de manter, mas eu começo a “sentir” meus computadores engasgando a cada cinco anos. ↩
Como nossos hábitos alimentares mudaram na pandemia
Ontem de noite eu resolvi dar uma lida nos artigos da minha lista de leituras e me deparei com esse artigo do The Atlantic sobre as mudanças dos hábitos alimentares durante o isolamento social.
Tem vários detalhes bacanas nesse artigo. A autora, Amanda Mull, contextualiza a ideia das “três refeições”, que começou a existir junto com a industrialização e o fato de que as pessoas tinham que sair de casa para trabalhar — fazendo com que a janta fosse a principal refeição familiar, já que os pais estavam fora durante o dia; e como a mesma industrialização criou a ilusão da necessidade do café-da-manhã como uma refeição essencial.
Meu detalhe favorito, porém, é todo o motivo pelo qual Mull escreveu o artigo. Ela começa comentando como seus próprios hábitos alimentares mudaram na pandemia. Ao invés de almoçar e jantar, a autora diz que faz apenas uma grande refeição o dia todo — o que ela chama de Big Meal, o que eu chamo de pratão. Ela também busca por pessoas que desenvolveram outros hábitos alimentares estranhos: pessoas que pararam de fazer refeições em momentos específicos e começaram a comer pequenas porçòes durante o dia; ou uma pessoa que finalmente teve tempo suficiente no dia para fazer as três refeições, por exemplo. E essas mudanças não fazem mal. Mull lembra que o o nosso corpo se adapta às necessidades do nosso cotidiano, e a forma como ele requer comida é uma dessas adaptações.
New or worsening food compulsions, such as eating far more or far less than you used to, are cause for alarm. But what’s not cause for alarm, Larkey said, is adjusted eating patterns or mealtimes that are more useful or satisfying in the weird, stressful conditions people are now living in. “We’re really not taught that we can trust our body’s cues,” she told me. “It can feel so destabilizing to have to think about them for maybe the first time ever.”
In some of the new routines created to make the past year a little less onerous, it’s not hard to see how life after the pandemic might be made a little more flexible—more humane—for tasks as essential as cooking and eating. For now, though, go ahead and do whatever feels right. There’s no reason to keep choking down your morning Greek yogurt if you’re not hungry until lunch, or to force yourself to cook when you’re bone tired and would be just as happy with cheese and crackers.
Eu senti meus hábitos alimentares mudando logo que o isolamento social começou, em março do ano passado. Eu fui perdendo a vontade de comer de noite porque eu comecei a acordar cada vez mais cedo, e eu nem sempre sentia fome no horário do almoço. Minha fome aparece ali pelas 14h, 15h, e desaparece até o dia seguinte. Como meu horário de almoço é às 12h, eu costumo comer algo nesse horário para puxar o apetite, mas minha rotina ideal seria ter um horário de almoço no meio da tarde. Eu ainda “janto”, mas na ocasião específica de ser dia de jantar pizza. É uma exceção obrigatória. De resto? Um sanduíche ou um ovo mexido resolvem.
Escute a Wikipédia
O vídeo acima é uma gravação de tela do site Listen to Wikipedia, um desses experimentos web que eu amo descobrir do nada. O projeto registra a movimentação constante das edições do maior site colaborativo da internet, e cada adição, exclusão e novo usuário são indicados por notas e acordes diferentes de maneira instantânea.
Sinos indicam adições, e cordas indicam exclusões. A entonação muda de acordo com o tamanho da edição; quanto maior a edição, mais profunda será a nota. Círculos verdes mostram edições de usuários não registrados, e círculos roxos marcam edições realizadas por robôs. Você pode ver anúncios de novos usuários conforme eles criam uma conta no site pontuado por uma ondulação.
Eu tô com o site aberto há uns minutos já. Na verdade eu esqueci que ele estava aberto porque fui pegar um café e voltei pro computador e continuei lendo umas coisas no meu RSS, quando percebi que a “música” que eu tava ouvindo vinha desse site.
Dá pra selecionar várias Wikipédias ao mesmo tempo, silenciar certos tipos de atividade, etc. É uma pequena maravilha.
O Coração É um Eterno Penitente
Se você lê A Baguete, já sabe como eu rasguei de elogios o novo curta-metragem do meu amigo Leonardo Michelon e da Bruna Giuliatti. Esse é um dos três curtas que fazem parte do Desejos do Coração — eu falei da segunda parte no ano passado.
Eu podia voltar a rasgar os elogios que eu fiz antes, citar como eu amo a forma com que o Leonardo mistura referências que eu acho fantásticas — o cinema de recortes do Chris Marker e o filme-diário do Jonas Mekas, pra ficar só em dois exemplos. Mas eu acho que isso só distancia as pessoas de um trabalho que é essencialmente íntimo sensível.
Eu já comentei como a visão do Leo consegue traduzir um quê de melancolia e de fantástico na existência às margens da cidade que a vida nas cidades do interior nos oferece, mas com O Coração É Um Eterno Penitente eu acho que fica ainda mais claro como esse projeto dos três curtas busca algo muito mais interno e pessoal. A fórmula é a mesma do curta anterior: a imagem ilustra a narração não-falada, um monólogo que pode muito bem ser interno de um desses personagens, ou uma consciência lembrando de uma memória. Como O Coração É um Inadimplente Sem Esperança, o fato de não ouvirmos esse monólogo torna o jogo muito mais pessoal, muito mais interno.
Eu tenho uma sorte tremenda de ser amigo de tanta gente talentosa. O mais bacana, quando eu testemunho a arte desses meus amigos, é conseguir perceber o olhar pessoal dos meus amigos sobre aquilo que fazem. É por isso que eu acho limitador ficar falando das influências estéticas que eu enxergo os diretores trazerem para esse curta, porque ele não é a soma delas: ele usa um pouco, mas as une em uma visão única. Eu tenho a sorte de ser amigo do Leo e de ler os livros que ele me recomenda, e de perceber como eles podem ajudar ele a nortear os filmes que ele faz. Mas eu acho muito mais bonito ver como é a visão dele sobre esse tom e esse ritmo que eu gosto tanto, porque isso é muito mais especial.
Eu conheço muitas das figuras que aparecem em cena em O Coração É Um Eterno Penitente, e sinto saudade de noites como aquela que o Leo e a Bruna registraram. Mas é o que ele criou com essas imagens e com esse texto que é realmente único: um breve mergulho nas memórias de alguém e na intensidade de seus sentimentos. É um momento criado para capturar um sentimento de verdade.
Jogos para terminar em uma jogatina
O Fabrício Aguiar, autor do blog 16 Bits da Depressão, fez uma lista com dez jogos para se jogar em uma jogatina. A lista inclui jogos bem narrativos, como What Remains of Edith Finch, e metroidvanias como Gato Roboto.
As experiências mais intensas e memoráveis que tive com videogames foram de jogos que terminei em uma ou duas sentadas na poltrona. Possivelmente, você já tem alguns exemplos em mente.
Aqui, trago alguns exemplos: jogos curtos e intensos para você sentar na poltrona e se divertir terminando-os em poucas horas!
Um dos jogos dessa lista é Portal, e esse foi o primeiro jogo que me veio em mente quando eu li o título do post do Fabrício. Eu lembro até hoje de comprar o The Orange Box porque eu queria muito jogar Half-Life 2, mas no fim das contas eu passei uma tarde inteira jogando Portal, um jogo de puzzle que dura apenas algumas horas, mas que me marcou muito porque seus níveis são muitíssimo criativos, e a GLaDOS é uma excelente personagem. Hoje em dia ele já é um clássico, mas foi demais entrar de cabeça nesse jogo sem ter ideia do que podia ser.
Essa lista me fez sentir falta de duas coisas: de ter mais tempo para conseguir terminar jogos em uma sessão; e de jogos que podem ser terminados em uma sessão. A maioria dos jogos que eu experimentei ultimamente são gigantes. Alguns são magníficos e eu não tiraria um segundo sequer da experiência, mas eu sinto falta de descobrir um jogo como Portal que pega uma ideia simples, experimenta ela em um punhado de cenários variados, mas que consegue criar essa experiência em duas, três horas.
Devem ter muitos jogos assim por aí. Eu mesmo joguei vários, mas eles costumam ser mais jogos narrativos como Firewatch e Gone Home ou Kentucky Route Zero. Jogos são experiências que são muito questionadas pelos seus consumidores — eles são caros, e as pessoas demandam um mínimo de conteúdo “aceitável” pelo preço. Mas esse mínimo anda tão grande hoje em dia… jogos de mundo aberto são tão comuns que eles deixaram de ser um “evento”. Qualquer jogo pode ser maior do que GTA 5 agora, mas será que todos precisam ser?
Enfim, a lista do Fabrício me deu umas boas dicas do que jogar pra coçar essa minha vontade de jogar uns jogos que eu finalmente vou poder terminar. Minha lista dos que eu comecei mas que nunca vou terminar já está grande demais.
WandaVision foi uma boa serie de TV presa em uma franquia que não deixou ela brilhar
WandaVision foi uma boa (e as vezes, uma ótima) série de TV que revelou como o MCU — o conjunto de filmes e séries que compõem o universo de super-heróis da Marvel no cinema e na TV — mudou o modo que discutimos cultura para pior. A série, que completou sua primeira (e quem sabe única) temporada na Disney+ na última semana foi a primeira produção da franquia a ser lançada em mais de um ano, e me lembrou de como eu não sentia falta.
Eu não sou um grande detrator do MCU. Eu gosto de um punhado dos filmes e acho a franquia, num geral, uma boa série cujos capítulos costumavam aparecer pela última década com alguns meses de diferença entre si. E eu acho que em alguns momentos WandaVision foi uma das melhores realizações da franquia até aqui, trazendo momentos genuinamente belíssimos em uma série de TV extremamente interessante. Mas o fator monolítico desse universo transformou muito do que se consome sobre cultura de um jeito ruim.
Os filmes e séries que compõem o MCU são simples por natureza, e não de um jeito ruim: como outras séries1, existe uma coesão estética entre seus capítulos e uma certa independência narrativa: você não precisa assistir cada filme ou série da Marvel para entender e gostar de um filme como Capitão América: Guerra Civil ou Thor: Ragnarok, por exemplo. Seus arcos narrativos são bem delimitados com a ajuda dos seus gêneros, você sabe bem o que esperar e quais clichês você vai encontrar. Essa é uma corda bamba especialmente difícil para um fascículo da franquia conseguir se equilibrar, e no geral a Marvel conseguiu manejar bem: comparado à outros “universos cinemáticos” que tentaram a mesma coisa, como os Monstros da Universal ou a própria Liga da Justiça da Warner/DC, a Marvel sempre teve o cuidado de transformar seus filmes arrasa-quarteirão em eventos para a família inteira: dos filhos que leem os quadrinhos aos pais que precisam acompanhar eles nos cinemas.
Porém, esses filmes também são feitos com seus fãs em mente: cada capítulo que compõe o MCU não é responsável apenas pelo arco narrativo daquele capítulo, mas também pela continuidade narrativa maior, que permeia todos os outros capítulos; e escondem pequenos detalhes para os mais dedicados — personagens menores em um filme aparecem em outro, itens são mencionados que na verdade montam o palco para um conflito maior em dois ou três filmes mais tarde, etc.
Não dá pra negar que WandaVision não tinha esse segundo público em mente: sua protagonista é uma das personagens-chave de Os Vingadores: Ultimato, e sua importância para o futuro do MCU — que agora vai começar a entrar nos multiversos — é cada vez maior. A própria série é estruturada como uma caixa de enigmas à Lost, em que cada detalhe de cada cena precisa ser destrinchado pelo público, sedento por saber como tudo vai se encaixar. E, como Lost, WandaVision sofreu mais quando precisou pagar pela sua própria aposta: quando o público acha que o prêmio da caça ao tesouro que esse tipo de série tenta fazer oferecer é insuficiente, toda a jornada será mal vista.
É possível observar como WandaVision sofre em manejar tudo isso: em ser uma boa série por si só; um fundamento para o futuro do MCU; uma caixinha de mistérios; e, por fim, uma exploração do trauma e do luto de Wanda. Que a série ao menos tente fazer tudo isso é louvável em si, e ela bem que podia ser lembrada justamente por essa tentativa — há muito o que se escrever sobre como a série consegue e não consegue fazer tudo isso.
Há um efeito colateral quando a força monolítica do MCU, uma franquia que o mundo inteiro pode assistir e discutir ao mesmo tempo, é altamente controlada por uma produtora como a Disney, que otimizou a criação de franquias e de brand awareness a níveis pós-apocalípticos: nenhum fascículo do MCU existe em si mesmo, interessa como parte da cultura ao seu redor. Pelo contrário: elas coexistem e se dependem muito mais conceitualmente do que narrativamente.
É nesse jogo que WandaVision, uma boa série sobre uma pessoa passando pelo luto de perder à todos que ama e que acaba levando outras pessoas como reféns de seu trauma, acaba perdendo seu significado. Séries como essa e como Lost são muito mais bem sucedidas em suas alegorias, em seu fator elusivo — em como o enigma da série serve para acentuar o drama de seus personagens.
Eu já falei aqui como séries tiram muito mais proveito do tempo do que filmes, tanto aquele passado nos episódios quanto aquele que existe entre eles, mas vale repetir: embora séries possuam tramas — por episódio, por temporada, e na série como um todo —, sua unidade narrativa é muito menor porque seu efeito narrativo é cumulativo: nossas experiências com Don Draper ou Tony Soprano ou Selina Meyer são através de vários momentos em um longo período de tempo, onde podemos não só ver a ação que eles tomam como também suas repercussões através do tempo. É no efeito que ações e decisões possuem sobre os personagens que acompanhamos que entendemos o que está acontecendo.
Em sua primeira metade, essa temporada de WandaVision era sobre como uma mulher se prende às suas séries favoritas para escapar da dor que está sentindo. E ei, se tem algo que eu fiz esse último ano foi me afundar em Gilmore Girls e Community para me fazer companhia no meio da pandemia. Em sua grande parte, WandaVision é muito mais perspicaz e pungente do que qualquer um poderia dar crédito à ela, e existe naquele âmbito das grandes séries de TV, onde parece que nada acontece, onde a falta de coesão entre os enigmas da série refletem o desnorteamento existencial de sua protagonista.
Porém, WandaVision não existe em um contexto onde o que acontece importa em si, mas sim em como ela faz parte de um grande palco para os filmes e séries futuros da Marvel. Se a presença de um agente da SHIELD em Homem de Ferro indicava o que poderia estar por vir, a presença de certos inimigos e de certos eventos é obrigatória em WandaVision porque a série precisa dar continuidade a certos eventos — e a gente precisa estar sempre brincando de corrida com eles: seja desvendando pistas ou pegando referências e discutindo à exaustão se elas são canônicas ou não (acredite, eu já estive em mais de uma dessas discussões quando o assunto é Star Wars, e eu sou insuportável nelas).
É como se Wanda em si fosse refém de uma outra realidade, na qual sua dor e seu aprendizado não são mais do que meros plot points pelo qual o MCU precisa passar para estabelecer seu novo mega-evento, em que seu desenvolvimento como personagem pode ser considerado como irrelevante — ou até mesmo como uma pedra no caminho que é a progressão do universo da Marvel nos cinemas.
Quando eu paro para pensar nisso eu fico muito triste, porque esses filmes acabam criando uma falsa ilusão de destino e de conquista na vida de seus personagens, quando WandaVision parecia muito bem querer sugerir que não há uma teoria única sobre como podemos interpretar o mundo, de que ele não é um enigma que pode ser solucionado com as pistas certas. Sua segunda metade, porém, contradiz tudo isso porque existe em um universo que se beneficia de explicações e teorias entre fãs, em que a realidade pode ser reduzida à algo tangível: uma série de eventos que se levam de um ao outro, sem a possibilidade de metáfora, de simbolismo e de tom. Para o MCU, tudo o que importa é a trama — e aquilo que pode levar ela para frente.
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Existe todo um outro texto que eu posso escrever sobre como o universo cinemático da Marvel pode ser considerado um grande seriado, e um que usa o formato de forma muito interessante. ↩
Será que eu quero assistir o Oscar esse ano?
O início do ano sempre foi uma época muito divertida pra mim. O Oscar divulga seus indicados (e começa todo aquele burburinho de quem não foi indicado) e os distribuidores brasileiros começam a lançar os filmes nos cinemas. Todo fim de semana era um agendamento de quantos filmes eu consigo assistir de uma vez, eu começo a acompanhar os prêmios dos sindicatos para poder prever quem ganharia o Oscar (macete total, é muito fácil de acertar acompanhando os sindicatos).
Mas esse ano… eu posso contar nos dedos quantos filmes eu já assisti em 2021, e eu não encontro mais aquele ânimo para assistir filmes durante a semana (e, em alguns casos, nem em fins de semana). Eu me sinto tão por fora da conversa que meus filmes favoritos do ano passado sequer aparecem entre os filmes favoritos na retrospectiva do Letterboxd. Será que eu perdi o jeito de ver filmes?
Esse é um dos motivos que eu ando escrevendo tão pouco sobre filmes ultimamente por aqui, mas também é um pouco pela oferta dos lançamentos. Eu não tenho muito interesse pelos filmes do Netflix e do Prime Video de maneira geral, e isso vem mais de como eu criava expectativas por um filme: eu sabia que ele existia antes, eu tinha visto um trailer ou lido algo sobre. Hoje em dia esses filmes simplesmente aparecem, são comentados por um fim de semana, e desaparecem em seguida. Ou eu assisto ele naquela semana em que eu acabo descobrindo que ele existe, ou eu perdi o trem.
Eu ainda fico empolgado quando o MUBI lança algum filme que tá na minha watchlist há um tempo, ou quando o Telecine traz uns filmes mais diferentes — ou até mesmo quando antigos favoritos aparecem no Netflix e no Prime Video. Mas têm algo na ideia de programação que tanto um cinema ou até mesmo um canal de TV proporcionam que eu sinto falta. As vezes eu chego a ir no MUBI Ao Vivo para ver se não pego um filme no começo, só pela experiência.
Claro, o Oscar não é flor que se cheire. Mas até a omissão de filmes ou de pessoas me fazia me interessar em assistir coisas diferentes. Na prática, a corrida desse ano tá começando agora: a votação começou no último domingo, a premiação deve acontecer em abril. Talvez meu desejo de ver filmes se reascenda até lá, mas eu tô genuinamente assustado de ter perdido o jeito.
As rotinas de Ursula K. Le Guin e David Lynch
Hoje eu começo meu novo trabalho, com uma carga horária diferente da que eu tive nos últimos três anos. Eu tive uns dias de folga entre o meu último trabalho e esse, e usei eles para tentar estabelecer uma nova rotina. Isso porque meus projetos, como escrever aqui no Pão ou estudar francês ou outras coisas que eu estou estudando, requerem um tempo do meu dia-a-dia, e eu tento ter um pouco de tempo pra tudo.
E eu me dou muito bem com rotinas. Eu preciso de uma para liberar minha mente para fazer outras coisas. Se eu estou seguindo minha rotina, eu sei que eu vou ter um pouco mais de espaço mental para escrever um post pro Pão, por exemplo, porque eu não preciso me preocupar com outras coisas naquele momento — elas têm um tempo para me ocupar também, então fica tudo bacana.
Eu aprendi isso lendo sobre o processo artístico de alguns dos meus artistas favoritos. A autora Ursula K. Le Guin, que escreveu alguns dos melhores livros que eu já li, era famosa por ter uma rotina. Le Guin, além de escritora, era mãe, editora e professora de universidade. O dia dela começava às 5h30 da manhã, por exemplo, e ela escrevia das 7h15 às 12h:
David Lynch também é famoso por manter uma rotina bem específica: ele acorda cedo para meditar e fumar um cigarro, mas por sete anos ele ia no Bob’s às 14h30 para comer a mesma coisa. Ele comenta mais sobre como a rotina ajuda a criatividade dele no vídeo abaixo:
Nesse post sobre a rotina de Le Guin, o Open Culture usa uma citação de Gustave Flaubert para explicar o ímpeto de criar uma rotina organizada: “seja normal e organizado em sua vida, para que você possa ser violento e original em sua escrita” (Flaubert é o autor de Madame Bovary).
Rotinas são muito úteis para mim. Elas me ajudam a me sentir confortável o suficiente para usar mais a minha cabeça (eu demoro muito para escrever porque requer muito esforço para mim). Mas rotinas também são bem pessoais. Eu não consigo me ver acordando 5h30 como Le Guin, por exemplo. Se você quer encontrar um tempo ou força para continuar o seu projeto, eu recomendo tentar estabelecer uma rotina. Não esqueça de deixar um tempo para não fazer nada — descansar é muito importante —, e respeite seus limites.
Se eu não postar nada nos próximos dias, não se preocupem! Significa que eu vou ter que mudar a minha rotina um pouco mais, o que é normal também. Ela vai se ajeitando com o tempo.
As relações complicadas entre pais e filhos em Peanuts
A tira do dia1 de Peanuts é essa (via Comics.com):
Eu sempre achei fascinante como a relação entre pais e filhos em Peanuts são complicadas, e geralmente melancólicas. A gente sempre vê apenas a interpretação das crianças sobre essas relações (nenhum adulto jamais foi visto nas tirinhas), mas Peanuts é bastante autobiográfico, e sua evolução por meio século acompanhando a turma do Charlie Brown dá tempo e espaço para Charles Schulz desenvolver elas com muita complexidade.
Pensando isso me lembrei desse excelente tópico do Twitter, que vou republicar aqui porque vai suma da timeline do autor. Luke Epplin observa como as relações com as mães em Peanuts geralmente são tristes — muito porque Schulz nunca pôde ver sua mãe, que morreu de câncer enquanto ele servia na Segunda Guerra:
Let’s do a mini-Mother’s Day thread: When Charles Schulz got drafted in WWII, his mother was dying of cancer. He never saw her again. Mother’s Day in Peanuts is often a sad occasion, none more so than this autobiographical strip.
In the 70s and 80s, it was often Woodstock who was looking for his mother on this day. In keeping with the sadness of this day in Peanuts, he not only never found her, but often ended up heartbroken.
A recurring trope was for Woodstock to sit at the top of a hill with a flower in his hands in the hope that his mother would fly by. Much like how the Great Pumpkin never comes, his mother is nowhere to be found.
Mothers are absent in Peanuts in general. Charlie Brown talks of his father but rarely his mother. Peppermint Patty’s mother died when she was a child and she’s raised by her father. Here’s a poignant strip of her on Mother’s Day.
Snoopy, too, doesn’t know his mother but tries to find her at various points. Once, Schulz did a long series on Snoopy just wandering the country trying to locate her. She’s nowhere to be found.
There is humor in these strips–as in the last two panels–but at its core it’s about loss and wandering in the rain looking for a mother who will never return.
Of course, the Peanuts characters find family among themselves. Snoopy does seem like a parental figure for Woodstock, but as these strips make clear, he can’t replace the absence of a mother.
What can you say? Just look at how deeply sad a strip like this one is.
The punchline, if you want to call it that, of the entire series where Snoopy wanders the country in search of his mother is just, “Mom?”
OK, I’ll conclude here. I don’t think you can separate the absence of mothers in Peanuts from how Schulz lost his own mother, a loss that came just as he was shipping out to war. Mothers are searched for in Peanuts, but never found.
Eu gosto como as pessoas pesquisam sobre esses pequenos detalhes dessas tirinhas diárias. Peanuts foi publicada por muito tempo, e certamente acompanhou pessoas por grande parte de suas vidas. Se você quer ler mais sobre como essas tirinhas desenvolviam assuntos bastante complexos um pouquinho por dia, confira os excelentes artigos de Kevin Wong para o Kotaku.
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É uma republicação, claro. Nenhuma tira nova de Peanuts foi publicada desde o falecimento de Charles Schulz em 2000. ↩
Séries com minhas aberturas favoritas
Eu sou completamente contra o recurso de pular abertura de um episódio de série que o Netflix têm. Eu amo uma boa abertura, e acho especial quando uma série usa ela como um portal pro tom e pro ritmo da série. Seja a música fofinha e os fades nos dando boas-vindas à Stars Hollow de Gilmore Girls ou a música levemente perturbadora e as imagens vazias na abertura de Twin Peaks. Uma boa abertura, inclusive, pode até ajudar na cena inicial de um episódio, ressaltando o gancho que ele oferece.
Essas são as minhas aberturas favoritas:
United States of Tara
Essa série sobre uma mãe (Toni Collette) com perturbação de identidade dissociativa e sua família é uma das joias raras da TV da década passada. Em três temporadas (as três estão no Prime Video!) ela foi de comédia para drama familiar para terror sobre trauma com muita naturalidade, sempre repleta de atuações excelentes. A série representa as identidades de Tara com um pouco de caricatura, para ajudar o espectador a entender como cada uma delas afeta cada uma das pessoas ao redor de Tara — seu marido, seus filhos, vizinhos e amigos —, e a abertura usa a mesma abordagem em um tom certeiro: um pouco melancólico, um pouco aconchegante, um tanto estranho. Bem como a série em si.
Halt & Catch Fire
Eu já falei aqui sobre sobre como Halt & Catch Fire captura perfeitamente o sentimento de descoberta de um universo inteiro que norteou a corrida da microcomputação entre os anos 1970 e 1990. A sua abertura é uma tradução visual perfeita para esse sentimento de desbravamento de fronteiras que bits e interfaces proporcionaram esses pioneiros. E é viciante de assistir.
