Posts publicados em 2021

Everything is Alive entrevista Sal, a meia

Uma coisa interessante aconteceu hoje. Eu tava voltando da minha corrida, enquanto eu ouvia os meus podcasts da semana, quando o episódio de hoje de Everything is Alive começou. Eu tava tirando minhas meias quando Sal, uma meia, começou a contar sobre Rebecca, sua parceira.

Essa temporada de Everything is Alive tá sendo mais ou menos, mas Sal talvez seja o meu episódio favorito do podcast até aqui. A empolgação de Sal contando sobre Rebecca é daqueles momentos de genialidade que compõe o podcast em seus melhores momentos: breves lampejos da beleza do nosso dia-a-dia sendo relembrados em perspectivas completamente diferentes da nossa. É uma reapreciação de se estar vivo.

O episódio também tem uma entrevista com Sebastian Connelli, o homem que ilustra esse artigo sobre usar sandálias e meias, e sua esposa, que publicou a foto no site — algo que eu não fazia ideia de que era polêmico, até porque eu amo usar crocs e meias.

Aí estão dois casais conversando sobre meias. Quem diria que seria tão bonito.

Relendo “A Visita Cruel do Tempo”

Tem um sentimento que eu gosto muito, e que eu percebi que eu tô sentindo de novo depois de muito tempo, que é o de ouvir uma música que eu amo e me lembrar de todos os momentos que ela tocou no momento perfeito, ou todos os momentos perfeitos que eu queria que essa música estivesse tocando.

Quando eu era mais jovem eu achava que isso era uma loucura da minha cabeça, que por algum motivo minhas memórias tinham um jeito de “molhar” o presente na primeira oportunidade possível. Nos últimos anos, em que eu me distanciei da música e de muitos sentimentos, eu nem lembrava que isso podia acontecer.

Essa semana eu tava revirando uma das caixas no meu quarto (eu acabei de me mudar, e ainda não posso colocar as coisas no lugar) quando encontrei A Visita Cruel do Tempo. Eu nem lembrava que ele é o meu livro favorito, e que eu escrevi sobre ele aqui há muitos anos. Eu comecei a reler ele, e eu lembrei exatamente desse sentimento que eu descrevi acima, porque ele é um livro cheio deles, e eu nunca tinha percebido isso antes.

Não vou resenhar A Visita Cruel do Tempo aqui, até porque eu nem sei mais como fazer isso. É um livro sobre uma mulher, Sasha, e um homem que, por alguns anos, foi o chefe dela, Bennie. Mas o livro dificilmente fala dos dois diretamente, fora os dois primeiros capítulos. A Visita Cruel do Tempo conta a história dos amigos, dos mentores, dos filhos, de pessoas que cruzaram com eles nas ruas. Os capítulos são todos muito diferentes entre si, mudando de pontos de vista e de modo narrativo. Mas, de alguma forma, todos eles se interligam. São momentos na vida de um punhado de pessoas, e como eles reverberam — como eles são lembrados ou esquecidos com o tempo, mas como eles continuam existindo, de alguma forma, aqui e ali.

Esse sentimento me pegou de jeito no terceiro capítulo do livro, “Safari”, que é contado no ponto de vista de vários personagens ao redor de um produtor musical chamado Lou: pelos seus filhos, Charlie e Rolph; e sua amante, Mindy. Parece uma história bem comum sobre a vez em que o pai das crianças levou eles para o Quênia para ver leões. Até que chega numa cena de dança.

Nela, a autora Jennifer Egan emprega um recurso que eu amo, e que lendo eu percebi que é o mesmo recurso que Mike Mills empregou em Mulheres do Século 20: usando o presente pra falar do futuro que os personagens não viveram, mas a gente tá tendo a oportunidade de ouvir como se fosse uma lembrança:

Conforme os dois vão se movendo juntos, Rolph sente a vergonha desaparecer como por milagre, como se estivesse virando adulto bem ali na pista, tornando-se um menino que dança com meninas feito a irmã. Charlie também sente a mesma coisa. Na verdade, essa lembrança é aquela que irá revisitar vezes em conta, pelo resto da vida, muito depois de Rolph ter se matado com um tiro na cabeça na casa do pai aos 28 anos de idade: seu irmão ainda menino, com os cabelos colados à cabeça, os olhos brilhando, aprendendo timidamente a dançar. Mas a mulher que se lembrará disso não será Charlie; depois que Rolph morrer, ela recomeçará a usar seu nome de verdade — Charlene —, desassociando-se para sempre da menina que dançou com o irmão na África. Charlene vai cortar os cabelos curtos e estudar direito. Quando tiver um filho, vai querer batizá-lo de Rolph, mas seus pais ainda estarão traumatizados demais. Ela então chamará o filho assim na intimidade, apenas em pensamento, e anos depois estará em pé com a mãe junto a um grupo de pais torcedores ao lado de uma quadra esportiva vendo-o jogar e olhar para o céu com uma expressão sonhadora em seu rosto de menino.

Esse é um em uma série de parágrafos que revelam o destino dos personagens do capítulo. Quase todos eles recebem um parágrafo assim. O que me impressiona nele é como ele resume uma vida inteira em um parágrafo, mas não reduz a vida da personagem nele. Existe muita coisa que a gente não sabe que Charlie vai viver até adotar seu nome de Charlene, mas a gente sabe como aquele momento que ela tá vivendo naquele instante — aprendendo e ensinando seu irmão caçula a dançar — vai acompanhar ela.

Eu me emocionei muito lendo A Visita Cruel do Tempo, porque é cheio de momentos assim, em que as pessoas percebem que estão vivendo um momento definitivo. Não “decisivo”, necessariamente, mas um desses momentos eternos, que vão ser lembrados até serem esquecidos para poderem ser lembrados de uma nova forma, de novo.

Eu nem sabia que eu ainda gostava de ler tanto assim até esse final de semana, quando peguei esse livro e tive que me segurar pra não devorar ele de uma só vez. Reencontrar ele foi como salvar minha vida. Eu sinto que ele já fez isso antes, mas eu tinha esquecido até que ele me lembrou.

Mona Lisa, explicada

Eu sou um fã do canal Great Art Explained no YouTube. Os vídeos nele me ensinam a reapreciar peças de arte que eu sei que são extraordinárias, mas que eu simplesmente concedo que são porque todos dizem que são ou porque são “bonitas”.

A verdade é que uma peça de arte é um processo que se esconde em um resultado. E no caso da Mona Lisa, que se tornou um sinônimo de obra-prima, é fácil de apenas conceder que ela é uma bela pintura a ponto de desvalorizarmos como ela é uma obra-prima em si: ela é o resultado, e o processo, da carreira de um homem que nunca parou de aprender, e que fez alterações nela até o fim de sua vida, aperfeiçoando-a.

Esse vídeo coloca todos os seus feitos – da pose, do sorriso, da composição, até mesmo da anatomia de sua expressão – em um contexto: por que pintar uma mulher “normal” como Lisa foi um ato revolucionário em si; porque eternizá-la contente, quase confiante, é algo quase transgressor; e como ela nos pede para parar e olhá-la, em um mundo que simplesmente colou seu sorriso em todos os cantos possíveis, ela ainda consegue atrair um olhar diferente.

Achei poético que o melhor vídeo do canal é um vídeo sobre a obra-prima definitiva. Além de instrutivo, é emocionante de assistir. Ainda bem que arte existe.

Um site para rabiscar

Captura de tela de uma série de rabiscos feitos por Clive Thompson, em que uma linha da cor preta faz ângulos retos enquanto cruza em cima de si mesma

Clive Thompson é um escritor, e ele desenvolveu um script na web para ajudar a rabiscar que você pode acessar aqui. Use as setas para guiar a direção do rabisco e aperte “c” para começar um novo.

Ele escreveu sobre o processo e a motivação em um post para o blog Better Humans. Rabiscar ajuda ele a se concentrar no que ele precisa escrever, e uma parte fascinante do post dele é sobre a ajuda cognitiva oferecida pelo rabisco:

Em um estudo, pessoas que rabiscavam enquanto escutavam uma palestra lembraram de 29% a mais do que as pessoas que não o fizeram. Alguns terapeutas suspeitam que nossos rabiscos podem ser úteis emocionalmente, formando pistas para os problemas que estamos lidando em nosso subconsciente. Pesquisas também descobriram que muitas pessoas em empregos de resolução de problemas rabiscam muito. Existe algo sobre essa atividade — que é simultaneamente criativa, uma maneira de liberar energia nervosa, e ao mesmo tempo bobo e atento — que ajuda a revigorar nosso combustível.

Como Sunni Brown, autora de The Doodle Revolution, escreveu

Existe um motivo legítimo do porquê rabiscos aparecem nos cadernos de nossos pensadores, cientistas, escritores e inovadores mais celebrados. E, surpresa, não tem nada a ver com eles fazendo nada. Existem muitas evidências que sugerem que o que realmente est[a acontecendo é que o rabiscador está se envolvendo em um processamento de informações profundo e necessário. Um rabiscador está conectando os caminhos neurológicos com caminhos que antes estavam desconectados. Um rabiscador está se concentrando intensamente, vasculhando informações, concientemente ou não e — muito mais do que a gente consegue perceber — gerando pensamentos massivos.

Eu não sei se rabiscar no computador oferece tantos benefícios para o cérebro quanto um rabisco num papel (provavelmente não?), mas eu acabei de pegar meu caderninho e puxar ele mais pra perto, tá aí algo que eu fiz muito na escola e simplesmente parei depois. Vai ser interessante voltar a fazer isso.

O dispositivo mais importante do universo

O vídeo acima é uma coletânea de aparições de um dispositivo que aparece em praticamente todos os Jornada das Estrelas, e também em vários outros filmes de ficção científica por anos. É um achado meio fascinante — ele geralmente tá ali, piscando as luzes como sempre fez, mas sempre diferente em cada uma das suas aparições.

O mais bacana é que os comentários desse vídeo no YouTube não são uma poça de lodo como geralmente são, e sim um pouco daquela experiência de conhecimento colaborativo que a internet nos oferece nos melhores dias. Segundo o comentário de Gene Turnbow:

It was built at Modern Props - Modern Props owner John Zabrucky designed it. It dates to about 1977 or so, but was updated several times. I worked there around 1984-1986, so I worked directly with this piece on a regular basis.

E assim o dispositivo finalmente recebeu um nome, dado por SCOTHBOX em ujma resposta a Turnbow:

Let it forever be known as the “Zabrucky-Turnbow Drive”

Que tenha uma vida longa e próspera.

Onde encontrar a colina do Windows XP

Um computador com monitor CRT exibindo o papel de parede padrão do Windows XP: uma colina verdejante sob o céu azul Momentos.

O papel de parede “Bliss” — a colina verdejante sob o céu azul A mesma colina em maio de 2016. O céu não é mais tão azul, mas a colina continua verde

Eu acho que a colina que aparece no papel do Windows XP é a colina mais vista do mundo. Em algum momento há duas décadas (!!!!!!!!) ela era a imagem de fundo de mais de um bilhão de computadores — provavelmente bem mais, porque naquela época era muito mais fácil falsificar um Windows.

Hoje ela é uma colina normal, e talvez ela sempre tenha sido. Isso porque ela não está em nenhum lugar especial. A fotografia foi tirada em 1998 pelo fotógrafo do National Geographic, Charles O’Rear, que estava indo visitar sua namorada quando passou por uma colina em Sonoma, na Califórnia. Ele parou para fotografar ela porque a grama estava muito verde depois da chuva. O resto é história.

O Atlas Obscura tem os detalhes:

O’Rear used Fujifilm’s Velvia (said to rival Kodachrome), a film often used by nature photographers, which created the image’s saturated tones. He says the image was completely untouched when he uploaded it to Corbis, a stock photo site founded by Bill Gates.

In 2000, Microsoft called to see if they could use his picture for its new operating system. O’Rear sold all the rights for an undisclosed sum—but a sum large enough that no one was willing to insure the images to be shipped. O’Rear flew to Seattle and delivered them in person.

Hoje a colina recebe a atenção de quem sabe o que ela protagonizou, mas para a maioria das pessoas que passam por ela todos os dias ela é só mais uma colina. O que é interessante, ees provavelmente viram ela várias vezes nas telas dos computadores, mas nunca pararam para ver ela quando estavam voltando do trabalho. Mas ei, ela ainda está lá.

Tudo o que eu voltei a sentir enquanto ouvia as músicas que eu esqueci

Eu enfrentei um dos piores momentos da minha vida entre 2015 até meados de 2019, vivendo com uma depressão que durou tanto tempo que eu achei que eu nunca ia conseguir sair dela. Com o tempo, ele deixou de ser uma constante na minha vida e se transformou em algo como o clima: as vezes fica calmo e bonito, as vezes fica agitado e confuso, e as vezes ele muda de uma hora para a outra.

Meu processo de recuperação foi, em parte, aceitar que eu precisava reaprender a sentir as coisas de novo, a buscar significados que eu perdi naqueles anos de novo. É uma via de mão dupla, porque eu fico feliz de reencontrar um velho sentimento ou de perceber algo ou de me inspirar com algo de novo; mas ao mesmo tempo eu percebo que esse sentimento está um pouco diferente, que existe um peso em algum lugar. É como se eu convivesse com um fantasma no canto do meu cérebro, que nem sempre quer me assombrar, mas que só por estar ali já me causa um desconforto.

Isso causou um efeito interessante aqui no Pão, que se tornou em uma espécie de documentação dessas redescobertas. Durante os anos em que eu estive doente, o blog caiu em desuso e era atualizado pouquíssimas vezes, então ele documenta muito a empolgação da época em que ele foi criado, entre 2013 e 2014, o silêncio dos anos seguintes até eu voltar a escrever em 2019. E, de 2019 pra cá, muitos desses posts são minha reação à pequenas percepções que eu tenho no meu dia a dia que em ajudaram a ficar melhor. A primeira vez que eu escrevi sobre isso foi em julho de 2019, mas vários posts desde então registram essas pequenas redescobertas do dia a dia.

A última veio nesse último fim de semana, enquanto eu fazia uma limpeza no meu computador antigo. Eu encontrei um backup das minhas playlists do serviço de streaming que eu usava antes do Spotify, o Rdio.

Captura de tela do reprodutor de músicas Rdio, exibindo a biblioteca de discos do usuário O Rdio era muito bonito.

O Rdio foi o primeiro dos streamings de música a fazer (um relativo) sucesso no Brasil, principalmente porque ele possuía um plano gratuito muito bacana, que te dava acesso a todos os recursos na versão web (você precisava pagar para usar no celular). Na época eu não tinha um smartphone, e usava o Rdio principalmente no meu primeiro trabalho, entre os anos 2011 e 2014. Foi a primeira vez que eu tive o acesso à muitas músicas sem precisar ficar baixando, e o Rdio tinha uma função de enviar dicas de música para os amigos de uma forma fácil, então eu e meus amigos ficávamos compartilhando músicas uns com os outros o dia inteiro.

Essa foi a mesma época que eu tenho algumas das minhas melhores memórias antes de adoecer. Eu era um estagiário em uma empresa bacana e recebia bem, o que me dava tempo e dinheiro — eu já tinha saído da casa dos meus pais, morava perto do trabalho e podia fazer o que bem entendesse. Eu tava saindo do ensino médio, e essa perspectiva de já ter um emprego sem nem ter se formado ainda me deu muita independência de uma hora pra outra. Eu não sabia, mas muito desse sentimento tinha sido guardado nas músicas que eu ouvia nessa época.

E muitos desses sentimentos vieram esse fim de semana, quando encontrei esse backup de playlists e músicas salvas daquela época e recuperei no meu Spotify. Discos e músicas que eu tinha esquecido completamente apareceram na minha biblioteca, e muitas memórias voltaram à tona. Memórias são bonitas, mas podem ser frias se não vêm acompanhadas de sentimentos muito específicos do momento que elas relembram. Eu armazeno muito dos meus sentimentos nas músicas que eu ouço, foi como abrir um velho baú de várias coisas que eu não sentia há muitos anos.

Se você quer dar uma olhadinha em algumas das músicas que eu acabei de redescobrir, eu tô juntando elas nessa playlist:

Isso me ajudou a perceber como eu escuto música de um jeito diferente do que naquele tempo. Por boa parte da última década, meu contato com músicas — principalmente músicas que eu não conheço — se deram por meio de playlists, geralmente criadas por algoritmos do Spotify. Isso parece que tirou muito a cara dessas músicas pra mim. Antes, músicas vinham de alguém ou de algum lugar: uma amiga me recomendou, ou eu vi em um filme que eu gostei muito, ou tocaram em uma festa e eu gostei tanto que tive que anotar o nome na palma da mão e torcer que eu não borrasse tudo quando chegasse em casa. Cada música era um achado, um momento perfeito porque traduzia o momento em som, e que deixava o momento mais perfeito por causa disso. Essas músicas então me levavam a artistas ou discos inteiros. Foi como eu conheci a minha banda favorita, por exemplo.

Tá sendo muito bacana voltar a reencontrar essas músicas, porque eu sinto que eu tô reencontrando velhos amigos depois de muito tempo. Eu tô muito diferente daquele tempo, e eu enxergo eles de um jeito muito diferente agora. Mas tem algo ali que não mudou. Falando objetivamente, são as ondas sonoras que continuam as mesmas. Mas parece que é algo mais. É como se fosse uma máquina do tempo.

Eu espero aprender essa lição, e voltar a descobrir músicas (e também filmes e livros e séries e jogos) através de pessoas e de momentos como esses que eu acabei de recuperar. De ficar curioso pelo que elas acham, e pelo que elas esperam que eu veja e escute e sinta. Eu não troco isso por nada, porque me mostra como é bom de sentir de novo, como é bom estar de volta.

O trailer da quarta temporada de Everything is Alive

Everything is Alive, meu podcast favorito, vai começar sua quarta temporada na próxima quarta-feira, dia 22 de setembro, depois de um episódio especial em maio. Aí está o trailer.

Everything is Alive é um podcast muito especial e muito bonito, em que Ian Chillag entrevista objetos do nosso dia-a-dia, como um elevador ou um espelho, uma calça jeans e sua amiga jaqueta de couro.

Quando eu apresentei esse podcast pra um amigo meu, ele me disse que é perfeito pra quem cresceu assistindo Toy story e começou a imaginar que tudo tinha uma vida secreta, e é verdade.

Os trailers dos meus filmes mais esperados nos próximos meses

Depois de um bocado de tempo, eu finalmente tô voltando a ficar empolgado com filmes de novo. Tá sendo um processo bem devagar, e bem calmo, de olhar pra algo e conseguir sentir uma certa empolgação de novo.

