Posts publicados em 07/2021

Rebeca Andrade em Tóquio

Assistindo a Rebeca Andrade em Tóquio hoje mais cedo me fez lembrar dessa performance belíssima da Daiane dos Santos em 2005, quando um problema no equipamento de som interrompe o “Brasileirinho”, e ela continua a apresentação às palmas da platéia.

Não teve falha de som em Pequim nas Olimpíadas de 2008, mas dá pra ouvir um “vai lá Daiane” que é de encher o coração:

A Daiane voou.

Construir algo em Animal Crossing cansa demais, mas é tão bom…

Eu passei o fim de semana jogando Animal Crossing. Não como eu passei os últimos meses. Eu passei horas na frente do meu Switch, na minha ilha. Agora é final de domingo, e eu tô exausto.

Por algum motivo, eu fiquei irritado com o layout da minha ilha nessa última semana, e eu decidi que era a hora de mudar as coisas. Eu sou muito apegado a Léte pra apagar meu jogo salvo e começar uma nova ilha, então eu pensei em renovar tudo o que eu podia. Animal Crossing sempre permitiu que você modificasse a vila em que você e seus vizinhos animais moram. Você tinha um catálogo de “obras públicas”, como pontes, uma fonte, um poço artesiano, um farol, postes de luz, esse tipo de coisa. Mas você estava preso ao layout original da vila: a disposição das casas, a forma do rio, etc.

Mas New Horizons está em um nível completamente diferente de personalização. Você pode criar rios e lagos, modificar a forma do terreno, criando platôs, mudar a disposição das casas e dos edifícios públicos; além de poder colocar qualquer objeto em qualquer lugar. New Horizons também oferece um sistema de construção, em que você recolhe recursos naturais, como madeira, mato, flores, e frutas, e constrói seus próprios objetos, como cadeiras e mesas e baús e casas de passarinho.

Só que fazer tudo isso dá trabalho. New Horizons não oferece um “modo deus” como SimCity e The Sims, que você pode criar paredes e modificar o terreno e posicionar objetos como quiser. Tudo é feito através do seu personagem. Você quer construir uma fonte? Você precisa ir coletar ferro batendo com sua pá em algumas rochas, e torcer para sair ferro suficiente para construí-la. Literalmente, eu passei horas nesse sábado e nesse domingo coletando materiais para construir peças de cerca para fazer alguns jardins de flores (e as flores… precisam ser plantadas uma a uma…). Além disso, não existem menus no jogo. Tudo é feito a partir de diálogo. Quer ir buscar mais recursos em uma ilha? Você precisa_ _conversar com Orville para ele te pôr no próximo voo. Quer construir uma ponte ou mover um prédio? Você precisa ir até o prédio de serviços residenciais e conversar com o Tom Nook sobre isso (e pagar, é claro).

É exaustivo, de verdade. Mas quer saber? Eu tô muitíssimo satisfeito.

Eu geralmente fico encarregado de cuidar da casa dos meus pais quando eles vão viajar. Eles moram no interior, em uma casa grande com um pátio bem grande, cheio de bichos, mas existe uma certa calma em você visualizar tudo o que precisa fazer e todos os pequenos passos que você precisa dar para fazer tudo o que precisa fazer: eu preciso limpar o galinheiro todas as manhãs. Para isso, eu preciso pegar um balde específico, e uma pá específica. Eu preciso soltar as galinhas, e ter certeza que nenhuma delas pôs um ovo num lugar escondido. O mesmo vale para os canteiros, e para a organização de onde cada cachorro dorme, e para a casa em si, que precisa ser limpa e organizada. São pequenas tarefas que montam o todo, e elas demoram. Não muito, mas cada pequena tarefa têm seu próprio tempo, e você não pode acelerar mais. Se você regar as plantas muito rápido, pode machucar elas (ou quem sabe nem mesmo oferecer água suficiente). Se não bater e botar as camas dos cachorros no sol, elas vão começar a feder, e vai ser muito mais trabalho ter que tirar o cheiro depois.

É o mesmo limpando minha casa: varrendo o chão e desengordurando a cozinha, arrumando as coisas no lugar e tirando o pó. Tudo tem seu tempo, e não tem como acelerar muito mais do que o aspirador de pó ou a vassoura me permitem.