The Leftovers
Outra abertura perfeita, da minha série favorita. A abertura de The Leftovers mudou drasticamente na segunda temporada. A abertura da primeira era opressora e complexa. A nova abertura é bem mais simples: fotos com ausências estranhas ao som de Let the Mistery Be tornam a esperança que está às margens da segunda temporada muito mais visível. Ela fica ainda melhor na terceira, quando cada episódio usa uma música-tema que condiz com a história que o episódio vai contar.
Succession
Outra que usa fotos e uma música bacana. Eu nem sei como Succession consegue arrasar nesse quesito também, mas tem algo mágico no tema composto por Nicholas Britell que simplesmente nos transporta exatamente para onde a série nos quer: no coração do mundo dos super-ricos, onde picuinhas familiares podem destruir países e consumir vidas. Tudo isso ao mesmo tempo em que nos dá uma palhinha da relação dos irmãos com seu pai. Seu efeito na audiência é tão grande que ela está sendo estudada.
ER
A clássica abertura de Plantão Médico nunca vai sumir da minha mente. Eu lembro de acordar no meio da noite quando eu era muito pequeno e ver minha mãe sentada na frente da TV, e quando a música tema de ER começava, ela era absorvida para dentro do County General Hospital e o cotidiano dos plantonistas. A grande estrela aqui é a música fantástica, que une sintetizadores com batidas; mas fica aí o meu carinho pro trabalho visual também, ao mesmo tempo bem representativo das grandes séries dos anos 1990, e estranhamente ainda muito moderna. Bem como ER, que era muito a frente do seu tempo.
Hubble observa a Galáxia Olho Negro
O Hubble tá sempre trabalhando e registrando as maravilhas ao nosso redor. Na última sexta, o perfil da NASA Goddard no Flickr postou uma imagem que o telescópio capturou da Galáxia Olho Negro (NGC 4826 pros fãs). Segundo a NASA, essa galáxia é bem movimentada (fonte):
NGC 4826 is known by astronomers for its strange internal motion. The gas in the outer regions of this galaxy and the gas in its inner regions are rotating in opposite directions, which might be related to a recent merger. New stars are forming in the region where the counter-rotating gases collide.
A Galáxia Olho Negro foi vista pela primeira vez em 1779 por Edward Pigott.
Eu recomendo muito que vocês sigam a NASA Goddard no Flickr ou por RSS, é um dos meus feeds favoritos com imagens quase que diárias dessas maravilhas celestiais à nossa volta.
Os cartazes de René Magritte nos anos 1920
Antes de ir para a França e se tornar um dos nomes mais conhecidos do Surrealismo, René Magritte vivia em Bruxelas como um ilustrador, criando peças comerciais ao estilo Déco, via OpenCulture
Os dois cartazes abaixo são para anunciar duas peças da empresa de compra Norine, do casal Honorine “Norine” Deschrijver e Paul-Gustave Van Hecke. Van Hecke também tinha uma galeria de arte, e foi um dos primeiros defensores do Surrealismo — e um dos primeiros a pagar Magritte pelo sue trabalho surrealista.
Magritte também fez cartazes para performances musicais, como esses abaixo:
Em memória à ilha do Wii Fit
Alguém criou um exercito de corvos (e eles salvaram uma vida)
Das coisas boas demais pra ser verdade: uma pessoa começou a dar comida para os corvos da vizinhança, e eles se tornaram “leais” à ela. O número de corvos cresceu e eles começaram a defender a casa da pessoa de “intrusos” (suas visitas). A história é genial:
A couple months ago, i was watching a nature program on our local station about crows. The program mentioned that if you feed and befriend them, crows will bring you small gifts. My emo phase came back full force and i figured that i was furloughed and had lots of time- so why not make some crow friends.
My plan worked a little too well and the resident 5 crows in my neighborhood have turned into an army 15 strong. At first my neighbors didnt mind and enjoyed it. They’re mostly elderly and most were in a bird watching club anyway. They thought the fact that i had crows following me around whenever i go outside was funny.
Lately, the crows have started defending me. My neighbor came over for a socially distanced chat (me on my porch her in my yard) and the crows started dive bombing her. They would not stop until she left my yard.
/u/crane
contou essa história em um subreddit especializado em “aconselhamento jurídico”, questionando se ela seria responsabilizada caso os corvos atacassem alguém. O tópico é divertido por si só, e o conselho escolhido foi sobre como ensinar os corvos a se comportar:
They are resource guarding. To stop them from attacking people, ask guests to bring shiny objects or food scraps to the murder of crows as an offering. You could also supply your guests little baggies of treats for them to offer up. If they dive bomb someone don’t give them food for 24 hours. If they are nice to a guest, give them a high value treat to reinforce positive behavior. Advice from my partner, she was a field biologist that is published in biology/ornithology.
O tópico fez tanto sucesso que /u/crane
postou uma atualização sobre como os corvos acabaram salvando a vida de um de seus vizinhos:
The plan worked and the crows are now a beloved part of the community. There have been no recent dive bombings.
Most amazingly, the crows may have legitimately saved my neighbor. Our city had a pretty big ice and snow event recently. Like i said in my last post, most of my neighbors are older. One of my neighbors was walking down his steep driveway, slipped, and couldnt get back up.
The crows started going ballistic and were making more noise than we have ever heard. A different neighbor went outside to see what was up and found the gentleman in his driveway. Neighbor is mostly ok! Just some serious bruises.
De vez em quando a internet consegue ser boa demais.
30 minutos de visuais relaxantes dos filmes de Hayao Miyazaki
Na verdade não são trinta minutos mesmo, são seis — mas as sequências são rearranjadas a cada repetição. Mesmo assim, é sempre bom sentar e acompanhar um pouquinho da beleza pastoral dos filmes do diretor japonês Hayao Miyazaki.
Eu lembro que eu assistia Meu Amigo Totoro sempre que eu ia visitar a minha avó, era o único VHS na casa dela, e eu não via problemas nisso. Eu sempre gostei de assistir um filme que não me agitava nem me dava medo. As coisas acontecem em Totoro, mas num rítimo próprio.
Todos os filmes do Studio Ghibli (com uma exceção) estão disponíveis na Netflix.
O Daft Punk acabou
O Daft Punk anunciou que a banda se separou.
O dia de hoje ficou muito, muito triste. É um fim gigante pra mim, essa banda embalou alguns dos melhores momentos da minha vida, e imaginar que um dia eles lançariam um som novo para embalar um novo momento era uma boa esperança de se ter.
Muito obrigado por todos esses momentos e todas essas memórias, Daft Punk. Que jornada incrível vocês me ajudaram a ter.
Meus jogos mais esperados para o Nintendo Switch
Eu me apaixonei por colunas de conselhos
Eu acabei abraçando vários costumes nesse último ano de pandemia e isolamento social. Algumas, como a pizza de sexta-feira, eu mantenho até hoje. Outras, com ler depois do almoço, acabaram alguns meses depois de eu ter começado. Eu acho eles bons definidores do tempo que tá passando durante a pandemia: eu lembro da “época em que eu via filmes nas terças-feiras”, algo que aconteceu entre abril e maio de 2020. Parece muito tempo, mas foi ano passado.
O mais novo costume que eu abracei nesses últimos meses foi ler colunas de conselhos. Eu nem sabia que isso tinha conseguido sobreviver na internet. Eu lembro que colunas de conselhos existiam em revistas de saúde e estilo de vida (geralmente mais voltados ao público feminino), e nunca dei muita bola antes porque eu era jovem e ninguém tem problemas maiores do que um jovem de 11 anos, etc.
Mas colunas de conselhos são muito boas de se ler. Elas têm basicamente duas partes: a primeira é descrição do problema que a pessoa enviou para o colunista, escrita por quem eu imagino que já tenha bastante experiência lendo essas colunas e sabe que é preciso oferecer os detalhes certos para seu correspondente conseguir aconselhar com sucesso, além de um pouquinho de desespero, o que ajuda a deixar o problema mais profundo; a segunda é o conselho em si, em que uma pessoa muito mais mentalmente saudável do que eu responde a coisa certa, dando dicas de como desfazer o emaranhado causado pelo problema.
Tem algo a mais também: eu tenho a impressão de que histórias acontecem com as pessoas que as contam, e em um último ano em que eu tinha a impressão de que nada estava acontecendo comigo, eu comecei a perceber como os pequenos e os grandes problemas do nosso dia-a-dia também são histórias que podem ser boas para serem contadas, já que eu não tenho mais uma viagem ou algo que aconteceu no fim de semana pra contar para os meus amigos. Teve um momento ali pelo meio do ano em que eu achava realmente difícil de enviar um “oi, tudo bem?” para as pessoas que eu me importo, porque eu sentia que nem eu e nem elas tínhamos o que responder.
Acho que essas colunas de conselhos me ajudaram muito nisso. Primeiro eu comecei a usar algum pequeno problema do meu dia-a-dia (geralmente um que tem um final engraçado) pra puxar assunto com meus amigos e não deixá-los se sentindo muito sozinhos. Eu geralmente recebia uma anedota sobre um outro problema como resposta, e assim a gente vai se ajudando. Eu vou deixar o meu “tudo bem?” para quando eu puder ver meus amigos e abraçá-los enquanto eles respondem porque, se não estiver, pelo menos eu vou estar ali pra ajudar.
Colunas de conselhos são tão grandes na internet que existem subreddits só disso, portais que fazem um apanhado dos melhores conselhos da semana, e colunas de colunas de conselhos. Se você quer dar uma chance, minhas duas colunas favoritas são Ask the Fuck-up, da Jezebel (que inclusive foi um dos meus links favoritos do ano passado) e Dear Prudence, do Slate. As duas têm ótimos problemas e ótimas respostas, e as duas autoras não poupam tempo nem tamanho na hora de explicar sua linha de raciocínio. Um dia eu quero ter a saúde mental delas.
Arcade Fire e Owen Pallett anunciam o lançamento da trilha-sonora de Ela
Eu recebi tantas boas notícias na sexta-feira que eu ainda tô pondo elas em dia. Uma das que mais me deixou feliz foi o email do Arcade Fire anunciando o lançamento da trilha-sonora de Ela, o premiado filme de Spike Jonze lançado em 2013, e um dos meus filmes favoritos de todos.
A trilha de Ela existe na forma de um bootleg que vazou na internet na época em que o filme foi indicado ao Oscar de melhor trilha-sonora em 2014, e desde então ele vive protegido em meu computador. Eu troquei de computador duas vezes desde 2014, e em todas as vezes esse bootleg é uma das coisas que eu mais tomo cuidado para passar da máquina antiga para a nova. É um dos meus bens digitais mais preciosos: uma música etérea, que mistura um pouco de melancolia, saudade e felicidade com sintetizadores delicados e um piano profundo. Ele geralmente é a trilha-sonora das minhas melhores manhãs.
Embora o Arcade Fire tenha anunciado que ia trabalhar em um lançamento da trilha lá em 2014, isso não se materializou até agora. Sexta-feira, o anúncio veio do nada e foi uma surpresa tão boa que eu passei o dia procurando formas de encomendar o vinil. Eu ainda não consegui, mas vou na primeira oportunidade. A trilha também vai ser lançada em fita cassete, nas lojas de música digitais, e nos serviços de streaming como Spotify e Apple Music dia 19 de março.
Parando pra pensar agora, a trilha-sonora de Ela é como o ápice de tudo o que eu gosto. É composto pela minha banda favorita e acompanha um filme que eu amo tanto (e que, se você acompanha esse blog há tempos, provavelmente sabe que eu não consigo parar de falar sobre), dirigido por um dos meus diretores favoritos. Eu tô tão feliz que ela finalmente vai ser lançada mês que vem, mal dá pra acreditar que esse dia vai chegar.
Tijolos de restos plásticos são mais fortes que os de concreto
Eu tava precisando de uma boa notícia essa semana, e olha só essa: uma jovem chamada Nzambi Matee começou uma empresa que fabrica pavimentos feitos com restos plásticos que são mais fortes, duráveis e baratos do que os feitos com concreto. Ainda por cima, ajudam a reduzir um tipo perigoso de poluição que permanece muito tempo no planeta. Pelos seus esforços, Matee foi honrada pela ONU:
Each day, the business churns out 1,500 plastic pavers, which are prized by schools and homeowners because they are both durable and affordable. Gjenge Makers is also giving a second life to plastic bottles and other containers which would otherwise end up in landfills or, worse, on Nairobi’s streets.
“It is absurd that we still have this problem of providing decent shelter – a basic human need,” said Matee. “Plastic is a material that is misused and misunderstood. The potential is enormous, but its after life can be disastrous.” […]
“We must rethink how we manufacture industrial products and deal with them at the end of their useful life,” said Soraya Smaoun, who specializes in industrial production techniques with UNEP. “Nzambi Matee’s innovation in the construction sector highlights the economic and environmental opportunities when we move from a linear economy, where products, once used, are discarded, to a circular one, where products and materials continue in the system for as long as possible.”
Via Colossal, que tem imagens lindas de como Matee e sua equipe pavimentaram os arredores de uma escola.
As fotos que compõem os quadros de Norman Rockwell
Por muitos anos, as obras do pintor Norman Rockwell foram desmerecidas por serem consideradas clichês. Suas pinturas eram retratos do cotidiano, mas seu uso de cores fortes e expressões faciais bem demarcadas são facilmente consideradas como sentimentalistas, que costumavam estampar capas de revistas ou anúncios.
Esse estilo e seus sujeitos — geralmente momentos mundanos, como um garoto levando uma injeção ou uma criança espiando outros passageiros pelos bancos do trem — que fazem a obra de Rockwell ser onipresente. Como outro pintor da época, Edward Hopper, Rockwell se interessava muito mais por representar o dia-a-dia americano. Mas os interesses dos artistas estavam em lugares diferentes, segundo o OpenCulture:
But while Hopper gave artistic form to the country’s alienation, Rockwell — whom history hasn’t remembered as a particularly happy man — created an “American sanctuary others wished to share.” And though neither Hopper nor Rockwell’s America may ever have existed, they were crafted from the pieces of American life the artists found everywhere around them.
Com o passar dos anos, o legado de Rockwell, de clichê e sentimentalismo, foi mudando justamente por sua maestria técnica em compôr cenas perfeitas demais. Rockwell usava das cores e das expressões faciais grandiloqüentes para ressaltar o seu idealismo, e apontar exatamente o que é real e o que não é em sua obra. É mais fácil de observar isso quando a gente observa as fotos que ele encenava com seus vizinhos e amigos como referências para o que ele iria pintar:
A NPR publicou um artigo (e um programa de rádio) sobre esse processo do artista, e o Google Arts & Culture têm uma análise ilustrada de como Rockwell usou essa técnica de encenação para criar algumas das obras mais marcantes da luta contra a segregação racial nos EUA dos anos 1960.
Populus Run é uma mistura de WHAT THE GOLF? com Subway Surfers
Eu amo os jogos do estilo “corrida infinita”, aqueles em que o personagem está sempre seguindo em frente e você precisa fazer ele desviar de obstáculos. Pra mim, esse é o melhor estilo de jogo pra celular: jogos como Alto’s Adventure e Super Mario Run têm comandos fáceis e o objetivo é simples, e quando é bem feito os obstáculos vão ficando difíceis o suficiente para desafiar qualquer bom jogador. Então é perfeito tanto para jogar nos minutos em que você espera a água do café esquentar quanto para uma viagem mais longa (seja lá quando a gente puder viajar de novo).
Esse fim de semana eu experimentei Populus Run (Apple Arcade para iPhone, iPad, Mac e Apple TV). Ele me lembrou muito WHAT THE GOLF?, outro jogo favorito do Apple Arcade, porque ele pega um estilo de jogo e vira do avesso. Populus Run faz isso sendo uma corrida infinita de multidões, então você controla um grupo de pessoas através de pistas com bolachas gigantes e montanhas de batatas fritas. Nem todo o mundo chega nos checkpoints, alguns são esmagados por obstáculos, outros vão cair em buracos, mas é divertidíssimo perceber como o jogo consegue fazer você brigar com a própria física do jogo para fazer uma dúzia de pessoas entrar em um túnel que só vai ter lugar para metade delas.
Cada pista de Populus Run oferece alguns objetivos, como número mínimo de pessoas que devem chegar ao final, ou número de moedas (que têm o formato de Pingo d’Ouro) ou “segredos”, que são personagens vestidos com roupas estranhas. Esses são especialmente difíceis, as roupas grandes deles ocupam muito espaço, então se eles encostarem em algum obstáculo eles provavelmente vão cair e ficar para trás.
O mais divertido pra mim é a sensação de caos que os melhores níveis do jogo oferece. Tá todo o mundo correndo, tem uma bolacha recheada esmagando alguns deles, e do nada os outros precisam passar por um trecho estreito entre dois bolinhos ingleses, então mais um tanto vai ficar para trás ali também. É divertidíssimo, e a direção de arte do jogo capricha na textura das superfícies tão bem que dá aquela sensação de sonho para os visuais do jogo.
3:45 PM
Esse curta-metragem de animação de Alisha Liu dura só alguns minutos, mas é especial e muito bonito — as formas simples que ela usa são ótimas tanto para apontar o momento mundano em que as duas personagens estão vivendo e os pensamentos difíceis que uma delas está enfrentando.
Via Kottke, que inclusive descreveu isso como um “susto de domingo”, algo que acho que acomete todo o mundo, mas que eu não sabia que tinha um nome.
O remaster de Mass Effect parece glorioso
Aqui vai uma coisa que você provavelmente não sabe sobre mim: eu sou um fã insuportável de Mass Effect. Eu sou fascinado por essa ópera espacial desde que o original foi lançado no Xbox 360, quando ele era o ápice da narrativa interativa em jogos AAA desse lado do mundo. Agora que esse tipo de jogo não é feito mais pelas grandes desenvolvedoras do ocidente, eu sinto um carinho ainda mais especial pela franquia, mesmo com a dor que foi ver Mass Effect Andromeda ser uma bagunça.
Então eu tô empolgado, pra dizer o mínimo, com o remaster da trilogia original, que eu acho a melhor coisa que a BioWare já fez (desculpa, Raul!). Mass Effect: Legendary Edition inclui os três jogos e (quase) todos os DLCs e vai ser lançado em 14 de maio para PC, Xbox One e PS4 e tá glorioso. O trailer acima captura muito do que ME tem de tão especial: é como um romance, em que histórias seguem se espiralando em outras histórias diferentes, da ação à aventura ao romance e ao terror. Tudo o que eu queria era poder jogar essa trilogia deitado na minha cama no meu Switch, mas nem esse agrado a EA me faz.
Um vídeo de um show do Daft Punk em 2007 acabou de aparecer na web
Daft Punk não faz muitas apresentações ao vivo. Na verdade, elas são tão raras que hoje em dia elas alcançaram aquela fama quase mítica e quando imagens de uma apresentação deles aparece na internet, é como se alguém tivesse conseguido gravar um ovni aparecendo.
Esse show que Johnny Airbag divulgou no YouTube fez parte do Alive 2007, um disco com gravações da turnê do Daft Punk. O vídeo foi gravado em Chicago em 2007, no primeiro dia do Lollapalooza.
O último álbum do duo foi Random Access Memories, em 2013, e já passou da hora de aparecer um novo disco por aí.
Via Kottke.
Sobre amizade (e imortalidade)
Qual a melhor dupla de jogos Mario & Zelda?
Esses dias, enquanto eu terminava de jogar um dos Metroid Prime para fechar a trilogia de ranking das três franquias principais da Nintendo, eu fiquei traçando o histórico dos jogos de Metroid, Super Mario e The Legend of Zelda de acordo com as gerações de consoles. Chegou num ponto em que eu comecei catalogar como os jogos dessas franquias pontuaram os videogames da empresa, até que cheguei nessa lista.
Esse é um ranking rápido das melhores duplas de jogos dos consoles da Nintendo de acordo com a qualidade dos jogos. A melhor dupla não significa que tem os melhores jogos das duas franquias (pra isso confira o ranking do Super Mario e o ranking de The Legend of Zelda), e sim que a média dos dois jogos é a melhor.
Eu só vou levar em conta o principal volume da plataforma — então continuações ou spin-offs não contam. Eu acabei percebendo que o GBA não teve um título original de Super Mario, então The Minish Cap acaba não entrando na lista, enquanto o Wii possui duas gerações das duas franquias, então ele entra no ranking duas vezes — e, pra complicar mais um pouquinho, Breath of the Wild aparece em dois consoles distintos.
É surpreendentemente difícil de classificar essa lista, porque quando Super Mario lança um jogo mais ou menos, Zelda lança um baita jogo, e vice-versa. A exceção é o Nintendo DS, que tem um jogo bom do Mario, mas nada demais, e um jogo completamente esquecível de Zelda. Já o Game Boy tem o melhor Zelda de todos e um dos piores Mario (se é que um jogo do Mario consegue ser ruim).
- DS: New Super Mario Bros. e Phantom Hourglass.
- NES: Super Mario Bros. e The Legend of Zelda.
- Game Boy: Super Mario Land e Link’s Awakening.
- GameCube: Super Mario Sunshine e The Wind Waker.
- Wii: New Super Mario Bros. Wii e Skyward Sword.
- Switch: Super Mario Odyssey e Breath of the Wild.
- 3DS: Super Mario 3D Land e A Link Between Worlds.
- Wii: Super Mario Galaxy e Twilight Princess.
- Wii U: Super Mario 3D World e Breath of the Wild.
- N64: Super Mario 64 e Ocarina of Time.
- Super NES: Super Mario World e A Link to the Past.
Não me peça pra justificar as decisões.
Aparentemente descobriram uma nova tonalidade de azul
Eu sempre achei que se tinha uma coisa que a gente já tinha total conhecimento, eram as cores. Nunca imaginei que (1) seres humanos conseguem criar tonalidades de cor; e (2) exista alguma cor que a gente ainda não tenha visto. Mas descobri que essas minhas duas certezas não faziam sentido quando eu li esse artigo sobre a primeira nova tonalidade de azul em dois séculos, YInMn.
O artigo é ótimo se você, como eu, não tem ideia de como tonalidades são criadas, nomeadas, patenteadas e licenciadas para uso (e como esses usos são categorizados de maneiras bem específicas). Sempre achei que cores fossem algo que a gente não tem domínio sobre porque é um aspecto intrinsicamente natural, já que quase tudo tem cor, mas olha como esse é um processo muito artificial:
Like all good discoveries, the new pigment was identified by coincidence. A team of chemists at Oregon State University (OSU), led by Mas Subramanian, was experimenting with rare earth elements while developing materials for use in electronics in 2009 when the pigment was accidentally created.
Andrew Smith, a graduate student at the time, mixed Yttrium, Indium, Manganese, and Oxygen at about 2000 °F. What emerged from the furnace was a never-before-seen brilliant blue compound. Subramanian understood immediately that his team stumbled on a major discovery.
“People have been looking for a good, durable blue color for a couple of centuries,” the researcher told NPR in 2016.
Não é todo o dia que meu mundo vira de ponta cabeça com um detalhe novo sobre como ele funciona. Hoje foi um desses dias.
Você precisa usar a Lista de Leitura do seu navegador favorito
Ali por 2017 eu voltei a usar um leitor RSS. Desde a morte do Google Reader lá no longínquo ano de 2013 eu não usava um RSS. Como outros milhares de usuários, eu acreditei que o Twitter e o Facebook eram uma boa alternativa: eles também tinham um feed de notícias e eu podia acompanhar meus sites e blogs favoritos por ali. É claro que eu tava enganado, os algoritmos do Facebook e do Twitter manipulavam seus feeds, e eu gradulamente fui parando de acompanhar os sites e os blogs que eu gostava, que ficavam dando espaço para posts de pessoas e de veículos que eu odiava, porque raiva cria mais engajamento — você vai comentar, reagir, compartilhar para mostrar para seus amigos como aquele post era péssimo e tudo o mais. Chegou num ponto, ali em 2017, que eu simplesmente odiava estar na internet.
Foi quando eu revivi minha conta no Feedly1, reorganizei meus feeds, limpei os sites que pararam de atualizar e os blogs que morreram naquele intervalo de cinco anos, e voltei a consumir notícias e textos principalmente por RSS. É difícil de dizer como isso mudou minha vida. Eu passo a maior parte dos meus dias na frente do computador, seja trabalhando, seja vendo filme, jogando alguma coisa ou conversando com meus amigos. Voltar a usar o RSS e a ter controle sobre minha própria curadoria da internet é excelente. Ao contrário do que outras pessoas dizem, fazer isso não nos isola ao redor das nossas próprias opiniões. Diferente do Facebook e do Twitter, os veículos que usam RSS são principalmente revistas digitais, blogs e sites de notícias. Eles não são voltados ao engajamento de posts curtos que removem o contexto de notícias ou se beneficiam de hot takes, eles prezam por textos mais longos e elaborados, onde o contexto em que algo está sendo escrito é tão importante quanto o motivo do texto em si. Não é à toa que, se a toxicidade da internet sempre existiu, ela estava muito mais escondida antes das redes sociais explodirem no final dos anos 2000: as plataformas que usávamos — fóruns, RSS e newsletters — eram mantidos por pessoas que também usavam essas mesmas plataformas, e se importavam em manter a qualidade delas.