O sentimento em si já é empolgante por si só, e eu quero compartilhar um pouquinho com vocês. Ao invés de ficar escrevendo sobre os filmes que tão me reconectando com o carinho que eu sinto pelo cinema, eu acho que é melhor tentar deixar vocês, meus amigos que leem esse blog, empolgados pelos filmes que eu provavelmente vou forçar vocês a assistirem comigo. Achei uma solução saudável, que tal?

007 — Sem Tempo para Morrer

Honestamente, eu não me importo muito com 007 em si, mas eu sou apaixonado pela encarnação do Daniel Craig pro personagem. Eu não tenho muito saco pras versões clássicas do James Bond, mas os filmes protagonizados por Craig são divertidos, muito bem dirigidos e Craig encheu o personagem com um carisma que ele nunca teve antes. Ele finalmente é um homem intrinsicamente falho que só sabe lidar com o mundo ao redor dele com suas armas, e não o salvador da rainha da Inglaterra. E esse é o último filme de Craig no papel, dirigido pelo magnífico Cary Fukunaga (de Jane Eyre e da excelente primeira temporada de True Detective).

O filme deve ser lançado em 30 de setembro nos cinemas.

Duna

Eu amo as ficções científicas do Denis Villeneuve. Tanto A Chegada quanto Blade Runner 2049 são gigantes em escopo e em proposta, e Duna parece ser maior ainda. Vai ser um fracasso de bilheteria, vai ser magnífico, eu mal posso esperar.

O filme vai ser lançado em 21 de outubro.

A Crônica Francesa

Eu já falei aqui sobre o novo filme do Wes Anderson. Por muitos meses da pandemia no ano passado, enquanto esse filme ainda tinha a previsão de ser lançado em outubro de 2020, eu imaginei que esse seria o primeiro filme que eu veria no cinema depois de meses. Acabou não sendo — eu vi Mank em novembro de 2020 e First Cow em maio desse ano —, mas eu tenho certeza que esse é o filme que eu vou assistir numa sala de cinema. O último filme do Anderson que eu assisti no escuro, O Grande Hotel Budapeste, foi uma das melhores experiências da minha vida. A Conexão Francesa não foi tão bem recebido no Festival de Cannes esse ano, mas quem se importa? A magia dos filmes do diretor parece estar todinha nele.

O filme deve ser lançado em 18 de novembro nos cinemas.

Annette

A verdade é que eu já vi Annette, em casa. Eu não consegui esperar, e é o meu filme favorito do ano por enquanto. Mas se a MUBI for lançar esse filme nos cinemas, como fez com First Cow, eu vou estar lá. É um espetáculo que é pequeno demais pra qualquer tela, então quanto maior, melhor.

O filme vai ser lançado na MUBI em novembro. Tomara que eles lancem no cinema também!

Ataque dos Cães

O novo filme da mestre Jane Campion, diretora de O Piano e Top of the Lake, um filme e uma série perfeitos. Ataque dos Cães estreou no Festival de Veneza desse ano como o filme mais aclamado do festival, e considerado por alguns críticos como o melhor filme da diretora até aqui. Eu gostei muito do tom do teaser desse filme e me recuso a saber mais sobre o que acontece nele. Parece incrível.

O filme deve ser lançado na Netflix em 1º de dezembro.

Matrix Resurrections

O retorno da franquia mais ousada, mais influente e mais poderosa do lado de cá de Star Wars. Matrix foi revolucionário, Matrix Reloaded e Revolution pedem que o público revolucione também. Nenhuma franquia de blockbusters foi tão corajosa quanto essa foi desde a virada do século, e eu mal posso esperar pra ela voltar com Resurrections. A gente tá precisando.

O filme vai estrear nos cinemas e no HBO Max em 22 de dezembro.

Spencer

Eu amo, amo, amo Jackie, a outra biografia de Pablo Larraín sobre uma mulher sob os holofotes do mundo em um momento crítico na sua vida (qual será a próxima, Britney Spears?), e Spencer parece seguir o mesmo caminho para falar dos três dias em que a princesa Diana ficou presa com a família real em um Natal nas vésperas do final do seu casamento. O filme tá sendo descrito como “uma fábula sobre uma tragédia real”, que é a mesma forma que eu descreveria Jackie, então eu não tenho críticas. Ele também tem o melhor cartaz do ano:

Cartaz do filme

O filme ainda não têm previsão pra estrear no Brasil.

Memoria

Primeiro filme de Apichatpong Weerasethakul fora do seu país de origem, Memoria tem a excelente Tilda Swinton e o melhor trailer do ano. O som desse trailer fez meus ouvidos se abrirem de um jeito difícil de explicar.

O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.

Petite Mamain

Ah, o novo filme de Céline Sciamma, a diretora do melhor filme que eu vi em anos, o magnífico Retrato de uma Jovem em Chamas. Eu nem sei o que esperar desse filme, mas parece que ela volta pro realismo francês do seu Tomboy, que é outro filme excelente. Sciamma não erra, e esse filme tá sendo alardeado como o melhor dela. Eu duvido, mas é um “eu duvido” cheio de vontade de estar errado.

O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.

C’mon C’mon

De Mike Mills, mesmo diretor de Mulheres do Século 20, eu tô sentindo que esse filme — sobre um radialista entrevistando crianças sobre como elas veem o futuro — vai me fazer chorar pesado , Que nem Mulheres do Século 20 fez, e eu não trocaria um segundo sequer daquele choro.

C’mon C’mon não tem previsão de estreia no Brasil.

Lamb

Nada me tira da cabeça que o cara comeu a ovelha.

O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.

O trailer de “C'mon C'mon”, novo filme de Mike Mills

Mike Mills, diretor de um dos meus filmes favoritos, tá de volta com C’mon C’mon, estrelando Joaquin Phoenix. O trailer já encheu meus olhos… parece que o diretor abraçou a minha característica favorita de Mulheres do Século 20, de transformar seus filmes em um baú de memórias, mais do que de histórias.

O filme não tem previsão de estreia no Brasil ainda, mas vai ser lançado nos EUA em novembro.

Obrigado Leo pela dica!

Wes Anderson lança um livro com as leituras que inspiraram “A Crônica Francesa”

A Crônica Francesa, o décimo filme de Wes Anderson, é sobre uma revista publicada por escritores estadunidenses na França. A revista ficcional é inspirada na revista americana New Yorker e, agora, o diretor vai lançar [um livro com os artigos que o inspiraram a escrever o filme](https://www.newyorker.com/culture/the-new-yorker-interview/how-wes-anderson-turned-the-new-yorker-into-the-french-dispatch.

Para a New Yorker, o diretor explicou o que o motivou a publicar um livro com suas inspirações em An Editor’s Burial.

Two reasons. One: our movie draws on the work and lives of specific writers. Even though it’s not an adaptation, the inspirations are specific and crucial to it. So I wanted a way to say, “Here’s where it comes from.” I want to announce what it is. This book is almost a great big footnote.

Two: it’s an excuse to do a book that I thought would be really entertaining. These are writers I love and pieces I love. A person who is interested in the movie can read Mavis Gallant’s article about the student protests of 1968 in here and discover there’s much more in it than in the movie. There’s a depth, in part because it’s much longer. It’s different, of course. Movies have their own thing. Frances McDormand’s character, Krementz, comes from Mavis Gallant, but Lillian Ross also gets mixed into that character, too — and, I think, a bit of Frances herself. I once heard her say to a very snooty French waiter, “Kindly leave me my dignity.”

Tá aí uma ideia bacana, que eu adoraria que outros diretores abraçassem: um diretor acompanhando seu filme com uma “lista de leituras”. É algo que eu faço meio que na marra (eu comecei a ler os contos de Raymond Carver depois de descobrir os filmes de Kelly Reichardt, por exemplo), mas eu ia adorar uma ajudinha na hora de expandir meus horizontes literários.

A Crônica Francesa deve ser lançado nos cinemas brasileiros em 11 de novembro.

random.earth

random.earth

Ok, esse site tirou toda a minha produtividade hoje. O random.earth é uma curadoria aleatória de imagens bonitas da Terra feitas pelos satélites do Google Earth.

Ele funciona tipo o antiguíssimo StumbleUpon: você vota numa imagem que outra pessoa recomendou, e depois o site te oferece uma imagem para recomendar.

É o tipo de experimento que une coisas que me interessam, a aleatoriedade e a cartografia, em um só link. Adoro quando descubro coisas assim.

Segunda parte - A mostra do passado retomado e da memória

Afastando-se um pouco do contexto pandêmico, os dois últimos programas da mostra latina do 32º Kinoforum trouxeram reflexões acerca do passado colonizado e expropriado da América Latina mas também novas formas de narrá-lo. 

Latinos 3 - Alegorias e Adereços

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Elegendo curtas que dialogavam com novas formas de imaginar o real, esse programa trouxe filmes que se utilizavam do híbrido entre documentário e ficção, como Caso à parte e Interferência, ambos fabulações acerca de imagens de arquivo muito bem realizados. Além disso, temos a excelente animação Tío, que se propõe a discutir tradição, violência e ruptura familiar no México.

Em se tratando de México, destaco aqui o que considero ser talvez o melhor curta-metragem da mostra latina e, por isso mesmo, merece esse espaço: A felicidade do motociclista não cabe em sua roupa, do diretor Gabriel Herrera, é, em todos os sentidos possíveis, uma bela alegoria. De forma inspiradora, temos um voice over narrando a conquista do país por um explorador colonial, enquanto vemos na tela um motociclista orgulhosamente sentado em sua moto. Utilizando imagens sem movimento de câmera, quase como retratos, o filme brinca com as conquistas do colonizador, que queria enfrentar a selva sozinha, e as coloca lado a lado com a conquista da moto. Uma metáfora elaborada e cheia de ironia, que expõe de maneira interessante o ridículo da colonização e como tal “façanha” é motivo mais de piada do que qualquer outra coisa. 

A felicidade do motociclista… é um filme para ser visto e revisto, entendido talvez como uma ótima alegoria do que é esse pedaço de américa latina que temos hoje. Com referências que remetem a Godard e talvez um pouco de Roy Andersson, com o uso do humor irônicos e os quadros muito bem organizados e pensados, é um dos melhores curtas do festival em 2021.

Latinos 4 - A persistência da memória

Sabendo que seria incapaz de não me atingir de subjetiva por um programa que trata sobre memória, já esperava ficar imersa nos curtas deste programa. Contando com somente 3 filmes, todos documentais, o programa 4 trouxe como tema central as reminiscências do passado e como ele nos afeta hoje, tanto afetivamente quanto socialmente. São filmes que lidam com a imagem da memória, em arquivo ou no instante preciso. 

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Em A montanha lembra, da diretora Delfina Carlota Vazquez, temos uma narradora enfrentando a imagem de um vulcão em atividade. Distante, no horizonte da janela da diretora no México, aquela montanha aberta e tomada de lava é uma silhueta que guarda a cidade. Mas guarda também as lembranças da constituição originária daquele povo, suas crenças e seus rituais. A diretora utiliza-se de imagens filmadas por ela mesma de forma bastante íntima, fazendo lembrar Agnès Varda em suas andanças documentais pelo mundo. Uma reflexão acerca do que fica sedimentado na terra e se torna memória e objeto das pessoas que ocupam um lugar e o tomam para si, tendo ao lado delas a fúria do vulcão que desperta em momentos cruciais de sua história. 

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Reconstruir o passado na busca de não repeti-lo é o que o diretor Julio Barrera busca em Nossos homens ausentes, ao trazer as vozes das mulheres de sua família para narração ativa da história. Deixando-se conduzir pelos cômodos do que parece a ser casa que abriga sua mãe e suas tias, Julio busca fotos, objetos e os coloca em frente a cada uma delas, absorvendo sua narrativa. Uma família, segunda uma das vozes que ouvimos, condenada a não ter homens, o que é entendido como “maldição”. A sina, nesse caso, é repetida pois a velha história que conhecemos se repete com as mulheres da família de Julio: os homens as abandonaram e as deixam sozinhas com os filhos. É nesse ponto delicado que o cineasta remexe e lambe a ferida. O que parece é que Julio quer ser outra coisa para seu filho pequeno e, para isso, ele remonta o passado dessas mulheres que o criaram e faz dele motor do que impulsiona seu futuro.

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Por fim, temos o que também considero como um dos melhores curtas desta mostra: Correspondência, das diretoras Dominga Sotomayor e Carla Simón. Iniciando como uma narração sobre as vidas de cada uma das diretora, com voice overs e colagens visuais, o curta é uma costura de momentos e reminiscências das duas, através de trocas de cartas. Situado no contexto pandêmico, somos convidados a rever o passado familiar das diretoras, que se veem nostálgicas e sensibilizadas nesse caos instaurado pela doença e pela morte. Em dado momento, temos até um vislumbre da imagem que certamente inspirou Dominga a reconstruí-la em seu excelente longa Tarde para morrer jovem. Uma constelação visual que abraça a memória e a faz protagonista, mostrando que a rememoração do passado e sua presença no que vivemos hoje foi uma constante nos primeiros momentos do isolamento social.

É curioso pensar o quanto pudemos absorver em uma semana intensa de filmes. Como disse no texto anterior, a cabeça fervilhando de ideias é excelente para trocas, para a mesa de bar, mas perde seu encanto na frieza do virtual. Evidentemente que nos acostumamos à ideia de que essa também é uma possibilidade de se debater e enriquecer o que vimos, mas sempre tenho a sensação de falta. 

De qualquer forma, para além deste pequeno lamento, acredito que a mostra latina do 32º Kinoforum trouxe um panorama interessante e abrangente do que temos de narrativa curta hoje e, querendo ou não, mostrou o que tem se pensado nesse mundo isolado e assolado pelo luto. Ainda que amargo, acontecendo à nossa frente e se fazendo presente, da maneira que for.

Meio panorama e como tentar não falar de pandemia

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Pensei diversas vezes em como fugir dos termos pandemia, covid, isolamento e assemelhados neste texto. Obviamente, já comecei falhando. Cobrir uma mostra em meio ao caos, de maneira remota, deixa sempre um gosto agridoce na boca. Ao mesmo tempo que temos essa oportunidade de assistir um sem número de produções excelentes, no conforto de nossas casas, percebo que aquele prazer específico de sair da exibição de um programa com a cabeça fervilhando se perde. E esse ano a Mostra Latina do 32º Kinoforum, que novamente me propus a cobrir, trouxe uma diversidade enorme de mundos para dentro do meu quarto.

Se em 2020 me perguntei o que significava ser latina, neste ano eu me senti mais contemplada no que assisti. Muitas mulheres assumindo direção, roteiro e protagonismo dos filmes, além de observações precisas sobre o contexto pandêmico que vivenciamos como latino-americanos. Tenho pra mim que as veias nunca estiveram tão desesperadamente abertas quanto agora e acredito que os programas que falo a seguir resumiram de alguma forma isso.

Latinos 1 - Encontros Insólitos

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Abarcando filmes que tratam de relações microscópicas e eventos que reúnem não mais que 3 pessoas, esse programa trouxe questionamentos que contemplam amor romântico e suas possibilidades de futuro, como em Blanes Esquina Müller, e amor entre membros de uma mesma família e o que isso significa no espectro de uma futura morte, como em Muralha da China. No entanto, é mesmo nos encontros inesperados que acontecem as tramas de Hora Azul e Os Indomados, dois curtas cubanos exibidos neste programa.

Em Hora Azul, da diretora Zoe Miranda, Mariano e China encontram-se em um hospital. Ele, saindo da consulta em que descobre ter câncer de próstata. Ela, aguardando o corpo do marido recém falecido. Apesar de conhecerem-se de vista, ambos são estranhos um ao outro. E é nessa colisão em um cenário inóspito que vemos o início de uma relação, em que China lamenta com frieza a morte do marido e Mariano digere a notícia da doença. Ambos dialogam, em uma tarde na pequena casa de Mariano, sobre seus temores futuros, sua miséria e seu passado ainda reminiscente por todo o entorno. Uma rota diferente a ser traçada é vislumbrada na sequência final, mas não sem carregar em si o amargo do encontro.

Em Os Indomados, do diretor Damian Sainz Edwards, começamos literalmente no escuro, tateando junto ao protagonista pela mata. Gritos buscando por Damián, seu irmão, saem da boca de Orestes e tomam conta da imensidão noturna na selva, sabiamente localizada já no início do filme, através de um intertítulo, como sendo ponto comum de fuga de escravizados. Orestes busca por Damián de maneira desesperada, enquanto flashes de luz com homens entre si transando no meio da mata tomam seu olhar e do espectador. Há inúmeros desesperos e fantasmas no grito do protagonista, que vão além do passado e fogem de maneira atravancada para o futuro.

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 Latinos 2 - É preciso estar atento e forte

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Propondo mostrar, nos 4 curtas que abrigou, a urgência do mundo que temos agora, esse programa trouxe questões sobre violência social, abandono e paternidade, como em O sonho mais longo de que me lembro e ainda homofobia, masculinidades e aceitação em Água. Dialogando ainda com uma questão urgente e contemporânea, Quem diz pátria diz morte, do diretor Sebastián Quiroz, exibe os protestos que ocorreram no Chile em 2019, em que os manifestantes puseram fogo em diversos pontos de Santiago para reclamar o aumento da passagem do metrô. Utilizando imagens de arquivo e depoimentos, o documentário traz um excelente retrato do Chile ditatorial e as consequências desse regime de terror no país atualmente.

O destaque desse programa fica por conta de Adentro, curta produzido de maneira coletiva por 6 cineastas de diferentes países da américa latina. 

Tratando diretamente do mundo pandêmico e suas interpelações na vida cotidiana, cada diretor e diretora propõe um olhar sobre o que vê para além das janelas, portas e frestas de suas casas. Olham também para dentro, para suas relações familiares e seu entorno. Formas de lidar com a solidão são retratadas e reflexões sobre o existir em um mundo assolado pela doença e pela morte. 

Em um dos fragmentos mais marcantes, filmado todo em preto e branco, a diretora equatoriana Gabriela Calvache, dialoga com sua filha pequena sobre o que esperar do mundo pós-pandemia. As duas conversam sobre a morte iminente, à época literalmente nas portas das casas no país, e a menina chora pela possibilidade de perder a mãe. Em outro fragmento, a costa-riquenha Alexandra Latishev, se vê tomada pelo desejo e pela libido, trazendo a questão do contato físico do outro para o centro do debate.

Uma constelação de debates sensíveis, decididamente pesados e delicados, muito bem acertada ao se propor um panorama de vozes que, em conjunto, ecoam os horrores da pandemia em países latinos. Ainda que se trate de um assunto saturado, o curta traz belas imagens e propõe olhares e discursos novos sobre o que temos vivido desde 2020 nos lados de cá do mundo.