Eu trabalho no computador, e em desenvolvimento. É quase que engraçado e triste ao mesmo tempo o quanto desenvolvedores “otimizam” seu tempo para teclar menos e desenvolver mais com o tempo ganho. Isso extrapolou o nível de produtividade, o que torna empresas de tecnologia e agências de publicidade em um mar de péssimas condições de trabalho e de burnout. É também um trabalho muito mais mental do que físico, então no fim do dia eu me sinto cansado e agitado ao mesmo tempo. Meu corpo tá cheio de energia, porque ficou sentado o dia inteiro; mas minha cabeça está exausta, e eu não quero fazer absolutamente nada depois.

Isso muda quando eu tô encarregado de cuidar da casa dos meus pais. A casa, e os bichos, precisam da minha atenção, então minha mente está pré-disposta a não ficar exausta demais, porque o meu corpo vai precisar depois. Quando as tarefas do dia acabam, corpo e mente estão cansados, mas é algo muito sincronizado em um efeito de satisfação único. Tá tudo feito, e o descanso fica ainda mais gostoso porque não tem um pingo de culpa.

É mais ou menos o que eu tô sentindo, de um jeito meio bobo. Léte ainda não está pronta, mas eu reorganizei e construí tanta coisa nos últimos dias, que eu fiquei satisfeito com minha paciência e dedicação. Eu decidi que não ia usar nenhum objeto de decoração pronto — tudo o que está na ilha precisa ser construído por mim mesmo — e tá sendo muito bacana. Tem muita espera nesse processo, já que a ilha te oferece um número limitado de recursos por dia, o Tom Nook não faz mais do que uma mudança de layout por dia, e colocar ladrilhos é tão demorado que você precisa descansar de tempos em tempos, com medo de estragar o controle do Switch.

Quando tudo tiver pronto eu vou gravar um tour virtual para vocês. Tô muito feliz e orgulhoso de como Léte tá ficando.

Alguém virou Breath of the Wild sem pisar duas vezes no mesmo lugar

Ash Parish, no Kotaku:

“It felt like cheating to just launch myself off the plateau and into the castle in a straight line, although technically it was Snake,” Pipkin said. “So I said my win state included all towers—a fully filled map.”

It took eight months and six restarts but on June 30, Pipkin finished the challenge. According to them, a lot of that time was spent waiting—either on NPCs or enemies. Since reaching shrines to obtain Spirit Orbs can potentially cause pathing troubles, Pipkin could only complete so many. As a result they were severely underleveled, making regular enemies very dangerous. An attack could either kill Link outright or knock them back, so they often waited, perched on towers or cliffs, biding time until enemy paths to reset so they could make their way forward safely. There were also more minor but equally time consuming moments when Pipkin would accidentally walk the wrong way trying to reach a quest NPC, requiring them to wait whole in-game days for their paths to reset to a more favorable position so they could complete the quest.

Incrível.

Se apaixonando pelo Nintendo 3DS, dez anos depois

Malindy Hetfeld

It made me think about Nintendo’s late president Satoru Iwata, who loved to talk about ways to make hardware a genuine pleasure to use, beyond the questions of shape, button size and so on. Consoles don’t do that anymore - they want to be serious, towering skyscrapers in your home that look like alien artifacts, not cute little toys.

Uma carta de amor bonita pro 3DS, e secretamente uma investigação da “experiência” que foi jogar um jogo num console da Nintendo sob Iwata. Do GameCube/GBA ao 3DS, passando pelo Wii e pelo DS original, tinha algo de único de jogar nesses videogames bastante diferentes. Essa experiência de brinquedo dos consoles da Nintendo tornam o ato de jogar em si memorável.

Remakes e remasters tem seu valor para preservação e acessibilidade de jogos, mas essa experiência de jogar Wind Waker no GameCube, Mario Galaxy no Wii ou Nintendogs no DS não é traduzível em HD e som surround 5.1. É a fisicalidade do hardware — dos botões espaçosos do Wavebird à tela 3D do 3DS ao menu Home do Wii — que enchem as experiências de personalidade.

O Switch tem um pouco disso nos Joy-Cons, mas o resto do hardware parece muito mais voltado à praticidade do que pra diversão. Eu sinto falta de brincar no meu Switch como eu brinco no Home do meu 3DS.

Uma breve anotação sobre fantasmas

Eu acho que o que eu mais valorizo na arte é o poder que a melhor arte tem de me fazer sentir ser parte do mundo, de algo maior, como uma experiência comunal mesmo – isso, feito por uma outra pessoa, existe entre mim e ela, e me faz lembrar que existe muita coisa ao meu redor.