Enfim, conforme eu fui me readaptando ao RSS eu comecei a usar um outro recurso que até então eu era bem cético, a Lista de Leitura. Eu nunca dei muita bola pra esse tipo de recurso até que eu precisei começar a organizar e fazer anotações das minhas referências pra dissertação de conclusão da faculdade, que consistiam principalmente em artigos de sites da internet (as discussões que eu tive com meu orientador sobre isso valem um post). Foi quando eu decidi experimentar o Instapaper, o pai desse tipo de serviço. No Instapaper você pode adicionar links que você quer ler depois, e o aplicativo faz o trabalho de extrair o conteúdo desse link, formatá-lo em um jeito confortável de ler (você pode personalizar cor e tipografia) e destacar e fazer anotações em trechos desse conteúdo. O Instapaper me ajudou horrores nessa época, porque eu podia organizar os links das minhas referências por capítulos da dissertação, destacar as partes que eu queria fazer uma citação direta, e ele registrava a data em que eu acessei esses artigos. Naquele ano o Instapaper virou o meu melhor amigo.
Há muito tempo que o Instapaper não é o serviço mais conhecido ou mais bem sucedido desse tipo. A funcionalidade é tão boa, e por um tempo ele se tornou tão essencial pra tanta gente, que os próprios navegadores começaram a criar recursos semelhantes integrados. O Chrome adicionou há poucas semanas o Read Later, o Safari possui a Lista de Leitura há alguns anos já; e o Firefox é integrado ao Pocket, uma alternativa mais poderosa e mais famosa ao Instapaper.
Todas essas opções fazem a mesma coisa: você salva um link nele e ele armazena em uma lista. O Safari e o Firefox possuem até mesmo uma “visão de leitor”, que basicamente reformatam o conteúdo do site, removendo anúncios e elementos gráficos que não pertencem ao texto principal. E o Pocket, que é integrado ao Firefox mas que você pode integrar através de extensões no seu navegador favorito, possui o mesmo recurso de tags e anotações do Instapaper. O fato de eles serem integrados aos navegadores, inclusive, permitem que sua lista de leitura seja sincronizada com todos os seus dispositivos e permite que os textos sejam salvos para serem lidos offline — para quando você for pra praia, em 2026, ver que não tem sinal e descobrir uma pilha de textos salvos sobre assuntos que você tinha muita curiosidade para ler sobre anos antes.
Lista de Leitura não é só útil para você salvar aquele texto longo que você encontrou no meio do caminho, quando você está navegando procurando alguma coisa e tinha um link para esse texto levemente relacionado que você quer ler uma hora dessas. Ele é excelente para esses casos, mas ele também é ótimo pelos mesmos motivos que um leitor RSS: ele ajuda na nossa curadoria do que consumimos na internet, nos incentivando a tirar um tempo para dar atenção à um conteúdo que oferece mais contexto e desenvolve mais um assunto do que uma thread no Twitter ou um textão no Facebook.
Esses recursos fazem um bem danado para sua saúde mental, mas para a saúde do seu computador e do seu celular também. Navegadores, principalmente o Chrome, deixaram de ser esses aplicativos leves e ultra rápidos e se tornaram um buraco negro que suga toda a energia e memória dos seus dispositivos porque acabamos tendo o péssimo hábito de deixarmos tudo o que queremos aberto em dezenas de abas que e usando recursos até que a gente decide que não quer mais ler aquilo porque o navegador está lento demais. Esses recursos existem justamente para resolver esse problema.
É comum a gente esquecer como o navegador é uma ferramenta poderosa simplesmente porque passamos o dia na frente dele. Mas um navegador nos oferece várias ferramentas para organizarmos o nosso consumo da internet, justamente para não nos sentirmos sugados por ela. Recursos como a Lista de Leitura e os Favoritos nos permitem salvar e organizar nossos links favoritos.
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Do Feedly eu fui para o The Old Reader por um tempo, até que estacionei no Feedbin, o melhor cliente RSS que eu usei até aqui. Essa é uma das belezas do RSS: é um padrão aberto, e os dados são seus. Não quer mais usar um serviço porque achou um melhor? É só exportar sua lista de feeds e importar no outro. ↩
Um gerador de flocos de neve
Eu posso ou não ter perdido algumas horas da minha tarde brincando com esse gerador de flocos de neve desenvolvido pela Vivian Wu.
Via @Colossal.
Max Richter: Tiny Desk (Home) Concert
O Tiny Desk Concert de hoje é do compositor Max Richter. Eu conheci o trabalho dele na excelente trilha-sonora de The Leftovers e na belíssima sequência de abertura de A Chegada, e ele se tornou a trilha-sonora dos intervalos que eu tiro no meio do turno de trabalho.
Apreciando os trailers de Breath of the Wild
Eu acordo mais de uma vez por semana pensando algo do tipo “o que será que vai acontecer em Breath of the Wild 2?” ou “quando vai ser lançado?” ou ainda “será que a Zelda vai ser jogável?”. Em alguns desses dias eu revejo a única informação confirmada de Breath of the Wild 2: um trailer que anuncia o seu desenvolvimento:
E geralmente isso me faz perceber como é bom esperar por um novo jogo de Zelda. Só não é tão bom quanto finalmente jogar ele. Hoje em dia, com The Legend of Zelda: Breath of the Wild tendo sido lançado há quase quatro anos, é fácil de esquecer que esse também foi um jogo que a gente sonhou por muito tempo, e que por grande parte desse tempo a gente sabia muito pouco sobre ele.
Quando foi anunciado, em 2014, a gente só sabia que Zelda U seria em mundo aberto, como o primeiro jogo da série foi. Eu tava assistindo a coletiva de imprensa da Nintendo na E3 no meio da minha aula de história do cinema, quando esse trailer saiu:
Esse anúncio revelou tão pouco que a internet passou dias tentando tirar toda a informação possível: essa figura encapuzada era o Link mesmo, ou a Zelda finalmente seria a protagonista? O que é essa máquina de destruição que tá correndo atrás dele? Você viu COMO A GRAMA SE MEXE?
Enfim, Zelda U era pra ser o system-seller do Wii U, e acho que por um momento a Nintendo realmente acreditou nisso porque até deixou o Miyamoto e o Aonuma, que são designers que raramente fazem promessas sobre seus jogos antes de podermos ver eles em ação, comentarem sobre quando eles achavam que o jogo ia ficar pronto no final daquele ano:
Depois disso tudo começou a degringolar. O Wii U não foi um sucesso, e em 2015 e 2016 a Nintendo passou boa parte do tempo tentando colocar jogos na plataforma porque os desenvolvedores externos tinham debandado, mas a maior parte de seus estúdios já estavam lançando jogos muito melhores no Nintendo 3DS, que acabou virando o foco da empresa enquanto um novo videogame de mesa não ficava pronto.
E assim, Zelda U ficou de escanteio, com notícias sobre seus atrasos. Teve uma vez que foi pelo motor de física do jogo (ainda bem, porque o que apareceu no jogo final é excelente), teve outra que era teoria da conspiração, de que a Nintendo decidiu reformular o jogo para o NX (foi só uma meia verdade).
O fato é de que demorou um bocado de tempo, em termos de anúncios de jogos, pra que a gente pudesse ver Zelda U novamente. Foi só na E3 2016 que o jogo apareceu de novo. Não só isso, foi o único jogo que a Nintendo levou para a E3 naquele ano. Jornalistas puderam pôr as mãos nele pela primeira vez, e jogaram em um mapa que hoje sabemos que é o Grande Plateau, a (enorme) área inicial do jogo.
E daí a gente finalmente descobriu como o jogo ia ser chamado:
As pessoas começaram a compilar tudo o que Link conseguia fazer nesse trailer. Ele era realmente impressionante.
Breath of the Wild voltou a ser o centro das atenções pelo resto do ano ao lado da revelação do NX, que ia se chamar oficialmente Nintendo Switch. BOTW é um dos jogos exibidos no trailer que revelava o console. Pelo restante de 2016 a gente saberia que BOTW não era mais o system-seller do Wii U, e sim seu último título da Nintendo para o console. Agora ele seria o system-seller do Switch.
A pergunta é — quando?
A Nintendo programou uma coletiva de imprensa para revelar o preço, a data de lançamento e outros detalhes técnicos do Switch em janeiro de 2017. Para a surpresa de muitos, o Switch já estava quase pronto, e seria lançado em março daquele ano. A gente pôde ver pela primeira vez alguns dos jogos que iam ser lançados no primeiro ano do console: Splatoon 2, ARMS, Super Mario Odyssey, Mario Kart 8 Deluxe! Por toda a apresentação, o único jogo que ia ser lançado no mesmo dia que o videogame era o 1-2 Switch. Isso não soava certo.
É claro que não, a Nintendo tava deixando o melhor pro final:
Eu revejo esse trailer de tempos em tempos. É um dos meus trailers de jogos favoritos (tá junto com esse teaser de Halo 3), e deu o tom para o lançamento de BOTW. Não era só um Zelda com um mapa gigantesco, mas uma grande aventura por Hyrule. Todas as espécies que a gente aprendeu a amar na franquia estavam ali — os Zora, os Rito, os Gorons!! Os Gerudos!! Os Kokiri!!!!! —, a porra da Grande Árvore Deku tava de volta, caramba. A gente não sabia de nava o que estava acontecendo no trailer e, de alguma forma, isso parecia certo: BOTW era pra ser descoberto.
Ah, e no finalzinho, a Nintendo finalmente revelou que sim, Breath of the Wild ia ser o jogo de lançamento do Switch.
A história da Wikipédia através dos relatos de seus fundadores
A Wikipédia fez vinte anos na última sexta-feira, dia 15. Eu considero ela o site mais importante da internet. É o site que melhor define a promessa do que a internet pode ser — um espaço de informação livre e colaborativa, onde pontos de vista se somam ao invés de se isolar. É gratuita, é distribuída, e se um dia sair do ar, o buraco que ele vai deixar na sociedade é gigante demais. A Wikipédia conseguiu ser inestimável para nós em tão pouco tempo que é difícil de pensar numa internet em que ela geralmente não é o segundo resultado em qualquer pesquisa no Google.
Para celebrar esse aniversário, o OneZero publicou uma história oral da Wikipédia com seus fundadores e contribuidores mais relevantes. É uma leitura fascinante:
Now 20 years later — Wikipedia’s birthday is this Friday — nearly 300,000 editors (or “Wikipedians”) now volunteer their time to write, edit, block, squabble over, and scrub every corner of the sprawling encyclopedia. They call it “the project,” and they are dedicated to what they call its five pillars: Wikipedia is an encyclopedia; Wikipedia is written from a neutral point of view; Wikipedia is free content that anyone can use, edit, and distribute; Wikipedia’s editors should treat each other with respect and civility; and Wikipedia has no firm rules.
[…]
It is not perfect. There is trolling. There are vandals. There is bullying of “newbies” by editors. And there are imposters who edit not for the greater good but to serve the greed, vanity, or ambition of self-interested (sometimes paying) parties. And, yes, there are many, many weak and thinly sourced articles (only about 40,000 out of the site’s 6 million entries meet the higher standard of being “good articles”). There is also a gender imbalance within the domain of Wikipedia — in English Wikipedia, more than 80% of editors are men and just 18% of biographies are about women.
Regardless, Wikipedia is now a cornerstone of life online. How many wives did King Henry VIII have? Where does the word “fuck” come from? Why did people wear bearskin shoes? Wikipedia has all the answers.
Uns fãs de Community fizeram um jogo de paintball assassino
Um grupo de aspirantes a desenvolvedores de jogos se juntaram para criar Six Seasons and a Game, um jogo de paintball assassino na faculdade de Greendale, o cenário de Community. E não é que o resultado ficou muito bom?
2021 is starting out on the right track...
— Six Seasons And A Game (@6AndAGame) 6 de dezembro de 2020
6 seasons and a game is a free-to-play, fan-made, Community-themed paintball game. After much anticipation, the game-based-on-a-TV show you never knew you wanted is being released. A labour of love from volunteers is finally on steam! pic.twitter.com/YgC0sNSU8g
Six Seasons and a Game é um jogo de tiro em primeira pessoa, multiplayer e gratuito! Os voluntários encheram os cenários com referências à série (quer dizer, só a ideia do jogo ser um “paintball assassino” já entrega), e conseguiram criar espaços muito legais para interligar os espaços já conhecidos. Os corredores ao redor da sala de estudos dos protagonistas, por exemplo, só foi vista raramente durante a série. Aqui dá pra percorrer por tudo. O melhor é que, além de ser de graça, esse jogo é leve e divertido. Se você está procurando algo pra passar o tempo com seus amigos mas seus computadores não aguentam o tranco, Six Seasons and a Game é muito bem otimizado.
Essa não é a primeira vez que fãs de Community puseram as mãos na massa e fizeram um jogo. Enquanto a série ainda estava no ar, uns fãs recriaram Journey to the Center of Hawkthorne, um jogo de plataforma e aventura exibido em um episódio no final da terceira temporada, e também é um jogo gratuito e muito bom. Essa comunidade de Community é muito talentosa.
Six Seasons and a Game tá disponível no Steam e Journey to the Center of Hawkthorne tá disponível no GitHub.
Mas eu ainda tô esperando o filme.
Os breves momentos de beleza nos filmes de Pete Docter
Artista cria peças de exposição enviando-as sem proteção pelo correio
O artista Walead Beshty constrói peças feitas de vidro e as envia por FedEx para galerias e museus desde 2007. Ele as envia sem proteção, então quando as peças chegam elas estão danificadas, criando padrões de rachaduras nas superfícies:
Toda a vez que essas peças mudam de expositor, o artista as envia novamente por FedEx, sem proteção — então uma mesma peça nunca é a mesma entre exposições. Segundo uma entrevista do artista, sua intenção não é a de usar o “readymade” popularizado por Michel Duchamp com sua fonte, e sim de criar peças artísticas usando um sistema adotado por uma corporação gigante:
[…] Os objetos não são tratados de maneira diferente de outros pacotes da FedEx, eu simplesmente uso o sistema da FedEx para registrar como o objeto foi manipulado em termos estéticos. O resultado é um objeto que está mudando constantemente. Todas as vezes que o objeto é enviado, ele passa por uma transformação material.
No site do estúdio de Beshty têm mais informações (e peças) dessa e de outras coleções.
Via Kottke
O problema de Lane Kim em Gilmore Girls
Emily VanDerWerff é uma das minhas escritoras favoritas. Ela escreve sobre TV, sua história e suas dinâmicas, como ninguém, e o melhor, ela te faz entender o que funciona e o que não funciona em uma série de TV. Como as melhores críticas e ensaístas, VanDerWerff põe em palavras aquilo que a gente sente quando assiste algo.
No volume dessa semana da sua newsletter Episodes, VanDerWerff finalmente fala sobre o momento que, pra mim, é o mais importante em Gilmore Girls: quando a relação de Lane com sua mãe finalmente explode, e como Gilmore Girls não consegue tratar esse momento com o cuidado que ele merece:
Truth be told, I don’t think I could have told you what I hated about this storyline until my friend, Cassie, watched the entirety of the series over the past few months. Cassie’s viewing of the series immediately clarified for me what bugged me so much about this storyline: Once — just once — I wanted the show to take Lane’s desperation to live a life free from her mother’s influence as seriously as Lane did.
If the series were going to have a moment when it took Lane’s life seriously, it would have been somewhere in this season four storyline. That season is perhaps the show’s best, as it slowly but surely brings lots and lots of chickens home to roost, one of those being Lane’s long hidden secret life. Gilmore Girls excels at telling serialized stories where lightly comedic kookiness covers up something far bleaker, then at switching itself up tonally, so the bleakness breaks out and oozes over the comedy. Season four is the series’ best at this sort of tonal whiplash, particularly in its second half.
And for at least a little bit, Gilmore Girls takes Lane seriously in this storyline. The scene where Mrs. Kim kicks her daughter out of her house is a heartbreaking one, and the moment when Lane shows up at Rory’s door is, too. It feels like something the series has been building to for years and years — Rory and Lane, trying to shake off the influence of their mothers and making their way in the world.
Lane é a minha personagem favorita de Gilmore Girls, junto com Emily, porque as duas são as personagens mais bem exploradas até certo ponto, quando a série decide que se continuar cavando as dores e as frustrações delas, pode acabar respingando no carisma de suas personagens principais. Simpatizar muito com Emily pode tirar a coragem de Lorelai de viver fora das garras da mãe; observar como Lane tenta sair do relacionamento abusivo com sua mãe mas vê que Rory já está muito distante da sua realidade daria muito mais peso às dinâmicas de classe da série, algo que GG sempre preferiu tratar com muito mais sutileza e nuance.
Mas, como VanDerWerff escreveu na newsletter, Lane deixa de ser uma Lorelai 2.0 e se transforma em alívio cômico, e é a falta de seriedade com que a série (!) trata Lane a partir da quarta temporada que machuca bastante. Gilmore Girls sempre foi excelente em observar como relações íntimas, como as familiares e as amizades, podem ser abaladas para sempre mesmo que continuem existindo de alguma forma. Porém, Lane e a Sra. Kim não desenvolvem uma relação repleta de cicatrizes como a de Emily e de Lorelai — assim que sua mãe a visita em sua nova casa, as duas voltam à mesma dinâmica de antes (o que piora ainda mais na sétima temporada).
Enfim… Gilmore Girls? A melhor série já feita, tão boa que quando falha, falha por excesso de carinho.
O legado social do Nintendo 3DS
Cecília D’Alessandro escreveu um excelente post-mortem sobre o Nintendo 3DS (e os portáteis da Nintendo de maneira geral) quando o pequeno foi descontinuado no ano passado:
Hardware matters, but in the end, portable console players want to connect to each other with as few barriers as possible. The legacy of the 3DS, at least for me, is as a reminder that gaming is more than just entertainment: It’s a social network. Strangers saw each other playing their 3DSes out in the world and forged quiet (or loud), immediate connections. The magic of the Switch is that it was one of the first consoles to bring those outside connections inside—from the cafe onto your sectional couch.
Eu comprei um Nintendo 3DS com o primeiro salário do meu primeiro trabalho. Eu e meus colegas da época jogávamos Mario Kart depois do almoço e antes de começar o turno da tarde. Depois que saí da empresa para ir para a faculdade, minha jogatina com o 3DS era quase sempre sozinha. Eu jogava no trem, indo de Porto Alegre para São Leopoldo, até que comecei a perceber que outras pessoas também estavam tirando seus videogames das mochilas e bolsas para jogar. Eu nunca fiquei amigo dessas pessoas, mas visitei várias cidades em Animal Crossing: New Leaf e perdi várias brigas no Super Smash Bros.
Esse tipo de interação era bastante único dos videogames portáteis: você via que alguém estava jogando, seja no parque, no shopping ou no trem, e tirava seu videogame. Antes do 3DS, você falava com a pessoa, vocês trocavam Friend Codes e então podiam jogar juntos. O 3DS facilitou um pouco esse primeiro contato. O próprio videogame piscava uma luz verde indicando que tinha alguém por perto, o Mii da pessoa chegava na sua praça virtual e vocês eram apresentados. Você olha ao redor e encontra a pessoa que acabou de conhecer.
Eu acho que o que tornou o Nintendo 3DS tão especial para aqueles que tiveram ele foi justamente esse sentimento de culminação, de a Nintendo entender completamente o apelo de um videogame portátil que consoles de mesa e celulares não tinham: o 3DS era uma espécie de sociedade secreta que você entrava e, ao mostrar o seu portátil para os outros, era recebido com boas vindas. O StreetPass, o SpotPass, o bloco de notas e o relatório de jogos eram recursos naturais em um videogame que você jogava em qualquer lugar, nem sempre confortável o suficiente para pegar o celular com outra mão e anotar o código que você precisa digitar na próxima fase do jogo. Tudo o que você precisava para jogar no 3DS, ele oferecia.
É algo que eu sinto bastante falta no Switch, que indica que a Nintendo vê ele muito mais como um console de mesa do que um portátil. Recursos sociais são escassos nele, enquanto que eram fundamentais pro sucesso do 3DS. O Switch é superior em quase todos os sentidos, mas a Nintendo sabia exatamente o que um portátil precisava no 3DS, e o tipo de interação que um videogame portátil provocava e incentivava. Com o fim daquele pequeno videogame (e da linhagem que ele seguiu), um pouco dessa mágica se perdeu.
O legado social do Nintendo 3DS
Cecília D’Alessandro escreveu um excelente post-mortem sobre o Nintendo 3DS (e os portáteis da Nintendo de maneira geral) quando o pequeno foi descontinuado no ano passado:
Hardware matters, but in the end, portable console players want to connect to each other with as few barriers as possible. The legacy of the 3DS, at least for me, is as a reminder that gaming is more than just entertainment: It’s a social network. Strangers saw each other playing their 3DSes out in the world and forged quiet (or loud), immediate connections. The magic of the Switch is that it was one of the first consoles to bring those outside connections inside—from the cafe onto your sectional couch.
Eu comprei um Nintendo 3DS com o primeiro salário do meu primeiro trabalho. Eu e meus colegas da época jogávamos Mario Kart depois do almoço e antes de começar o turno da tarde. Depois que saí da empresa para ir para a faculdade, minha jogatina com o 3DS era quase sempre sozinha. Eu jogava no trem, indo de Porto Alegre para São Leopoldo, até que comecei a perceber que outras pessoas também estavam tirando seus videogames das mochilas e bolsas para jogar. Eu nunca fiquei amigo dessas pessoas, mas visitei várias cidades em Animal Crossing: New Leaf e perdi várias brigas no Super Smash Bros.
Esse tipo de interação era bastante único dos videogames portáteis: você via que alguém estava jogando, seja no parque, no shopping ou no trem, e tirava seu videogame. Antes do 3DS, você falava com a pessoa, vocês trocavam Friend Codes e então podiam jogar juntos. O 3DS facilitou um pouco esse primeiro contato. O próprio videogame piscava uma luz verde indicando que tinha alguém por perto, o Mii da pessoa chegava na sua praça virtual e vocês eram apresentados. Você olha ao redor e encontra a pessoa que acabou de conhecer.
Eu acho que o que tornou o Nintendo 3DS tão especial para aqueles que tiveram ele foi justamente esse sentimento de culminação, de a Nintendo entender completamente o apelo de um videogame portátil que consoles de mesa e celulares não tinham: o 3DS era uma espécie de sociedade secreta que você entrava e, ao mostrar o seu portátil para os outros, era recebido com boas vindas. O StreetPass, o SpotPass, o bloco de notas e o relatório de jogos eram recursos naturais em um videogame que você jogava em qualquer lugar, nem sempre confortável o suficiente para pegar o celular com outra mão e anotar o código que você precisa digitar na próxima fase do jogo. Tudo o que você precisava para jogar no 3DS, ele oferecia.
É algo que eu sinto bastante falta no Switch, que indica que a Nintendo vê ele muito mais como um console de mesa do que um portátil. Recursos sociais são escassos nele, enquanto que eram fundamentais pro sucesso do 3DS. O Switch é superior em quase todos os sentidos, mas a Nintendo sabia exatamente o que um portátil precisava no 3DS, e o tipo de interação que um videogame portátil provocava e incentivava. Com o fim daquele pequeno videogame (e da linhagem que ele seguiu), um pouco dessa mágica se perdeu.
Eu ganhei uma escova de dentes de Natal
Meus pais me perguntaram se eu tava precisando de algo esse ano pra que eles pudessem me dar de presente de Natal. Faz uns anos já que eu nunca preciso de nada (eu tenho um trabalho, pais!), mas sempre lembro de um jogo que eu quero comprar ou de uma edição de colecionador de um filme que eu encontrei por aí e essa é geralmente a oportunidade perfeita de não desperdiçar meu dinheiro nesse tipo de coisa.
Eu não tinha nada pra pedir, então dei aquela mentira de que não precisava de presente embora soubesse que se eu não ganhasse nada no dia 24 de dezembro eu ia ficar ofendido. Na noite de véspera de Natal, que é quando a gente troca os presentes aqui em casa, minha mãe me surpreendeu com uma escova de dentes.
Eu não esperava. Escova de dente é aquele lance que eu esqueço de comprar no mercado e acabo usando a mesma por meses a fio até o ponto em que a minha gengiva começa a sangrar porque as cerdas tão uma pra cada lado e duras como espinho. Quando eu tô que não consigo falar, eu vou no mercado e compro a escova de dentes mais barata que eu encontro. Não que eu não dou bola pra minha higiene bucal, eu dou! Escovar os dentes e limpar a boca é um ato religioso pra mim, com horário marcado e duração mínima estipulada, mas eu não quero gastar 35 reais na escova de dentes da Colgate que tem um cabo antiaderente ou coisa e tal.
Enfim, eu gostei da surpresa. Eu gosto de presente simples e criativo, como uma escova de dentes. Mas eu não tava esperando que essa escova de dentes ampliasse meus horizontes sobre o que é conforto. Meus amigos, eu tô no céu. Pra quem dá importância para aqueles minutos que tu fica com um pau na boca com uma pasta de sei-lá-o-que sendo espalhada pelos seus dentes todos os dias, se sentir confortável escovando os dentes é essencial. Deixa eu mostrar a dita cuja:
E aqui, um close das cerdas macias e perfeitas, que eu sinto abraçarem meus dentes para massagear com a pasta de dentes:
Pelo que diz na caixa, o nome dessa escova é “Powerdent Eco Care Light”. Ela é bem light mesmo, é levinha de segurar e o cabo parece ser feito de algum material verdadeiro, não de plástico. Madeira, ou carvão, algo assim. E as cerdas, meus amigos. À primeira vista eu achei que ela era pequena demais, mas quando eu usei pela primeira vez ela me surpreendeu, indo em lugares onde as outras escovas jamais foram, preenchendo cada espaço que antes eu precisava fazer malabarimos para encontrar.