A mostra latina do 32º Kinoforum foi efetivamente rica em qualidade este ano e, respeitando o mérito destes curtas, decidi que seria melhor termos duas partes desse panorama. Por agora, fiquemos com estes dois e logo mais retorno para falar dos outros dois programas: Alegorias e Adereços e A Persistência da Memória.

Continuando de onde paramos - Mostra Internacional 32º Kinoforum

O curta-metragem sempre foi um formato permissivo à própria reinvenção e adaptável aos diferentes contextos criativos. Ao acompanhar a Mostra Internacional do 32° Curta Kinoforum, composta por 38 filmes e 8 sessões, pode-se dizer que às limitações impostas pela pandemia se mostraram um ponto de partida para a invenção de muitos dos filmes, mas não podemos esquecer que esse desejo de mudança vai muito além disso.

Existe alguma “maturação” de certos temas que as cinematografias apresentaram nos últimos anos - por mais que não se proponha exatamente a fazer um panorama da produção de curtas-metragens pelo mundo nos últimos dois anos, podemos dizer a mostra nos traz um recorte interessante e bem diverso da produção mundial de curtas nesse período, construída a partir de alguns temas-chave.

Este texto não é nenhuma cahiersducinematização (não entenda mal), não foi escrito para vender nenhum cinema como “revolucionário”, ou afirmar que as coisas serão diferentes depois de qualquer filme em particular. Acontece que, diante da cada vez mais crescente necessidade de dizer o óbvio, talvez seja interessante pensar em como alguns filmes conseguem fazê-lo com certa desenvoltura, mas sem perder a chance de avançar em certos debates.  

Nessa leva de filmes, realizados entre 2020 e 2021, de alguma forma, o lugar comum do progressismo social democrata nas representações não se descola mais do pensamento neoliberal protofascista que começou a ser sistematicamente difundido pelos mercados após a crise de 2008 - de repente essa ideia tão prepotente que tínhamos, de que conseguiríamos traçar com uma linha que nos apontaria “onde foi que tudo começou a dar errado”, passa a soar tremendamente ingênua e pedante.

Um filme que nos ajuda a compreender para compreender essa noção é “Estrela Vermelha” (Yohan Manca. França, 2020), que conta a história de um homem que dedica o seu tempo ao trabalho voluntário junto ao clube de futebol de seu bairro, e que vê a sua vida ruir após perder o emprego e ter seu apelo à seguridade social negado por falta do registro de algumas horas trabalhadas. Note que aqui o vilão não é o autoritarismo explicito, e nem o infortúnio repentino do vírus, mas a mentalidade liberal progressista comum, a “social democracia keynesiana”, o welfare system - essa média desmedida e desequilibrada que se vende como “sensata” em meio à polarização, é ela quem deixa a porta da tirania aberta.

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A visão do começo dos anos 2000 como uma época de avanços e esperança parece nunca ter existido em “Fantasia do Desastre” (Christoph Girardet, Matthias Müller. Alemanha, 2021), filme que explora, de forma provocante, imagens das torres gêmeas produzidas por Hollywood, muitas delas fazendo algum tipo de alusão premonitória à tragédia do 11 de setembro - são travellings que atravessam pelo meio dos dois prédios, imagens e mais imagens de aviões sobrevoando áreas próximas (certamente produzidas para ressaltar a altura dos monumentos).

A animação “A arte está no sangue” (Joanna Quinn. Reino Unido, 2021) parece nos alertar, com muito bom humor, sobre como acabamos aceitando que nossas obsessões tornem-se definidoras de quem somos, e, ao narrar em primeira pessoa as peripécias de uma família de obsessivos, a realizadora toca em diversos temas como a solidão, as disfunções familiares e o próprio processo criativo. No filme “Do.Solo.Pin” (Javad Atefeh. Estados Unidos, 2021) Shahla, uma cuidadora de idosos, precisa implorar pelo seu salário como quem pede por um favor, e recebe a resposta afirmativa e preguiçosa da patroa como uma dádiva. Além da rotina exaustiva, ela ainda precisa fazer videochamadas para provar para a patroa que realmente está trabalhando.

Em “Cicatrizes” (Alex Anna. Canadá, França, 2020) e “Irmãs” (Katarina Rešek. Eslovênia, 2020) temos histórias de personagens tentando recobrar o controle sobre o próprio corpo, que também podem ser percebidas como relatos de solidão e “isolamento social” (não esse causado pela pandemia). No primeiro, Alex luta contra o desejo de automutilação, uma forma de “materializar” a dor que sente e criar um mapa temporal em seu corpo. A sensação de solidão e o medo da não compreensão das outras pessoas acaba por colocá-la em um vórtex onde ela não sabe mais se provoca os cortes para aliviar a tristeza, ou se na verdade sente-se triste por causa de suas cicatrizes. Já no segundo, vemos três garotas que se entregam ao combate físico como resposta à violência imposta pelos garotos do bairro - como se tomassem a iniciativa de escolher a violência antes de serem surpreendidas por esta - elas lutam por si mesmas, por outras garotas, e encontram na relação com uma personagem transexual, inicialmente vista com desconfiança e estranheza, uma conexão que finalmente afaga suas ansiedades e parece oferecer algum afeto em meio a um contexto tão conflituoso.

Em “Fim do Sofrimento (Uma Proposta)” (Jacqueline Lentzou, 2020), Sofia ouve uma voz informá-la de que ela na verdade vem de Marte, e que, assim como ela, existem muitos outros marcianos na terra perdidos, alguns deles seus amigos. Marte é um lugar onde não existe tempo, nem ansiedade; ou pelo menos é isso que a voz nos diz, além de nos fazer notar essa estranha obsessão dos seres humanos em buscar em tudo um “sentido” e finalidade - ao som de Hiroshi Yoshimura.

Na animação “Escondido” (Daniel Gray, 2020), ao brincar de esconde-esconde com seu irmão, um garoto acaba passando a vida inteira dentro de um armário. Esquecido pela família, ele observa pela fresta da porta a vida do irmão acontecer. A questão do esquecimento e da memória das pessoas esquecidas também é trazida por “Eventos Para Serem Esquecidos” (Marko Tadic, 2020), animação inspirada no poema de Hans Magnus Enzensberger “Die Verschwundenen/Os Desaparecidos”.

“Não foi a terra que os engoliu, foi o ar”

“O Frango” (Neo Sora, 2020) nos mostra um passado e um presente que se confrontam na medida em que a trama se materializa. Oriente e ocidente se misturam, e a morte do frango dá lugar ao nascimento da criança. Enquanto em “Canção do Pecado” (Marrocos. 2020) o passado se parecia muito mais com o futuro do que o hoje, e uma tradicional canção de amor e ternura se transforma em “depravação” com o avanço da mentalidade fundamentalista. O radicalismo, na verdade, parece uma praga a ser combatida em muitos dos filmes da Mostra Internacional, com destaque para “Cerberus” (Kaspar Ainelo, 2021), um conto sobre a “pós-verdade”, e “Ônibus Noturno” (Joe Hsieh, Taiwan. 2020) animação em que os personagens estão o tempo todo prestes a explodirem em uma espiral interminável de violência e vingança. 

Em “Grab Them” (Morgane Dziurla-Petit, Suécia. 2020) a técnica do Deepfake é utilizada para contar a história de uma mulher que carrega uma incrível semelhança com o então presidente norte-americano Donald Trump - tentando fugir dos olhares curiosos e buscando uma forma de se conectar com alguém após o divórcio recente, ela acaba encontrando simpatia em um pequeno bar da cidade, onde supremacistas e caipiras locais se reúnem para conversar sobre a teoria da conspiração em voga no momento. Apesar de aceita e livre dos olhares estranhos, ela não consegue se sentir confortável nesse ambiente.

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As questões geracionais aparecem de maneira eloquente em “Forasteira” (Diretora, Espanha. 2020), na trama a menina Antônia vai passar o feriado na praia após a morte de sua avó e, ao descobrir sua semelhança física com ela, passa a exercer um estranho poder sobre o seu avô enlutado, é um filme que tensiona alguns limites interpretativos e não oferece exatamente uma conciliação. Em “Trânsito” (Brendan Canty, Irlanda. 2020) uma jornalista que escreve sobre a sexualidade feminina passa por uma situação um tanto constrangedora quando têm de levar seu avô ao hospital e o aparelho de rádio defeituoso de seu carro começa a tocar suas anotações pessoais - no fim a essa comicidade termina por oferecer essa conciliação.

No curta-metragem “Passagem” (Ann Oren. Alemanha, 2020) um artista de foley tenta recriar os sons para um filme protagonizado por um cavalo, uma bela reflexão sobre o poder das imagens (e dos sons), inspirada na obra de Eadweard Muybridge. A técnologia também aparece em “Reconhecimento Facial”, uma divertida animação sobre um fugitivo tentando burlar um poderoso sistema de câmeras de segurança em um “futuro próximo”. Mas talvez o filme mais significativo a trazer a questão seja “Quebrantos” (Koldo Almandoz, Maria Elorza. Espanha, 2020), filme que mostra, através de uma radiografia, a situação de uma mulher que tenta fugir da violência doméstica através dos “devidos dispositivos legais”, o problema é que os aparelhos utilizados no controle das distâncias das medidas protetivas (algo semelhante às tornozeleiras eletrônicas utilizadas no Brasil) são fáceis de burlar, com dezenas de vídeos ensinando à fazê-lo no youtube, de forma que as mulheres não consigam se sentir plenamente seguras, e a ilusão de proteção acabe sendo mais um empecilho - não é exatamente novidade que, ao contrário do que possa parecer, na era das discussões calorosas nas redes sociais, a tecnologia pareça ser o caminho mais curto na recriação de um passado marcado por opressões.

Em “Viagem ao Paraíso” (Linh Duong, Vietnã. 2020) , Tam encontra um antigo amor durante uma viagem turística de ônibus, ela não sabe bem se ele lembra dela, e de alguma forma revive as ansiedades de um sentimento pueril. Já em “Chega Para Lá” (Inès Girihirwe. Ruanda, 2020) uma mulher busca em algum lugar de sua vida anterior uma fuga para o relacionamento abusivo que está vivendo.  

Você pode assistir aos filmes mencionados no texto, e alguns outros da Mostra Internacional através da plataforma Innsaei clicando aqui, eles seguem disponíveis por lá até o dia 29/08. Você também pode assistir à uma seleção especial dos filmes exibidos no 32° Festival Internacional de Curtas de São Paulo que estará disponível até novembro no SpcinePlay.  

A Tela em Combustão - Competitiva Brasil do 32º Festival Internacional de Curtas Metragens

“República” de Grace Passô 

Em sua 32ª edição, o Kinoforum exibe na Mostra Competitiva Brasil um filme que já há vários meses tem marcado os cantos por onde passa, “República” de Grace Passô, nos ganha pela genialidade de sua proposta simples e pungente quando bota o dedo na ferida absurda de ser brasileiro nestes últimos anos - ou nestas últimas décadas. Pode se dizer que começamos pelo final, mas também pode se argumentar que não há regras de ordem, nem começo, nem fim, quando se fala de um festival tão diverso e vasto quando o Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo. Neste ano, estão presentes na Competitiva Brasileira 13 filmes com diferentes propostas, diferentes estéticas, diferentes intenções. E algum despropósito no meio, como não poderia faltar.  

Procurar uma linha de união nesta seleção que se propõe, como o próprio nome já sugere, trazer um panorama brasileiro, é deixar-se submergir e ser levado, enquanto corre das armadilhas de dobrar os filmes a nosso olhar. Qual o ponto de encontro entre “Acesso”, de Julia Leite, e “Olhos Livres”, de Fábio Rogério? Talvez, a resposta venha justamente do desencontro, da possibilidade de atrito. A construção finamente elaborada da montagem de Acesso conduz e nos prende em sua originalidade, é uma linguagem fílmica se desembolando e abrindo e dialogando com seu tempo histórico em sintonia. As imagens de arquivo, as viagens feitas pelo google street view, as janelas em constante variação. Em paralelo a estas visualidades múltiplas, está o ponto de maior intensidade do filme, a condução que se dá não por uma narração, mas por uma contação. Ao invés do olhar de fora que analisa e narra, temos o privilégio de um encontro sensível em que cada uma conta sua própria história, de resistência, de pertencimento, de rupturas e de comunidade. Ah sim, e do outro lado, Olhos Livres, como uma homenagem que fala mais sobre seu homenageado do que uma biografia não autorizada e que ecoa um velho mantra: “é da merda que nasce a epopeia”. Será mesmo? Acredito que em 2021 podemos reconhecer os méritos de algumas conquistas na história do nosso cinema sem fechar os olhos para a constância esmagadora do endeusamento de homens usualmente cis, héteros, brancos e burgueses.  

Em 2021 vemos Huri em “Colmeia”, de Maurício Chades, contando sua história como ela quer e quando ela quer, num longo plano de seu rosto que dura quase o filme inteiro. É uma entrevista subversiva a partir do momento em que ela rompe com a esperada mansidão do entrevistado e conduz ela mesma a narrativa. Ver sua força na tela quase nos ajuda a respirar, ouvir os sons do lago e vento e sua voz tudo em harmonia é como ser fisgada. E fisgada mesmo, a ponto de não perceber a ebulição sendo construída até que é tarde demais. Huri desde o começo se senta em frente ao lago Paranoá, mas este lago nunca foi apenas paisagem de fundo, se enreda com a própria vida de Huri, recebe seu presente oferenda, e responde, com calma, com força. É estranho como a placidez de um lago pode ecoar na serenidade do fogo queimando em constância.  

Ainda na mesma sessão, “Céu de Agosto” de Jasmin Tenucci é um filme peculiar, traça paralelos entre uma enfermeira em São Paulo e queimadas na Amazônia, mas não é nem isso o que mais chama a atenção. É por um ar de estranhamento que nunca nos abandona inteiramente, pelos elementos quase fantásticos quase de gênero. É também por sua protagonista, cheia de seus mistérios e passado e futuro, de rosto cansado e olhos argutos. Mas como não ter os olhos cansados, o corpo dela, grávida, ainda assim continua a ser um convite para que alguém sempre tenha um comentário, uma dica, um questionamento. Menino ou menina, onde está o pai? “Não tem, graças a Deus” ela responde, e a resposta atravessa a tela. No final inesperado, o que mais choca é como aquilo que poderia ser considerado um elemento fantástico, na verdade é o eco de um dia real em São Paulo.  

“4 Bilhões de Infinitos” de Marco Antônio Pereira 

E por fantasia, chegamos ao universo de “4 Bilhões de Infinitos” de Marco Antônio Pereira. Um dos filmes mais potentes presentes na mostra esse ano, essa história mineira consegue unir fantasia, imaginário, cotidiano, identidade e infância. Consegue inclusive transpor qualquer barreira geográfica, a identificação com as crianças protagonistas, Adalberto e Ana Júlia, é imediata. Do portal flamejante à ameaça de chuva, vemos o mundo principalmente através dos olhos de Adalberto, na verdade, grudamos nele. De um lado as montanhas infinitas, do outro as casinhas simples. Não se sabe o que vem a seguir, o filme não se entrega em nenhum momento, suas curvas são imprevisíveis, cada cena pintando uma nova parte do quadro cotidiano dessa família de mãe e filhos que à tarde sozinhos conversam à luz de velas, unidas contra o que o mundo pode querer tomar delas, planejando um futuro cheio de possibilidades. E ainda, a graça genial dessas duas crianças falando sobre Cinema: “igual a nós, a gente ri e chora juntos”. E isto, depois de “roubar” o cinema. É preciso ver, porque é preciso sentir. O lençol branco ao final, os galhos, o vento, parecem perguntar, mas o que é cinema mesmo? Uma tela em branco, uma vida a ser escrita.

“O Babado da Toinha”, de Sérgio Bloch 

Identidade, pertencimento, existência, afeto… paralelos possíveis a conectar alguns dos filmes na mostra esse ano. Menciono em especial “Ela Que Mora no Andar de Cima”, de Amarildo Martins e “O Babado da Toinha”, de Sérgio Bloch. Imageticamente não se aprecem em nada, um documental e o outro ficção, um na Bahia outro no Sul, uma Toinha, a outra Luzia. Diferenças há que sobra, mas isto apenas evidencia a força justamente da pluralidade, não é a escolha de uma ou outra forma, é a coexistência de mil possibilidades e ainda mais. Luzia se encanta com uma paixão em ares de primeiro amor, sonho e ansiedade que a faz desafiar a si própria e se reinventar. Toinha conta sua história numa trama costurada com fios de dendê e sua receita mágica, é reinvenção todo dia, com força e energia evidenciadas pela câmera que a acompanha de estalo e em cores vívidas, porque “é difícil de fazer, mas vale a pena”. Com licença, mas Toinha faz todos os babados, e o babado da Toinha também é o babado do Cinema.

Dentre as concatenações possíveis, a ficção, o documentário, aquilo que não é nem um nem outro em específico, mas experiência na tela, estão os 13 filmes deste ano. Vários caminhos são abertos, descobertos, achados. Mas ainda resta a sensação de que falta algo, algo que exploda, algo que ecoe na mente insistentemente, mas é claro, não é tão justo falar do que falta. Exceto, pela clara falta de diversidade na direção dos filmes daquela que é uma das principais mostras do festival: 13 filmes, 3 diretoras.  

13 filmes.

3 diretoras.

Kinoforum: Primeiras sessões disponíveis hoje, a partir das 19h

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Começa hoje o 31° Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, e você pode assistir aos filmes selecionados pela curadoria de forma gratuita entre os dias 19 e 29 de agosto pela Innsaei (www.innsaei.tv). Assim como em 2020, todas as atividades do festival acontecerão de maneira online.

Os festivais costumam a ser um ponto de encontros e trocas entre realizadores e pessoas interessadas nos filmes, encontros quase sempre motivados pelos afetos e por uma sensação de comunidade e pertencimento - recriar esses ambientes de maneira online certamente foi um grande desafio para as equipes de produção destes eventos após a chegada da pandemia. O modelo adotado pelo Kinoforum foi um dos mais interessantes pela universalidade de acesso às atividades, garantindo uma visibilidade ainda maior para os filmes selecionados, uma vez que extingue às barreiras físicas.

Em 2021 o catálogo será disponibilizado como no ano passado, com sessões liberadas a cada 24 horas do dia 19 ao dia 26 de agosto - e do dia 26 ao dia 29 deverá estar inteiramente disponível com livre acesso e navegação entre todas as sessões. São 200 curtas-metragens de todos os continentes, selecionados a partir de uma ampla diversidade de territórios, estéticas e visões. Você poderá acompanhar o festival conosco, se quiser ter um guia na ajuda para decidir o que assistir poderá recorrer aos nossos textos sobre as mostras, que serão postados entre os dias 26 e 27.