É tipo uma experiência de sonho, de sair do próprio corpo e se enxergar ao redor do mundo. acho isso muito mágico e muito bonito. Mas tem algumas que fazem isso e não só me deixam ver o lugar, mas também o tempo.

Tem uma parte em Kentucky Route Zero que faz isso. me faz pensar que a gente pisa nos ossos das pessoas que viveram aqui antes da gente, e vamos ser o chão onde o futuro vai pisar.

Quando você para para olhar o mundo assim, através do tempo e não só do lugar. Eu olho para meu cobertor e lembro que minha avó costurou ele. Eu olho para a casa do meu vizinho e lembro que ele cortava a grama toda a semana, até um dia que sofreu um acidente e mudaram ele para um asilo.

Acho bonito que somos “assombrados” pelos fantasmas das pessoas que nos tocaram. Eu penso no canto do meu quarto que, não importa o quanto eu limpe, ele sempre vai mofar no final do mês de junho, quando a chuva não para de cair. Um dia eu não vou mais viver nessa casa, nem nesse quarto, mas alguém vai se irritar com esse mesmo pequeno detalhe.

Um dia vamos assombrar os lugares que a gente viveu também.

“Memoria”, o novo filme de Apichatpong Weerasethakul

Esse é o trailer do novo filme do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, Memoria, sobre uma mulher escocesa — a magnífica Tilda Swinton — que começa a ter sensações estranhas depois de ouvir um barulho misterioso.

Se você já viu um dos filmes de Weerasethakul, como Tio Boonme ou Mal dos Trópicos, deve ter tido a mesma impressão que eu: esse trailer tá se esforçando muito pra “transformar” o estilo contemplativo de Weeasethakul em algo que parece um filme de suspense. O que me deu dois efeitos: o primeiro, eu quero muito assistir um filme de suspense do diretor; e segundo, mesmo que o trailer se esforce para esconder, a mão inegável de Weerasethakul ainda consegue aparecer.

O design de som desse trailer é incrível. Escute com fones de ouvido.

O segredo de The Sims 2 é algo bem simples

Eu passei muito tempo pensando no porquê eu me sinto meio fora de The Sims 4. Eu amo muitas coisas no jogo. Os sistemas são poderosos – Sims agora são multitarefas, sentimentos deram uma nova imprevisibilidade na simulação, e relacionamentos estão muito melhores do que nas gerações anteriores. E eu amo a direção de arte do jogo, uma evolução natural de The Sims 1 e The Sims 2, deixando o realismo estranho de TS3 em favor de algo mais expressivo e divertido.

Mas alguma coisa não estava clicando em mim até recentemente. Eu venho experimentando TS4 desde o lançamento, e me diverti um bocado com o pacote de expansão Estações, mas eu sempre senti que algo estava faltando. Então, depois de anos especulando eu decidi que ia tentar descobrir o que era. Eu reinstalei The Sims 2, o jogo que eu tenho as melhores memórias, e a resposta veio rapidamente.

Literalmente! A resposta é a tela de boas-vindas da vizinhança.

Janela do jogo, com uma imagem das famílias da vizinhança selecionada e um texto descrevendo os acontecimentos

Em The Sims 2, depois que você escolhe uma vizinhança você é recebido por uma tela de boas-vindas, que conta um pouco das histórias que estão acontecendo, passando por cada residência e por cada vizinho. Dessa forma, quando o você começa um novo jogo, você é posto dentro da história dessa vizinhança, e você tem uma ideia melhor de como seus Sims vão se relacionar com seus vizinhos e quais são os eventos acontecendo por ali. Seja o mistério do sumiço da Laura Caixão ou o novo triângulo amoroso do Don Lotario, nós sabemos que algumas coisas estão acontecendo ao redor dos nossos Sims e podemos escolher se queremos fazer parte desses eventos ou não.

Eu não acho que essa é a solução para todos os problemas que os fãs de The Sims tem com os jogos seguintes da série, mas é um detalhe relativamente pequeno que sempre me distanciou depois que a tela de boas-vindas foi reduzida a apenas uma pequena descrição da vizinhança em The Sims 3, e The Sims 4 removeu esse recurso completamente.