É aquele tipo de presente que você agradece (literalmente) todos os dias por ter ganho. Todos os dias eu lembro como minha vida ficou melhor depois daquela estranha noite de 24 de dezembro de 2020, o dia em que eu ganhei uma escova de dentes de Natal.
Supo Mungam Plus disponibilizará filmes novos todas as sextas-feiras de janeiro
A distribuidora Supo Mungam Filmes trouxe pro Brasil alguns dos melhores filmes dos últimos anos, como Em Trânsito e Retrato De Uma Jovem Em Chamas. No fim do ano passado eles anunciaram que iam finalmente lançar esse excelente catálogo de filmes em DVD e blu-ray (você pode reservar a edição lindíssima de Retrato no site da Versátil!), e que iam montar um serviço de streaming dedicado à filmes independentes e autorais.
O serviço, chamado Supo Mungam Plus, vai trazer novos filmes pro catálogo todas as sextas-feiras desse mês, começando com Bamako (Abderrahmane Sissako, 2006) e O Conto das Três Irmãs (Emin Alper, 2016) no próximo dia 8.
A lista até o final do mês inclui alguns filmes excelentes: na próxima sexta entra o clássico recém redescoberto O Funeral das Rosas (Toshio Matsumoto, 1969), que estava no acervo do MUBI até pouco tempo. No dia 29 entram o excelente Entre os Muros da Escola (Laurent Cantet, 2008) e Obediência (Craig Zobel, 2012), que eu quero muito assistir. É o primeiro grande papel da Ann Dowd, uma atriz que eu adoro.
O SMP já têm uns filmes excelentes no catálogo também, eu tava dando uma conferida e, além do magnífico Em Trânsito, também está por lá Wendy & Lucy da Kelly Reichardt, diretora de filmes excelentes pra você assistir durante o isolamento; e Eu, Olga Hepnarová de Petr Kazda e Tomás Weinreb, um filme polonês perturbador que não sai da minha cabeça desde que eu vi há uns bons três ou quatro anos.
Rachel Handler investiga o misterioso caso da escassez de bucatini
Rachel Handler é uma das jornalistas que eu mais gosto de acompanhar o trabalho. Ela escrevia para o The Dissolve, um site sobre filmes que eu amava muito, e sua escrita tinha um tom próprio muito forte: era bem humorado ao mesmo tempo que direto. Ela escrevia sobre qualquer coisa de forma clara, mas conseguia colocar tangentes nos assuntos com observações incisivas e hilárias. Ela tinha uma coluna no The Dissolve chamada “Female Stuff” que eu revisito até hoje.
Enfim, Handler tem escrito para a Vulture/New York Magazine pelos últimos anos, e seu trabalho continua incrível. Mas o texto que ela publicou há algumas semanas é simplesmente a melhor coisa que eu li em meses, uma investigação sobre o desaparecimento misterioso de bucatini, um tipo muito específico/chique de macarrão (aquela espécie de espaguete grossa e longa, com um furo no meio para o molho entrar e explodir na boca quando mastigados) durante a pandemia nos EUA.
“What the Hole is Going On?” começa com ela e seus amigos desesperados buscando esse macarrão por Nova York no meio da pandemia, e acaba se desenrolando de maneira surpreendentes — um pouco disso pelos nomes italianos das pessoas que ela cruza na busca por respostas, o que faz tudo parecer um episódio muito bem humorado de Família Soprano.
Curte só um trechinho, mas eu recomendo ler tudo:
“Rachel!” he roared. “I’ve touched closely to the reason. Because of the environment, people have been using bucatini as straws, instead of a plastic straw.”
“I’m sorry, what?” I asked.
“Yes. You can buy them. There are a couple of companies making them. You can have your soda and then eat your straw,” he said. “It’s like eating your fork or knife.” My mind reeled as it tried to understand and accept this information as true. “But pasta is not a ready-to-eat product,” Rosario added. “You have to cook it. So when you use pasta to drink sodas, you’re drinking and eating a not-ready-to-eat product. You put yourself at risk because that product has never been pasteurized or killed. And the only pasta cut affected is bucatini because of the hole.”
This made both perfect sense and absolutely no fucking sense at all, the sort of demented-timeline event that could only happen in 2020, when everything is, metaphorically, an innocent piece of pasta turned into a straw in a bid to help the environment that actually ends up being fatally dangerous. I confessed to Rosario that every time I made bucatini, I ate several raw strands per minute as I cooked it, as a sort of barometer of al dente–ness. I wondered if I was now going to die because of it, and I made peace with this instantly.
A evolução dos personagens de Super Mario
Mario Bros. é uma das franquias mais famosas e importantes dos jogos, e tá fazendo trinta e cinco anos. Para comemorar, a Nintendo relançou no fim do ano passado os excelentes 64, Sunshine e Galaxy na coletânea Super Mario 3D All-Stars, e vai relançar o (também excelente) Super Mario 3D World, até então exclusivo do Wii U, no Switch em março.
Eu amo essa franquia. Junto com The Sims, os jogos do Mario são os que eu mais joguei antes de Breath of the Wild chegar na minha vida. E na vida de muita gente também, e pra comemorar o aniversário dos jogos o Kotaku tá fazendo uma série de artigos sobre a evolução dos personagens. Dois textos já foram publicados, um sobre o legado da princesa Peach e outro sobre a evolução e o charme do Bowser.
São textos bem bons que observam como os personagens vão se adaptando aos jogos conforme a tecnologia dos consoles da Nintendo foi evoluindo nas últimas décadas, mas também como eles foram tomando um legado próprio ao lado do próprio Mario.
No texto sobre a Peach, Mike Shoars escreve sobre como a relação do jogo com a outra princesa de Super Mario Galaxy é fundamentalmente diferente:
Mario helps Rosalina, but he never rescues her. In the game’s climax, Rosalina and her Lumas undo the damage of Bowser’s newly-formed sun collapsing in on itself and destroying the universe. In her farewell to Mario, she grows to near-Bowser size, speaks about the birth of new stars, before saving all of creation. She is the closest thing we ever see in the main Mario games (don’t @ me, Paper Mario fans) to God.
E como Bowser evoluiu de um simples vilão de videogame para um vilão de videogame que se preocupa em ser um bom pai:
Both versions, interestingly enough, have embraced his most unique aspect: his fatherhood. Bowser Jr. is portrayed as an enthusiastic and tech-minded member of Bowser’s army in the main games, balancing out his dad’s more old-fashioned reliance on dark magic and airships. In the most recent RPGs, especially Paper Mario: The Origami King, Bowser’s status as a sometimes-competent warlord and a patient, supportive father is a huge part of his character arc. In a multimedia franchise owned by a corporation that approaches change in a cautious, measured fashion, Bowser just keeps growing.
Bem que a Nintendo podia colocar Super Mario Galaxy 2 no Switch também…
As séries que me fizeram companhia em 2020
Mesmo com mais tempo livre para ficar assistindo TV durante os últimos dez meses, eu não assisti muito mais séries do que em 2019. Minha grande suspeita, como eu já expliquei em agosto, é que eu não ando mais maratonando séries. Eu prefiro ver elas por semana, ou no mínimo dia sim, dia não. Mesmo assim, algumas séries realmente me ajudaram a manter um senso de continuidade em um ano onde tudo pareceu parado.
Eu não vou listar todas as séries que eu vi ou que eu comecei a ver esse ano, mas sim aquelas que eu acho que me estimularam e que eu gostei de ter feito companhia nos meus finais de tarde aqui em casa, mais ou menos na ordem que eu assisti elas.
- Fleabag (Prime Video). Foi revendo essa série entre fevereiro e março que me fizeram voltar a escrever pro Pão. Ainda é uma das melhores séries que eu já vi.
- The Good Place (Netflix). A última temporada acabou sem fazer muito barulho, mas o bom humor e a honestidade emocional que a série usa para explorar ideias como “o que é ser uma pessoa boa?” e “como viver feliz?” foram essenciais ali pros meses onde tudo ainda estava muito confuso.
- Community (Prime Video e Netflix). Ah sim, eu revi Community esse ano também, como todos os anos. Mas também foi a primeira vez que eu revi Community enquanto muitas outras pessoas viam e vinham conversar comigo sobre a série. Foi algo bem especial pra mim, e me ajudou a aguentar (e a aumentar) a saudade que eu sinto dos meus amigos.
- The Wire (HBO). Como Gilmore Girls, eu vejo The Wire todos os anos. Eu revejo essa série uma vez por ano desde 2009, quando eu vi ela pela primeira vez. É um ritual quase religioso pra mim. Acho que eu nunca vi alguma obra que consegue traçar um panorama e fazer um mergulho nos sistemas que moldam a sociedade com todas as suas armadilhas. É uma série que nos faz ter uma visão mais aguçada das coisas, e um lembrete para observar mais a fundo como a gente falhou em 2020.
- Central Park (Apple TV+). Eu não tinha ideia que eu ia acabar gostando de uma série na Apple TV+ mas puxa vida, Central Park é divertido demais. Eu adorei como a série misturou musical com eventos nada grandiosos do dia-a-dia de uma família. Ver as pessoas se divertindo em um parque (mesmo que numa animação) me fez lembrar de como é bom caminhar por aí.
- Betty (HBO). Essa série foi uma surpresa maravilhosa pra mim. Eu nunca pensei que ia gostar de acompanhar skatistas matando o tempo pelas ruas de Nova York, mas acabou sendo o ponto alto das minhas semanas — passar o tempo com elas é bom demais, e me fez um bem pra caramba.
- Eu Terei Sumido na Escuridão (HBO). Eu não acredito em “guily pleasure”, então fica aí a declaração que eu amo série sobre investigação de assassinos em série, mesmo as mais bobas, mas Eu Terei Sumido na Escuridão me pegou de surpresa por virar a premissa de ponta-cabeça e não tornar o assassino em uma figura mitológica, se interessando muito mais pela visão que suas sobreviventes tinham dele, e da escritora que ajudou a resolver o caso.
- I May Destroy You (HBO). Foi difícil ver a minha série favorita do ano, porque ela entra na pele da sua protagonista de um jeito tão desconfortável que era duro olhar pro que ela revelava da Arabella (e de mim), mas ao mesmo tempo era impossível não assistir, porque a intensidade dessa série é contagiante. Não saber o que vai acontecer na cena seguinte era o lampejo de imprevisibilidade que eu precisava.
- Gilmore Girls (Netflix). Eu decidi rever Gilmore Girls com mais calma esse ano, porque eu acabei usando a série como uma muleta nos anos anteriores e eu precisava cuidar um pouco mais de mim e não me deixar fugir para Stars Hollow na primeira oportunidade. Mesmo assim, eu continuo visitando minha cidadezinha favorita da TV uma vez por semana. É sempre bom.
- Perry Mason (HBO). Fiquei preocupado que os primeiros episódios de Perry Mason eram muito “TV prestígio”, mas o terceiro episódio chegou e a série me ganhou com seu interesse em ir além do protagonista-trágico. São poucas as séries hoje que conseguem ter o fôlego de deixar seus personagens coadjuvantes terem suas próprias trajetórias. Mal posso esperar pela segunda temporada.
- Enlightened (HBO). Se você lê A Baguete já sabe que eu quero escrever sobre esse clássico cult de duas temporadas, mas a versão resumida vai aí: Laura Dern se destrói inúmeras vezes nessa série, mas é em todas as novas maneiras que ela encontra para se reconstruir que mora a beleza.
- The Mandalorian (Disney+). Eu gosto bem mais da primeira temporada porque ela não tenta ficar conectando tantos eventos à Saga Skywalker, mas Pedro Pascal sendo o pai de um bebê Yoda em uma série bem episódica como há tempos não víamos é tudo de bom. Mal posso esperar pra rever o Mando em dezembro.
- The Americans (Prime Video). Chegou no finalzinho do ano, e é o que eu tô assistindo agora. Impressionante como eu não escrevi sobre The Americans ainda por aqui, porque quando ela estava no ar há uns anos era algo que eu não conseguia parar de falar sobre com meus amigos. Eu tô no início da segunda temporada agora, e amando como a série é bem sutil em transformar o drama da primeira (espiões que também são um casal com problemas conjugais) com o da segunda (pais que percebem que o trabalho deles coloca a vida de seus filhos em risco).
As cinco melhores coisas de 2020
Meus filmes favoritos de 2020
Eu comecei o ano querendo refazer um projeto que fiz no longínquo ano de 2013 de assistir um filme por dia e escrever um pouquinho sobre ele. Não acho que tenha sido um bom ano pra fazer essa escolha, aconteceu tanta coisa por tanto tempo que foi difícil de me concentrar pra ver filmes quando o mundo parecia acabar umas três vezes por semana, em média.
Mesmo assim, 2020 trouxe um bocado de filme bom. Eu tava comentando com uma amiga esses dias sobre isso. Eu passei os últimos dois ou três anos meio que iludido com cinema, numa espécie de exaustão. Eu via a maioria dos filmes por obrigação e não por curiosidade, como eu costumava assistí-los naqueles anos em que eu assistia filmes demais. Mas esse ano foi diferente. Esse ano teve tantas descobertas e estreias boas, que eu voltei a ficar curioso pra assistir os filmes que me recomendavam ou que eu lia sobre. Foi um péssimo ano pro cinema, mas foi um bom ano de filmes.
Foi, também, um ano complicado para eu resenhar filmes. Eu tenho cada vez mais dificuldade de escrever críticas em si1, e muito do que eu tenho a dizer sobre meus filmes favoritos do ano são observações bem mais pessoais. Por alguns meses eu fiquei batalhando essa sensação para encontrar algo que eu pudesse resenhar, mas no fim das contas eu acabei desistindo. Eu acho eu não sou um bom crítico, que consegue ver o lugar de uma obra no contexto em que ela foi criada, mas me acho um bom observador de alguns aspectos da cultura. O que você vai ler aqui são muito mais observações do que fazem esses filmes especiais pra mim, do que avaliações sobre como eles fazem.
Uma última observação, como toda a lista de filmes precisa ter. Essa lista compreende os filmes assistidos em 2020 que a gente pode considerar como “estreias”, então alguns filmes de anos anteriores que só foram lançados em 2020 podem acabar entrando nela. Eu costumo fazer uma segunda lista de descobertas, com filmes lançados em outros anos e que eu descobri agora, lá no Letterboxd.
Retrato de Uma Jovem em Chamas (Céline Sciamma, 2019)
Eu me apaixonei por Retrato de Uma Jovem em Chamas como eu me apaixonei pelos meus outros filmes favoritos: de supetão, sem perceber.
Eu não tinha ideia do que eu estava prestes a experimentar, e o clássico instantâneo de Céline Sciamma tirou meu chão. Uma história de amor e de idílio, de descoberta e de afirmação, em que três pessoas conseguem criar um lugar onde elas podem estar livres de todo o resto, e descobrir o que é amar — porque era assim que histórias de amor precisavam ser vividas há não muito tempo.
Eu não sei o que eu esperava antes de assistir Retrato de Uma Jovem em Chamas. Eu não esperava ser tão incapaz de falar sobre esse que é o meu filme favorito em anos, o que tirou meu chão e fez meu coração bater mais forte como Estrada da Fúria fez lá em 2015. É um dos meus grandes filmes, e se todo o resto de 2020 não deu muito certo, pelo menos isso — esse encontro desse filme comigo — é perfeito.
First Cow (Kelly Reichardt, 2019)
First Cow é aquele feito que acontece quando um grande diretor está em total controle daquilo que sabe: é o filme mais acessível de Kelly Reichardt, ao mesmo tempo que é a melhor execução de suas ideias até aqui.
É uma comédia de amigos, um filme de culinária e uma fábula anti-capitalista sobre dois amigos que decidem roubar o leite da primeira vaca à chegar no interior dos Estados Unidos para vender quitutes. Reichardt é uma mestra de pegar ideias simples e estendê-las até revelar uma experiência humana em comum. Em First Cow, ela pega tudo isso para fazer um dos melhores faroestes modernos e observar de onde o coração dos Estados Unidos veio, e quem sabe enxergar onde ele está indo. Como todo o filme de Reichardt, é revelador.
As Mortes de Dick Johnson (Kirsten Johnson, 2020)
Depois de fazer um dos documentários mais lindos que eu já vi com Cameraperson, a diretora Kirsten Johnson faz algo ainda mais legal: ela impede a morte.
E em As Mortes de Dick Johnson ela faz parecer ser fácil tornar o seu pai, o querido Richard Johnson, em um imortal, mas o documentário é um daqueles filmes que são bons de assistir, mas que escondem uma complexidade estrutural bem na nossa frente. A diretora não impedirá a morte de seu pai — a arte não nos dá esse poder — mas ao olhar ela de frente, ela tem uma daquelas epifanias que a gente acha que só um personagem do filme de Bergman jogando xadrez com a Morte pode ter: ela percebe o que seu pai é ainda quando está vivo. A morte se torna apenas mais uma etapa que Richard Johnson vai enfrentar antes dela.
Tinha tudo para ser um filme triste, mas As Mortes de Dick Johnson olha para a morte tão de frente que o filme acaba se transformando em uma ode à vida de Richard, e como a nossa oportunidade de sermos humanos nesse mundo é tão breve e especial. A forma como Johnson faz a morte de seu pai se transformar em um paradoxo temporal com seu final é um dos maiores feitos que eu já vi em um filme.
Lovers Rock (Steve McQueen, 2020)
Eu sabia que Steve McQueen sabia filmar a beleza. Por mais sombrios que sejam seus filmes, eles sempre possuem esses breves lampejos de beleza e de felicidade. O que eu não sabia era que Steve McQueen poderia mergulhar nessa beleza e nessa felicidade e fazer um dos filmes mais lindos que eu já vi.
Um filme-protesto escondido dentro de um filme de festa (parecido com o que US Go Home fez, mas ainda mais belo e mais furioso), Lovers Rock é uma noite na vida de uma festa da comunidade de West India em Londres, e como o simples fato de se sentir feliz é um necessário ato de rebeldia, em que cada dança que McQueen captura em seus planos longuíssimos é um ato revolucionário. E ainda tem espaço para o amor que surge em um júbilo desses.
Soul (Pete Docter e Kemp Powers, 2020)
Cai para Pete Docter a responsabilidade de fazer a Pixar voltar às premissas criativamente ilimitadas, e o resultado é o melhor filme do estúdio desde Divertida Mente — uma jornada belíssima em busca do que move nossas vidas no mundo. Como o filme anterior de Docter, Soul traduz conceitos difíceis em jogos visuais criativos e em um bom humor afiado, mas é na jornada do músico/professor Joe Gardner em entender o que é (e os limites) do propósito e de nossa missão na vida que Soul mostra seu melhor lado. É um dos poucos filmes de 2020 que eu queria que fosse mais longo.
Além disso, é o filme que mais dói assistir em 2020. A Nova York que a Pixar cria aqui é repleta daqueles detalhes que nós observamos no nosso lar quando nos sentimos vivos: a conversa de pessoas estranhas na rua, o farfalhar das árvores, os encontros do acaso… Soul é uma ode aos verdadeiros momentos que definem nossas vidas, e bate forte quando Joe finalmente abre os olhos para toda essa vida ao redor dele.
Uma Vida Oculta (Terrence Malick, 2020)
Depois de uma década explorando um cinema mais improvisado, Terrence Malick volta ao cinema narrativo tradicional com Uma Vida Oculta, seu filme mais coeso desde Terra de Ninguém, em que retrata a vida e o cárcere do fazendeiro Franz Jägerstätter, que se recusa a expressar seu apoio por Hitler na Áustria em meio à Segunda Guerra.
Mas Uma Vida Oculta não deixa de ser um filme puramente malickiano, que traz a forma mais orgânica dos seus filmes mais recentes e os eleva à beleza de imagem alcançada em seus clássicos como Além da Linha Vermelha e Cinzas do Paraíso. Malick usa essa beleza inquestionável (a natureza parece se curvar à própria beleza em determinados momentos) para ressaltar a brutalidade do mal, aquele visível e invisível, e enxergar as pequenas ações heroicas que precisamos fazer para lutar contra ele.
Demorou quase uma década para Malick encontrar seu ritmo de novo, mas o encontrou em um dos seus melhores filmes, e o mais pungente até aqui.
A Despedida (Lulu Wang, 2019)
Chegando atrasado por aqui e sendo lançado direto em streaming, A Despedida é um dos melhores filmes que eu vi esse ano e uma das minhas maiores tristezas: Lulu Wang é uma diretora que preza pelos close-ups, mas aqueles close-ups onde cada detalhe do rosto é subitamente interessante e revelador, e não poder assistir esse filme na tela grande que ressalta esses traços é de partir o coração.
A Despedida pega uma história (real) um tanto absurda — a mentira que a família precisa contar para a matriarca, que está com câncer, para ela não precisar se preocupar com a vida — e revela com carinho e fascinação uma dessas realizações difíceis de termos na vida: que fazer parte de uma família é um jogo simples e complexo ao mesmo tempo, que ser parte de uma herança cultural é algo difícil de compreender, mas fácil de ser. E faz tudo isso de uma forma orgânica e emocionalmente honesta.
Undine (Christian Petzold, 2020)
Christian Petzold é um dos meus diretores em atividade favoritos, e depois das obras-primas Fênix e Em Trânsito ele decidiu fazer um dos experimentos que eu mais gosto: recontar um mito antigo nos dias atuais.
Em Undine, isso não parece acontecer, até que acontece. Undine é uma historiadora nos museus de Berlim, contando do passado da cidade para turistas e estudantes. Mas quando um imprevisto acontece o mito a alcança, e Undine explora como mitos como esse podem funcionar — e até mesmo revelar facetas novas — em um mundo que há muito tempo já se desencantou por eles.
Undine está longe de ser um dos grandes filmes de seu diretor, ao mesmo tempo que é inconfundivelmente um filme de Petzold: não há um plano a mais, uma cena desnecessária, embora o filme nunca pareça estufado ou correndo para dar conta de tudo o que precisa falar. É um filme orgânico, em que um mestre explora um novo gênero para onde ele pode estender suas imagens enigmáticas e seus temas favoritos.
Adoráveis Mulheres (Greta Gerwig, 2019)
Greta Gerwig comprova que é uma das melhores novas diretoras hoje com sua adaptação corajosa de Adoráveis Mulheres, que reconstrói eventos do livro oferecendo uma nova ênfase.
É um amadurecimento técnico e temático de Lady Bird e Frances Ha, mas que só ressalta o que Gerwig sempre teve: um conhecimento máximo de como fazer todos os personagens em cena importarem, e como levar os pequenos confrontos que compõem a vida deles no filme com a importância necessária. Adoráveis Mulheres comprova o domínio completo de Gerwig sobre seus filmes, e sua herança de Jonathan Demme.
Assim como o diretor de Silêncio dos Inocentes, Gerwig pode desorientar a história, mas nunca o espectador. Adoráveis Mulheres remonta os eventos dos dois livros de Louisa May Alcott para abrir os desejos e frustrações de seus personagens de forma mais dinâmica. O que torna seus sonhos mais bonitos, e suas frustrações mais difíceis.
American Utopia (Spike Lee, 2020)
David Byrne não tem mais um, mas dois dos filmes concerto mais mágicos do cinema. Com American Utopia, ele se une ao diretor Spike Lee para adaptar seu show-transformado-em-peça-na-Broadway em uma reafirmação de sua carreira. Um espetáculo ao mesmo tempo realista e otimista em relação ao estado das coisas nessa desgraceira de ano, que vê tanto onde falhamos quanto o que podemos fazer para reconstruirmos o que for necessário agora que a era Trump parece acabar.
E, além de tudo isso, é um bocado de música boa. É como passar um tempo bom com seus amigos lembrando de bons momentos. As letras enganosamente simples de Byrne revelam a exaltação que é estar vivo, e se tem um momento em que a gente precisa lembrar como é lindo e estranho poder experimentar a vida, é quando ela parece tão distante como agora.
O Preço da Verdade (Todd Haynes, 2019)
Duvide de quem achar que O Preço da Verdade é um filme menor de Todd Haynes. Tem seus problemas na forma de “filme baseado em fatos reais”, mas Haynes é um desses diretores que consegue exprimir na tela a decomposição da saúde de seus personagens ao mesmo tempo que revela a podridão da cultura que os cerca.
O Preço da Verdade é também uma continuação dos temas queridos de Haynes, e observa como os tentáculos de mega-corporações regem nossas vidas não através do mero didatismo, mas de como o corpo e a mente de seus personagens definham enquanto o processo legal contra uma empresa química se prolonga por anos. Embora seus eventos sejam bem antes da era Trump, Haynes parece preciso em seu ataque: os efeitos de um governo que afrouxou ainda mais as rédeas de grandes corporações só serão sentidos em muito tempo — e, na grande maioria dos casos, tarde demais.
A Vastidão da Noite (Andrew Patterson, 2019)
Minha maior surpresa do ano, A Vastidão da Noite é um filme que une tantos elementos do que eu mais gosto que me faz questionar se ele não é, de fato, o resultado de uma dobra espaço-temporal.