Acompanhar o festival e trazer algumas impressões através dos textos foi a forma que encontramos de extravasar essa necessidade dos encontros e dos afetos (antes referida), de assistir e discutir os filmes entre amigos. Esperamos que os nossos leitores possam sentir esse carinho ao acompanhar conosco mais uma edição deste festival tão importante para o curta-metragem.

 

Seleções especiais da programação também estarão

disponíveis nas seguintes plataformas:

Tamanduá - de 20 a 29 de agosto exibe os filmes

selecionados para a Competição Brasileira

Sesc Digital - de 20 a 29 de agosto exibe uma seleção

especial de filmes

Spcine Play - de 23 de agosto até novembro, exibe uma

seleção especial de filmes

As melodias dos metrôs ao redor do mundo

Meu tipo favorito de link é aquele sobre um assunto tão específico que é interessante tanto pelo assunto em si quanto pela curiosidade que levou até ele.

Esse texto do New York Times é uma volta ao mundo maravilhosa: como são os tons de embarque/desembarque dos metrôs em diferentes cidades. A de Paris é bem comum, acho que porque a gente ouve ela em vários filmes que se passam na cidade, mas eu acho tanto a de Toronto quanto a do Rio um charme. São pontuações bonitas pro nosso dia-a-dia.

O bacana do artigo (além da direção de arte) é a história de alguns desses sons.

In Paris, a simple “A” note plays as the doors shut. This is also a throwback, a sound that mimics the vibrations of a mechanical part that is no longer in use on any of the system’s trains. “But for a half century Parisians and visitors alike became used to that sound, so we decided to keep it, and recorded a synthesized version,” said Song Phanekham, a communications manager for the Paris transit system. “It’s a tribute to the heritage of the Paris Metro.”

In Tokyo, each station has its own custom jingle to signal departures. In Rio de Janeiro, the subway’s door chime pays homage to bossa nova. In Vancouver, the doors still close to a three-note sound that was recorded in the 1980s on a Yamaha DX7. (“The hallmark of any mid-80s pop song,” said Ian Fisher, manager of operations planning at British Columbia Rapid Transit Company.)

O artigo, que acompanha a “coleção de sons” de Ted Green, me lembrou da linda banalidade do dia-a-dia, algo que eu sinto falta agora que eu passo dias inteiros dentro de casa. Essa passagem me pegou:

“I think the appeal is the simplicity,” Green said. “You wonder, how can there be so many different variations of beeps? And then you listen, and they’re all so different.”

Quando eu ia a pé para o trabalho, eu gostava de não usar fones de ouvido porque tem algo no som da cidade naquela hora da manhã que me atraía. Ainda dava para ouvir o som dos pássaros enquanto os ônibus chiavam na João Pessoa.

Se você quer cair em um vórtice sobre esse assunto específico, esse canal do YouTube possui vários vídeos (alguns gravados pelo próprio Ted Green) com bipes e sons de vários trens ao redor do mundo.

O Apple Arcade é excelente para descobrir novos jogos

A maioria dos jogos que eu me interesso no computador são independentes ou “experimentos de jogabilidade”. Não tem nenhum motivo poético aí: eu cresci em uma casa onde o único computador era o do trabalho do meu pai, e poucos jogos rodavam naquele gabinete da IBM com um processador Pentium 2. Meu pai, inclusive, gostava de jogos de aventura de apontar-e-clicar, então a gente não tinha nem iniciativa de ter um computador melhor para rodar os jogos mais pesados, a gente precisava aguentar jogar The Sims 1 quando TS2 já tinha sido lançado.

Isso guiou bastante o meu acesso e o meu gosto por jogos com o passar do tempo. Quando eu finalmente tive um computador um pouquinho melhor, ele ainda estava a alguns anos de distância de jogos mais modernos. Eu joguei Half-Life 2 em 2008, por exemplo — quatro longos anos depois do seu lançamento. A Steam tava crescendo muito nessa época, e com ela a explosão do acesso mais fácil a uma cambada de jogos menores. Existe todo um ecossistema de “jogos mais curtos e com gráficos piores” por trás dos blockbusters de Call of Duty e Battlefield, e foi esse ecossistema que eu aprendi a explorar por muitos anos em promoções da Steam e recomendações de amigos com as mesmas limitações tecnológicas que eu.

Hoje eu sou um usuário de Mac, o que é um beco sem saída: embora ele seja excelente para trabalhar com aquilo que eu preciso, ele não é muito poderoso nem tem uma oferta de jogos muito grande.

Mas tem algo fascinante aparecendo agora. Graças ao Apple Arcade, lançado no final de 2019, o Mac tá recebendo um fluxo constante de jogos novos. Toda a sexta-feira, o serviço de assinatura lança um jogo novo que roda em qualquer dispositivo suportado da Apple (do iPhone à Apple TV, passando pelo Mac e pelo iPad). E, por causa das limitações tecnologicas dos sistemas da Apple — por mais poderosos que sejam seus processadores, sua performance na hora de lidar com gráficos complexos não se compara a placas de vídeo dedicadas —, o Arcade está criando um ecossistema muito semelhante àquele que a Steam gerou nos anos 2000: estúdios ganharam um lugar para lançar seus jogos estranhos e que provavelmente não têm nenhum apelo de publicidade.

Eu amo esses lugares. O Wii tinha algo semelhante com o WiiWare, e o Xbox 360 tinha com o seu próprio Live Arcade. Ecossistemas assim oferecem jogos mais baratos, e por serem mais baratos eles se arriscam mais. Grandes títulos saíram de lugares assim, como os clássicos World of Goo e Dear Esther.

Agora, com o Apple Arcade, eu tô tendo a chance de descobrir jogos maravilhosos de novo. Eu já falei aqui de uns, como The Last Campfire e Populus Run, mas tem também WHAT THE GOLF? e Skate City e Alba e versões “definitivas” (sem compras adicionais) de Alto’s Odyssey e Monument Valley.

É uma pena que, como o Apple TV, o Arcade sofra da exclusividade que a Apple coloca nesses serviços. Eu quero muito poder recomendar um jogo como The Pathless ou Skate City para meus amigos, mas não posso porque eles não usam um Mac ou um iPhone, e eu acho essa limitação contra o espírito dos jogos que o Arcade oferece. Esses jogos contam histórias mais diversas do que as grandes produções da Microsoft ou da Sony, ou exploram temas mais difíceis como o luto e a gentrificação, e estando isolados em plataformas tão caras impedem que eles provoquem o barulho que podem.

Isso está mudando aos poucos: jogos do Arcade parecem ter um período máximo de exclusividade antes de aparecerem em em outras plataformas, e ele tá se transformando no meu jeito favorito de descobrir os jogos que quero comprar no meu Switch. Sayonara Wild Hearts e Cozy Grove e The Last Campfire são títulos que joguei muito no último ano, e que descobri primeiro no Mac e, de tanto gostar, queria levar eles para qualquer lugar no meu Switch. Da mesma forma que o streaming fez maravilhas para a diversidade da minha coletânea de filmes, o Arcade tá expandindo ainda mais a minha coleção de jogos. Esse é um espírito bacana de manter e de se inspirar.

Blob Opera

Blob Opera é um experimento de aprendizado de máquina de David Li junto ao Google Arts and Culture, em que quatro vozes são moduladas pelo mouse do usuário para criar sons semelhantes aos cantores de Ópera.

Se você clicar no ícone do planeta no canto inferior direito da tela e escolher alguma outra casa de ópera, você pode escolher assistir os blobs tocando algumas composições famosas. Em Paris tem a belíssima Gymnopédie no. 1, mas a minha favorita é a canção de ninar zulu na casa de ópera da África do Sul.

Existe a possibilidade de eu ter passado tempo demais brincando com isso na hora do almoço.

2021: Mais um ano de Kinoforum

No ano passado, graças à dedicação de algumas pessoas, realizamos a cobertura do 31° Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Foi uma forma de, em plena pandemia, mantermos o diálogo sobre cinema com amigos que compartilham desse interesse. Nada além do que já fazíamos anteriormente, porém com a missão de transmitir essa paixão para os nossos leitores e registrarmos nossas impressões sobre os filmes através dos textos.

O legal disso tudo é que funcionou muito bem, quase que de maneira intuitiva (com algum esforço mínimo de organização, é claro), pois as pessoas que toparam esse desafio tinham visões muito distintas e plurais sobre cinema. Nos dividimos através das mostras e nos esforçamos para falar do máximo de filmes possíveis, além de termos tentado trazer, também, visões mais gerais sobre a programação. Apesar das nossas limitações, que eram muitas, afinal o festival contava com 212 curtas no catálogo (e nós éramos apenas quatro pessoas), conseguimos fazer um trabalho muito especial, que registrou de uma forma muito íntima e pessoal, sem perder em objetividade, as nossas percepções sobre o festival - um tipo de linguagem e aproximação com o leitor que é característico do Pão, e que sabemos interessar a quem acompanha o blog.

Em 2021 resolvemos nos lançar nesse desafio mais uma vez. Inclusive, estamos atrás de pessoas que tenham interesse em se juntar a nós, acompanhando esse queridíssimo festival e expressando suas ideias sobre o evento, e os filmes, através dos textos. Se você tem esse desejo, e quer nos ajudar a fazer uma cobertura ainda mais completa e plural do Kinoforum, entre em contato conosco através do e-mail: [email protected].

É uma alegria imensa poder acompanhar e participar, de alguma forma, de um festival que a gente tanto gosta e admira - vale lembrar que a Associação Cultural Kinoforum é uma das grandes referências no mundo quando o assunto é a difusão e preservação do curta-metragem. Além das mostras e atividades relacionadas aos filmes e realizadores presentes, o festival ainda conta com oficinas e atividades voltadas a reflexão cinematográfica.

Através do site você pode conferir os filmes selecionados (ainda não organizados em mostras), navegar pelos eventos anteriores e fazer a sua inscrição nas oficinas e atividade oferecidas pela organização do festival: http://www.kinoforum.org.br/.

Faces do Século

Faces do Século

O fotógrafo Jan Langer fez retratos de pessoas centenárias no estilo de fotos que elas tiraram setenta ou oitenta anos antes para seu projeto Faces do Século.

Se você clicar no ⓘ embaixo de cada uma das fotos você pode ler uma pequena biografia da vida do retratado, sua antiga ocupação, seu relacionamento com a família. São histórias de pessoas que sobreviveram as duas guerras mundiais, a era espacial, a guerra fria, e viram a era da computação começar.

Segundo Langer, a República Tcheca possui 1.200 pessoas com mais de cem anos, mas esse número deve aumentar para 14 mil nas próximas décadas. A idade média do mundo parece crescer conforme a perspectiva de vida aumenta também, e mesmo assim vemos muito pouco sobre como é a vida quando se atinge esse estado centenário.

De onde vem essa cacatua?

Esse artigo da Rebecca Mead para o The New Yorker é sobre uma cacatua que aparece em um quadro renascentista do pintor Andrea Mantegna de 1496.

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A curiosidade da autora é fascinante: a espécie que aparece no quadro “Madonna della Vittoria” habita naturalmente a região da Oceania, o que fez ela questionar “o que a presença desse pássaro revela sobre as conexões entre uma cidade italiana e as florestas distantes além do mundo conhecido pelos europeus”.

É um texto curtinho, mas excelente. Mead observa como os traços da mudança climática estão documentados por toda a parte na arte, quando espécies assim aparecem como intrusas. História da arte é basicamente ecologia forense, e um barômetro do meio-ambiente.

O som do espaço

O diretor John Boswell e o podcast Twenty Thousand Hertz produziram esse vídeo sobre como o som do espaço poderia ser se náo fosse um vácuo, desde o “barulho” do Sol à explosão do Big Bang.

Eu gosto de como eles explicam que o espaço é formado por “trilhões de ilhas de som”, cada uma com características sonoras muito diferentes — as tempestades de Venus ou a superfície de Marte “soam” muito diferentes do que a Terra.

Rebeca Andrade em Tóquio

Assistindo a Rebeca Andrade em Tóquio hoje mais cedo me fez lembrar dessa performance belíssima da Daiane dos Santos em 2005, quando um problema no equipamento de som interrompe o “Brasileirinho”, e ela continua a apresentação às palmas da platéia.

Não teve falha de som em Pequim nas Olimpíadas de 2008, mas dá pra ouvir um “vai lá Daiane” que é de encher o coração:

A Daiane voou.

Construir algo em Animal Crossing cansa demais, mas é tão bom…

Eu passei o fim de semana jogando Animal Crossing. Não como eu passei os últimos meses. Eu passei horas na frente do meu Switch, na minha ilha. Agora é final de domingo, e eu tô exausto.

Por algum motivo, eu fiquei irritado com o layout da minha ilha nessa última semana, e eu decidi que era a hora de mudar as coisas. Eu sou muito apegado a Léte pra apagar meu jogo salvo e começar uma nova ilha, então eu pensei em renovar tudo o que eu podia. Animal Crossing sempre permitiu que você modificasse a vila em que você e seus vizinhos animais moram. Você tinha um catálogo de “obras públicas”, como pontes, uma fonte, um poço artesiano, um farol, postes de luz, esse tipo de coisa. Mas você estava preso ao layout original da vila: a disposição das casas, a forma do rio, etc.

Mas New Horizons está em um nível completamente diferente de personalização. Você pode criar rios e lagos, modificar a forma do terreno, criando platôs, mudar a disposição das casas e dos edifícios públicos; além de poder colocar qualquer objeto em qualquer lugar. New Horizons também oferece um sistema de construção, em que você recolhe recursos naturais, como madeira, mato, flores, e frutas, e constrói seus próprios objetos, como cadeiras e mesas e baús e casas de passarinho.

Só que fazer tudo isso dá trabalho. New Horizons não oferece um “modo deus” como SimCity e The Sims, que você pode criar paredes e modificar o terreno e posicionar objetos como quiser. Tudo é feito através do seu personagem. Você quer construir uma fonte? Você precisa ir coletar ferro batendo com sua pá em algumas rochas, e torcer para sair ferro suficiente para construí-la. Literalmente, eu passei horas nesse sábado e nesse domingo coletando materiais para construir peças de cerca para fazer alguns jardins de flores (e as flores… precisam ser plantadas uma a uma…). Além disso, não existem menus no jogo. Tudo é feito a partir de diálogo. Quer ir buscar mais recursos em uma ilha? Você precisa_ _conversar com Orville para ele te pôr no próximo voo. Quer construir uma ponte ou mover um prédio? Você precisa ir até o prédio de serviços residenciais e conversar com o Tom Nook sobre isso (e pagar, é claro).

É exaustivo, de verdade. Mas quer saber? Eu tô muitíssimo satisfeito.

Eu geralmente fico encarregado de cuidar da casa dos meus pais quando eles vão viajar. Eles moram no interior, em uma casa grande com um pátio bem grande, cheio de bichos, mas existe uma certa calma em você visualizar tudo o que precisa fazer e todos os pequenos passos que você precisa dar para fazer tudo o que precisa fazer: eu preciso limpar o galinheiro todas as manhãs. Para isso, eu preciso pegar um balde específico, e uma pá específica. Eu preciso soltar as galinhas, e ter certeza que nenhuma delas pôs um ovo num lugar escondido. O mesmo vale para os canteiros, e para a organização de onde cada cachorro dorme, e para a casa em si, que precisa ser limpa e organizada. São pequenas tarefas que montam o todo, e elas demoram. Não muito, mas cada pequena tarefa têm seu próprio tempo, e você não pode acelerar mais. Se você regar as plantas muito rápido, pode machucar elas (ou quem sabe nem mesmo oferecer água suficiente). Se não bater e botar as camas dos cachorros no sol, elas vão começar a feder, e vai ser muito mais trabalho ter que tirar o cheiro depois.

É o mesmo limpando minha casa: varrendo o chão e desengordurando a cozinha, arrumando as coisas no lugar e tirando o pó. Tudo tem seu tempo, e não tem como acelerar muito mais do que o aspirador de pó ou a vassoura me permitem.

Eu trabalho no computador, e em desenvolvimento. É quase que engraçado e triste ao mesmo tempo o quanto desenvolvedores “otimizam” seu tempo para teclar menos e desenvolver mais com o tempo ganho. Isso extrapolou o nível de produtividade, o que torna empresas de tecnologia e agências de publicidade em um mar de péssimas condições de trabalho e de burnout. É também um trabalho muito mais mental do que físico, então no fim do dia eu me sinto cansado e agitado ao mesmo tempo. Meu corpo tá cheio de energia, porque ficou sentado o dia inteiro; mas minha cabeça está exausta, e eu não quero fazer absolutamente nada depois.

Isso muda quando eu tô encarregado de cuidar da casa dos meus pais. A casa, e os bichos, precisam da minha atenção, então minha mente está pré-disposta a não ficar exausta demais, porque o meu corpo vai precisar depois. Quando as tarefas do dia acabam, corpo e mente estão cansados, mas é algo muito sincronizado em um efeito de satisfação único. Tá tudo feito, e o descanso fica ainda mais gostoso porque não tem um pingo de culpa.

É mais ou menos o que eu tô sentindo, de um jeito meio bobo. Léte ainda não está pronta, mas eu reorganizei e construí tanta coisa nos últimos dias, que eu fiquei satisfeito com minha paciência e dedicação. Eu decidi que não ia usar nenhum objeto de decoração pronto — tudo o que está na ilha precisa ser construído por mim mesmo — e tá sendo muito bacana. Tem muita espera nesse processo, já que a ilha te oferece um número limitado de recursos por dia, o Tom Nook não faz mais do que uma mudança de layout por dia, e colocar ladrilhos é tão demorado que você precisa descansar de tempos em tempos, com medo de estragar o controle do Switch.

Quando tudo tiver pronto eu vou gravar um tour virtual para vocês. Tô muito feliz e orgulhoso de como Léte tá ficando.

Alguém virou Breath of the Wild sem pisar duas vezes no mesmo lugar

Ash Parish, no Kotaku:

“It felt like cheating to just launch myself off the plateau and into the castle in a straight line, although technically it was Snake,” Pipkin said. “So I said my win state included all towers—a fully filled map.”

It took eight months and six restarts but on June 30, Pipkin finished the challenge. According to them, a lot of that time was spent waiting—either on NPCs or enemies. Since reaching shrines to obtain Spirit Orbs can potentially cause pathing troubles, Pipkin could only complete so many. As a result they were severely underleveled, making regular enemies very dangerous. An attack could either kill Link outright or knock them back, so they often waited, perched on towers or cliffs, biding time until enemy paths to reset so they could make their way forward safely. There were also more minor but equally time consuming moments when Pipkin would accidentally walk the wrong way trying to reach a quest NPC, requiring them to wait whole in-game days for their paths to reset to a more favorable position so they could complete the quest.

Incrível.