The Sims é uma franquia difícil porque cada jogador gosta de experimentar de um jeito diferente, e nem todo mundo deve gostar da tela de boas-vindas ou quer jogar The Sims ao redor de personagens criados pelos desenvolvedores, e eu entendo isso! Mas eu amaria ter uma opção de ativar algo assim de novo, que me ajude a entender onde meus Sims estão vivendo, e saber as histórias que meu Sim vai participar.

Eu acredito que isso foi o que fez The Sims 2 ser tão memorável: nós éramos apresentados aos Sims e as suas vidas, e então decidíamos o que queríamos fazer com isso. E é por isso que os personagens da segunda geração são tão queridos. Todos nós, que jogamos ela, temos memórias de como estragamos os planos amorosos da Cassandra ou destruímos a vida dos Quero-Tudo-Que-É-Seu. Eu não tenho ideia do que se passa com os Sims nas vizinhanças de The Sims 3 e 4, porque não sou apresentado à eles. O maior contato que eu tenho é quando eu cruzo com eles em algum lote comunitário, mas ali eles são completos estranhos, o meu Sim parece ser o único com uma “história” por trás. E eu sei que isso não é verdade.

A história de quando Hayao Miyazaki percebeu o problema de visão de um de seus animadores

Em um relato traduzido pelo Kotaku, o animador Masaaki Endo recontou o momento em que descobriu que seu problema de visão agravou quando Miyazaki percebeu que seu trabalho para Meu Amigo Totoro estava distorcido:

Endo recalled how after he submitted the key animation for Totoro, Miyazaki called him over, saying, “Hey the art is distorted. Your glasses prescription is wrong, isn’t it?”

“I don’t think it is,” Endo replied to Miyazaki, adding, “I’ll get it checked out anyway.”

Not exactly convinced by Miyazaki’s armchair diagnosis, Endo went to the eye doctor. He got his eye check out, and low and behold, Miyazaki was right: the vision in one of Endo’s eyes had gotten worse.

Eu adorei essa história, não só porque o poder de observação e o detalhismo de Miyazaki vai além do trabalho em si – ele poderia muito bem só dizer que a animação estava distorcida e Endo talvez não teria ido ao médico. Mas também porque ela me lembrou do meu antigo oftalmo, que cuidou da minha visão pelos primeiros 25 anos da minha vida, até ele se aposentar. Ele me contava que ele me diagnosticou por acaso. Ele tava, na verdade, cuidando da visão da minha irmã, e minha mãe me levou junto porque quando eu era muito novo eu chorava demais. Meu oftalmo disse pra minha mãe, sem nem me olhar, que esse choro era de dor, e pediu para dar uma olhada no que poderia ser. Minha visão era severamente atrofiada quando eu era bebê (eu sinto dores quando tiro os óculos até hoje).

Meu oftalmo era meio mágico. Ele nunca precisou fazer uma série de procedimentos em mim, geralmente só olhando para o meu olho ele conseguia observar se o grau dos meus óculos precisava mudar ou se alguma das minhas deficiências visuais tinha piorado. Uma vez eu fiquei meio cético pra essa habilidade dele de observação e decidi em ir em outro oftalmo, que fez uma série de testes nos meus olhos que me deixaram com os olhos estragados por dias. No fim das contas o resultado foi o mesmo, meu oftalmo tava certo. Eu sou eternamente agradecido ao Dr. Horta e essa magia que ele tinha de observar bem os meus olhos e o jeito que eu estava enxergando as coisas e saber exatamente o que estava acontecendo.

O trailer da terceira temporada de Succession

Todos saúdam o retorno do rei, agora que a nova temporada de Succession, a minha série favorita no ar atualmente, está de volta. O trailer parece indicar que o tom da série – uma tragédia shakespeareana com uma pitada de paródia, que torna a tragédia ainda mais trágica – tá afiada como nunca.

Succession volta na primavera na HBO, depois de mais de um ano de espera.

Forasteira Americana: os filmes de Kelly Reichardt

First Cow, um dos meus filmes favoritos do ano, está nos cinemas desde a semana passada, e essa sexta-feira ele vai ser lançado no MUBI junto com um bate-papo com Kelly Reichardt.

Para aproveitar a ocasião, o MUBI está fazendo uma retrospectiva da carreira da diretora com três obras-primas dirigidas por ela. Entitulado “Forasteira Americana”, a programação especial está exibindo Antiga Alegria e Wendy & Lucy, e semana que vem O Atalho vai entrar na programação também.