É uma apreciação de um momento em que a tecnologia ainda estava envolta em mágica e mistério, e uma vitrine para pessoas contarem histórias. O que começa como uma noite onde eventos estranhos acontecem em uma cidade pequena se torna em um belo filme sobre compartilhar histórias sem saber se elas serão acreditadas ou não. Une-se a isso interferências no rádio, problemas de conexão e distorções de frequência em meio a uma cidade onde pode ou não existir experimentos militares, e você tem uma ficção científica fascinante e atemporal. Esse é um novo favorito cult.
O Ninho (Sean Durkin, 2020)
Nove longos anos depois do seu filme de estréia, o excelente Martha Marcy May Marlene, Sean Durkin está de volta com um drama sobre uma família às vésperas de uma implosão.
A direção fria e inabalável de Durkin (que com apenas dois filmes na carreira já conseguiu definir traços estéticos) torna a crise doméstica da família em um filme de casa assombrada muito como Andrew Haigh fez em 45 Anos — portas se fecham e se abrem sozinhas, sons ecoam pelos seus corredores…
É a dinâmica entre Jude Law e Carrie Coon, a rainha da nuance, que eleva O Ninho — ele é uma força que não consegue parar, e ela é o alicerce que até então segurou tudo na vida dele. Ao invés de deixar esses traços definirem seus personagens, Durkin permite aos atores espaço o suficiente para eles se transformarem. O Ninho captura perfeitamente a complexidade dessa dinâmica, em que sentimentos não são constantes, e são geralmente contraditórios — a raiva compartilha espaço com o amor, a insegurança compartilha espaço com o carinho.
O Som do Silêncio (Darius Marder, 2019)
Um poderoso tour-de-force de um baterista de uma banda que começa a perder a audição, O Som do Silêncio é um filme comovente, mas não porque romantiza a surdez ou a aceitação. Darius Marder observa muito mais a jornada interna de Ruben do que das pessoas ao seu redor, e apenas quando ele se abre (em uma performance arrebatadora de Riz Ahmed) que o filme nos permite ver a comunidade que ele atraiu para o seu entorno.
O Som do Silêncio é um daqueles acertos difíceis, emocionalmente maduro para não cair no clichê do “filme de superação”, mas nunca imponente demais para se tornar inacessível. É um filme que mergulha no estado de sensações de seu protagonista — com a ajuda de um design de som excelente — para observar seus anseios e suas dores de perto, e em dramas assim não precisa se dizer nenhuma palavra a mais. A jornada está toda no corpo de Ruben, que nunca escapa o olhar fascinante de seu diretor.
Kajillionaire (Miranda July, 2020)
Ao mesmo tempo o filme mais acessível de Miranda July, e sua maior conquista como diretora até aqui, Kajillionaire conta a história de uma família de golpistas mega-estranhos em Los Angeles que, ao fazer parceria com uma garota normal, veem a sua estrutura familiar ser fundamentalmente abalada.
Como os filmes anteriores de July, Kajillionaire é tão estranho quanto seus personagens, um filme que mistura comédia com melancolia e com uma forte carga emocional sobre pais e filhos que nunca conseguiram se conectar. É absurdamente bem dirigido e bem atuado, em que cada cena revela um pouco das dinâmicas que mantiveram a família unida até ali, enquanto assistimos essa dinâmica ruir. Ao mesmo tempo, July consegue modular essa estranheza a ponto de ela fazer parte da história e não interrompê-la (como aconteceu com O Futuro), fazendo o clímax do filme bater mais forte, porque a gente não consegue ver de primeira onde bateu.
Boys State (Jesse Moss e Amanda McBaine, 2020)
Quem diria que um filme da Apple TV+ estaria nessa lista, mas voilà2.
Ao final de Boys State, eu estava de queixo caído. O que começa como um documentário sobre uns garotos brincando de serem políticos termina como um triste retrato de como políticos jovens percebem o quão fácil, e como compensa, cair nos vícios de corrupção e mentira que regem aquilo que eles almejam substituir. Isso sem perder o ritmo: o evento se passa em uma semana, e o filme é dinâmico e se transforma em uma bola de neve com facilidade, com pequenas escolhas de seus personagens desembocando em momentos decisivos na corrida final. É um retrato tão inteligente e desolador do ambiente político americano atual que é difícil de não perder o chão.
A Assistente (Kitty Green, 2019)
O poderoso um dia na vida de uma assistente de um magnata do cinema de Kitty Green, A Assistente é um filme corajoso e poderoso que pode vir a definir os filmes da era do movimento #MeToo.
A forma minimalista com que o filme revela a corrupção e a sujeira do escritório torna a atmosfera de A Assistente em desoladora, e o filme não tira o pé do acelerador até o fim, em um retrato silencioso e destrutivo de como uma jovem é removida de seu poder e de sua capacidade mental de poder evitar que o pior aconteça. É desolador e essencial.
Time (Garrett Bradley, 2020)
O poderoso documentário sobre uma Sibil Fox Rich, uma mulher que luta por mais de vinte anos pela liberdade do marido, condenado a 60 anos (!) por assalto à mão armada, Time usa sua construção como uma viagem no tempo para passar pelas várias batalhas que Rich enfrenta, suas derrotas e suas vitórias. É um documentário poderoso e imenso em escopo — a própria documentada ofereceu mais de uma década de material filmado por ela mesma para o projeto —, ao mesmo tempo íntima e épica sobre o racismo estrutural nos EUA, o sistema penitenciário como resquício da escravidão e, mais poderoso ainda, o retrato de uma ausência. A ausência do marido e do pai é palpável já no início, mas o vazio que assume uma parte considerável da vida dos filhos é de partir o coração.
Mank (David Fincher, 2020)
À primeira vista, Mank é muito menos que a soma de suas partes. O drama de David Fincher sobre a escrita do primeiro tratamento de Cidadão Kane simula a estética e a estrutura do clássico de Orson Welles, mas seu impulso narrativo não têm o mesmo fôlego.
Mank funciona melhor, porém, como uma janela para todas as histórias que cruzam com o personagem principal — o filme é um excelente mapa tanto do contexto em que Cidadão Kane foi criado para ser revolucionário, quanto pros eventos que o clássico se inspira. É um filme amargo e cínico sobre a era dos estúdios de Hollywood, o machismo do star system, a corrupção política nos Estados Unidos, e sobre como o trabalho de alguns é ignorado quando cantamos os feitos de uma peça de arte. Não é um filme perfeito, e têm problemas grandes em seu último ato, mas a acumulação histórica que Mank cria, e a queda irremediável do seu personagem principal perante aqueles que ama, tornam esse um filme Fincheriano à altura, não importa o quanto ele tente simular Orson Welles.
Wolfwalkers (Tomm Moore e Ross Stewart, 2020)
Wolfwalkers une mitologia com aula de história, sentimentos selvagens com relações familiares, e faz tudo sendo acessível o suficiente para crianças. A história da amizade entre uma garota da cidade e uma garota-lobo da floresta que a cidade está destruindo são o que movem a animação belíssima do Cartoon Saloon, em que a selvageria dos sentimentos — algo que nos permitimos sentir quando crianças — é expresso em cores e movimentos belíssimos; enquanto ao fundo a invasão inglesa na Irlanda se desenvolve através do conflito cidade e natureza.
É emocionante e lindo, e aprende as melhores lições com o Estúdio Ghibli em se permitir expressar e sentir emoções grandes demais para personagens tão jovens — elas são fortes o suficiente para conseguir lidar com elas.
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Acho que você, meu caro leitor do Pão, já deve ter percebido isso, mas eu expliquei meus motivos pra isso lá por maio. ↩
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Eu escrevi isso antes de outro filme da Apple TV+ entrar. ↩
As coisas incríveis que meus amigos fazem
Eu gosto muito de estar próximo dos meus amigos. Antes desse ano, que me forçou a ficar longe deles, eu sempre estava com algum amigo. Seja conversando, seja trabalhando, seja fazendo absolutamente nada enquanto a gente fica sentado no sofá. Eu gosto de estar na companhia dos meus amigos, e sinto bastante falta deles.
Esse ano eu tive que aprender a passar o tempo e acompanhar meus amigos de jeitos diferentes, e um desses jeitos foi acompanhando o que eles fazem. Eu tenho muitos amigos que criam coisas incríveis, e vou aproveitar esse espacinho de internet que eu tenho aqui pra vocês conhecerem alguns deles.
Eu pretendo fazer mais posts assim daqui pra frente. É legal lembrar que eu estou cercado de gente inspiradora como meus amigos, e me sinto menos sozinho escrevendo pro Pão sabendo que logo aqui no lado desse espacinho virtual eu tenho amigos meus escrevendo, filmando, gravando podcasts e cozinhando.
Para ler: o blog da Jéssica
Eu comentei isso uma vez com a Jéssica: mas eu queria saber escrever tão bem como ela. A Jéssica escreve no Medium, e ler ela é uma das melhores coisas que eu fiz esse ano. Suas linhas são objetivas e ao mesmo tempo poéticas, e ela tem aquele dom que eu acho que um grande escritor tem que é a capacidade de fazer ligações entre as coisas que a gente acharia improvável — mas ela faz parecer real, às vezes até inevitável. São textos precisos sobre a experiência que é ser a Jéssica, mas também que é ser humano. Eu me surpreendi lendo Sinestesia, seu texto mais recente, que captura muito memórias da minha infância que eu não sabia que eu ainda tinha.
Para ver: os filmes do Leo
Eu já escrevi sobre o curta que o Leo lançou há uns meses, mas vale deixar um link para o canal do Fantasma do Espaço, que tem um longa e um outro curta também incríveis. Eu já falei lá no outro post, mas vale repetir: o Leo tem um olho único no cinema gaúcho, e talvez no cinema brasileiro, que geralmente é feito por gente “da cidade grande”, ou como alguém dessa cidade grande enxerga o interior. Os filmes do Leo são diferentes, são visões bem íntimas do interior do RS, onde natureza e cidade brigam por espaço.
Para ouvir: o podcast da Manu e da Luísa
A Emanuele e a Luisa, junto com a Roberta, fazem o podcast Cadê minhas Lésbicas. Eu trabalhei com a Manu há dez anos, e desde sempre eu sempre gostei de ouvir (e ler) o que ela tem pra dizer sobre qualquer coisa, e no último ano em que estamos distantes eu tenho o prazer de ouvir suas opiniões em seu próprio podcast. CMLês tem tudo o que um bom podcast de conversa pode ter: é honesto com suas participantes, é engraçado em uns pontos e surpreendentemente emocionante em outros. Como uma boa conversa mesmo. Eu particularmente amo o episódio em que elas dissecam o filme Carol — eu não canso de ouvir sobre esse filme.
Para comer: os pães e tortas da Taís e do Victor
Essa é uma dica mais regional, porque se você não estiver por Porto Alegre (e Santa Maria), provavelmente não vai poder experimentar, mas fica aí o link deles pra você ficar com inveja. A Taís e o Victor começaram a Taís Bakery esse ano — a qual já recebeu uma crítica aqui das fotos de uma das suas tortas. Quando eu preciso ir pra POA eu sempre me organizo para comprar um pão artesanal (divino) ou um cheesecake de paçoca (o qual é um crime e eles precisam ser investigados de tão bom). Eu geralmente gosto de reunir meus amigos para comer uma torta e umas bobagens no meu aniversário, mas como acho que mês que vem a gente ainda vai estar se isolando socialmente eu vou ter que comer essa Torta Brownie Brigadeiro sozinho. Uma pena.
Filmes estão com um problema de backstory
The Sims 4 acabou de receber sua maior atualização — e é das boas
The Sims 4 comemorou seis anos em setembro (meu primeiro post sobre ele é agosto de 2014, quando eu experimentei a demonstração), e é um jogo que vai muito bem, obrigado. De todas as tentativas da EA de transformar seus jogos em “serviços vivos”, The Sims 4 foi o que mais deu certo. O jogo recebe atualizações gratuitas frequentes, e pacotes de conteúdo pago a cada quatro a seis meses.
Eu passei os últimos dias experimentando a última atualização, lançada no último dia 7 de dezembro, e ela é a maior atualização de The Sims 4 nesses seis anos. Atualizações anteriores do jogo já adicionaram uma geração de vida inteira (bebês!) e piscinas, mas essa é a primeira atualização a mexer no Criar-Um-Sim, um recurso que até então esteve intocado desde o lançamento do jogo em 2014.
O CAS é, de longe, o melhor recurso do The Sims 4. Eu tenho meus problemas com essa geração, que tem mecânicas ótimas mas que nunca soube somar elas em uma jogabilidade interessante como The Sims 2 conseguiu, mas o CAS é um desses recursos que falam por si mesmo. É o melhor criador de personagens de um jogo, e é uma aula de design: é o criador de Sims mais poderoso de toda a franquia, e ao mesmo tempo é o mais fácil de usar. A modelação do corpo é toda feita arrastando e soltando, e o resultado são Sims realmente únicos.
Porém, até a última atualização, seus Sims seriam realmente únicos se eles fossem brancos. The Sims 4 passou os últimos seis anos com pouquíssimas opções de pele, e a grande maioria era variações de tons mais claros. Esse ano, com os protestos contra a violência policial e o racismo que explodiram nos EUA, vários desenvolvedores de jogos prometeram uma melhor representação negra na indústria e nos produtos. Pouquíssimas saíram das promessas, e a Maxis entregou uma mudança completa no CAS — uma que devia ter sido feita há muito tempo, por sinal. São mais de cem novos tons de pele, e todos possuem um slider para afinar o tom; melhorias nas texturas dos cabelos crespos; e controles de saturação e brilho para pele e maquiagem.
É uma atualização que muda o comportamento do recurso mais vital do jogo, e aquele que funciona melhor. Embora The Sims 5 já esteja oficialmente em desenvolvimento, a Maxis promete ainda mais cinco anos de atualizações e novos conteúdos para The Sims 4. Eu tenho minhas dúvidas se eles conseguem resolver problemas de jogabilidade tão fundamentais, mas são atualizações como essa que me fazem suspeitar que há uma chance.
Como sempre, as notas da atualização são gigantescas e bem humoradas.
Dua Lipa: NPR Tiny Desk (Home) Concert
Uma das minhas descobertas favoritas durante a pandemia foi o Tiny Desk Concert, pequenos shows realizados nos estúdios da rádio pública americana (NPR), em que uma banda ou um artista se apresentam por alguns minutinhos. É uma versão bem compacta e bem íntima de um show.
Durante a pandemia, as performances no estúdio da NPR estão suspensos, então o Tiny Desk Concert é filmado na própria casa dos artistas. Eu achei o ambiente perfeito para Dua Lipa, que se sente (literalmente) em casa cantando algumas músicas do seu novo álbum, o excelente Future Nostalgia.
Isso me faz lembrar: a rádio pública aqui no Rio Grande do Sul é a FM Cultura (107.7 FM em Porto Alegre) e a programação dela é incrível. Como tudo sob o governo do Bolsonaro (e graças ao panaca do Sartori), a FM Cultura está em perigo e precisa da nossa ajuda.
Paris, Texas é o filme do dia do MUBI
Quando eu vi Paris, Texas pela primeira vez, em 2014, eu terminei o filme pensando que ele era o melhor filme que eu já vi. Em meus melhores dias, eu ainda penso isso. O filme começa com a história de um homem andando sozinho pelo deserto do Texas, e se transforma em uma jornada pelo coração do sonho americano — um sonho que talvez nunca tenha sido realidade, mas seus fantasmas estão por todo o lugar.
Paris, Texas acaba de entrar na programação do MUBI — ele ficará disponível pelos próximos 30 dias —, e é o primeiro filme do especial Wim Wenders: Viagens Sem Volta, uma retrospectiva dos filmes de estrada do diretor alemão, fascinado por estradas sem fins e becos sem saída. Deles, Paris, Texas é seu filme mais conhecido — ele é um dos poucos filmes a levarem à Palma de Ouro no Festival de Cannes com a lendária “unanimidade do júri” —, mas a mostra possui outros filmes fantásticos como Alice nas Cidades e O Amigo Americano.
Muito do que a gente considera “filme-de-estrada” hoje nasceu nesse cinema de Wim Wenders — a descoberta de quem somos é formada por aquilo que é constante nos lugares que cruzamos. São filmes sobre solidão e sobre a falta de rumo que podemos nos encontrar na nossa vida; mas também sobre o imenso espaço que podemos cruzar para encontrar aqueles que são importantes para nós.
Enfim, Paris, Texas é o filme do dia do MUBI. É um dos meus filmes favoritos também, e recomendo a você se deixar levar nessa viagem.
Esse é o Super Nintendo World
A Nintendo finalmente divulgou as primeiras imagens do parque temático baseado nos jogos da empresa, que deve abrir nos parques da Universal em Osaka, no Japão, em fevereiro do ano que vem.
O Super Nintendo World deveria ser aberto esse ano, depois de cinco anos de planejamento. No início do ano a Nintendo divulgou um trailer do que a gente poderia esperar, mas não nos mostrou nada do parque em si. Tudo o que a gente sabia vinha de imagens aéreas que apareciam pela internet e eram sumariamente removidas pela Nintendo logo depois. O ano do fim do mundo tá quase acabando, e pelo visto eles quiseram aproveitar pra dar uma boa notícia e nos mostrar como está ficando:
A Universal Studios também divulgou uma promo do parque:
E a Bloomberg divulgou um pouco do que viu na prévia concedida para a imprensa:
Japan's #SuperNintendoWorld will open on Feb. 4, 2021 in Osaka.@rumireports gets a world’s first look at @USJ_Official's real-life #Mario Kart. More: https://t.co/T9nUMnB1UB #任天堂 pic.twitter.com/oZku1gwQTj
— Bloomberg Quicktake (@Quicktake) 30 de novembro de 2020
Enquanto isso eu gostaria de aproveitar esse momento para divulgar minha campanha de doação para realizar meu novo projeto de vida que é me mudar para o Japão.
A morte de um cinema de rua
Por conta própria, ao longo de oito anos nós já tínhamos recebido cerca de 15 mil crianças vindas de escolas municipais. As sessões sempre aconteciam de manhã, fora do horário comercial, e a gente combinava tudo com as professoras dessas escolas. Funcionava muito bem. Nós juntamos os dois patinhos feios da indústria – o documentário e o cinema de rua – com propósito educativo. Isso deveria ser replicado por outros cinemas no Brasil. Há um monte de documentários espetaculares que são ignorados pelo circuito convencional. A gente passava filmes sobre o Rio São Francisco, sobre a Amazônia… Só filmes brasileiros. Nesses dias eu fazia questão de operar o projetor e receber os alunos pessoalmente no cinema.
E agora esse projeto tinha virado política pública. É o que sempre deveria ter sido. A gente começou a receber um subsídio de 10 mil reais por mês da prefeitura. Um dinheiro modesto, que servia para pagar o aluguel da sala, basicamente. Depois que assinamos essa parceria, a Secretaria de Direitos Humanos pediu que a gente também fizesse sessões para idosos e adolescentes que moram em abrigos. Foi muito legal. Nossa rotina passou a ser assim: crianças de manhã, idosos e adolescentes à tarde. À noite, muitas vezes fazíamos saraus e apresentações de música na sala de cinema.
Porto Alegre não tem cinema de bairro, mas só no centro da cidade tem três cinemas de rua. Um deles, o Vitória, já fechou no ano passado. As cinematecas do Capitólio e Paulo Amorim estão fechadas por conta da pandemia. São as salas que eu frequentava no meu dia-a-dia. Eu morei a algumas quadras da CCMQ e, naquele tempo, eu ia lá religiosamente depois do trabalho, de terça à sexta.
Esses espaços são muito especiais, como pequenos oásis onde a cultura pode agir por conta própria, e tem sido duro ver o descaso do governo em oferecer suporte à elas nesse momento — e, no caso do Joia, a facada nas costas que fechou a sala de vez.
American Utopia me ajudou a lembrar que a gente ainda está vivo
O Internet Archive está preservando jogos e animações em Flash
O Flash foi uma daquelas tecnologias tão fundamentais quanto odiadas da juventude da internet: era um jeito fácil e simples de criar animações e jogos complexos que podiam ser jogados num navegador, na época em que a tecnologia básica da internet — o HTML, o CSS e o JavaScript — estavam começando a amadurecer. Sites usavam Flash para criar efeitos e animações complexos, e portais como o Kongregate, o Miniclip e Newgrounds hospedaram centenas de jogos feitos com essa tecnologia com o passar dos anos.
Entre 2007 e 2010, quando o iPhone se firmou como uma plataforma na qual os desenvolvedores precisavam prestar atenção (e, eventualmente, seria o centro da atenção), o Flash encontrou seu pior inimigo: Steve Jobs, que anunciou que o iOS não ofereceria suporte à tecnologia. Gradualmente, a Adobe encerrou o suporte da tecnologia, primeiro nos celulares — no início dos anos 2010, o Android usava o suporte ao Flash como um de seus recursos notáveis contra a concorrência — e, no fim desse ano, em todos os outros dispositivos.
Você provavelmente já tem o Flash desativado há anos no seu navegador. O Chrome, o Firefox e o Safari não o ativam por padrão desde meados de 2015. Existem bons motivos para isso: o Flash é pesado, lento e propenso à brechas de segurança, por causa do seu código fechado. Ele certamente não é o futuro da web, uma vez que as tecnologias fundamentais da internet amadureceram e, em muitos sentidos, superaram o que o Flash podia fazer. Mas ele foi fundamental para tornar a web criativa e interativa nos primórdios, e uma boa parcela da internet vai ser perdida quando o Flash parar de funcionar no fim do ano, uma parcela que consiste em experiências únicas que desbravaram a web antes de todo mundo. O JavaScript voa hoje porque o Flash tropeçava e caía.
É por esse valor inestimável à história da internet que o Internet Archive começou a hospedar um arquivo de jogos e animações em Flash. Usando um emulador chamado Ruffle, o Internet Archive é capaz de armazenar e executar esses softwares no seu navegador sem a necessidade de nós instalarmos um software desatualizado e sem suporte. É uma das várias iniciativas incríveis do IA, que preserva a história e a evolução da internet enquanto algumas gigantes por aí tentam apagá-la para colocar um novo parquinho de anunciantes no lugar.
Boas notícias: em breve, o emulador Ruffle será lançado como uma extensão para navegadores — mais leve, mais ágil e mais seguro do que instalar o Flash no seu computador —, permitindo que todos esses sites e portais de jogos em Flash que poderiam parar de funcionar no fim de 2020 possam continuar existindo e hospedando essa parte importante da internet.
Episódio 10 – com Victor Silva
O Victor e eu nos sentamos pra conversar sobre como a gente desbravou o mato que era a internet no início dos anos 2000.
Você pode encontrar o Victor no Twitter, em @amobrejas e no Instagram, em @vicaobaker.
Esse é o último episódio do Pãodecast nesse ano, mas eu já estou gravando conversas para o ano que vem. Quer participar? Envie uma mensagem e vamos combinar um dia.
Como é que eu vou falar de Betty?
Eu não entendo nada de skate. Antes de Betty, eu sequer achava skate interessante. Vai ver eu posso começar por aí, porque Betty é um daqueles achados que eu tenho na minha vida que expandem o mundinho dentro da minha cabeça. Eu nunca achei que eu ia me interessar por uma série sobre um grupo de skatistas, e agora Betty talvez seja minha série favorita desse ano.
É o seguinte: Betty é uma “dramédia1” da HBO sobre um grupo de mulheres skatistas em Nova York. É difícil de dizer sobre exatamente, porque embora Betty tenha uma trama (e uma trama muitíssimo bem construída, quando você para para pensar nela), a série parece ser muito mais observacional do que dramática. Cada episódio da primeira temporada é mais ou menos um tempo em que a gente fica assistindo essas garotas passarem o tempo juntas. Seja procurando um lugar para andar de skate, seja dando uma volta procurando algo bom para comer ou tentando encontrar uma mochila esquecida no parque.
E esse é o bacana de Betty, é genuinamente uma série de garotas passando o tempo juntas e descobrindo um pouco sobre como elas gostam de passar o tempo — e como o sexismo e o racismo que está sempre no fundo acaba afetando esses momentos que elas têm. Betty acompanha essas garotas em um momento difícil de capturar de forma narrativa — aquele momento em que firmarmos nossas amizades, descobrimos nossos primeiros amores, e gastamos nosso tempo livre com coisas que não têm muito sentido aos olhos dos outros. Aos olhos delas, porém, andar de skate faz todo o sentido, e Betty é extremamente eficaz em tornar a conquista delas pela liberdade e autodescoberta que é andar de skate pela cidade.
Betty age de forma tão sutil que é fácil achar que nada está acontecendo. Como cada episódio retrata um momento específico (uma briga de bar, uma sessão de fotos, e assim vai) do grupo, mas a série está justamente observando como cada uma das garotas reage à emoções sísmicas em seu dia-a-dia: como Camille não quer ser “reduzida” à uma “garota skatista” no meio dos homens, ou como Janay precisa enfrentar sua relação com um amigo problemático (ou algo ainda pior). Ao observar esses pequenos momentos entre elas sem adicionar muito mais drama externo, Betty permite que a gente observe os sentimentos bastante íntimos de alegria, tristeza, traição e companheirismo em pessoas que ainda não sabem exatamente o que estão sentindo, e como estão sentindo, em uma época da vida onde há muita descoberta a cada segundo. Betty não entrega essas descobertas em conclusões fortes porque nunca precisou formar um enredo com elas em primeiro lugar. Esses sentimentos são confusos e nem sempre são bonitos, e é a honestidade com que a série entrega eles que a torna especial.