Se apaixonando pelo Nintendo 3DS, dez anos depois

Malindy Hetfeld

It made me think about Nintendo’s late president Satoru Iwata, who loved to talk about ways to make hardware a genuine pleasure to use, beyond the questions of shape, button size and so on. Consoles don’t do that anymore - they want to be serious, towering skyscrapers in your home that look like alien artifacts, not cute little toys.

Uma carta de amor bonita pro 3DS, e secretamente uma investigação da “experiência” que foi jogar um jogo num console da Nintendo sob Iwata. Do GameCube/GBA ao 3DS, passando pelo Wii e pelo DS original, tinha algo de único de jogar nesses videogames bastante diferentes. Essa experiência de brinquedo dos consoles da Nintendo tornam o ato de jogar em si memorável.

Remakes e remasters tem seu valor para preservação e acessibilidade de jogos, mas essa experiência de jogar Wind Waker no GameCube, Mario Galaxy no Wii ou Nintendogs no DS não é traduzível em HD e som surround 5.1. É a fisicalidade do hardware — dos botões espaçosos do Wavebird à tela 3D do 3DS ao menu Home do Wii — que enchem as experiências de personalidade.

O Switch tem um pouco disso nos Joy-Cons, mas o resto do hardware parece muito mais voltado à praticidade do que pra diversão. Eu sinto falta de brincar no meu Switch como eu brinco no Home do meu 3DS.

Uma breve anotação sobre fantasmas

Eu acho que o que eu mais valorizo na arte é o poder que a melhor arte tem de me fazer sentir ser parte do mundo, de algo maior, como uma experiência comunal mesmo – isso, feito por uma outra pessoa, existe entre mim e ela, e me faz lembrar que existe muita coisa ao meu redor.

É tipo uma experiência de sonho, de sair do próprio corpo e se enxergar ao redor do mundo. acho isso muito mágico e muito bonito. Mas tem algumas que fazem isso e não só me deixam ver o lugar, mas também o tempo.

Tem uma parte em Kentucky Route Zero que faz isso. me faz pensar que a gente pisa nos ossos das pessoas que viveram aqui antes da gente, e vamos ser o chão onde o futuro vai pisar.

Quando você para para olhar o mundo assim, através do tempo e não só do lugar. Eu olho para meu cobertor e lembro que minha avó costurou ele. Eu olho para a casa do meu vizinho e lembro que ele cortava a grama toda a semana, até um dia que sofreu um acidente e mudaram ele para um asilo.

Acho bonito que somos “assombrados” pelos fantasmas das pessoas que nos tocaram. Eu penso no canto do meu quarto que, não importa o quanto eu limpe, ele sempre vai mofar no final do mês de junho, quando a chuva não para de cair. Um dia eu não vou mais viver nessa casa, nem nesse quarto, mas alguém vai se irritar com esse mesmo pequeno detalhe.

Um dia vamos assombrar os lugares que a gente viveu também.

“Memoria”, o novo filme de Apichatpong Weerasethakul

Esse é o trailer do novo filme do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, Memoria, sobre uma mulher escocesa — a magnífica Tilda Swinton — que começa a ter sensações estranhas depois de ouvir um barulho misterioso.

Se você já viu um dos filmes de Weerasethakul, como Tio Boonme ou Mal dos Trópicos, deve ter tido a mesma impressão que eu: esse trailer tá se esforçando muito pra “transformar” o estilo contemplativo de Weeasethakul em algo que parece um filme de suspense. O que me deu dois efeitos: o primeiro, eu quero muito assistir um filme de suspense do diretor; e segundo, mesmo que o trailer se esforce para esconder, a mão inegável de Weerasethakul ainda consegue aparecer.

O design de som desse trailer é incrível. Escute com fones de ouvido.

O segredo de The Sims 2 é algo bem simples

Eu passei muito tempo pensando no porquê eu me sinto meio fora de The Sims 4. Eu amo muitas coisas no jogo. Os sistemas são poderosos – Sims agora são multitarefas, sentimentos deram uma nova imprevisibilidade na simulação, e relacionamentos estão muito melhores do que nas gerações anteriores. E eu amo a direção de arte do jogo, uma evolução natural de The Sims 1 e The Sims 2, deixando o realismo estranho de TS3 em favor de algo mais expressivo e divertido.

Mas alguma coisa não estava clicando em mim até recentemente. Eu venho experimentando TS4 desde o lançamento, e me diverti um bocado com o pacote de expansão Estações, mas eu sempre senti que algo estava faltando. Então, depois de anos especulando eu decidi que ia tentar descobrir o que era. Eu reinstalei The Sims 2, o jogo que eu tenho as melhores memórias, e a resposta veio rapidamente.

Literalmente! A resposta é a tela de boas-vindas da vizinhança.

Janela do jogo, com uma imagem das famílias da vizinhança selecionada e um texto descrevendo os acontecimentos

Em The Sims 2, depois que você escolhe uma vizinhança você é recebido por uma tela de boas-vindas, que conta um pouco das histórias que estão acontecendo, passando por cada residência e por cada vizinho. Dessa forma, quando o você começa um novo jogo, você é posto dentro da história dessa vizinhança, e você tem uma ideia melhor de como seus Sims vão se relacionar com seus vizinhos e quais são os eventos acontecendo por ali. Seja o mistério do sumiço da Laura Caixão ou o novo triângulo amoroso do Don Lotario, nós sabemos que algumas coisas estão acontecendo ao redor dos nossos Sims e podemos escolher se queremos fazer parte desses eventos ou não.

Eu não acho que essa é a solução para todos os problemas que os fãs de The Sims tem com os jogos seguintes da série, mas é um detalhe relativamente pequeno que sempre me distanciou depois que a tela de boas-vindas foi reduzida a apenas uma pequena descrição da vizinhança em The Sims 3, e The Sims 4 removeu esse recurso completamente.

The Sims é uma franquia difícil porque cada jogador gosta de experimentar de um jeito diferente, e nem todo mundo deve gostar da tela de boas-vindas ou quer jogar The Sims ao redor de personagens criados pelos desenvolvedores, e eu entendo isso! Mas eu amaria ter uma opção de ativar algo assim de novo, que me ajude a entender onde meus Sims estão vivendo, e saber as histórias que meu Sim vai participar.

Eu acredito que isso foi o que fez The Sims 2 ser tão memorável: nós éramos apresentados aos Sims e as suas vidas, e então decidíamos o que queríamos fazer com isso. E é por isso que os personagens da segunda geração são tão queridos. Todos nós, que jogamos ela, temos memórias de como estragamos os planos amorosos da Cassandra ou destruímos a vida dos Quero-Tudo-Que-É-Seu. Eu não tenho ideia do que se passa com os Sims nas vizinhanças de The Sims 3 e 4, porque não sou apresentado à eles. O maior contato que eu tenho é quando eu cruzo com eles em algum lote comunitário, mas ali eles são completos estranhos, o meu Sim parece ser o único com uma “história” por trás. E eu sei que isso não é verdade.

A história de quando Hayao Miyazaki percebeu o problema de visão de um de seus animadores

Em um relato traduzido pelo Kotaku, o animador Masaaki Endo recontou o momento em que descobriu que seu problema de visão agravou quando Miyazaki percebeu que seu trabalho para Meu Amigo Totoro estava distorcido:

Endo recalled how after he submitted the key animation for Totoro, Miyazaki called him over, saying, “Hey the art is distorted. Your glasses prescription is wrong, isn’t it?”

“I don’t think it is,” Endo replied to Miyazaki, adding, “I’ll get it checked out anyway.”

Not exactly convinced by Miyazaki’s armchair diagnosis, Endo went to the eye doctor. He got his eye check out, and low and behold, Miyazaki was right: the vision in one of Endo’s eyes had gotten worse.

Eu adorei essa história, não só porque o poder de observação e o detalhismo de Miyazaki vai além do trabalho em si – ele poderia muito bem só dizer que a animação estava distorcida e Endo talvez não teria ido ao médico. Mas também porque ela me lembrou do meu antigo oftalmo, que cuidou da minha visão pelos primeiros 25 anos da minha vida, até ele se aposentar. Ele me contava que ele me diagnosticou por acaso. Ele tava, na verdade, cuidando da visão da minha irmã, e minha mãe me levou junto porque quando eu era muito novo eu chorava demais. Meu oftalmo disse pra minha mãe, sem nem me olhar, que esse choro era de dor, e pediu para dar uma olhada no que poderia ser. Minha visão era severamente atrofiada quando eu era bebê (eu sinto dores quando tiro os óculos até hoje).

Meu oftalmo era meio mágico. Ele nunca precisou fazer uma série de procedimentos em mim, geralmente só olhando para o meu olho ele conseguia observar se o grau dos meus óculos precisava mudar ou se alguma das minhas deficiências visuais tinha piorado. Uma vez eu fiquei meio cético pra essa habilidade dele de observação e decidi em ir em outro oftalmo, que fez uma série de testes nos meus olhos que me deixaram com os olhos estragados por dias. No fim das contas o resultado foi o mesmo, meu oftalmo tava certo. Eu sou eternamente agradecido ao Dr. Horta e essa magia que ele tinha de observar bem os meus olhos e o jeito que eu estava enxergando as coisas e saber exatamente o que estava acontecendo.

O trailer da terceira temporada de Succession

Todos saúdam o retorno do rei, agora que a nova temporada de Succession, a minha série favorita no ar atualmente, está de volta. O trailer parece indicar que o tom da série – uma tragédia shakespeareana com uma pitada de paródia, que torna a tragédia ainda mais trágica – tá afiada como nunca.

Succession volta na primavera na HBO, depois de mais de um ano de espera.

Forasteira Americana: os filmes de Kelly Reichardt

First Cow, um dos meus filmes favoritos do ano, está nos cinemas desde a semana passada, e essa sexta-feira ele vai ser lançado no MUBI junto com um bate-papo com Kelly Reichardt.

Para aproveitar a ocasião, o MUBI está fazendo uma retrospectiva da carreira da diretora com três obras-primas dirigidas por ela. Entitulado “Forasteira Americana”, a programação especial está exibindo Antiga Alegria e Wendy & Lucy, e semana que vem O Atalho vai entrar na programação também.

No início do isolamento social, no ano passado, eu escrevi sobre como os filmes da Kelly Reichardt estavam me ajudando a aguentar o dia-a-dia em isolamento. Isso ainda é verdade: embora tenha dirigido poucos filmes, eu gosto de sentar e rever os filmes dela em alguns sábados de manhã. Eles são estranhamente confortáveis, mesmo tristes.

Eu recomendo muito você dar uma olhada no cinema dela quando puder. Todos os filmes na programação do MUBI são curtinhos, mesmo que eles fiquem na sua cabeça por um bom tempo.

"Se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor"

Celso Rocha de Barros, na sua coluna pra Folha:

O primeiro lado bom [da adesão gradual de partidos de centro e de direita às manifestações] é que o pessoal parece ter entendido que, se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor. Não dá para esperar que a esquerda organize a manifestação e seja proibida de erguer sua bandeira.

A essa altura, já está claro que a turma do “meu partido é o Brasil” queria dizer que, para eles, o Brasil era só o partido deles. A direita democrática tem que ter partido, camisa, bandeira próprios, porque a bandeira do Brasil tem que ser de todo mundo. Aí os amigos de esquerda vão dizer: bom, com exceção dos caras do Acredito, esses “centristas” todos entraram na briga pelo impeachment só porque agora perceberam que é mais fácil tirar Bolsonaro do segundo turno de 2022 do que Lula.

É, né, companheiro? É por isso que a notícia saiu no caderno de política, onde, aliás, também sai esta coluna.

Nosso objetivo deve ser esse, alinhar o máximo de interesses possíveis contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro. Se a turma liberal voltar a tentar vencer na política, nas alianças, disputando as ruas, sem impeachment mutreteiro ou apoio à extrema direita, maravilha. Que vença o melhor em 2022 e que o Jair volte a ser nanico.

Até porque não basta derrotar Bolsonaro, é preciso reorganizar uma democracia estável no Brasil. O democrata que vencer em 2022 tem que contar com uma oposição liderada por outros democratas.

Há algo que talvez ainda não tenha sido percebido por todos os militantes da esquerda brasileira. Em 2021, nós não somos o minúsculo PT de 1980, fazendo barulho enquanto o MDB conduz a transição. Se Lula suceder o desastre de Bolsonaro, terá que assumir papel parecido ao do PMDB nos anos 1980, Deus queira que com políticas econômicas melhores, mas com a mesma disposição de atrair aliados. Pode não ser o que a esquerda gostaria de fazer agora, mas ninguém escolhe sua tarefa histórica.

“Ninguém escolhe sua tarefa histórica”.

As séries que assisti na primeira metade de 2021

Em janeiro eu fiz uma lista com as séries que eu assisti em 2020. Eu gostei bastante do formato e acho que vou começar a usar ele semestralmente.

Aproveitando que estamos terminando essa primeira metade do ano, vou pôr em dia as séries que eu mais gostei de acompanhar no início de 2021. Não é uma lista de todas as séries que eu assisti porque, pra falar bem a verdade, algumas eu simplesmente esqueço. São as que me marcaram ou que me fizeram uma boa companhia nesses seis últimos meses, mais ou menos na ordem que eu assisti elas.

The Americans (Amazon). Eu comecei a rever essa quando ela voltou ao streaming no fim do ano passado. Como eu não maratono séries, The Americans me acompanhou por todo esse semestre, e é muito bom. Em pensar que a segunda metade dos anos 2010 esse nível de qualidade era um padrão para as séries de TV é de enlouquecer, porque a construção de Americans com o passar dos anos é um dos meus desenvolvimentos narrativos favoritos.

Ted Lasso (Apple). Como Betty no ano passado, eu não tenho ideia do porquê eu me apaixonei por Ted Lasso, uma série em que um treinador de futebol americano vai para a Inglaterra treinar um time de futebol de verdade. Acho que é bem humorado, mas também bem sincero no seu otimismo: nem tudo o que Ted tenta funciona, nem sempre o pessoal leva na boa o seu bom humor, mas Ted insiste e tenta, e todo o mundo quer ajudar ele a tentar. Eu amo séries em que as pessoas aprendem a trabalhar juntas, e Ted Lasso é uma dessas, sem um pingo de cinismo no coração.

Undone (Amazon). Me recomendaram essa série (que deve receber uma segunda temporada em breve) por muito tempo e eu fiquei postergando, por algum motivo que eu não sei e provavelmente era preguiça. Mas agora eu me arrependo, porque Undone é incrível. Ela usa a animação para igualar a realidade e a impressão da realidade da protagonista, e você não sabe direito o que é um e o que é outro.

Superstore (Amazon). Uma espécie de The Office com mais coração, ou uma Brooklyn 99 mais cínica? Superstore tá nesse meio, e arrasa muito entre ser um comentário pesado sobre as condições de trabalho nos EUA e a beleza de quando você consegue formar uma comunidade com aqueles que você passa seus dias. A última temporada, que aconteceu durante a pandemia, é sensacional.

For All Mankind (Apple). Eu gostei muito da primeira temporada da série de ficção científica da Apple, em que a União Soviética foi a primeira a chegar à lua, o que faz com que a Corrida Espacial não tenha acabado. Mas a série cresce tanto em sua segunda temporada, que ela automaticamente se tornou em uma das melhores séries que eu vi nos últimos anos, e eu não duvido nada que na terceira temporada ela alcance minhas outras favoritas, como Halt and Catch Fire e The Americans.

Barry (HBO). Eu não sei porque eu parei de assistir Barry na primeira temporada. Eu lembro de ter amado, mas eu lembro também de ter perdido uma semana e parei de acompanhar. Ainda bem que eu dei uma segunda chance, porque a primeira temporada é excelente, e a segunda é de tirar o chão e fazer ele de teto. Uma comédia sobre um assassino de aluguel que quer ser ator se transforma em um thriller e em um drama e em um filme de ação experimental e o que mais os criadores da série conseguem pensar. Tudo isso em meia hora. É bom demais.

Mare of Easttown (HBO). A HBO enganou geral com a primeira minissérie da Kate Winslet desde Mildred Pierce em 2011. Parece muito parte da onda de séries-prestígio de detetives em que uma estrela de Hollywood vai pra TV por uma temporada (ver também: The Night Of, Big Little Lies, Sharp Objects, True Detective, The Sinner), porque o crime e a investigação são só o gatilho do que eu chamaria de “Gilmore Girls e Twin Peaks mas bem triste”: como a vida de diferentes gerações de uma família em uma pequena cidade reage aos próprios traumas com o passar do tempo. É muito bonita, e tem tanta atuação boa que chega a tirar a minha atenção.

The Underground Railroad (Amazon). A minha série do ano por enquanto. The Underground Railroad é pesadíssima de se assistir de uma vez só, eu recomendo que você deixe no mínimo um dia de “repouso” entre os capítulos. São só dez, e são bem episódicos mesmo, ainda bem. Nada de ganchos ou surpresas, e sim a continuação natural de uma história das várias formas que a população negra nos EUA foi escravizada e explorada, e as várias formas que ela se libertou. É poético, é triste pra caramba, mas é também um retrato tão humanista do sofrimento e da sobrevivência. Barry Jenkins é um dos mestres do nosso tempo.

Calls (Apple). Uma temporada, episódios entre quinze e vinte minutos que são só ligações entre algumas pessoas, Calls faz aquele mesmo cafuné de A Vastidão da Noite, um mistério feito em linhas telefônicas e em frequências interrompidas, que transforma a tecnologia em algo fantástico e misterioso novamente.

Sweet Tooth (Netflix). Eu não tenho ideia como essa série, adaptada dos quadrinhos da DC pela Warner, não tá na HBO. É um sinal de como a emissora tá com problemas, que deixou essa primeira temporada, fabulesca e muito simpática, ficar pra Netflix. Eu nunca li os gibis, e a série derrapa um pouco na metade quando os episódios parecem mais ser parte de um filme do que de uma série, mas é uma jornada muito bonita, e a trilha-sonora é gostosa demais.

Betty (HBO). A segunda temporada dessa joia de série acabou de começar, e eu já estou apaixonado por Betty de novo. O grupo de skatistas precisa lidar com o fechamento de Nova York por causa da pandemia, e a perda do seu espaço para praticar o esporte enquanto também precisam lidar com as pequenas escolhas que fazem no dia-a-dia que guiam a vida delas. Continua linda, continua divertida, e continua estranhamente revolucionária na TV. Eu tava precisando reencontrar esse pessoal logo, e ainda bem que a segunda temporada chegou na hora certa.

A história da web

Eu sou apaixonado por histórias daqueles dez, quinze primeiros anos da internet, quando comunidades se formavam ao redor do brilho dos monitores para desbravar tudo o que a internet poderia fazer. Essas comunidades eventualmente criaram as tecnologias fundadoras da web, e serviços que até hoje sustentam a mega-infraestrutura que existe para manter a internet o mais livre e independente possível.