No início do isolamento social, no ano passado, eu escrevi sobre como os filmes da Kelly Reichardt estavam me ajudando a aguentar o dia-a-dia em isolamento. Isso ainda é verdade: embora tenha dirigido poucos filmes, eu gosto de sentar e rever os filmes dela em alguns sábados de manhã. Eles são estranhamente confortáveis, mesmo tristes.

Eu recomendo muito você dar uma olhada no cinema dela quando puder. Todos os filmes na programação do MUBI são curtinhos, mesmo que eles fiquem na sua cabeça por um bom tempo.

"Se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor"

Celso Rocha de Barros, na sua coluna pra Folha:

O primeiro lado bom [da adesão gradual de partidos de centro e de direita às manifestações] é que o pessoal parece ter entendido que, se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor. Não dá para esperar que a esquerda organize a manifestação e seja proibida de erguer sua bandeira.

A essa altura, já está claro que a turma do “meu partido é o Brasil” queria dizer que, para eles, o Brasil era só o partido deles. A direita democrática tem que ter partido, camisa, bandeira próprios, porque a bandeira do Brasil tem que ser de todo mundo. Aí os amigos de esquerda vão dizer: bom, com exceção dos caras do Acredito, esses “centristas” todos entraram na briga pelo impeachment só porque agora perceberam que é mais fácil tirar Bolsonaro do segundo turno de 2022 do que Lula.

É, né, companheiro? É por isso que a notícia saiu no caderno de política, onde, aliás, também sai esta coluna.

Nosso objetivo deve ser esse, alinhar o máximo de interesses possíveis contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro. Se a turma liberal voltar a tentar vencer na política, nas alianças, disputando as ruas, sem impeachment mutreteiro ou apoio à extrema direita, maravilha. Que vença o melhor em 2022 e que o Jair volte a ser nanico.

Até porque não basta derrotar Bolsonaro, é preciso reorganizar uma democracia estável no Brasil. O democrata que vencer em 2022 tem que contar com uma oposição liderada por outros democratas.

Há algo que talvez ainda não tenha sido percebido por todos os militantes da esquerda brasileira. Em 2021, nós não somos o minúsculo PT de 1980, fazendo barulho enquanto o MDB conduz a transição. Se Lula suceder o desastre de Bolsonaro, terá que assumir papel parecido ao do PMDB nos anos 1980, Deus queira que com políticas econômicas melhores, mas com a mesma disposição de atrair aliados. Pode não ser o que a esquerda gostaria de fazer agora, mas ninguém escolhe sua tarefa histórica.

“Ninguém escolhe sua tarefa histórica”.

As séries que assisti na primeira metade de 2021

Em janeiro eu fiz uma lista com as séries que eu assisti em 2020. Eu gostei bastante do formato e acho que vou começar a usar ele semestralmente.

Aproveitando que estamos terminando essa primeira metade do ano, vou pôr em dia as séries que eu mais gostei de acompanhar no início de 2021. Não é uma lista de todas as séries que eu assisti porque, pra falar bem a verdade, algumas eu simplesmente esqueço. São as que me marcaram ou que me fizeram uma boa companhia nesses seis últimos meses, mais ou menos na ordem que eu assisti elas.

The Americans (Amazon). Eu comecei a rever essa quando ela voltou ao streaming no fim do ano passado. Como eu não maratono séries, The Americans me acompanhou por todo esse semestre, e é muito bom. Em pensar que a segunda metade dos anos 2010 esse nível de qualidade era um padrão para as séries de TV é de enlouquecer, porque a construção de Americans com o passar dos anos é um dos meus desenvolvimentos narrativos favoritos.

Ted Lasso (Apple). Como Betty no ano passado, eu não tenho ideia do porquê eu me apaixonei por Ted Lasso, uma série em que um treinador de futebol americano vai para a Inglaterra treinar um time de futebol de verdade. Acho que é bem humorado, mas também bem sincero no seu otimismo: nem tudo o que Ted tenta funciona, nem sempre o pessoal leva na boa o seu bom humor, mas Ted insiste e tenta, e todo o mundo quer ajudar ele a tentar. Eu amo séries em que as pessoas aprendem a trabalhar juntas, e Ted Lasso é uma dessas, sem um pingo de cinismo no coração.