A criadora e diretora da série, Crystal Moselle, trouxe esse grupo de atores não-profissionais do seu filme Skate Kitchen, que tem algumas semelhanças com o enredo da série. O filme é excelente, mas é em Betty que Moselle pode mostrar o quanto ela entende a vida dessas garotas, e como é difícil para elas viverem da sua paixão em meio ao arcaico “mundo dos homens”. Com sua câmera que navega entre essas garotas, Moselle consegue capturar todos os pequenos momentos de felicidade que essa luta constante trazem — uma piada, um choro, o milhão de memórias que se formam com uma companhia perfeita —, e que incentivam elas à continuar tentando. É o que traz à Betty sua linda espontaneidade, da descoberta do que pode ser viver livremente.
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Um professor meu dizia que o melhor nome para esse tipo de história era “tragicomédia”. Eu concordo, mas acho o termo carregado demais. Nas séries da HBO especificamente, dramédia são todas aquelas séries que não são necessariamente comédias, mas respeitam os trinta minutos típicos do gênero. É algo bem específico porque torna o drama mais eventual, e eu gosto muito. ↩
As Mortes de Dick Johnson
Nada que é dourado permanece
Meu amigo Leo Michelon colaborou com o diretor e crítico Giordano Gio em Nada que é Dourado Permanece, um vídeo-ensaio sobre os ritos de iniciação presentes no cinema gaúcho.
É comum, quando a gente estuda cinema, procurar aspectos semelhantes em um cinema de determinada época ou de determinado local. Geralmente essas épocas são alguma década no início dos anos 1900 e o local geralmente é algum país da Europa, mas eu acho fascinante quando a gente para e olha o cinema que é feito perto de casa, e como ele captura e revela a nossa relação com o lugar que a gente vive. É um trabalho importante, e fico feliz que tá sendo feito — e tá sendo feito muito bem, o vídeo-ensaio é muito bom de assistir, dá seu tempo para a gente ouvir, ver e entender sem ser maçante.
Como ficar sozinho e como ficar em casa
A diretora Andrea Dorfman e a poeta Tanya Davis estão colaborando em pequenos projetos para o National Film Board do Canadá com os curtas How to be Alone e How to be at Home:
Uma das várias coisas que eu descobri no isolamento social é que ler poemas acalma minha mente e me faz pensar mais devagar. Esses curtas refletem bastante essa descoberta.
Episódio 9 – com Guilherme Novello
O Guilherme e eu tiramos a noite pra conversar sobre sonhos (aquele tipo que a gente tem quando dorme).
Você pode seguir o Guilherme no Twitter e no Instagram.
A primeira temporada do Pãodecast acaba no próximo episódio. Se você quer conversar sobre alguma coisa, a nova temporada chega em algum momento do ano que vem. Me envie uma mensagem e vamos marcar nossa conversa. ☕️
Minha longa jornada até Earthbound
Eu tenho muita dificuldade de jogar RPGs. Eu nunca joguei os de mesa, eu estou falando especificamente dos videogames nesse caso. Eu sou um jogador muito lento (muito mesmo), e tenho muita dificuldade de adentrar um jogo com um tutorial de algumas horas, porque eu posso muito bem passar meses progredindo muito pouco (eu acho que metade dos meses que eu passei fazendo o ranking do Zelda foi nos tutoriais de Twilight Princess e Skyward Sword).
Some a isso meu desinteresse pelo tom da maioria dos Final Fantasy recentes e meu afastamento progressivo de Pokémon, os únicos RPGs que eu gostava de jogar há um tempo, e eu comecei a achar que esse tipo de jogo não me interessava mais. O problema é que eu gosto de jogos com boas histórias. Tá cheio deles por aí em aventuras e em jogos de mundo aberto, mas tem um tiquezinho que é diferente em RPGs, aquele tipo de história crescente e sem vergonha de ser grandiloquente.
Então eu passei os últimos quatro, cinco meses anos dessa quarentena jogando várias contra-propostas de RPGs. Eu joguei moon RPG Remix, que eu gostei muito. Eu joguei (de novo) Undertale, um jogo que meus amigos gostam mais que eu. Eu joguei o charmoso Guildlings do Apple Arcade também. Todos eles me ofereceram alternativas aos combates aleatórios e a estética medieval dos RPGs que eu estava acostumado. Foi bem bom.
Daí eu finalmente cheguei no que eu já imaginava ser o meu destino quando eu comecei essa busca: Earthbound.
Earthbound é, pros videogames, o que Brilho eterno de uma mente sem lembranças é pro cinema: é um favorito cult, apreciado fervorosamente pelos poucos que experimentaram na época, e que gradualmente foi sendo descoberto por mais pessoas, que se inspiraram nele para criar outras obras. Earthbound é um dos legados mais estranhos da Nintendo: é um jogo japonês que se passa no interior dos Estados Unidos num misto de anos 90 e futuro próximo — e comenta e homenageia e debocha a cultura americana em igual medida.
Não é necessariamente uma leitura fiel dos EUA, mas é uma boa visão do que os EUA representam para o seu criador, Shigesato Itoi, em um dos jogos mais “autorais”1 da história da Nintendo, sobre a aventura de um grupo de crianças tentando salvar o mundo de uma ameaça alienígena que pode acometer a Terra no futuro.
Eu caí de amores por Earthbound na introdução:
Acho que dá pra tirar tudo o que é excepcional de Earthbound direto dessa intro. É um jogo produzido no que talvez seja o videogame mais bem servido da Nintendo, o SNES, mas não é um grande sucesso como A Link to the Past, Super Metroid ou Super Mario World. Não: é um punhado de referências da cultura japonesa e da cultura americana que eram bastante especiais para seu criador. A introdução me lembrou na hora das séries de aventura que passavam na Nickelodeon no final dos anos 1990, com uns adolescentes desvendando crimes ou explorando ruínas misteriosas enquanto também conseguiam conciliar os estudos e os horários dos pais. Não é que seja bobo, mas não se leva tão a sério, e existe esse tom perfeito naquilo que sabe exatamente o quão especial é por ser divertido.
Ao mesmo tempo, Earthbound é imprevisível. É um jogo direto ao ponto, mas que adora se estender em tangentes estranhas; que sempre deixa o jogador à espreita de uma surpresa — seja uma morte inesperada do que parecia ser um personagem principal, ou de um detalhe ousado que você não esperava ver em um jogo com classificação livre como esse. É de virar qualquer um de ponta cabeça.
E também é um jogo que contradiz Miyamoto em sua missão com game design. O criador do Mario é conhecido por priorizar mecânicas de jogabilidade antes de tudo em um jogo, e o seu histórico realmente torna difícil de questioná-lo. Quem quer uma história atrapalhando as mecânicas de jogabilidade em Super Mario Galaxy, por exemplo? E ainda bem que Breath of the Wild deixa o jogador procurar a história nos cenários, ao invés de fazer ele engolir cutscenes à torto e a direito.
Ainda assim, Earthbound consegue manejar um equilíbrio entre as mecânicas do RPG e a história, o que é um problema que sempre me afetou no gênero, onde detalhes característicos desses jogos me incomodaram: histórias param porque um evento aleatório apareceu no mundo, ou você não constrói nenhuma ligação com determinado personagem se não buscar uma missão paralela lá no início do jogo.
Earthbound é diferente: é um jogo de mecânicas de RPG extremamente básicas — stats são quase irrelevantes até determinado ponto, você encontra batalhas aleatórias que são literalmente cachorros de rua andando soltos por aí, etc. Mas tudo nesse jogo funciona no balanço entre essas mecânicas simples e como elas são apropriadas pela história do jogo, com suas trocas de perspectivas que redefinem as habilidades dos personagens, as quebras de quarta parede, e o humor que é empregado nos itens e nos locais que você vai conhecer. Não é a toa que esse a tradução e adaptação desse jogo para o ocidente fez a Nintendo fundar a Treehouse (o estúdio ultrassecreto de localização da empresa), é um trabalho maravilhoso.
Agora vou jogar a sequência, que dizer ser ainda melhor. Eu duvido.
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Eu talvez comente mais sobre isso no futuro, mas para uma produtora grande como a Nintendo, eu acho bem fascinante como a gente consegue identificar os traços e interesses dos seus autores maiores nas obras: Aonuma em Zelda, as várias direções de Super Mario com seus idealizadores, Miyamoto com Wii Sports, etc. ↩
Lexicografia Positiva
Lexicografia Positiva é um projeto iniciado por Tim Lomas que reúne palavras intraduzíveis de uma língua para outra que representam algo feliz.
“Saudade” talvez seja a mais conhecida palavra sem equivalência na língua portuguesa, mas meu carinho favorito, o “cafuné”, também pertence ao léxico. O japonês é especialmente bonito:
Koi no yokan (恋の予感)
The feeling on meeting someone that falling in love will be inevitable.
Ibasho (居場所)
‘Whereabouts’; a place where one belongs, fits in, can be oneself
Wai-wai (ワイワイ)
The sound of children playing.
O site é bem bacana de explorar, e provavelmente vou perder umas boas horas do final de semana nele. As palavras são categorizadas por idiomas e por temas (Estética, Saudade, Ambivalência, Amor, etc.) O The New Yorker publicou um artigo sobre a origem do projeto em 2016.
Via @tdbem, que complementou a lista com uma série de expressões igualmente adoráveis.
A Gaivota de Anton Tchekhov interpretada no The Sims 4
A dramaturga Celine Song, autora de Endings executou uma performance do clássico A Gaivota de Anton Tchekhov no The Sims 4, como parte do programa de “instigação” do New York Theater Workshop, para ajudar artistas durante a pandemia, enquanto os teatros estão fechados.
A performance é caótica e bonita, bem do jeito que as melhores jogatinas de The Sims são: os Sims nem sempre se comportam exatamente do jeito que Song quer, o que torna a execução da peça em algo inusitado e único — algo bem semelhante com uma performance ao vivo. Song explica melhor:
The Sims is a very interesting video game, because it attempts to simulate human life as it exists, the mundanity and all. In The Sims, we as players are both Gods and voyeurs. That seemed to closely resemble the experience of writing and watching a play as a playwright, but without the living, breathing humans as the actors.
Via Polygon. O artigo também tem um apanhado bem bacana de outras tentativas de usar videogames e espaços virtuais pra experiências teatrais.
Minha cena favorita de The Office
Essa é a minha cena favorita da versão americana the The Office:
Tem também aquela sequência maravilhosa do Dwight colocando todo mundo em uma simulação de incêndio e as pegadinhas do Jim. Mas essa, do protetor de tela do DVD, é a minha favorita.
The Office é uma daquelas séries que é bem clara desde o início: esse é um ambiente de trabalho meio bosta cheio de gente que não necessariamente gosta uns dos outros, mas em geral se suportam. Pra série funcionar, porém, ela precisa desvelar essa dinâmica como cotidiano. A versão americana de The Office é ótima nisso: embora tenha arrombos de humor absurdo e o humor-através-do-ódio que o Michael Scott interpretado pelo Steve Carell causa na gente; a série funciona, e só se manteve no ar por tanto tempo, porque com o passar dos episódios se descobriu ser uma série onde pequenos momentos de harmonia e de algo até parecido com felicidade podiam ocorrer.
A gente lembra do relacionamento do Jim e da Pam como um dos grandes eventos de The Office, mas é fácil de esquecer que ele só aconteceu na quarta temporada. São momentos como esse aí de cima que me tornaram fã da série, e que eu só reparei revendo ela nas últimas semanas. Tem o tom absurdo, tem o Michael Scott, mas The Office, no fundo, cria uma bela evolução de pessoas que convivem juntas por tempo suficiente na vida delas que acabam encontrando juntas breves momentos de beleza. Nem que seja no protetor de tela do DVD.
Uma imagem gigante da constelação de Órion
Ontem eu tava comentando com uma amiga sobre como eu amo ler e ver sobre o universo. As vezes chega a ser um problema sair de um vórtice da Wikipédia, em que eu passo sábados inteiros lendo sobre alguma nebulosa ou o que acontece quando duas estrelas se chocam, por exemplo. Eu acho fascinante, e não é algo que eu falo muito sobre.
Enfim, Matt Harbison é um astrônomo amador que, pelos últimos cinco anos, vem capturando uma imagem detalhada da constelação de Órion. Ele completou a imagem, e o resultado é esse mosaico de 2.5 gigapixel composto por mais 12.816 fotos. É legal de vasculhar a imagem à procura de algo que você já leu sobre, é parecido com aquela curiosidade que você tem de ver os lugares que você conhece em um mapa.
Via Kottke.
Kentucky Route Zero chegou ao fim
O trailer de MANK, o novo filme de David Fincher
MANK, o novo filme de David Fincher depois de um hiato de seis anos desde Garota Exemplar, finalmente recebeu um novo trailer. E se eu já tava com saudade de ir no cinema ver um filminho nesse isolamento social, esse trailer simplesmente me matou.
A textura da imagem, a forma que Fincher transforma o enquadramento, a montagem precisa, o tratamento de som… que saudade de ver um filme desse cara.
Chega na Netflix em 4 de dezembro, e em novembro em “cinemas selecionados”, se é que vamos poder ir neles até lá.
Episódio 8 – com Luiza Franken
Era um sábado de sol e a Luiza e eu sentamos pra conversar sobre o nosso dia-a-dia.
Você pode seguir a Luiza no Instagram, em @lufranken.
Se você quer participar de um episódio e conversar sobre qualquer coisa, envie uma mensagem!
Os contos de Raymond Carver
Um dos meus planos para 2020, lá no longínquo ano de 2019, era que eu ia voltar a ler mais. Eu fui uma criança que lia muito, mas quando eu entrei na faculdade eu magicamente parava de ler. É estranho, porque desde que eu me lembro eu estou sempre “lendo um livro”. Nos últimos anos, isso significava ler algumas páginas, ficar alguns meses sem ler, daí ler mais algumas páginas, e assim mais uns meses sem ler até terminá-lo. Mas eu sempre considerava que eu tava lendo um livro. Eu decidi parar com essa baboseira e ler de uma vez, e se o livro não me chama a atenção pra voltar no outro dia, simplesmente procurar outro pra ler. Desde que eu saí da faculdade eu acho que eu lia um livro por ano, e muito porque eu ocupei o que eu considerava meus horários de leitura com outras coisas (ver o Twitter, principalmente). Então eu mudei isso esse ano.
Demorou um bocado pra eu encontrar meu tempo pra ler como eu queria em 2020, mas se tem um plano pra esse ano que eu me dediquei (e que não se chama Animal Crossing), foi o de ler mais. Eu finalmente encontrei meu horário de leitura perfeito: depois do almoço e antes de voltar pro trabalho. Eu costumava usar esses trinta ou quarenta minutos pra ficar descansando na frente do computador, mas eu acho que eu nunca descanso na frente do computador. Então eu decidi usar esse tempo pra ler.
Eu já tô lendo muito mais do que eu li nos últimos anos. Eu decidi que ia ler todos os contos do Raymond Carver, que se espalham por sete livros publicados e duas coleções de “restos” no gigantíssimo 68 Contos de Raymond Carver. Eu comecei relendo Iniciantes, um livro com a versão “original” dos seus primeiros contos publicados. Eu já tinha lido esse livro em 2014 e gostado muito. Reli e continuei gostando muito, então decidi seguir em frente.
Raymond Carver foi considerado um dos grandes autores do minimalismo americano, uma abordagem à escrita que reduz a narrativa aos seus elementos mais básicos. Eu tenho a impressão que isso torna os contos do autor mais cinemáticos, também. Eles são bem diretos em termos do que está acontecendo, e torna o detalhismo bem mais eventual, e bem mais forte quando aparece. Em um dos meus contos favoritos, “Coreto”, Carver detalha a textura do lençol da cama de hotel que o casal está deitado. Mas ele o faz porque eles estão sobre aquele lençol por horas, e a textura começa a chamar a atenção de seus personagens.
Segundo a introdução de Iniciantes, esse minimalismo talvez não fosse um aspecto inicial do autor, mas sim do editor Gordon Lish, que reduziu os contos daquele livro em até 60% para publicação em Do que estamos falando quando falamos de amor. Lendo eles depois de ver suas versões maiores me causou uma estranheza, porque eu já achava Iniciantes bem direto ao ponto, e alguns contos de Do que estamos falando… parecem “capados” de fim ou de início como resultado.
Mas é algo que eu acabei me acostumando, e que parece que o escritor foi se adaptando conforme seus próximos contos, que parecem menos capados e mais como momentos eventuais nas vidas ordinárias que Carver se especializou em escrever. Todos os contos do autor são sobre o cotidiano de pessoas de classe média-baixa dos EUA, satisfeitas por não estarem na linha de pobreza, mas conscientes que se algo acontecer — se elas perderem o trabalho, sofrerem um acidente, ou a geladeira estragar — pode ser a catástrofe que vai levar todo o pouco de estabilidade que eles têm. É como a versão literária dos quadros de Edward Hopper, como o famoso Nighthawks: composições simples de pessoas em meio à imensidão americana. Distantes o suficiente pra gente saber o que elas estão sentindo de verdade — mas o rosto delas não nos engana.
Carver nunca escreveu dois personagens iguais (embora alguns livros possuam versões diferentes de contos de outros livros, o que eu acho bacana), mas todos os seus contos parecem ter aspectos autobiográficos. Carver também viveu de bicos e trabalhos temporários enquanto não conseguia publicar seu primeiro livro, e em todas as suas histórias a presença de bebidas alcoólicas (ou a ausência delas) é bastante demarcada, talvez um reflexo do alcoolismo que ele enfrentou até os quarenta anos.
Esses fatores comuns, e o minimalismo que guia a forma de todos os seus contos, fazem suas histórias serem simples de você sair lendo e acompanhando seus personagens; mas os sentimentos que elas provocam estão longe de serem fáceis de suportar. São famílias se desfazendo, amigos percebendo que estão se afastando, ou o medo de se perder tudo que os deixa imóveis. Em Você poderia ficar quieta, por favor?, seu primeiro livro de contos, os personagens estão todos silenciosamente desesperados, mesmo quando estão felizes. O tom se complexifica bastante durante a carreira do autor, até chegar nos magníficos Catedral e Fogos, seus dois últimos livros.
A coletânea Catedral é considerada a obra-prima do autor, e o seu conto-título talvez seja o mais marcante de todos os que eu li: nele, o marido precisa receber um amigo da esposa que não ama mais, de uma época bem antes dos dois terem se conhecido. O amigo é um homem velho e cego, e o conto acontece todo dentro da cabeça do marido, com seus preconceitos aflorando e então despencando, um após o outro. A história é bem direta: o amigo aparece, eles jantam, o marido tenta não falar bobagem, ele convida o amigo pra assistir TV enquanto a esposa arruma a cozinha, está dando um documentário sobre catedrais, o amigo pede pro amigo descrever o que como são as catedrais, já que ele nunca viu uma, e o marido percebe coisas que ele parece nunca ter visto dessa forma — e o leitor também.
Já é em Fogos que eu vi o autor explorando mais a sua abordagem. Os contos ainda são bastante minimalistas e centrados no que os personagens estão fazendo e pensando, mais do que o que acontece ao seu redor; mas Carver parece mais confortável em transformar sua forma e adaptá-la. Alguns contos têm mais de um narrador em primeira pessoa, e as vezes o que um fala contradiz o outro. Outras vezes o tempo da narrativa muda — começa com uma primeira pessoa no presente, e se transforma numa primeira pessoa no passado, como se o que está acontecendo do nada se transforme em uma memória. Nada que acabe nos tirando da história para observarmos a forma como ela está sendo contada, e essa é a magia dos contos de Carver pra mim: elas acontecem tão naturalmente, mesmo as mais tristes, as mais violentas, que você só percebe o que aconteceu quando elas acabam, quando elas mesmas se transformam em memória para o leitor.
São pequenos momentos na vida de pessoas comuns que eu acompanhei o ano inteiro, e fico muito feliz de ter escolhido esse autor como minha porta de entrada pra literatura de novo. Eu não sei se eu teria a mentalidade de ler um romance nos últimos meses, mas era bom sempre ter um pequeno momento na vida de alguém que eu podia mergulhar e observar, as vezes compartilhar um pensamento, ou as vezes só ver elas com a distância que o autor me deixou.
Talvez eu devesse me sentir culpado por jogar Animal Crossing esse tempo todo?
Episódio 7 – com Manuela Neri
Eu e Manu falamos sobre como é se virar morando sozinho, e como é impossível fugir de baratas voadoras.
Você pode encontrar a Manu no Twitter.
(Desculpem pela falta de voz nos créditos, eu tava um pouco doente!)
Esse episódio foi produzido por Arthur Freitas. A trilha-sonora é do Blue Dot Sessions. A ilustração do Pãodecast foi feita pelo Raul Fontoura.
Se você quer participar de um episódio e conversar sobre qualquer coisa, envie uma mensagem!
O Coração É Um Inadimplente Sem Esperança
Meu amigão Leonardo Michelon lançou hoje um curta que ele fez nessa estação chuvosa que a gente tá tendo aqui no sul.
O Coração É Um Inadimplente Sem Esperança é curtinho, um pouco mais de dez minutos, mas captura muito o que eu gosto no trabalho do Leo, que compreende muito bem o sentimento de cidades pequenas (ou do interior), onde as coisas acontecem em um outro ritmo, diferente daquele da cidade.
O Coração… é ainda mais especial porque é um trabalho que usa bastante da influência literária onde esse ritmo prevalece: os contos góticos de Carson McCullers e Flannely O’Connor, ou o minimalismo de Raymond Carver. São autores que prezavam pela atenção ao detalhe, que revelava uma realidade bem íntima dos seus personagens. O Coração… captura algo muito semelhante ao mesmo tempo que é bem específico aqui do Rio Grande do Sul, onde essa chuva que lava por semanas parece trazer o peso da existência consigo.
As Mortes de Dick Johnson estreia hoje na Netflix
O documentário anterior da diretora Kirsten Johnson, o belíssimo Cameraperson, era um filme ensaio sobre suas memórias enquanto observava sua mãe perder as dela. Era ao mesmo tempo um filme íntimo (um recorte da carreira da diretora como fotógrafa de outros documentários) e abrangente (as imagens dos outros documentários iam desde imagens da natureza até o nascimento de uma criança no meio de um hospital de campanha).
O novo documentário de Johnson que estreia hoje na Netflix, As Mortes de Dick Johnson, é sobre seu pai, e uma tentativa dela de tornar a morte inevitável dele em algo divertido ou até mesmo capaz de enganar o tempo à seu favor. Eu mal vejo a hora de sentar na frente da TV hoje de noite e assistir, Cameraperson é o tipo de filme poderosíssimo que me faz ficar interessado por tudo o que Johnson quer fazer — e As Mortes de Dick Johnson parece ser esse tipo de filme também.
A Rede Social é o filme da década
Eu tô adorando Perry Mason
Eu quase paguei minha língua quando escrevi semana passada sobre assistir séries semanalmente porque, quando o terceiro episódio de Perry Mason terminou, eu quase deixei ir pro próximo episódio (eu não deixei, mas ô vontade). Eu queria ter visto enquanto a série ainda tava dando na HBO, pra me incentivar a ver os episódios semanalmente, mas não consegui porque tava assistindo outra série na época e agora a temporada inteira tá na HBO Go, e a tentação é grande.
Postzinho rápido porque eu tô no meio da temporada, mas a recomendação é forte. Perry Mason tem a sensibilidade das séries antes do pico da TV na década passada: é uma série de antiherói, sim, mas como as melhores desse clichê ela enxerga todos os personagens ainda mais fascinantes ao redor do protagonista, e como as ações dele afetam essas pessoas ao redor — o que só acentua o anti do heroísmo dele.
Diferente dos antiheróis que enchem a TV, o Perry Mason interpretado por Matthew Rhys é realmente um personagem falho — ele sabe que ele falhou como pai, como marido e, na visão da sociedade americana do início dos anos 1930, como homem. Ele não tenta se redimir por esses atos, pelo menos não conscientemente. Ele tenta sobreviver na Califórnia pós-Grande Depressão, e o jeito que ele arranjou foi em fazer pequenos bicos de detetive particular que investiga traições e casos de tablóides, como o de um comediante que gosta de fazer sexo envolto de glacê. Até que um caso macabro cai no colo dele e do advogado que ele trabalha, que dá a estrutura da primeira temporada da série: o sequestro e assassinato macabro de um bebê envolvendo a alta sociedade de Los Angeles e uma igreja.
Eu ainda não sei direito o porquê de Perry Mason funcionar tão bem. O mistério do bebê é meio trama padrão de dramas que precisam de uma muleta narrativa pra seguir em frente; mas ele é construído ao redor de personagens fantásticos com atuações fabulosas por trás. O Mason de Rhys (um dos melhores atores hoje em dia) tem tristeza típica dos filmes de filme noir da época, mas ainda assim com um pouco de bom humor no coração. A secretária Della Street (Juliet Rylance, de The Knick) é leal aos seus colegas, mas também é a pessoa mais competente do escritório. O policial Paul Drake (Chris Chalk, de When They See Us) é a antítese do Mason: um homem tentando fazer o certo, mas sendo incapaz de agir por ser um homem negro na força policial corrupta de Los Angeles. Esses personagens tão numa das séries mais bonitas que eu já vi. Perry Mason esbanja sua produção com uma reprodução dos EUA entre as duas Guerras Mundiais. Me lembrou o quanto eu gostava daquele jogo Mafia, que acontecia mais ou menos na mesma época, e de como eu amo os filmes noir: é uma série que usa bastante contraste pra demarcar as profundezas de seus personagens, onde até mesmo o figurino revela mais intenções do que o que as pessoas conseguem falar em uma sociedade que não os dá ouvidos.