Como The Soul of the New Machine e Halt and Catch Fire, a série de artigos Web History, de Jay Hoffmann, narra em um tom poético mas nada romântico como essa fundação da web aconteceu – das brigas internas dos times de pesquisadores da ARPANET à introdução de CMS como o WordPress e o Blogger, que democratizaram a criação de sites. Alguns capítulos, como o dedicado ao CSS, podem ser cheios de termos muito técnicos para quem não trabalha com esse tipo de coisa, mas vale muito conferir. É uma documentação histórica da internet, e eu gosto que ela existe de uma bonita assim.

Além dos textos, os capítulos são oferecidos em formato de áudio em um podcast, que é o meu jeito preferido de acompanhar. Eu posso ouvir enquanto desenvolvo as coisas do trabalho. É em inglês, mas o narrador Jeremy Keith usa uma voz bem calma e espaçada, se você está arranhando um pouco na língua acho que é uma boa pedida.

Arquitetura infinita de Benjamin Sack

Detalhe do desenho de uma metrópole superpopulosa, em que uma catedral se destaca em meio aos prédios “Boxed In”

O artista desenhando uma metrópole superpopulosa circular “Roots of Being (Per Aspera ad Astra)”

Detalhes do desenho anterior, com prédios tão grandes que formam labirintos na metrópole Detalhe de “Roots of Being”

Detalhe de um desenho em que uma megalópole circula montanhas, que se confundem com os prédios colossais Detalhe de “Leitmotif”

Esses são alguns desenhos do artista Benjamin Sack, que imagina ambientes em que construções e estruturas em megalópoles podem até parecer labirintos imensos. Sua nova obra, a imensa Roots of Being (Per Aspera Ad Astra) vista acima, começou a ser feita no início do lockdown em março de 2020 e foi finalizada quando ele tomou a primeira dose da vacina, em abril desse ano. Ele descreve a tela para o [Colossal] como “um labirinto enorme, emblemático da época em que nós persistimos”.

Confira também esse vídeo que mostra um pouco do processo de Sack.

O trailer da segunda temporada de Central Park

As minhas séries favoritas do ano passado decidiram voltar juntas nesse mês, aparentemente. E eu não vou reclamar. A segunda temporada da charmosa Central Park tá aí, e a série volta nessa sexta-feira, dia 25, na Apple.

Eu comentei sobre Central Park ano passado, e como eu tava triste que essa comédia tava presa em um serviço de streaming que ninguém ia assinar. Ano passado eu achava Central Park (e, em menor medida, For All Mankind) a única série que valia a pena assistir no serviço, mas nesse último ano entre as temporadas a Apple TV trouxe Ted Lasso, Snoopy e sua Turma, Wolfwalkers, a maravilhosa segunda temporada de For All Mankind, e uns documentários maravilhosos, como Boys State e O Ano em que a Terra Mudou.

Eu ainda não tenho certeza que a Apple TV “vale a pena”, mas eu acho que se a qualidade desse último ano se manter por mais um ano eu não duvido que a gente vai parar de comparar a Apple TV como um Netflix com menos conteúdo e começar a comparar ela com a própria HBO, e daí sim não vai ter como fugir de assistir essas séries. A qualidade tá lá em cima.

A minha nova dieta da internet

Em janeiro eu escrevi sobre como o recurso de lista de leitura me ajudou a navegar melhor pela internet nos últimos anos. Porém, há algumas semanas, a forma como eu navego pela internet mudou bastante de uma hora para a outra, e me fez pensar em como eu gosto de como eu navego hoje em dia.

Mês passado o Twitter comprou um serviço que eu utilizava todos os dias: o Nuzzel. O Nuzzel era um agregador de links das pessoas que você segue no Twitter. Ou seja: quando um amigo meu tuíta sobre um artigo, esse artigo aparece no Nuzzel com um “comentário” (o tuíte) do meu amigo. Quanto mais pessoas tuítavam sobre um mesmo link, mais destaque o link recebia no Nuzzel. Há um tempo já eu não acessava o Twitter em si, eu via aquilo que meus amigos comentavam no Twitter através do Nuzzel, que dá destaque ao conteúdo em si. Em sua eterna sabedoria, o Twitter desativou o Nuzzel assim que o comprou.

O Nuzzel era, junto com o Digg, uma ótima forma de descobrir coisas novas na internet. O Pão é basicamente o meu recorte daquilo que eu mais gosto nessas minhas descobertas — um artigo interessante, um vídeo bacana, uma galeria de fotos bonitas no Flickr, etc. O fim do Nuzzel me atrapalhou um bocado, porque ia ser mais difícil de ver o que estava chamando a atenção dos meus amigos, mas me incentivou a repensar em como navegar por aí para não ter que me fazer voltar a acessar o Twitter com maior frequência.


Eu me esforço muito para não depender de acessar o Twitter para descobrir coisas bacanas. Por exemplo: sites que possuem feeds, como Kottke e BLDGBLOG, ficam no meu leitor de RSS. Mas eu descobri que meu leitor também dá suporte à listas do Twitter, então eu criei algumas listas com autores que eu gosto (e que não possuem blogs ou coisas do gênero) e “assinei” a lista no meu leitor.

Minha dieta da internet hoje em dia consiste basicamente em feeds RSS, newsletter e podcasts. Quando links chegam pra mim, eles geralmente são compartilhados diretamente pelo Telegram ou WhatsApp. Eu acho bacana.

Mas uma dieta não é apenas o que, mas também quando e como. No caso, eu não passo o dia inteiro com leu leitor RSS aberto, nem fico de olho no meu email para ler minhas newsletters assim que elas chegam. E esse é um detalhe importante, que eu até comentei no guia de RSS: meu leitor RSS não pode parecer trabalhoso, e o que eu assino por lá importa muito.

Por isso meu leitor RSS não é a única forma que eu assino meus feeds. Eu divido eles em basicamente dois grupos, assinados em lugares diferentes:

  1. No meu leitor RSS eu recebo “descobertas”, coisas postadas em blogs e revistas que postam mais eventualmente. Eu acesso o meu leitor RSS antes do trabalho, no intervalo do almoço e no fim do expediente, e não gosto de ter um número muito alto de artigos não lidos, porque assim eu não vou acabar vendo nada. Vou só ignorar todos os itens e fechar o leitor. Com poucos posts, todos são interessantes.
  2. Feeds que postam mais frequentemente (geralmente sites de notícias), eu assino através do Livemarks, uma extensão para o Firefox que assina feeds RSS e os transforma em pastas de favoritos (ou live bookmarks) que ficam na minha barra de favoritos do navegador. Como meu navegador está sempre aberto no trabalho (eu trabalho com internet, afinal de contas!), sempre que sobra um tempinho eu dou uma olhada nas últimas notícias da Folha ou do Kotaku, por exemplo. Eu clico nas manchetes que me chamam atenção, e não preciso ficar “marcando como lido” todas as 300 notícias que eu não leio.

O bom dessa forma de navegar pela internet é que ela não é ditada pelo momento em que um link apareceu para mim, e sim o momento em que eu me liberei e posso conferir o link. É uma mudança sutil, mas importante: a gente para de se sentir “preso” à timeline e começa a tomar as rédeas de como acessamos a internet de volta. Eu defino quando e como eu vou acessar os links que meus amigos compartilham, ou que aparecem no meu leitor, que eu acesso quando tenho tempo o suficiente para prestar atenção. A falta de um algoritmo para criar falsos “prazos de validade” faz com que a ansiedade de perder um link acabe, então aquela checagem constante de Twitter, Facebook ou Instagram acaba.

Quando tem algo que eu quero prestar muita atenção, mas não vou ter tempo para ler naquele momento, eu salvo no Pocket, minha lista de leitura que já é integrado no Firefox. Nele eu posso destacar trechos e fazer anotações, e eu gosto de ler meus artigos no Pocket antes de dormir ou tomando meu café antes do expediente. A gente volta a gostar de acessar a internet quando a gente coloca ela à nosso serviço, e não o contrário. Como uma boa dieta, a gente se sente um pouco mais saudável e mais bem disposto também.

Pelo visto eu devia ler as notas da edição em livros antigos?

Eu, em minha eterna ignorância, sempre pulei tudo aquilo que “não era o livro em si” quando eu lia algum livro antigo. Eu não queria saber sobre o prefácio do tradutor ou as notas da tradução. Eu queria pular pro prato principal.

Lendo a coletânea de contos do Raymond Carver no ano passado, eu li pela primeira vez a introdução do editor. Ainda bem que sim, porque a introdução me preparou pra evolução estilística de Carver que eu provavelmente não ia ter percebido nem apreciado quando eu fui de Fogos para Catedral, por exemplo.

Mesmo assim, eu cometi o mesmo erro de ignorar todo o conteúdo extra-textual em Orgulho & Preconceito quando eu comecei a ler o livro no início do mês. Tinha um ou detalhe que estavam me chamando a atenção, uma estranheza mesmo, na forma como essa ou aquela frase terminam ou uma oração muda de forma. Primeiro, eu achei que era resultado do discurso indireto livre de Jane Austen, o que torna seus livros tão deliciosos de ler (além do sua sagacidade e bom humor).

Então eu me rendi e li os comentários da edição, e aí sim que entendi que Orgulho & Preconceito sofria mudanças a cada publicação, tentando “corrigir” justamente essa estranheza que eu tava sentindo. As notas da edição me deram o contexto em que essas passagens possam ter surgido (um problema na primeira edição, ou algo assim), e como a tradução tratou de cuidar delas para não causar nenhuma estranheza que a própria autora não pretendia. É importante esse contexto, porque Austen, uma mulher, teve que lidar com desconfiança e machismo na hora de tomar suas decisões autorais que reverberam até hoje na sua literatura.

Foi aí que eu decidi ler notas das edições de outros livros antigos que eu li, como Uma Criatura Dócil e Fausto e, amigos, é assim que eu percebo minha burrice. Eu passei meses lendo Fausto, por exemplo, porque passava muito tempo me preocupando que eu não estava entendendo isso ou aquilo. E tava ali, explícito na nota da edição, o porquê daqueles detalhes. Isso teria poupado tanto da minha atenção e do meu mau humor, vocês não têm ideia.

Enfim, leia as notas da edição. Não faça como eu.

videogamedunkey faz uma resenha surpreendente de Playtime

videogamedunkey é um dos meus canais favoritos no YouTube. Ele faz ótimas reviews de jogos que são ao mesmo tempo engraçadas e esmiuçam muito bem como o jogo funciona ou não. Ele também faz vídeos engraçados de vez em quando.

Eu não tava esperando que ele fizesse uma review de um filme, principalmente não de uma comédia quase experimental francesa dos anos 1960, mas aí está. E é uma ótima resenha, inclusive, que consegue esmiuçar como esse filme faz você procurar o que olhar, e porque isso é legal.

“Esse filme” é PlayTime, um dos melhores filmes que eu já vi e provavelmente o filme mais impressionante de todos. É uma comédia gigante, tanto em escopo quanto em potência, e eu recomendo muito se você não viu. PlayTime é um filme estranho no início, então eu realmente recomendo que você assista à resenha do Dunkey antes de assistir para te preparar pelo que está por vir.

Se você gostar de PlayTime, o que eu acho muito provável que vai acontecer, eu também recomendo que você se aventure em toda a filmografia do seu diretor, Jacques Tati (o MUBI faz uma retrospectiva do diretor de vez em quando). Tati é um dos grandes mestres do cinema, que tinha um domínio surreal sobre o que e como a gente vê um filme. E são grandes filmes, que precisam ser vistos em telas gigantes para poder entender o que está acontecendo. De certa forma, PlayTime é como nada do que você já viu ou foi feito no cinema, e ao mesmo tempo é o progenitor de muito o que foi feito no audiovisual desde então.

Tacoma é uma boa alternativa para quem tem muito medo de Alien: Isolation (eu)

Eu tô jogando Tacoma essas últimas semanas. Tacoma é um jogo de mistério em que você investiga o que aconteceu com a população em uma estação espacial através de registrosde conversa e acesso aos computadores pessoais deles.

Tacoma é um jogo do pessoal da Fullbright, o estúdio que alcançou as estrelas com Gone Home, que tem uma jogabilidade muito parecida: são jogos em primeira pessoa, e você precisa investigar uma série de ambientes. “Investigar” é uma palavra forte pro que acontece, na verdade. Você faz isso mentalmente, mas no jogo a investigação é uma série de ações mundanas: ver capas de livros, olhar com atenção para um quarto, ouvir o disco favorito de um personagem.

Através dessas ações, você vai remontando a história dos personagens que habitavam os lugares que você está. É uma fórmula “simples” – alguns jogadores sequer consideram esse tipo de jogo um jogo, mas eles são babacas –, mas eu acho extremamente eficaz. É fácil de pegar o jeito com os controles, e Tacoma retribui sua atenção com passagens belíssimas. O verdadeiro cuidado desses jogos está em como a história do todo é distribuída cuidadosamente por esses espaços inabitados. A gente vê apenas o que restou daquelas pessoas, mas na nossa mente a gente consegue imaginar quem elas foram, e pelo que elas tavam passando.

Eu cheguei em Tacoma por acaso: eu tava jogando Alien: Isolation, mas eu sou extremamente suscetível à me apavorar em jogos de terror, e tava sendo muito difícil passar por alguns maus bocados naquele jogo. Isolation é lindo, e se você tem o coração e o fôlego pra jogar um jogo em que você está em um ambiente que não quer você lá, eu super recomendo.

O que eu mais gostava em Alien: Isolation, porém, era como ele conseguia capturar aquele sentimento do Alien original, de pessoas que precisam conviver no meio do vácuo mortal do espaço sideral através de câmaras de metal. São espaços muito vívidos, cheios de detalhes sobre a tripulação daquelas naves, e quando o Alien me dava uma trégua eu adorava ficar vasculhando a nave por detalhes sobre a tripulação e ver o apreço aos detalhes que o time da Creative Assembly pôs em cada espaço que o jogador passa.

Mas jogos são feitos com verbos, e alguns deles são mais fortes que outros: em Alien: Isolation, o verbo “sobreviver” é mais forte do que “descobrir”. É um jogo em que você está preso na mesma bolha de ar que um ser feito para matar tudo o que ver pela frente, então é uma questão de prioridade mesmo. Em Tacoma, o desastre já aconteceu, e você precisa ver o que restou daquelas pessoas. “Investigar”, em Tacoma é ver, ouvir e prestar atenção. As vezes, algumas coisas que você está ouvindo só vão fazer sentido bem depois, porque você só ouviu o final de uma discussão e não viu o que causou ela.

Eu sou um fã de ficção científica, e um fã de histórias que se passam no espaço em especial. Tacoma olha para essas histórias com doses certas de fascínio e cinismo: fascínio pela conquista da humanidade, de enviar pessoas para fora do nosso planeta; e cinismo, sabendo que cada conquista da humanidade leva nossos traumas de imperialismo e colonialismo e autoritarismo junto. Mas Tacoma consegue manejar esse cinismo com a humanidade que as melhores histórias no espaço – como Alien – com a beleza da vida humana que a gente leva pra onde nós conseguimos ir. A gente investiga um desastre e o resultado da exploração desenfreada, e o que a gente encontra é a humanidade, que luta para mostrar suas marcas mesmo fora do nosso planeta.

Aqui está o trailer da continuação de Breath of the Wild

Eu tô muito emocionado. Na apresentação, Eiji Aonuma disse que a sequência de Breath of the Wild vai ter seu cenário expandido de Hyrule para os céus.

Tem algo que o time do Aonuma conseguiu nesses trailers que eu simplesmente não sei expressar direito. Eles nos atraem pro seu senso de aventura. Eles querem que a gente vá e explore e descubra tudo o que esse mundo de Zelda tem a oferecer. Esses jogos nos atraem para uma mágica que existe nesses jogos. É como se fosse mágica mesmo.

A sequência de Breath of the Wild deve ser lançada em 2022. Eu acho que, se esse novo Nintendo Switch for real, ele pode ser lançado só quando esse jogo estiver pronto. Zeldas abrem gerações.


Em outras notícias da apresentação da Nintendo na E3, minha lista de compras para o Switch até o final do ano tá assim:

  • The Legend of Zelda: Skyward Sword HD (julho)
  • WarioWare: Get It Together (setembro)
  • Metroid Dread (EU NÃO ACREDITO, outubro)
  • Pokémon: Brilliant Diamond (novembro)

Eu achei que a Nintendo ia anunciar uma coleção de remakes para celebrar o aniversário de Zelda esse ano (a gente sabe que Twilight Princess HD e Wind Waker HD estão parados lá no Wii U), e agosto e dezembro ainda são meses sem nenhum lançamento grande da empresa, então ainda tenho um pouquinho de chance de que isso pode acontecer. Fico feliz que eles mencionaram que Metroid Prime 4 ainda tá em desenvolvimento (eu aposto que esse aí se tornou em um título de lançamento pro novo Switch), e ainda mais contente que o primeiro Metroid em 2D em mais de duas décadas vai ser lançado esse ano. O trailer até chama Metroid Dread de “Metroid 5”.

Enfim, mais um ano sem um relançamento de EarthBound.

Como a montagem de Ted Lasso captura o espírito colaborativo da comédia

Na TV, comédia pode ser filmada de algumas maneiras. As duas mais comuns são os chamados setup de multiplas câmeras (multi-cam setup) e o setup de câmera única (single cam setup). Você provavelmente já viu séries que usam cada uma dessas abordagens, e provavelmente sabe dizer qual é qual instintivamente: as chamadas “sitcom” são geralmente gravadas com várias câmeras em frente à uma platéia. É o caso de Friends e The Big Bang Theory, por exemplo. Já comédias como Fleabag e Ted Lasso são gravadas com uma câmera só, de uma forma mais parecida com um filme.

Nesse texto para o AV Club, Saloni Gajjar comenta como a montagem de Ted Lasso traduz bem a sensação de colaboração do futebol, e das amizades, e como ele cria uma série tão boa de sentir com isso:

Look no further than the first meeting between Ted, Coach Beard, and kit-man Nathan (Nick Mohammed) in the pilot. When Ted and his fellow coach ask the latter for his name, he’s surprised; no one ever asks. Instead of immediately giving an answer, there’s a pause as the camera cuts back and forth between their faces, setting the comedic tone and letting Nathan’s confusion linger (and Mohammed’s performance shine). The joke continues when Ted and Coach Beard see Nathan again and remember his name, and the scene cuts to another look of happy surprise on the kit-man’s face. The Ted Lasso editors build on a similar momentum for every character and running gag. One of the show’s biggest secondary arcs is Roy and Keeley’s romance, and the editors prime us to root for them early on by focusing on their longing gazes, flirtatious parking lot conversations, and when Roy finally asks Keeley out in episode eight (“The Diamond Dogs”).