Undone (Amazon). Me recomendaram essa série (que deve receber uma segunda temporada em breve) por muito tempo e eu fiquei postergando, por algum motivo que eu não sei e provavelmente era preguiça. Mas agora eu me arrependo, porque Undone é incrível. Ela usa a animação para igualar a realidade e a impressão da realidade da protagonista, e você não sabe direito o que é um e o que é outro.

Superstore (Amazon). Uma espécie de The Office com mais coração, ou uma Brooklyn 99 mais cínica? Superstore tá nesse meio, e arrasa muito entre ser um comentário pesado sobre as condições de trabalho nos EUA e a beleza de quando você consegue formar uma comunidade com aqueles que você passa seus dias. A última temporada, que aconteceu durante a pandemia, é sensacional.

For All Mankind (Apple). Eu gostei muito da primeira temporada da série de ficção científica da Apple, em que a União Soviética foi a primeira a chegar à lua, o que faz com que a Corrida Espacial não tenha acabado. Mas a série cresce tanto em sua segunda temporada, que ela automaticamente se tornou em uma das melhores séries que eu vi nos últimos anos, e eu não duvido nada que na terceira temporada ela alcance minhas outras favoritas, como Halt and Catch Fire e The Americans.

Barry (HBO). Eu não sei porque eu parei de assistir Barry na primeira temporada. Eu lembro de ter amado, mas eu lembro também de ter perdido uma semana e parei de acompanhar. Ainda bem que eu dei uma segunda chance, porque a primeira temporada é excelente, e a segunda é de tirar o chão e fazer ele de teto. Uma comédia sobre um assassino de aluguel que quer ser ator se transforma em um thriller e em um drama e em um filme de ação experimental e o que mais os criadores da série conseguem pensar. Tudo isso em meia hora. É bom demais.

Mare of Easttown (HBO). A HBO enganou geral com a primeira minissérie da Kate Winslet desde Mildred Pierce em 2011. Parece muito parte da onda de séries-prestígio de detetives em que uma estrela de Hollywood vai pra TV por uma temporada (ver também: The Night Of, Big Little Lies, Sharp Objects, True Detective, The Sinner), porque o crime e a investigação são só o gatilho do que eu chamaria de “Gilmore Girls e Twin Peaks mas bem triste”: como a vida de diferentes gerações de uma família em uma pequena cidade reage aos próprios traumas com o passar do tempo. É muito bonita, e tem tanta atuação boa que chega a tirar a minha atenção.

The Underground Railroad (Amazon). A minha série do ano por enquanto. The Underground Railroad é pesadíssima de se assistir de uma vez só, eu recomendo que você deixe no mínimo um dia de “repouso” entre os capítulos. São só dez, e são bem episódicos mesmo, ainda bem. Nada de ganchos ou surpresas, e sim a continuação natural de uma história das várias formas que a população negra nos EUA foi escravizada e explorada, e as várias formas que ela se libertou. É poético, é triste pra caramba, mas é também um retrato tão humanista do sofrimento e da sobrevivência. Barry Jenkins é um dos mestres do nosso tempo.

Calls (Apple). Uma temporada, episódios entre quinze e vinte minutos que são só ligações entre algumas pessoas, Calls faz aquele mesmo cafuné de A Vastidão da Noite, um mistério feito em linhas telefônicas e em frequências interrompidas, que transforma a tecnologia em algo fantástico e misterioso novamente.

Sweet Tooth (Netflix). Eu não tenho ideia como essa série, adaptada dos quadrinhos da DC pela Warner, não tá na HBO. É um sinal de como a emissora tá com problemas, que deixou essa primeira temporada, fabulesca e muito simpática, ficar pra Netflix. Eu nunca li os gibis, e a série derrapa um pouco na metade quando os episódios parecem mais ser parte de um filme do que de uma série, mas é uma jornada muito bonita, e a trilha-sonora é gostosa demais.

Betty (HBO). A segunda temporada dessa joia de série acabou de começar, e eu já estou apaixonado por Betty de novo. O grupo de skatistas precisa lidar com o fechamento de Nova York por causa da pandemia, e a perda do seu espaço para praticar o esporte enquanto também precisam lidar com as pequenas escolhas que fazem no dia-a-dia que guiam a vida delas. Continua linda, continua divertida, e continua estranhamente revolucionária na TV. Eu tava precisando reencontrar esse pessoal logo, e ainda bem que a segunda temporada chegou na hora certa.