Acho que, por ser uma série, Perry Mason tem a paciência de deixar seus personagens simplesmente existirem nesse mundo construído milimetricamente pra eles, e é aí que a série brilha pra mim. São oito horas, e acho que nem metade do que eu já vi é sobre a “trama” do assassinato. Como minhas séries favoritas, a trama é uma desculpa para a história seguir em frente, e os verdadeiros conflitos dos personagens, aqueles que existem no cotidiano, que são invisíveis em outras formas de arte que não têm a gordura que uma série de TV proporciona. Com isso, Perry Mason cria uma ótima série de gênero (é bem especificamente um drama de advogados, tipo The Good Wife mas nos anos 30), mas que aproveita seu tempo e seus visuais incríveis pra ressaltar os momentos privados que revelam como a sociedade americana falha com suas pessoas. É linda e profunda, sim. E é divertida também, porque o cotidiano que a série observa é cheio de desvios e de becos sem saída, e nem todos eles são trágicos.
Episódio 6 – com Erê Carvalho Zimmer
A gente começou conversando sobre pastel, depois conversamos sobre música e finalmente conversarmos sobre a arte de flertar.
Você pode encontrar o Erê no Twitter e no Instagram.
O Pãodecast é produzido por Arthur Freitas, a trilha-sonora é do Blue Dot Sessions, e a ilustração foi feita pelo Raul Fontoura.
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Em defesa de assistir séries semanalmente
A quarentena aqui por casa já dura seis meses e a cada mês — as vezes à cada semana — eu vou repensando e reavaliando algumas coisas na minha vida. Eu me reaproximei da música, por exemplo. Eu parei de assistir tanto filme e a ler mais (ainda vou escrever sobre isso!). Hoje eu vou falar de uma nova redescoberta.
Como todo o jovem com acesso à internet em meados dos anos 2000, eu sou um adepto da maratona de séries há um bom tempo, desde quando isso significava baixar um pacote de RMVB legendado ou de AVI com pacotes de legendas do Legendas.tv. Foi assim que eu vi Família Soprano e A Sete Palmos e Deadwood pela primeira vez, foi como eu descobri a primeira temporada de Community ou de United States of Tara também. Passar uma semana inteira baixando (porque a velocidade da internet naquela época era um… problema) pra poder maratonar temporadas inteiras no sábado e no domingo.
Quando a Netflix começou a lançar seus conteúdos originais ali na primeira metade de 2010, com temporadas completas de House of Cards e Orange is the New Black sendo lançadas simultaneamente, era quase que uma “formalização” de como os ~jovens~ assistiam TV. Ter que esperar uma semana pros novos episódios das últimas temporadas de Breaking Bad e Mad Men era algo que estava saindo de moda.
E pelos últimos anos eu me acostumei a assistir séries assim. Eu sempre acompanhei uma ou outra série semanalmente — as que eu sempre fui mais fiel, como Community ou Veep ou The Leftovers e Watchmen —, mas a grande maioria das séries da década passada pra cá foram vistas em questões de dias. Até que, nos últimos meses, eu comecei a sentir o peso de ficar muito tempo na frente da TV, e de ter tempo sobrando pra ficar todo esse tempo na frente da TV. As histórias que eu assistia nas séries que eu assisti nesses últimos meses viraram borrões narrativos.
Séries de TV são ótimas oportunidades pra acompanhar narrativas que se desenvolvem durante muitos anos, que espiralam e se transformam, mas têm a qualidade específica de serem feitas através de momentos — sejam eles de 20, 40 ou 60 minutos — que acompanhamos. A tragédia de Walter White em Breaking Bad envolve dezenas de personagens por um período de anos, mas ela é considerada uma grande série de TV porque cada episódio não era só uma parte dessa tragédia, mas uma própria história em si. Grandes séries de TV têm essa qualidade — nós nos lembramos tanto da sua grandiosidade narrativa quanto da sua profundidade. O primeiro fator é feito pelas temporadas, que se estendem através dos anos, mas o segundo só é possível de construir episódio por episódio.
Antes da Netflix, séries de TV precisavam criar grandes episódios semanalmente — eles precisam ficar na sua mente durante a semana inteira para que você volte na semana seguinte, e precisam desenvolver uma relação com você que seja forte o suficiente para você esperar meses até a próxima temporada. Com o streaming, e com a Netflix e o Prime Video disponibilizando temporadas inteiras de suas séries na quinta ou sexta-feira, para você poder assistir elas inteiras durante o fim de semana, essa qualidade da série de TV se perdeu, e temporadas de séries se tornaram mais próximos de filmes de dez ou quinze horas. É muito mais difícil discernir o que acontece em um episódio de Stranger Things do que de Succession, por exemplo.
E tem um motivo formal pra isso: o “gancho” do episódio mudou. O gancho é aquele evento que nos instiga a querer continuar assistindo a série. Tecnicamente todos os episódios de TV usam ganchos. Quanto mais tempo uma série está no ar, menos ela precisa desse artifício porque seu público já está naturalmente investido nos acontecimentos dos personagens, mas o “gancho” ainda existe. Seja uma série exibida semanalmente ou disponibilizada por inteiro no streaming, o gancho de seus episódios está bem no finalzinho, provavelmente na última cena ou na última sequência de cada episódio.
Em uma série de TV exibida semanalmente, esse gancho é o “desenredo”, a consequência do clímax do episódio. O clímax é aquele evento mais forte da narrativa, o ponto alto onde o conflito estoura. Em Succession, por exemplo, é quando o patriarca da família trai um de seus filhos, deixando ele pra ser comido vivo pelos jornalistas. O episódio não termina nesse evento, mas termina no desenredo — em como o filho traído precisa aguentar a traição do seu pai quieto, por exemplo. Esse desenredo geralmente é marcante, mas também é vago. A gente não sabe o que está na mente do personagem, como ele está reagindo ao evento do clímax. Tanto o personagem quanto o espectador precisam amadurecer esse sentimento durante a semana.
Já um episódio de série da Netflix usa o clímax como gancho. O momento mais marcante de um episódio de House of Cards ou Stranger Things é exatamente aquele evento final, o que torna o episódio em um crescendo dramático. Isso tem dois efeitos: o primeiro, a gente não vê a consequência desse evento importante, o que nos leva a querer começar o próximo episódio imediatamente; o segundo, que eu acho menos intencional e mais problemático, é que torna as temporadas de séries assim um crescendo gigante. A série nunca pode “diminuir” os riscos do clímax do episódio anterior sem desmentir seus próprios eventos, o que torna um episódio extremamente dependente do outro1.
Eu não quero fazer um juízo de valor aqui e dizer que séries de TV semanais são melhores. Elas tendem a criar episódios de TV muito melhores, é claro, mas acho que é um fator que precisa ser avaliado caso-a-caso Por exemplo, minisséries como Olhos que Condenam caem muito bem na fórmula da Netflix porque são visivelmente séries com capítulos extremamente dependentes uns dos outros. Mas séries de TV que duram vários anos, e que precisam nos fazer nos conectar com seus personagens muito além da narrativa, precisam criar grandes momentos. E tá sendo muito bom, pra mim, experimentar essas histórias com um tempo pra refletir sobre elas. Eu tô revendo Enlightened agora, e ver a personagem de Laura Dern aprender que lidar com as adversidades do seu dia-a-dia é parte essencial do que é a vida adulta é algo belo, mas que eu acho que perderia muito da magia se eu fosse ver tudo de uma vez. O crescimento da personagem acontece “em tempo real” se eu dou uma pausa entre episódios.
Minhas séries favoritas dos últimos anos, como Succession e Betty também são pensados em episódios fechados. Em nenhum dos casos eu acho recomendável você olhar essas séries fora de ordem, mas você sabe exatamente o que acontece em cada um dos episódios porque seus eventos — o conflito, o clímax e o desenredo — são muito bem estabelecidos, e levam mais naturalmente um episódio ao outro assim. Os personagens dessas séries crescem em cada episódio, mas nossa relação com eles amadurece durante a semana. O jeito que eu deixo o Kendall em um episódio de Succession pode ser extremamente diferente de como eu vou reencontrá-lo na semana seguinte.
Tenho a impressão que isso é algo que outros serviços de streaming estão observando. Em termos comerciais, a Netflix domina alguns finais de semana do ano com três ou quatro séries que dominam a conversa, como Dark e Stranger Things e Sex Education. Mas olhe como a HBO conseguiu dominar semanas a fio ano passado com Watchmen e a última temporada de Game of Thrones e a segunda temporada de Succession, que acabou levando os principais prêmios da noite ontem no Emmy. E vale a pena de lembrar como Twin Peaks hipnotizou todo o mundo por dezesseis semanas em 2017, com episódios que nunca eram parecidos um com o outro.
Outros serviços de streaming parecem ter observado e estão agindo de acordo. Algumas séries do Prime Video estão sendo lançadas semanalmente, e o Disney+ e o Hulu lançam tudo semanalmente hoje em dia. Para os serviços, isso mantém suas séries como assunto para conversas por mais tempo durante o ano, tornando-os mais essenciais para pessoas com o mínimo de convívio social. Para nós, isso provavelmente vai resultar em episódios melhores para nossas séries favoritas, e eu honestamente não vou reclamar.
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Acho importante explicar que isso vale principalmente pras séries dramáticas da Netflix, mas ainda mais para suas produções live action. As animações originais da Netflix são bem menos “maratonáveis”, embora sejam criadas pra isso. BoJack Horseman é uma série visivelmente pensada pra que cada episódio se sustente sozinho. ↩
A era dos videogames portáteis acabou
A Nintendo encerrou a produção de todos os modelos do Nintendo 3DS no Japão (e provavelmente no resto do mundo também). Esse é, talvez, o fim dos videogames portáteis dedicados.
O Nintendo 3DS é parte da linhagem que conseguiu manter a Nintendo relevante durante gerações de videogame que seus consoles de mesa não conseguiram competir com o PlayStation. O sucesso estrondoso do Game Boy e do Game Boy Advance durante os anos do Nintendo 64 e do GameCube foram essenciais para a empresa no início dos anos 2000, e o sucesso modesto, mas estável, do Nintendo 3DS salvou a Nintendo do fracasso do Wii U (sem falar no DS e o Wii, que venderam como água juntos no fim dos anos 2000 e início dos anos 2010).
Hoje o cenário de jogos portáteis é bem diferente, com qualquer celular sendo capaz de jogar centenas de milhares de jogos, que vão desde quebra-cabeças e Tetris genéricos até RPGs e GTA: San Andreas. É surpreendente que o 3DS conseguiu durar tanto tempo desde que foi lançado, há nove anos, porque era um videogame fadado ao fracasso em um mercado que o iPhone já tinha dominado nos anos finais do DS. A própria Nintendo seguiu em frente, pegando as lições dos portáteis e trazendo para o seu híbrido Nintendo Switch. Vai ser interessante ver como ela vai seguir em frente sem esse braço que já foi fundamental pra ela por muito tempo.
Minha relação com videogames portáteis começou relativamente tarde, mas eu sempre gostei que eles eram uma alternativa relativamente mais barata para os jogadores brasileiros que não tinham dinheiro pra comprar um console de mesa. Eu “herdei” um Game Boy Advance SP do meu primo, com The Minish Cap e Super Mario Advance, e me apaixonei pela ideia. Eu só fui ter um outro videogame portátil anos depois com o 3DS, que eu paguei com o meu primeiro salário de estagiário. Hoje, meu 3DS é meu grande backlog de vários jogos que eu quero/quis/vou jogar com o passar dos anos, já que ele oferece compatibilidade com todos os videogames portáteis da Nintendo e com jogos do SNES e do NES pelo Virtual Console. É uma pequena preciosidade que vai fazer falta — celulares não têm jogos grandiosos mas pequenos como os portáteis da Nintendo ofereciam de vez em quando, e eu não sei se eles vão ter espaço num console de mesa como o Switch.
Defector está aqui
Defector, o site formado pela equipe que se demitiu do antigo, excelente Deadspin, foi lançado hoje.
Eu não sou um fã de esportes, mas era um leitor assíduo do Deadspin por anos. Era um blog sobre esportes, mas sua cobertura era muito mais abrangente que isso. Como todos os sites que pertenceram à rede de blogs do Gawker (como o Kotaku e o Gizmondo), o Deadspin era um blog com um tema, mas que transcendia esse tema ao relacionar ele com qualquer tópico do nosso dia-a-dia. É aquele tipo de cobertura mágica, que faz uma pessoa não muito interessada em esportes no geral a se interessar pelo assunto ao mostrar, com humor e sagacidade que eram típicos da blogosfera de meados dos anos 2000, como “gostos” e “assuntos” não existem no vácuo. O Deadspin usava esportes pra comentar sobre política, pra expor redes de abuso e de misoginia na nossa cultura, para explorar o racismo institucional dos Estados Unidos.
Como o Gawker, o Deadspin “acabou” porque pessoas com dinheiro demais não gostavam que um blog que atraía milhões de pessoas por dia expusessem como as garras de acionistas e especuladores alcançam muito mais do que o Vale do Silício, causando interferência política (Peter Thiel, que financiou a falência do Gawker, é confidente de ninguém menos que David Trump). Assumindo as empresas mães desses blogs que expunham suas influências na economia americana, eles mataram seus maiores inimigos por dentro. Se você quer saber sobre o que aconteceu com o pessoal do Deadspin, o post de abertura do Defector explica direitinho isso ao mesmo tempo que dá um panorama da internet hoje em dia.
E agora aquela mesma equipe voltou com Defector, um blog mantido por assinaturas (pra não depender de acionistas e publicitários) com a mesma voz do grande falecido Deadspin. É muito bom ver um site assim surgir hoje em dia. Ele tem aquela mesma qualidade de muitos dos meus sites favoritos, que já deixaram de existir há muito tempo. Sites que eu sei o endereço de cabeça, e que acessar eles no início do dia ou no horário do almoço é um ritual do meu cotidiano. Eu amava isso no The Dissolve, e é bom finalmente ter um site assim de novo pra colocar na minha barra de favoritos. É aquele tipo de site que, quando acontece algo, você vai correndo acessar o site pra ler um post sobre algum dos seus autores favoritos comentando exatamente aquilo. É divertido, é instrutivo e serve àquele propósito mítico da internet de nos conectar às ideias uns dos outros.
Longa vida ao Defector, meu mais novo melhor amigo na internet!
O trailer de Duna é incrível
A Warner finalmente divulgou o trailer1 da nova versão de Duna, e caramba eu tô empolgado.
Essa versão é dirigida por Denis Villeneuve, do excelente Blade Runner 2049 e do magnífico A Chegada. Eu sou um fã do trabalho mais recente dele (não gosto muito dos pseudo-Nolan que ele fez no início da carreira, mas até lá tem um potencial), e quero muito ver pra onde ele vai levar o material.
Eu tô há tempos procurando um universo de ficção científica pra afundar minha cabeça. O cinema tem O Senhor dos Anéis pra fantasia, mas fora Star Wars não tem uma ópera espacial grande o suficiente pra me satisfazer. O Duna do David Lynch é instigante (mais instigante do que bom, vale dizer), quero ver o que o Villeneuve faz com o quádruplo do orçamento.
Agora, tá com uma carinha de que vai ser um outro fracasso de bilheteria como BR2049 foi (Villeneuve trabalha num ritmo lento demais porque gosta muito dos planos que encena), então nem vou me animar muito pra uma sequência que já foi meio que confirmada.
Esse é um filme que eu quero muito ver no cinema. Villeneuve trabalha numa proporção gigante, sempre, e vale a pena uma imagem maior que o natural. Eu realmente espero que a Warner atrase o lançamento (que, por enquanto, tá previsto pra dezembro). Não façam como fizeram com Tenet.
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Particularmente eu gostava mais de quando os trailers simplesmente surgiam na internet, sem muito aviso prévio. Criava aquela surpresa e excitação de ver o que um filme ia ser pela primeira vez. Há tempos já não é assim — esse trailer de Duna foi anunciado há umas semanas já e a Warner ficou criando “hype” pro seu “lançamento” como se ele fosse o filme em si. Pra mim é surreal que um trailer por si só não seja capaz de criar conversa sobre um filme mais. ↩
Episódio 5 – com Vanessa Oliveira
Eu e a Vanessa sentamos pra conversar sobre como a vida dela mudou nesse último ano.
Você pode encontrar a Vanessa no Twitter, no Instagram e no LinkedIn.
O Pãodecast é produzido por Arthur Freitas, a trilha-sonora é do Blue Dot Sessions, e a ilustração foi feita pelo Raul Fontoura.
Quer fazer parte de um episódio? Envia uma mensagem e a gente combina!
E se Digimon tivesse vencido?
Eu estou assistindo esse vídeo repetidamente desde ontem. Eu adoro a Jenna e suas análises de como certas escolhas no game design dos jogos que gostamos repercutem. Aqui, ela faz uma análise do que tivesse acontecido se Digimon tivesse vencido Pokémon no final dos anos 1990 pela ubiquidade da atenção das crianças.
O ponto de divergência nas timelines segundo a Jenna é bastante plausível, na verdade. Ele seria a exibição de um episódio do desenho de Pokémon no Japão que provocou convulsões em centenas de crianças. No nosso mundo, isso impactou Pokémon, tirando-o do ar por quatro meses, mas o anime volta e a Nintendo pode dominar a TV e o Game Boy simultaneamente por anos a fio. No mundo que Jenna propõe, Pokémon nunca voltou pro ar, e Digimon teve a chance de dominar tanto os canais de TV quanto os videogames, se tornando o mamute cultural que a Nintendo nunca teria.
É um vídeo muito engraçado, principalmente quando ela começa a falar de como os furries dominariam a cultura popular ou como Mother 3 teria sido lançado pro Nintendo 64. Mas o que eu realmente gosto é em como ela reflete sobre como Pokémon é vital pra existência da Nintendo como ela é hoje. Embora o Game Boy tenha sido um sucesso estrondoso sem os jogos de Pokémon, o lançamento criou uma nova onda de sucesso que fez a Nintendo atrasar o lançamento do sucessor do Game Boy em anos, permitindo que as “revisões de hardware” do portátil existissem. Esse é um impacto gigante, porque muito do sucesso contínuo do Game Boy pra Nintendo — e que tornou a Nintendo a grande monopolizadora do videogame portátil até o lançamento do iPhone — foi o fato deles serem baratos de serem produzidos e vendidos (lá fora, vale lembrar).
Por exemplo, se Pokémon Red & Blue não tivesse sido lançado, o sucessor do Game Boy teria sido lançado no lugar. O nosso sucessor do videogame é o Game Boy Advance, outro sucesso estrondoso da Nintendo porque refletiu a fórmula do original: era ainda menor, era barato e era mais poderoso. O Game Boy Advance não teria sido lançado em 1996, porque a tecnologia que o permitiu ser lançado em 2001 não era tão madura e nem tão barata em 1996.
O Game Boy 2 fracassaria enquanto a Nintendo lutava contra o PlayStation e o PlayStation 2 com o Nintendo 64 e o GameCube, e nessas gerações o videogame portátil foi essencial para a Nintendo, porque vendiam como água. Sem um Game Boy Advance para ajudar a Nintendo a aguentar o baque do fracasso do GameCube, eu duvido que uma “aposta” como o Nintendo DS teria existido. Eu duvido também que a Nintendo tivesse mantido sua linha de portáteis em paralelo aos videogames de mesa, o que nunca resultaria no Nintendo Switch.
Enfim, como vocês podem ver eu também adoro analisar a carreira da Nintendo. A Jenna faz isso muito melhor.
Eu tô amando The Last Campfire
Eu passei esse fim de semana jogando The Last Campfire, que foi lançado no último dia 27 no Apple Arcade (e no PC, no Switch, no Xbox e no PS4). É o meu novo jogo favorito do serviço de assinatura de jogos da Apple, e eu tô considerando comprar ele no Switch pra poder jogar na TV.
The Last Campfire é o novo jogo da Hello Games, o pequeno estúdio que fez No Man’s Sky, um dos jogos mais ousados e fascinantes da última década. O lançamento de No Man’s Sky foi meio complicado — as pessoas descobriram que explorar o espaço levava muito tempo e era raro encontrar planetas com vida orgânica (surpresa!?) —, e a Hello Games passou os últimos quatro anos fazendo grandes pacotes de atualização pro jogo, adicionando multiplayer, estações espaciais, e aliens.
O novo jogo dessa équipe é bem menor. É do mesmo designer de um dos meus jogos favoritos do Wii, LostWinds, e compartilha muito do mesmo DNA. Ao invés de ser um plataforma, The Last Campfire é um jogo de aventura onde o jogador controla Brasa, um serzinho encapuzado que se separou de outros coleguinhas e precisa atravessar umas ruínas pra reencontrá-los. Nessas ruínas, Brasa descobre que outros encapuzadinhos como ele morreram com o mesmo objetivo. Para Brasa conseguir sair desse lugar misterioso é preciso reunir essas almas e levá-las até à fogueira que dá título ao jogo, onde um espírito levará os encapuzadinhos para o Além.
The Last Campfire é um jogo econômico. Ele não é muito longo e sua estrutura é simples: você atravessa as ruínas misteriosas em busca dos vestígios dos encapuzadinhos. Você precisa mover um sapo de lugar para conseguir uma chave, que vai liberar uma área onde está um desses encapuzadinhos. Quando você o encontra, o jogo abre uma espécie de “dungeon” (como as de Zelda), onde você precisa resolver um quebra-cabeça para reconectar o corpo do encapuzado à sua alma. As vezes você move pedras para conseguir alcançar a alma, outras vezes você precisa pisar nos lugares certos na sequência correta.
Conforme você vai solucionando os quebra-cabeças da “dungeon interna”, você vai descobrindo como o serzinho perdeu sua alma. E esse é um dos traços onde The Last Campfire mais remete à LostWinds: embora seja econômico, o jogo consegue criar uma história e um lugar com muita eficácia. LostWinds criava uma sensação de que o vilarejo do Deus do Vento (onde a história começava) era um lugar repleto de história e de tradição.
The Last Campfire é muito mais íntimo, as histórias que você vai descobrindo são de criaturas com medo e se sentindo sozinhas ou com fome, e conforme você vai as reunindo perto da fogueira o jogo consegue criar uma sensação de comunidade muito bonito. Aos poucos, as ruínas não parecem mais tão sombrias e vazias, a chama da fogueira vai crescendo e mais encapuzadinhos se sentam ao redor dela.
É na “textura“ dos comandos que The Last Campfire brilha. LostWinds era um dos jogos que realmente entendia as possibilidades do Wii Remote, e The Last Campfire faz algo muito semelhante com a tela de toque do iPhone e do iPad: os controles não são só precisos, mas eles criam uma ilusão de peso que é rara até mesmo nos outros jogos do Arcade, que tentam criar esquemas de controle semelhantes à joysticks, o que causava uma estranheza. Como Monument Valley e Assemble With Care, o time da Hello Games usa a tela do celular como uma tela em branco onde você é o pintor: uma passada de dedo muito rápida oferece um toque ágil mas fraco, fazendo Brasa correr; um giro firme com o dedo aplica força, o que é útil para mover manivelas ou empurrar caixas. Sabendo do cuidado desse time com seus jogos anteriores, eu suspeito que os comandos traduzam muito bem para mouse/teclado e controles de videogame também.
É um jogo perfeito para sessões curtas por causa da sua estrutura, e também oferece uma ótima experiência se você quer sentar e enfrentá-lo em uma sessão: não existem cronômetros nem urgência nas suas missões, e o cuidado visual e sonoro do jogo nunca faz a experiência ser maçante ou estressante — você não precisa correr com nada, porque o jogo pede sua paciência. The Last Campfire é bem delicado. Ele retribui sua dedicação e sua atenção, tanto nos quebra-cabeças quanto nas histórias que eles têm pra contar.
Tudo o que eu já amei
Episódio 4 – com Cássio Fagundes
Era um pouco tarde da noite quando eu e o Cássio paramos pra conversar. Eu tava trabalhando. Ele tava lavando louça.
O Cássio não tá por aí na internet, mas ele pediu pra avisar que se quiser falar com ele, procura na praia.
O Pãodecast é produzido por mim, a trilha-sonora é do Blue Dot Sessions, e a ilustração foi feita pelo Raul Fontoura.
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O que assistir da mostra internacional do Kinoforum
Alguém entrou na minha cabeça, leu minha mente e fez o jogo perfeito pra mim
Eu não sei quando ou quem, mas alguém entrou na minha cabeça.
Fantasy Life é um RPG lançado para o Nintendo 3DS em 2015, e eu não sei como eu não descobri ele antes porque, caramba, eu não sei como explicar, mas esse jogo pega todas as minhas frustrações com o gênero e resolve cada uma delas. Eu tô a um ponto de distância pra dizer que esse jogo é perfeito pra minha pessoa.