McCoy and Catoline’s intercuts from the field, to the coaches, to the viewers in the stands and those watching the game at home present the matches in an appealing way to fans as well as viewers not particularly interested in soccer. In the establishing shot of the premiere with the AFC Richmond team practicing on the field, the duo combines close-ups of legs and passes with slow-motion scenes and pans out to catch all the gameplay. These jump-cuts, especially in the finale, generate the necessary energy for high-stakes storytelling. This is true of non-game scenes as well. Two of the show’s most memorable moments—the team celebrating its win by going to a karaoke club in “Make Rebecca Great Again,” and Ted’s game of darts with Rebecca’s ex-husband, Rupert (Anthony Head), in “The Diamond Dogs”—speak to McCoy and Catoline’s remarkable ability to follow the script’s character developments and the actors’ work with their cuts.

Ai, ai. Ted Lasso é muito boa. A nova temporada estreia no mês que vem, e eu mal posso esperar.

Um guia gentil para você começar a usar RSS

Eu escrevi aqui (mais de uma vez) sobre como RSS é bom e como ele melhorou meu dia-a-dia na internet depois que eu voltei a usá-lo. Eu tô prestes a terminar um próximo post sobre ele, mas antes disso eu lembrei que alguns amigos meus me pediram ajuda para começar a usar leitores de feeds, e os tutoriais na internet sobre o assunto geralmente são escritos por entusiastas da tecnologia, que têm um tom um pouco presunçoso. Então eu decidi escrever esse guia bem simples de como configurar um leitor e encontrar seus feeds favoritos.

O que é o RSS

RSS é uma sigla para “distribuição realmente simples” em inglês, e é isso que ele faz: ele distribui o conteúdo de um site para outros lugares através de feeds, uma lista desse conteúdo que outros aplicativos podem ler e mostrar para o usuário. Um leitor de feeds é esse aplicativo, que consome o feed — o conteúdo dos posts desse site — e o disponibiliza no próprio aplicativo.

Com o RSS, eu posso distribuir o conteúdo do Pão para um leitor RSS. Com um leitor de RSS, você pode receber o conteúdo distribuído por diversos sites em um só lugar. Você decide de quais, você decide quando abrir, e você decide se quer ler ou não.

Digamos que você assina uns dez feeds: alguns blogs, algumas newsletters, e o feed de um jornal, como a Folha de São Paulo. Quando você abrir o seu leitor RSS de manhã, você vai ver as notícias, os novos posts e as edições de newsletters desde a última versão que você abriu em um só lugar. É como se fosse um jornal personalizado. Essa é a mesma tecnologia que distribui podcasts, então se você escuta algum podcast, você já está usando RSS!

Se o número de conteúdos não lidos acumula, você pode achar maçante ter que abrir seu leitor RSS, então eu recomendo que você assine apenas aquilo que realmente importa para você: os sites que você visita com mais frequência durante o dia, ou blogs que você esquece que existem até que o algoritmo do Twitter ou do Facebook finalmente lembre você de ir lá conferir — eles provavelmente postam raramente, então você não vai ficar com muita coisa acumulada.

Se você pesquisar sobre RSS vai encontrar artigos sobre Atom e XML e versões do RSS. Não se preocupe, de verdade! Um leitor RSS está preparado para tudo para que você não se preocupe com isso.

RSS e redes sociais

As melhores qualidades da internet de antigamente estão preservadas no RSS: ele é composto por arquivos pequenos, então eles carregam rápido, não consomem muitos recursos do seu computador ou do celular. Isso também significa sem anúncios que ocupam a página inteira, ou que controlam a rolagem do seu navegador enquanto você lê.

Diferente das redes sociais, o RSS não é controlado por algoritmos. É um jeito mais calmo de explorar a internet. A lista de posts é ordenada dos mais recentes para os mais antigos. Quando você marca eles como lidos, eles são arquivados. Você pode acessá-los quando quiser.

Você não precisa ter medo de perder algum conteúdo legal. O leitor não vai esconder posts que você não leu porque você ficou a última semana sem abrir o aplicativo. Ele vai esperar você voltar quando quiser. Se você não quiser ler nada, você pode marcar tudo como lido de uma vez. Se algo te interessa, você pode marcar para ler depois.

Usando um leitor RSS

RSS é uma tecnologia aberta e gratuita, então existem vários leitores bem diferentes para você escolher e que melhor se adaptam à sua experiência! Alguns oferecem sincronia entre diversos dispositivos, então sua lista de feeds vai estar atualizada entre seu celular e seu computador, por exemplo.

Esses serviços costumam ser pagos, mas você pode optar por ter um leitor RSS só no seu computador ou só no celular, ou receber feeds diferentes em cada dispositivo. E para isso existem várias alternativas gratuitas. Fica ao seu critério como você vai querer usar.

Alguns dos mais populares são:

  • Feedly, com planos gratuitos e pagos.
  • InoReader, também com planos gratuitos (bem generosos!)
  • The Old Reader, o plano gratuito é cheio de recursos
  • Feedbin, pago mas com recursos poderosos

Todos eles oferecem os mesmos recursos básicos, então é muito mais uma escolha sobre o design do que você mais gosta e se os recursos “extra” te chamam mais a atenção. Eu uso o Feedbin, por exemplo, porque eu posso criar feeds de perfis no Twitter e de canais no YouTube. É muito útil!

Uma ótima alternativa também é o Livemarks, uma extensão para o Firefox que permite que você assine um feed na barra de favoritos do navegador. A extensão cria uma pasta com os links mais recentes do feed e os atualiza na periodicidade que você escolher. Eu gosto muito de usar essa extensão para feeds que se atualizam constantemente, como a Folha de S. Paulo, porque as últimas notícias ficam sempre se atualizando enquanto eu trabalho.

Encontrando feeds

Todos os blogs possuem feeds, e a maioria dos jornais oferecem feeds gerais e específicos. Se você quer receber todas as notícias publicadas no G1 você pode, mas se você quiser receber apenas as notícias de um colunista ou de uma seção (Esportes, por exemplo), o site oferece um feed específico para você só receber o conteúdo daquilo que desejar.

O jeito mais fácil de encontrar um RSS é pesquisar pelo nome do site e o termo RSS no Google. Cada página de escritor no Medium oferece um feed; cada canal do YouTube também.

Para assinar esses feeds, você só precisa copiar a URL da página para o seu leitor. Ele vai escanear a página pelo endereço do feed e assinar. Você pode organizar seus feeds em pastas ou em tags, para deixar tudo arrumadinho.

Seu RSS é algo que você vai construir com o tempo. Você vai descobrir um site legal ou um canal no YouTube interessante, e então você assina o feed. Se você perder o interesse por algum desses feeds, ou se eles postam demais e você se sente perdido, você cancela a assinatura. É tudo muito simples, e você tem o controle sobre tudo.

Como as melhores tecnologias da web, o RSS foi feito para melhorar o seu dia e fazer você se sentir bem. Está na hora de a gente voltar a usá-lo!

E não esqueça de assinar o feed do Pão no seu novíssimo leitor.

Quem é você, Charlie Brown?

Esse é o trailer de Quem é você, Charlie Brown?, um documentário sobre o criador de Peanuts, Charles M. Schulz que vai estrear na Apple TV+ no próximo dia 25.

O documentário vai ser narrado por Lupita Nyong’o e parece bonzão. Eu tô gostando um bocado da leva de produções de Peanuts que tão aparecendo na Apple TV. Eles tem todo o acervo dos desenhos clássicos (com exceção de Snoopy, volte para cara) e Snoopy & Sua Turma é um charme. Se você gosta de espaço e de Peanuts, como eu, Snoopy no Espaço é ótimo. Eu só gostaria de uma série animada da turma mesmo, não só do Snoopy. Quem sabe mais pra frente.

No Sudden Move, e outros filmes que tem mais elenco do que espaço no cartaz

A HBO lançou o trailer do novo filme de Steven Soderbergh, No Sudden Move:

No Sudden Move parece um tipo específico de filme que eu adoro, que é aquele em que tem tanta gente boa no elenco que parte da graça é ver como eles conseguem encaixar o nome de todo mundo nos cartazes e nos trailers. São filmes que, com tanto talento, precisa de muita trama pra fazer render, então os filmes vão pra tudo o que é lado e inventam as desculpas mais improváveis para “acumular” essas atuações. É como ler um baita livro.

Isso acontece direto nos filmes do Wes Anderson também, como em O Grande Hotel Budapeste e no seu novo filme que estreia em Cannes esse ano, The French Dispatch – o filme que eu mal posso esperar pra assistir na minha primeira ida ao cinema depois da vacina:

O falante mais rápido do mundo canta “Bad” em 20 segundos

John Moschitta Jr. era considerado o homem que falava mais rápido no mundo, e para provar tem esse vídeo de 1987 em que ele recita “Bad”, de Michael Jackson, em vinte segundos. A música original tem mais de quatro minutos e meio.

Em contrapartida, esse vídeo acabou de reduzir a velocidade da minha fala porque meu queixo ainda não voltou pro lugar.

Gilberto Gil sobre o desenvolvimento e a democratização da tecnologia

Gil, sempre o mestre, em entrevista à Folha:

Desde os grandes produtores de tecnologia de internet, passando pelos consumidores e indo até os órgãos reguladores, todos estão de uma certa forma preocupados.

O Instagram estabeleceu suas regras. O Whatsapp apareceu agora com uma novidade. Todos tentando regulações, chamando o Estado para participar desse processo todo. Você vê, por exemplo, o [Mark] Zuckerberg [presidente do Facebook] tentando melhorar os serviços prestados pela companhia dele, estabelecendo um debate com os órgãos regulatórios para melhorar o atendimento ao consumidor, a questão das fake news. Tudo isso é preocupação permanente de cada vez mais pessoas na sociedade global.

O que se pode fazer é isso. A permanente atenção em relação aos usos dessas tecnologias todas, a avaliação permanente dos resultados desses usos, das correções que vão sendo feitas.

É um processo contínuo?

Como sempre foi. Uma solução cria novos problemas, que demandam novas soluções.

Quem é contra regulação nas redes fala em liberdade de expressão, tema que também é caro a artistas. Como equilibrar isso?

São critérios variados e oscilantes. Uma hora tendendo a favorecer um lado, outra hora o outro.

É uma discussão permanente sobre até onde vai essa liberdade, o que é liberdade, o que não é, qual o grau de interferência tolerável por parte da regulação, onde é que realmente a liberdade está sendo ameaçada ou quando a liberdade é ameaçada por mais liberação (risos). É tudo muito complexo. Não é uma visão linear que dará conta.

Em “Cérebro eletrônico”, de 1969, o sr. diz que a máquina é muda, não chora, não anda. Será preciso atualizar a letra?

Ela vai começar a mandar em vários níveis e vai ser travada pela inteligência humana em vários outros. Isso porque, de outro lado, a configuração da biociência vai se desenvolvendo, vai dando ao cérebro humano nova profundidade, nova capacidade de expansão de seus potenciais.

A contribuição que a máquina traz é equilibrada por aquilo que na existência humana não é técnico, maquínico. Esse lado vai sempre discutir com a máquina. A máquina só vai mandar sozinha, trabalhar sozinha, se o ser humano deixar, por alguma razão.

A humanidade pode decidir em determinado momento que a gente não quer mais a bioexistência, que queremos a existência maquínica e aí entregamos tudo para a máquina. Mas, enquanto a gente apreciar essa dimensão biológica, fisiológica em que estamos, a relação com a máquina será sempre de diálogo.

Ela só vai avançar se for permitida. Essa possibilidade de desastre do tipo “2001, Uma Odisséia no Espaço”, filme em que o computador resolve matar a tripulação toda, é uma situação extrema que deve estar no mapa, no elenco das possibilidades, mas que são muito remotas, porque nós conservamos nossas condições biológicas, de nossa cognição, na nossa corporalidade. Por mais maquínicos que estejamos, nossa autonomia biológica ainda é muito forte, o projeto humano é muito forte.

Desfazer a polarização que a internet alavancou na última década é um processo muito mais difícil, porque a binaridade é própria da tecnologia. Como desenvolvedores, a gente está constantemente trabalhando em casos em que algo acontece ou algo não acontece, e desconsideramos ou “generalizamos” casos em que não é um nem outro. A arte sempre teve essa função de enxergar os cinzas entre o preto e o branco, de discutir porque um é um e outro é outro, e de onde vêm essas ideias. Acho fantástico que o Gil tá fazendo essa ponte.

A tecnologia já tá ligada demais ao nosso cotidiano pra gente tentar reduzir nossas vidas à ela. O caminho é oposto – nós precisamos começar a olhar para a transformação tecnológica de forma mais complexa e fazendo perguntas mais difíceis se quisermos continuar usando e desenvolvendo. Nas palavras do próprio Gil:

Tudo é bom e ruim. Igual copo de leite, que é muito bom para alguém em determinada circunstância, mas pode ser terrível para alguém que tenha alergia a laticínios.

Gil vai dar a palestra Caminhos para a Democratização da Tecnologia no canal da ThoughtWorks Brasil no YouTube nessa quinta, às 19h.

Onde Fica a Casa do Meu Amigo? na MUBI

O filme do dia na MUBI é Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, o filme que colocou o diretor iraniano Abbas Kiarostami na mira do público internacional. Se você nunca viu um filme do meu diretor favorito, eu recomendo muito começar por ele. É curtinho, e tudo o que eu aprendi a amar no cinema de Kiarostami começa aqui.

A história é simples: nosso protagonista, um garoto de oito anos, pega sem querer o caderno de um colega. O colega está tendo uns dias ruins, e o garoto imagina que se ele não entregar o tema de casa feito na aula seguinte, ele vai ser punido. O filme inteiro é a busca de Ahmed pela casa do seu colega, e como os adultos ajudam ele muito pouco, mas Kiarostami filma muito menos pela indiferênca dos adultos do que pela perseverança de Ahmed, que torna esse filme realista em uma pequena fábula, em que o mundo se contorce sob a visão de como as coisas funcionam para uma criança de oito anos. É lindo e é enganosamente simples, como os melhores filmes costumam ser.

Onde Fica a Casa do Meu Amigo? é o primeiro filme em uma “falsa trilogia” em que Kiarostami volta à região de Koker, onde esse filme foi filmado, e eu tenho a sensação de que os outros dois filmes vão chegar logo logo na MUBI também.

As obras-primas do streaming

A Polygon está com uma série de artigos chamada The Masterpieces of Streaming, com foco nos filmes e séries lançados no Netflix e em outras plataformas de streaming desde o início da criação de conteúdo específico pra esse meio (os chamados “originals”). Tem a típica lista dos 50 filmes mais importantes dessa era, e as séries que melhor utilizam a plataforma para maratonar. Tem também sobre um outro tipo de conteúdo, os vídeo-ensaios no YouTube, que por algum motivo não lista nenhum vídeo da ContraPoints.

O que eu mais gostei são os artigos que analisam essa era de conteúdo, em especial esse em que o autor, Charles Bramesco, tenta identificar o porque as plataformas de streaming geram tão poucos clássicos como as locadoras (e os cinemas) conseguem:

Humanity has spent a little over one hundred years developing a relationship to “the movies” as both a sentimental notion and a real place, priming us for the emotionally revelatory highs of a life-changing screening. There’s a crucial feeling of ceremony absent from the process of clicking around on the couch, and a certain investment in buying a ticket rather than simply hitting play. For the deliberateness required, these transactions mean more; it’s even in the language, of “going to the movies” versus “seeing what’s on.” Netflix has poured a bit of its capital into eventizing its films along these lines, buying out the Paris Theater in Manhattan as a place for the tastemakers of New York to take in the service’s more dignified releases as they were meant to be seen.

“As they were meant to be seen” is not a figure of speech. There are visceral, physical reasons for the way we have traditionally seen art and absorbed its effects. The sheer scale of theatrical presentation makes for an immediate bigness that amplifies our response to the moving lights on the wall. The enveloping environment of darkness, the elimination of extraneous sounds, and the upright stillness in the chair lull a viewer into a state of what film theorists called “lower wakefulness,” under which movies can permeate deeper than when watched from a couch. The company of the crowd goes a long way as well, their reactions giving approval to ours and vice versa in feedback loops of fuller-throated laughter, fear, or in the case of Magic Mike XXL, joy. The forced isolation of the past year-plus has only underscored the critical importance of the social, communal dimension to viewership.

Mas meu artigo favorito de todos é esse ensaio sobre o poder, e a influência, do Vine nisso tudo. Esse sim foi o rei da internet enquanto durou.

A simulação secreta de SimCity

Esse vídeo da Polygon sobre a simulação “secreta” que rege o que a gente faz em SimCity é excelente (e muito, muito denso, eu tive que rever umas vezes). Ele me fez lembrar esse texto sobre a política oculta e perigosa do jogo.

Também me lembrou que, depois que o SimCity foi lançado em 2013, uma galera tava reclamando sobre como era “difícil ou quase impossível remover os moradores de rua” da cidade. Tem esse post no Motherboard sobre isso.

Reaprendendo a amar o cinema

Se você acompanha o Pão há um tempo, pode perceber que nos últimos dois anos eu falei muito pouco sobre filmes. No início, o Pão era quase inteiro um blog sobre os filmes que eu gostava ou tinha descoberto recentemente, mas de meados de 2019 pra cá isso mudou um bocado.

Antes, eu era uma pessoa empolgada por descobrir diretores novos e explorar a filmografia de um país longínquo. Eu gostava de ir no cinema e pegar uma sessão sem nem saber a sinopse do filme que eu ia assistir, eu me importava com filmes que foram selecionados para festivais e organizava calendários de estreia para ficar atento a quando eu ia ver o quê.

Mas de lá pra cá, minha relação com o cinema mudou profundamente. Primeiro eu achei que era algo momentâneo, como acontecia antes, de eu passar umas semanas sem ver tantos filmes até que o fôlego de assistir um filme (ou mais!) por dia voltasse. Mas esses intervalos começaram a durar mais e mais, até que eu percebi que talvez fosse algo diferente, definitivo.

A verdade é que não foi só a minha relação com o cinema que mudou nesse tempo, mas a forma com que eu enxergo os filmes também1. Eu comentei um pouco sobre isso em uma edição recente da Baguete: eu leio resenhas antigas que eu publiquei aqui no blog lá por 2013 e 2014 e vejo o quanto isso mudou. Eu reduzia os filmes que eu assistia, até mesmo aqueles que eu gostava muito, a temas simples. Antes eu achava que meus posts sobre Zodíaco e Ela não eram bons porque eu não conseguia formular bem os motivos pelos quais esses filmes são bons. A verdade é que esses textos são ruins porque eu mesmo não era honesto sobre o que eu gostava sobre eles, conscientemente ou não.