Meu gosto pra jogos de videogame se desenvolveu bem tarde na minha vida. Eu não tive um videogame na infância, e o computador que o meu pai usava pra trabalhar não era muito poderoso. Grande parte da minha infância foi jogando uns jogos de aventura de apontar-e-clicar que ele sempre gostou muito de jogar, ou SimCity e o primeiro The Sims. A gente só teve um computador mais forte lá por 2007, que foi quando eu comecei a jogar jogos mais “sérios” (que tinham sido lançados vários anos antes, porque nem a pau que algo como Crysis ia rodar nele).
Em resumo, uma boa parte da minha vida foi jogando coisas simples ou simuladores, e isso teve um efeito gigante em como eu jogo videogames até hoje. Eu prefiro jogos que não se importam se eu sigo em frente devagar, ou se eu vivo desviando do objetivo principal porque eu encontrei algo mais interessante no meio do caminho. Eu também me frustro bastante se um jogo não aceita bem essas minhas disgressões e a história parece que “quebra”. Eu acabo gostando de jogos com pouca história, ou que ela se desenvolve espaçadamente (como Animal Crossing e Breath of the Wild), ou jogos com tanta história que é impossível de se desvencilhar dela (como Portal ou Kentucky Route Zero).
É aí que vive o meu problema com RPGs. Existe uma falsa “abertura” na jogabilidade da maioria dos jogos do gênero que me irrita bastante, porque são jogos com histórias longas e mirabolantes, mas estruturalmente são quase sempre a mesma coisa: você vai de uma cidade à outra — que é onde a história acontece, porque você interage com outros personagens — e no meio do caminho você precisa ficar grindando de nível pra poder batalhar com um chefão que você vai encontrar a seguir. Como eu sou um jogador inexperiente em praticamente tudo, eu odeio combates de maneira geral, e evito sempre quando eu posso. Só que em RPGs eles são a única maneira de você seguir em frente, e você precisa ficar batalhando um monte pra aumentar de nível e de experiências pra conseguir progredir com as histórias.
Em Octopath Traveller, por exemplo, se eu escolho ser uma mercante eu atravesso um bosque e a primeira coisa que me aparece é um monstro. Eu não posso ir lá e, sei lá, vender algo que eu tenha em mãos pra ele. Eu preciso batalhar com ele. Eu tenho uma sacola de compras na mão, e do nada ela se transforma numa espada. Eu sempre fiquei meio frustrado com isso, porque RPGs geralmente são os jogos com as histórias mais mirabolantes do meio, e eu me sinto por fora da maioria por causa disso. Se jogos fossem livros, Half-Life seria um daqueles virador-de-páginas que a gente compra no aeroporto; mas, sei lá, Final Fantasy IV seria um Guerra e Paz e, meus amigos, eu quero muito ler Guerra em Paz, esses novelões gigantes com centenas de personagens. Eu amo!
É aí que entra a mágica de Fantasy Life. Ele pega esse fator mais limitador da maioria dos RPGs e dá uma bela mexida, adicionando mecânicas de simuladores como Animal Crossing e The Sims. Ao invés de você ser um guerreiro — ou um arqueiro, ou um mago, ou um ninja, ou um cavaleiro, sei lá — indo salvar o mundo, Fantasy Life deixa você escolher entre doze vocações bem diversas. Os cavaleiros e mágicos e arqueiros estão lá, mas você também pode ser cozinheiro, mineiro, e até alfaiate! É exatamente o que eu sempre quis, poder jogar essas histórias intrincadas dos RPGs podendo realmente fazer as ações da classe que eu escolhi. Eu decidi ser um pescador, por exemplo, e estou evoluíndo de nível pescando peixes e vendendo eles no mercado.
Isso faz com que o jogo evolua em velocidades diferentes pra cada jogador, mas eu não tenho problemas com isso. Pelo contrário, acho que isso faz Fantasy Life se tornar ainda mais especial, porque usa aquilo que é bem específico dos jogos em si — a necessidade do jogador fazer escolhas.
Uma das coisas mais bacanas que Fantasy Life faz, também, é me apresentar com maior delicadeza às mecânicas mais clássicas do gênero. Depois que eu domino a minha vocação inicial, eu posso ir no sindicato (!) do reino (!!) e decidir começar uma nova profissão (!!?). Eu posso escolher entre aquelas doze vocações de novo e misturar minhas habilidades de uma vocação com a outra pra continuar a história. Se você escolhe ser um mineiro, por exemplo, você vai na mina escavar pedras, e se você depois decide ser ferreiro, você pode forjar ferramenta, armas e armaduras. Daí você decide ser um cavaleiro, e pode fazer suas próprias armas com suas próprias mãos. É muito bacana!
Fantasy Life me impressionou um monte porque, pra é um RPG com uma história relativamente curta, mas que ganha escopo justamente na forma que o jogador joga. Ao invés de você viajar o mundo como nos Final Fantasy da vida, você fica só aos arredores do reino, explorando ele de maneiras diferentes conforme você aprende uma vocação e evolui de nível e mistura suas habilidades entre vocações. É tão repleto de conteúdo (e a localização da Nintendo Treehouse não decepciona), que me fez gostar de aprender combater. Vai ver esse é o jogo que vai me ensinar a gostar dos RPGs mais clássicos, no final das contas?
Poucos filmes entendem a morte tão bem quanto A Rota Selvagem
Ainda bem que Gilmore Girls existe
As coisas tão meio quietas por aqui, mil desculpas por isso. Eu queria ter mais inspiração do que escrever ultimamente, mas eu ando bastante cansado do trabalho e decepcionado que eu não tô conseguindo escrever o projeto de mestrado que eu tô tentando escrever. Eu demorei mas eu tô começando a sentir os efeitos de se sentir sozinho por muito tempo e isso não tá fazendo bem pra minha cabeça.
É nessas horas que eu lembro que Gilmore Girls e amigos, ainda bem que Gilmore Girls existe. Eu tinha parado de rever — depois de passar uns três ou quatro anos revendo infinitamente, terminando e recomeçando a série —, mas na última semana eu fiz meu check-in em Stars Hollow de novo. Essa não é a melhor série já feita, mas é a melhor série já feita.
Eu tô indo com mais calma dessa vez. Ao invés de assistir vários episódios por dia, eu tô assistindo um episódio por semana. Eu tô no segundo episódio, em que Rory, a filha da Lorelai, começa na nova escola particular. Esse é o evento que faz a série começar: Lorelai é filha de dois magnatas da alta sociedade americana, mas ela nunca conseguiu aceitar o estilo de vida que todo aquele dinheiro e poder demandava. Lorelai engravidou cedo, pra desgosto dos pais, e logo depois do nascimento da filha decidiu largar a escola e fugir para uma cidadezinha no interior, onde ela encontrou um lar. A Rory cresce e se torna uma daquelas crianças prodígio — inteligentíssima, e o sonho é se tornar ainda mais inteligente —, e acaba conseguindo uma vaga numa escola prestigiada e cara. Lorelai não tem dinheiro pra oferecer essa educação pra filha, e acaba tendo que fazer um acordo com os pais: eles emprestam o dinheiro para a educação de Rory, e ela vai todas as sextas-feiras jantar na casa deles.
E é isso. Gilmore Girls não é uma série de grandes eventos. A primeira temporada tem uma fórmula bem simples: nós acompanhamos o dia-a-dia das garotas Gilmore, e eventualmente elas vão para a casa dos pais da Lorelai, onde o conflito geralmente surge/explode. Emily, a matriarca da família, tem uma visão de vida muito diferente da de Lorelai, e todos os conflitos mal terminados ou absorvidos durante os anos tendem a vir à tona quando a rígida Emily e a instintiva Lorelai se deparam. Sendo mãe e filha, as duas se conhecem mais do que gostariam, o que pode criar momentos realmente bonitos de conexão entre duas pessoas muito diferentes; ou momentos dolorosos em que elas se machucam de maneiras imperdoáveis.
A dinâmica familiar dos Gilmore é um dos pontos altos dessa série. A criadora Amy Sherman-Palladino ficou conhecida pela sua potência em criar diálogos inspirados e afiados, cheios de referências e humor (reza a lenda que os roteiros dos episódios chegavam a ter 70 páginas, quando o normal é 45, porque os diálogos precisavam ser lidos com o dobro da velocidade normal). Mas ela é uma grande dramaturga também. A complexidade emocional que vai se criando em Gilmore Girls é sutil e poderosa, que explora os machucados geracionais que uma mãe rígida como Emily pode causar numa filha, ou como uma mãe-melhor-amiga como Lorelai pode acabar causando em Rory. A autora consegue sempre visualizar o que se perde quando Lorelai e Rory brigam (são momentos raros, mas dolorosos sempre), como se uma porta se fechasse com algum assunto que mãe e filha entendem que nunca mais vão poder compartilhar.
Mesmo assim, essa série é um conforto de se assistir. Muito do charme de Gilmore Girls existe porque Lorelai encontrou um lar e uma família adotiva em Stars Hollow. Se um dos grandes arcos da série é Rory percebendo que o lar que a mãe criou não é o lar que ela gostaria de viver, Gilmore Girls só consegue fazer esse arco funcionar tão bem como ele funciona porque a cidade é muito bem construída. É um apanhado de clichês, onde sempre há um evento na praça da cidade onde todos se encontram. Alguns são clássicos, como o dia das bruxas ou a páscoa, mas outros — como o campeonato de dança de 24 horas, do meu episódio favorito, ou a exposição de obras vivas — são inspiradíssimos.
É por causa de Stars Hollow que a série é tão boa de assistir, principalmente quando as coisas tào ruins do lado de cá. No segundo episódio, Lorelai se desentende com a mãe em mais uma briga cansativa, e Rory descobre que ela não é inteligente assim. É um episódio de pequenas derrotas, onde elas acabam um pouco pra baixo, e não tem muita solução — Emily não morreu, e Lorelai precisa ver ela semana que vem; Rory vai precisar estudar muito mais pra conseguir pegar o ritmo da nova escola. Mas o episódio não termina com nada inspirador. Ele termina com Lorelai, Rory e Lane comendo pizza enquanto passeiam pela praça da cidade conversando sobre todas as derrotas que tiveram naquele dia. Elas estão cansadas, com as mãos engorduradas, mas ali em Stars Hollow elas são amadas e estão protegidas. Os problemas vão poder esperar até amanhã. Esse restinho de dia ainda pode valer a pena.
Episódio 3 — com Eduarda Ellwanger
Eu e a Eduarda falamos de família e o que é se sentir em família.
Você pode encontrar a Eduarda no Twitter e no Instagram.
O Pãodecast é produzido por mim. A ilustração é do Raul Fontoura e trilha-sonora é do Blue Dot Sessions.
Quer fazer parte de um episódio? A gente tem mais uma vaga para a primeira temporada, mas já estou começando a organizar os entrevistados da segunda! Nos envie uma mensagem.
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The Touryst foi lançado para PC e Xbox One
The Touryst, o meu jogo favorito do ano passado acabou de ser lançado no Xbox One e no Windows, e já está disponível no Xbox Game Pass.
The Touryst é um daqueles jogos raros hoje em dia — ele não é experimental e corajoso como os indies, nem conservador e apelativo como os AAA —, que se dedica a abraçar algumas mecânicas já provadas por outros jogos e tornar eles impecáveis. É curtinho, mas é lindo e charmoso e cheio de imaginação, onde você é um turista atravessando uma série de pequenas ilhas com alguns quebra-cabeças que precisam ser decifrados para você liberar as próximas ilhas.
O mais bacana de The Touryst é que, por causa do seu mundo diminuto, cada detalhe do jogo é cheio de decisões inspiradas e mini-games. Você pode surfar ou jogar joguinhos em um fliperama, ou pilotar um drone ou fazer aula de mergulho. Nem tudo isso faz você progredir na história do jogo, mas tudo isso ajuda a montar uma experiência relaxante e divertida e repleta de descobertas. Foi a melhor surpresa pro Switch ano passado, e eu tô muito contente que esse jogo tá ainda mais lindo no Xbox One X. A Shin’en não só se preocupou em criar um jogo com mecânicas bem maduras e desenvolvidas, mas também um jogo virtualmente livre de bugs. Foi uma experiência que me surpreendeu muito.
BDG passou um ano lendo todos livros de “Halo”
Minhas preces foram ouvidas.
Eu amo Halo, e tô muito feliz que Halo Infinite vai ser lançado esse ano. É um dos meus universos de ficção científica favoritos, primeiro porque é super desenvolvido — cada planeta tem uma tradição própria, mesmo que seja só uma colônia de uma civilização — e o jogo político se desenvolve por centenas de anos. Também, como o vídeo acima mostra, porque nada faz muito sentido, o que nos lembra que não tem porque levar ele muito a sério.
Episódio 2 — com Raul Fontoura
Eu e o Raul começamos conversando sobre os jogos que nós gostamos, depois sobre game design. Quando a gente viu, estávamos conversando sobre as escolhas que tomamos na vida. E o episódio é bem divertido de ouvir por causa disso! Eu até mudei a nomenclatura dos episódios e deixei só o nome do convidado, pra tirar a ideia de que a gente conversa sobre algum tema em específico. A gente conversa sobre vários, e é a conversa que interessa.
Você pode encontrar o Raul no Twitter (@raulranma), no itch.io e no Tumblr.
Esse episódio do Pãodecast foi produzido por mim. A ilustração é do entrevistado, o Raul, e trilha-sonora é do Blue Dot Sessions.
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A primeira temporada do Pãodecast vai ter dez episódios. Eles são quinzenais, e saem nas quartas-feiras. Ainda há alguns episódios vagos, se você quiser conversar comigo sobre qualquer coisa (até mesmo sobre nada), envie uma mensagem pelo email mesa {arroba} paomortadela.com.br ou uma mensagem de voz clicando aqui.
“Halt and Catch Fire” e “The Soul of a New Machine”
Ontem de noite estavam comentando sobre a abertura de uma das minhas séries favoritas no Twitter, Halt and Catch Fire:
Halt and Catch Fire me lembra muito um dos meus livros favoritos, The Soul of a New Machine, de Tracy Kidder. Escrito no início dos anos 1980, o livro documenta o desenvolvimento de um minicomputador na aurora da computação pessoal. É uma invenção que leva a equipe à beira da loucura por causa da forma que o gerente do projeto na empresa lida com sua equipe, usando o que ele chama de “gerenciamento de cogumelos”: deixá-los no escuro enchendo-os de merda.
The Soul of a New Machine é um livro trágico porque a equipe dá tudo o que pode para desenvolver um minicomputador que acaba sendo defasado muito rápido. O período, entre os anos 1970 e 1980, foi a explosão da evolução do hardware computacional (o Macintosh, o grande computador pessoal da Apple, foi lançado alguns anos depois), e o “gerenciamento de cogumelos” foi o que não permitiu que a equipe enxergasse que o grande trabalho que eles estavam realizado estava fadado ao fracasso.
Mas o livro tem uma noção da informática que eu gosto muito, e que é partilhada por Halt and Catch Fire, de que esses engenheiros de software e desenvolvedores eram desbravadores, e que cada invenção — uma placa-mãe, uma memória RAM, um processador, as instruções da BIOS — levava um pouco de quem eles foram e da maneira que eles pensavam, o que revela tanto dos seus potenciais quanto suas limitações (o livro descreve, já naquela época, como qualquer pessoa que não era um homem branco era colocado de lado pela indústria).
A tragédia de The Soul of a New Machine é de que a “alma” que os engenheiros davam à essas invenções serviam para mudar os meios, mas não as intenções pelas quais a tecnologia seria utilizada. Um exemplo que o livro dá pra tragédia que é a computação, de um modo geral, é que os computadores possibilitaram que empresas pudessem gerar e armazenar relatórios sobre qualquer setor sem a necessidade de papel, o que poderia eliminar muito os custos de uma empresa. O problema é que os executivos não acreditavam no que eles viam na tela de computador, então todos esses relatórios precisavam ser impressos, o que acabou aumentando o gasto com papel.
Mesmo assim, a beleza do que foi inventado nessa era da computação (que é muito semelhante ao que aconteceu de novo com a internet na segunda metade dos anos 1990) indicava que a tecnologia poderia ser usada pra ressaltar o potencial da humanidade, e não apenas alimentar suas falhas. O problema é que a tecnologia só vai até certo ponto, ela só muda nossos meios, mas não nossas intenções.
Esse post é uma versão mais coerente de algo que eu postei no Twitter. O original está aqui.
It's Lit: As línguas artificiais de JRR Tolkien
No último vídeo de It’s Lit, Lindsay Ellis explica como as línguas artificiais criadas por Tolkien para seus livros da Terra-Média influenciaram muito mais do que o gênero literário de fantasia, se transformando em um ramo importante no desenvolvimento de qualquer mundo narrativo — de Game of Thrones à Avatar. Como todos os vídeos do It’s Lit (e o trabalho da Lindsay Ellis de maneira geral), o vídeo trata o tema com fascínio e é só a ponta de uma discussão maior (e é curtinho!)
O que eu mais gostei foi reparar porquê eu gosto tanto da fantasia de O Senhor dos Anéis. Eu tenho a ideia de que eu gosto muito mais quando o gênero fantástico é usado para contar histórias muito íntimas de um personagem tentando sobreviver num mundo muito maior e indiferente à sua existência e aos obstáculos de sua vida — uma fantasia que torna a fantasia em si em algo mais cotidiano, digamos assim.
Eu sempre me referi ao que eu gosto no gênero como essas histórias menores em um mundo muito maior… e Senhor dos Anéis. Mas assistindo o vídeo eu percebi que, na verdade, O Senhor dos Anéis é mais ou menos o que eu gosto em uma escala muito maior: essas são as histórias de alguns indivíduos envolvidos em uma batalha muito maior que eles, e uma situação histórica muito, muito antecedente à eles. A Terra-Média e o mundo narrativo que Tolkien criou é uma versão muito maior do que aquilo que a gente geralmente se refere como “mundo narrativo”, é uma construção social e cultural gigantesca (onde até mesmo os idiomas inventados possuem histórias e um crescimento orgânico), usada para abrigar histórias grandes mas que, dada a herança cultural desse mundo, parecem eventos muito menores em um mundo ainda maior.
Como “Eu Terei Sumido na Escuridão” evita mitificar um assassino em série
Yo La Tengo lançou a trilha-sonora do meu estado de espírito durante o isolamento
A banda Yo La Tengo lançou hoje o álbum We Hame Amnesia Sometimes, um álbum gravado à distância durante o período de isolamento social que a gente tá passando. A banda tava lançando prévias do trabalho nos últimos dias, mas largou o álbum completo no Bandcamp deles.
Assim como Fetch the Bolt Cutters no início do isolamento social, esse álbum do Yo La Tengo parece conseguir capturar direitinho o que eu ando sentindo nas últimas semanas. As faixas são as vezes calmas, as vezes dissonantes e confusas, mas são sempre bastante “introspectivas”, se isso é algo que eu posso usar como adjetivo de uma música. O álbum da Fiona Apple é íntimo e furioso, que é algo que eu sentia no início do isolamento. Esse álbum do Yo La Tengo é mais “calmo”, quase “cansado” mas não exaustivo. Difícil de explicar. Tá sendo bem emocionante de ouvir, porque faz sentir que a alma “sai” do corpo.
O álbum tá no Bandcamp, mas também no Spotify e no Apple Music.
Torta Brownie Brigadeiro
Um dos problemas de viver longe dos amigos é que eu tenho amigos talentosos e eu não posso apreciar eles de perto, principalmente quando o talento deles é um absurdo desses:
Olha mais de perto:
Eu tô muito triste que eu não moro em Porto Alegre nesse momento. Se você mora, eu recomendo seguir a Tais Bakery no Instagram, onde eu vi esse absurdo de torta. A Taís e o Vitor abrem a agenda por lá e pelo WhatsApp. Eu amo eles e eu amo essa torta.
Júlia, no MUBI
Eu assisti Julia há alguns anos e ele nunca saiu da minha cabeça porque Tilda Swinton entrega uma daquelas atuações em que tudo o que ela faz fica marcado na mente. A forma como ela abraça o a criança no meio do deserto, ou como ela olha ao redor… Eu não lembro muito bem do filme, então fiquei empolgado pela oportunidade de rever ele agora: ele entrou na programaçào do MUBI hoje e fica por lá por um mês.
Episódio 1 — Tainara Fraga
Esse último sábado eu sentei com a minha amiga Tainara pra finalmente tirarmos do papel uma ideia que tivemos no ano passado: nós gravamos o primeiro episódio do Pãodecast, um podcast de conversas.
A ideia é bem simples, na verdade. Todo o episódio é uma conversa de quinze minutos com um convidado, sobre qualquer coisa que eles tenham em mente no momento. Eu queria que o primeiro episódio fosse com a Tainara, porque tive a ideia com ela e parecia certo começar dessa forma. A gente conversou sobre relacionamentos, e como foi terminar um namoro de muito tempo no meio da quarentena. É menos triste do que parece, espero que gostem!
Esse episódio do Pãodecast foi produzido por mim. A ilustração é do Raul Fontoura e trilha-sonora é do Blue Dot Sessions.
Você pode assinar o Pãodecast no Apple Podcasts, Spotify, Pocket Casts ou no seu player favorito assinando o RSS.
A primeira temporada do Pãodecast vai ter dez episódios. Eu ainda não defini se serão quinzenais ou semanas (depende de como for o ritmo da minha edição deles, hehe), mas eles vão sair nas quartas-feiras. Ainda há alguns episódios vagos, se você quiser conversar comigo sobre qualquer coisa (até mesmo sobre nada), envie uma mensagem pelo email mesa {arroba} paomortadela.com.br ou uma mensagem de voz clicando aqui.
Central Park é um charme, pena que tá na Apple TV+
Eu queria tanto poder recomendar Central Park pra todo o mundo que tá precisando de uma série carinhosa sobre uma família que se ama mesmo quando não se entendem. É uma comédia musical em desenho animado, dos mesmos criadores de Bob’s Burgers, e o humor carismático e coração grande são traços em comum nas duas séries.
Central Park ainda não tem os personagens bem formados de Bob’s Burgers, mas acho que isso é comum em toda a primeira temporada de uma comédia, já que o humor e o desenvolvimento dependem muito dos roteiristas e da audiência entender intimamente os personagens pra resultar em comédia. Mas Central Park tem picos muito altos, e não é só porque é um musical. A série é sobre uma família que mora no Central Park de Nova York, onde o pai trabalha como administrador, e os episódios são geralmente sobre pequenos eventos nos seus dias. A mãe é uma jornalista querendo ser levada a sério em um folhetim que ninguém se importa, a filha tá tentando entender seus sentimentos em relação à um garoto; e o caçula está apaixonado por um cachorro. Tem uma trama de uma ricaça querendo comprar o Central Park pra transformar em um “investimento imobiliário”, mas isso quase que não importa — Central Park tá mais preocupada no dia-a-dia dos personagens.
E é um charme, os números musicais não se focam nos grandes eventos da vida da família, mas nos pequenos eventos do cotidiano. É uma crítica recorrente à série, de que não existe material o suficiente pra criar números musicais entre os personagens, mas eu abracei isso mais como uma subversão de uma família nada excepcional tentando levar o seu dia a dia entre si com mais carinho do que desavença. Nem sempre eles conseguem, mas o que importa é o quanto eles tentam. Eu acho que isso só realça a carta de amor da série ao parque do título, porque destaca como esses pequenos momentos que realmente importam na vida da família se passam entre os bancos e as árvores do parque, e como eles são sortudos de viverem em um lugar como o Central Park. Esse é um lugar especial pra eles e quando a ricaça ameaça destruir ele, vira uma ameaça ao afeto da famíla entre si.
Só que é um saco que essa série esteja no Apple TV+. Ninguém assina o Apple TV+. Eu só assisto porque ganhei um ano de graça no serviço, e das outras séries que eu vi por lá até agora nenhuma me chama a atenção o suficiente pra recomendar que alguém pague por mais um serviço de streaming só por essa animação, então eu recomendaria esperar a primeira temporada acabar, no fim do mês, pra você aproveitar o período de teste grátis e assistir tudo. A série também tá naquele Popcorn Time, inclusive.
Essa é uma bela vaca.
Ela se chama Evie, e essa é a foto que fez Kelly Reichardt escolher Evie pra ser o animal título do seu filme mais recente, First Cow.
Eu ainda não vi o filme (eu quero assistir ele hoje de noite, depois de gravar o nosso primeiro episódio do Pãodecast), mas eu tava lendo esse artigo na Polygon sobre como Evie foi escolhida por Reichardt, e me lembrei de outro filme que gostei muito, A Rota Selvagem, protagonizado por um cavalo e um menino.
O que me chama a atenção, tanto em cavalos quanto em vacas, é esse olhar profundo que eles têm. Eles são animais grandes e vivem com a gente por tanto tempo que a gente começa a assumir algumas suposições sobre esses olhares. Eu sempre achei o olhar de um cavalo mais que humano. São olhos grandes mas tào profundos. E essa foto da Evie me fez perceber que isso também vale para vacas.
Segundo A24, a distribuidora de First Cow nos EUA, Evie teve uma filha no início do ano.
Evie (titular cow of @FirstCow) had a baby and named it Cookie! They are doing great thank you for asking pic.twitter.com/dWpTCG4bWA
— A24 (@A24) 26 de fevereiro de 2020
Belas, belas vacas.