Por exemplo, no post sobre Zodíaco, eu digo que o filme é bom porque é um retrato obsessivo sobre pessoas obsessivas, e a obsessão do personagem sobre a identidade do assassino do Zodíaco reflete a obsessão do diretor, David Fincher, em esmiuçar os eventos. Esse é uma das características que me fazem apreciar esse filme, mas não é por isso que eu gosto dele.

Eu passei o último ano sem falar muito de cinema por aqui, e não porque eu não vi filmes excelentes. Foi pensando nos motivos de eu não conseguir escrever um post sobre First Cow e Minari que eu comecei a entender o que mudou em mim. Esses são dois filmes que parecem simples: First Cow conta a história de dois amigos na era colonial dos Estados Unidos que começam a roubar o leite da primeira e única vaca da região para fazer quitutes e vendê-los por uns trocados. Minari conta a história de uma família de imigrantes coreanos na década de 1980 tentando criar uma plantação de legumes.

Porém, quando eu tentei aplicar minha abordagem pra resenhar eles, eu não consegui. Isso porque First Cow e Minari não são filmes “sobre” algo, não existe uma força temática forte sobre eles com a qual eu pudesse reduzir os filmes. Não que Zodíaco seja um filme com apenas um tema como eu dou a entender naquela resenha, mas eu “descasquei” um tema do filme e saí correndo com ele. Se eu fosse escrever sobre Zodíaco hoje, eu não saberia como.

Eu acho que isso tá acontecendo porque eu tô vendo filmes de um jeito diferente. Eu não vejo mais filmes “sobre um acontecimento”, mas sim filmes no momento em que algo acontece. É um jeito diferente de olhar, e eu acho mais difícil de escrever sobre o que eu gosto nesses filmes. Eles capturam algo que eu gosto, e me mostram de um jeito que eu gosto.

Minha impressão é que esse é um jeito mais gentil de ver filmes. Eu parei de cobrar que coisas aconteçam nos filmes, ou que eles me falem sobre algo — que eles tenham um Grande Tema, que eles me expliquem Uma Grande Situação. Eu ando assistindo filmes como se eu estivesse olhando pra janela enquanto tenho uma folga do trabalho. Eu vejo as coisas acontecerem naquele momento que eu enxergo elas. As vezes elas fazem sentido, as vezes não. É sobre o que elas me fazem sentir, bem mais do que elas fazem no filme em si.

Não sei se dá pra entender isso, mas essa mudança foi crucial pra eu voltar a gostar de ver filmes. Por um tempo, foi ficando cada vez mais difícil de escolher um filme pra assistir — eu fui ficando mais chato, eles tinham que ser mais inteligentes do que os anteriores, mais formalmente impressionantes, etc. Até um ponto que eu não tava gostando de mais nada do que eu assistia, e parei de querer ver filmes. E então eu percebi essa mudança em filmes pequenos. Filmes como First Cow, em que muito pouco acontece, mas que limparam a minha mente e me fizeram enxergar o que tava acontecendo neles, e não “sobre” o que eles tavam tentando me dizer.

Não sei se um dia eu vou voltar a resenhar filmes, mas provavelmente não. Eu ainda tô experimentando formas de escrever sobre os filmes que eu vi, e ainda não achei uma forma ideal. As vezes eu acerto em cheio, como essa observação de Certas Mulheres, que é até hoje um texto meu favorito sobre filme, mas é difícil de escrever algo assim. As vezes eu prefiro descrever como o filme me fez sentir, e acho que essa é uma boa saída também. As vezes eu faço uma observação mais pontual. Pode ser que eu escreva mais coisas assim.

Vocês provavelmente vão ler alguns desses experimentos no Pão daqui pra frente. Eu só precisava desabafar sobre isso em primeiro lugar. Acho que, agora, eu consigo ser mais honesto sobre os filmes que eu vejo.

  1. Tem uma questão de tempo aí também, eu simplesmente não tenho mais tanto tempo livre pra assistir a quantidade de filmes que eu via antes. 

Everything is Alive está de volta

Everything is Alive, o meu podcast favorito, está de volta para sua novíssima temporada entrevistando Adam, um banquinho de sentar.

Esse podcast é perfeito pra quem, assim como eu, assistiu Toy Story muito cedo e desenvolveu uma empatia perigosa por absolutamente tudo ao seu redor. Eu sento devagar no sofá pra não machucar ele, eu limpo a louça com cuidado para elas dormirem bem. Faz muito tempo que eu não acredito que as coisas ao nosso redor não têm uma vida própria e julgam o nosso dia-a-dia, mas resquícios desses pensamentos ainda vivem dentro de mim. E Everything is Alive ilustra isso com entrevistas com esses objetos. São conversas charmosas demais pra descrever, mas eu vou tentar: algumas são engraçadas, como a da jaqueta de couro e a calça jeans, que conversam sobre como seu dono não tem mais idade para vestí-las. Outras, como a do elevador, são de partir o coração.

A melhor dica que eu poderia dar a você nesse início de final de semana é essa. Escute Everything is Alive. Ele me ajudou a ver a beleza daquilo que nos cerca no dia-a-dia. Não tem presente melhor que esse.

Dois links nessa manhã de segunda

Dois links nessa manhã de segunda:

A história não contada de “Back at it again at Krispy Kreme” (nymag.com)

A história do melhor Vine de todos os tempos, com direito à uma investigação detetivesca de onde e porque ele aconteceu.

100 Visões da Maternidade (theluupe.com)

Um ensaio fotográfico curado pelo TheLuupe. São cem fotografias que mesmo assim sugerem que são poucas para conseguir capturar a experiência maternal pelo mundo.

Barry Jenkins: The Gaze

Enquanto filmava a monumental minissérie The Underground Railroad, o diretor Barry Jenkins também começou a trabalhar em The Gaze, um filme não-narrativo que parece existir naqueles momentos dos filmes do diretor em que os personagens extrapolam suas próprias histórias e olham o próprio espectador nos olhos.

In my years of doing interviews and roundtables and Q&A’s for the various films we’ve made, there is one question that recurs. No matter the length of the piece or the tone of the room, eventually, inevitably, I am asked about the white gaze. It wasn’t until a very particular interview regards The Underground Railroad that the blindspot inherent in that questioning became clear to me: never, in all my years of working or questioning, had I been set upon about the Black gaze; or the gaze distilled.

I don’t remember when we began making the piece you see here. Which is not and should not be considered an episode of The Underground Railroad. It exists apart from that, outside it. Early in production, there was a moment where I looked across the set and what I saw settled me: our background actors, in working with folks like Ms. Wendy and Mr. and Mrs. King – styled and dressed and made up by Caroline, by Lawrence and Donnie – I looked across the set and realized I was looking at my ancestors, a group of people whose images have been largely lost to the historical record. Without thinking, we paused production on the The Underground Railroad and instead harnessed our tools to capture portraits of… them.

What flows here is non-narrative. There is no story told. Throughout production, we halted our filming many times for moments like these. Moments where… standing in the spaces our ancestors stood, we had the feeling of seeing them, truly seeing them and thus, we sought to capture and share that seeing with you. The artist Kerry James Marshall has a series of paintings of ancestors for whom there is no visual record but for whom he has supplied a visual representation of their person. For me, most inspirationally, “Scipio Moorehead, Portrait of Himself, 1776.”

[…]

This is an act of seeing. Of seeing them. And maybe, in a soft-headed way, of opening a portal where THEY may see US, the benefactors of their efforts, of the lives they LIVED.

Nook: temas do Animal Crossing no Firefox e no Chrome

Se você já jogou Animal Crossing, você sabe que o jogo têm pequenos temas musicais para cada hora do dia. O das 9h é diferente do das 10h, que são diferentes do das 21h e das 22h. Alguns temas são mais “espaçosos”, outros são mais agitados, tudo depende do jogo e da hora do dia.

Esses temas são perfeitos pra quando eu estou jogando New Horizons, porque o jogo requer ao mesmo tempo um pouquinho de concentração e de criatividade. Por coincidência, o meu trabalho também requer um pouco de concentração e de criatividade ao mesmo tempo, então eu fiquei muito feliz quando encontrei o Nook, uma extensão para o Chrome e o Firefox que executa os pequenos loops musicais de vários Animal Crossing de acordo com a hora do dia.

Eu pessoalmente gosto de ouvir os temas de New Leaf de manhã, eles são mais melancólicos e bonitos. À tarde, geralmente o período mais movimentado do meu trabalho, eu gosto de ouvir as notas acústicas dos temas de New Horizons, que me acalmam. Eu acho um barato, porque a extensão tem algumas configurações muito úteis — eu posso diminuir o volume do tema sem precisar baixar o volume do resto do computador, então eu deixo ele baixinho durante as reuniões. Você também pode ativar a chuva (a música muda quando chove ou neva nos jogos). Você pode até mesmo ativar as músicas do K.K. Slider nas noites de sábado, pra quando você precisa fazer aquela hora extra.

Os postos de gasolina mais bonitos

Via Kottke, que também linka pra esse artigo sobre como postos de gasolina podem ser transformados em coisas melhores quando gasolina e combustível forem coisa do passado, tomara que esse dia chegue logo.

Eu sou apaixonado por postos de gasolina, bonitos ou não. Tem algo muito real nesses lugares pedestres, são estruturas “eternas” para momentos passageiros — muito como um elevador, mas eu tenho medo de elevadores. É estranho, mas eu geralmente vejo postos de gasolina como respiros em cidades grandes. Eles são horizontais, e não verticais como os prédios, eles precisam ter espaço, porque os veículos vão passar bem nom eio deles. E eles são momentâneos: existem para aquele momento que você precisa deles, e depois você vai embora. Tem algo poético e trágico em lugares assim.

Kentucky Route Zero é basicamente sobre isso: aquilo que é trágico e poético porque é passageiro. Ele começa em um posto de gasolina.

Nintendo anuncia Game Builder Garage

Game Builder Garage é um jogo/aplicativo para o Nintendo Switch que permite que as pessoas criem jogos usando uma interface gráfica amigável, como o Scratch ou o Kodu Game Lab da Microsoft. O usuário vai ligar blocos que podem ser objetos ou ações à blocos de interação, permitindo criar comportamentos e cenários.

Pelo trailer, Game Builder Garage é bastante inspirado no Labo Garage e no Dojô do Yamamura em Super Mario Maker 2, e aposta no grande forte da Nintendo: seu conhecimento inigualável dos fundamentos do game design. De longe as melhores aulas de design de níveis que eu tive foram através do Yamamura no SMM2, com lições com foco em cada elemento que um nível de jogos do Mario podem apresentar. Game Builder Garage parece uma versão extendida e mais poderosa desse modo de jogo e tô bem interessado no que ele pode oferecer. Me lembrou de quando a Nintendo lançava aplicativos como leitor de livros e bloco de anotações para o DS e o 3DS, sempre com um diferencial bacana. Parece que o Switch tá tomando esse mesmo caminho.

Algumas anotações de atualizações

Oi pessoal, queria só deixar uns avisos por aqui antes de começar o dia. Espero que todos estejam bem e seguros.

se você é um leitor atento do Pão, já deve ter percebido que eu tô sempre fazendo umas modificações aqui e ali. As vezes eu mudo o espaçamento nos posts, as vezes eu troco algo de lugar. O Pão já passou por alguns redesigns, mas eu tô bem contente com esse e a forma como ele vem crescendo. Você já deve saber que eu trato esse blog como um pequeno jardim, sempre arrumando uma coisinha ou deixando outra mais bonitinha. Eu adoro sentar na frente do computador no sábado ou no domingo por uma ou duas horas e ficar mexendo um pouco no código-fonte do Pão.

Nas últimas semanas eu estive dedicado a remover a plataforma de comentários que eu usava aqui antes, o Disqus. Ele era a única fonte de cookies externos sendo usados no Pão, e ele começou a exibir anúncios na seção de comentários há um tempo. Eu nunca gostei disso, mas como o Pão é um site estático, sem um painel de administração por trás dele, eu não sabia se tinha muitas opções como alternativas.

Como vocês podem ver abaixo desse post, eu encontrei uma! Na verdade eu lembrei que o IntenseDebate existia — eu o usei em um dos meus primeiros blogs há muitos anos. Então temos comentários de novo, e agora sem interferir a sua privacidade e sem abusar do meu layout. Todo mundo ganha!

Agora a má notícia: eu ainda estou tentando importar nossos comentários do Disqus pra IntenseDebate, mas tô suspeitando que isso não seja possível. Se não tiver, paciência. Os comentários do Pão nunca foram muito ativos (mais sobre isso em um post futuro, eu acho!), mas com o passar dos anos eles acumularam um efeito muito bacana de pessoas encontrando séries ou filmes ou jogos que eu comentei aqui há um tempão e reagindo às minas considerações. Era bacana ver essas reações com anos de distância, e elas ainda estão disponíveis no Disqus do Pão. Os novos comentários do Pão ainda vão permitir esse tipo de interação, mas esse histórico talvez fique pra trás.

Enfim, os comentários estão vivos, e continuam sendo regidos pela etiqueta de comentários. Eu também aproveitei para atualizar as considerações de privacidade para remover a nota sobre o uso dos seus dados pelo Disqus. Ele não tem mais vez aqui no Pão.

Obrigado pela visita e fiquem bem! Nos vemos logo mais.

Fotos restauradas das missões Apollo

Toby Ord passou longas tardes restaurando fotos tiradas durante as missões Apollo, é um trabalho muito lindo que ele documentou no seu projeto Earth Restored, com detalhes de como essas fotos foram tiradas e de como foi o processo de restauração delas.

Most recent Earth photography is from the International Space Station. It is a superb vantage point, with excellent equipment and skilled photographers. But its position in low Earth orbit is just too close to allow photographs of the entire planet. If the Earth were a schoolroom globe, 30 centimetres across, the ISS would be viewing the Earth from less than a centimetre away — far enough to see a curving horizon and the black of space, but not to see the whole Earth. In fact, being so close, it can see just 3% of the Earth’s surface at a time.

To take a portrait of our planet you need to step further back. For example, to geostationary orbit (about 90 times further away) or the Moon (about a thousand times further). From these distances, you can see nearly an entire half of the Earth’s surface at any one time, while remaining close enough for a sharp image.

[…]

To find truly great photographs of the Earth — portraits of our planet — we have to go back to the 1960s and 70s. The Apollo program, with its nine journeys to the Moon, is the only time humans have ever been beyond low Earth orbit; the only opportunity they have had to take photographs of the whole Earth. They did not waste it. With great foresight, NASA equipped the astronauts with some of the best cameras ever made — specially modified Hasselblads, with Zeiss lenses, and 70mm Kodak Ektachrome film. But with the custom modifications, these were not easy to use. The cameras had no viewfinders or range finders, just a simple sighting ring. Composition, focus, and exposure came down to a mix of intuition and guesswork.

As imagens da NASA estão em domínio público, e Ord permite o uso de suas restaurações para fins não comerciais. Para saber mais, dê uma olhada na página do projeto.

Dois trailers de projetos que eu estou empolgado pra assistir

The Underground Railroad é uma minissérie de dez episódios escrita e dirigida por Barry Jenkins, diretor dos maravilhosos Sob a Luz do Luar e Se a Rua Beale Falasse, dois dos meus filmes favoritos da última década. Jenkins é um mestre, e mal posso esperar pra ver o que ele vai conseguir fazer num escopo gigante de uma minissérie.

The Underground Railroad vai ser lançado no Prime Video em 14 de maio.


Annette é o primeiro filme de Léos Carax desde Holy Motors[^1], um dos melhores filmes da década passada. É um musical com Adam Driver e Mario Cottilard e é um projeto que eu tô acompanhando há anos (acho que a primeira notícia sobre esse filme veio em 2016?). É empolgante saber que ele finalmente vai ser lançado.

Annette vai abrir o Festival de Cannes em 6 de julho e ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. Eu espero que eu possa assistir nos cinemas quando eles puderem reabrir em 2024.

Como eu organizo o que eu vou assistir

Até pouco tempo atrás, eu não precisava muito me organizar pra assistir filmes ou séries. Eu fazia isso meio que instintivamente. Se eu acordasse cedo o suficiente, eu podia assistir um episódio de uma série enquanto tomava meu café da manhã, e eu conseguia encaixar uns dois filmes depois do trabalho e antes de dormir.

Escrevendo isso agora eu fico pensando que loucura era aquela, mas eu consegui manter esse “ritmo” por uns anos. Mas hoje em dia eu não consigo mais. Eu acho que o isolamento social tá tornando cada vez mais difícil que eu me focar em algo — imagina, sentar só pra ver um filme! Mas eu também tô tentando ser uma pessoa com hábitos mais saudáveis, e a diversificar um pouco a minha “rotina cultural”, digamos assim. Quando eu arranjava tempo pra assistir tudo que é filme ou série, eu acabava me dedicando muito pouco a ler os livros que eu queria, e eu gostava muito de ler! Eu também não jogava tantos jogos que eu queria, e acumulava coisas na minha biblioteca do Steam.

Quando eu percebi que eu queria voltar a ler mais, eu comecei a tentar encaixar a leitura na minha rotina (isso tem sido um tema frequente na newsletter desde maio do ano passado). Mas só tentar encaixar não foi o suficiente, porque parece que o meu nível de atenção e de “disponibilidade emocional” mudou. Eu não consigo assistir The Americans, jogar Alien Isolation e depois ir para cama e continuar lendo meu livro de contos, por exemplo. Parte do meu processo de absorver cultura, hoje em dia, é justamente ter um tempo para digerir ela. O que significa que eu precisei espalhar ela pela semana, e não ficar tentando encaixar o máximo possível em um só dia.

Em contrapartida, tinha dias que eu sabia no que eu queria me dedicar (por exemplo, ver um filme na noite de quarta-feira), mas ficava muito tempo passeando pelos catálogos da Netflix, da Amazon ou sei lá mais do quê, até que a vontade desaparecia e eu ia dormir triste porque queria ter visto um filminho. Ou eu me pegava num loop onde eu só conseguia rever Community e Gilmore Girls, e deixava um monte de série bacana para trás.

Eu acho que é sinal da idade. Talvez seja. Talvez eu vou acabar ficando cada vez mais insuportável conforme eu vá envelhecendo, tendo que organizar minha rotina ainda mais, mas esse é o jeito que eu encontrei de fazer um pouquinho a cada dia, de não ficar naquela ânsia de querer assistir algo, mas gastar todo o curto tempo que eu tenho antes de dormir escolhendo o que eu quero assistir1 não é uma opção que me deixa feliz.

Então eu elaborei um cronograma, que é mais ou menos esse que tá aqui embaixo. Ele é bem aberto em partes, mas rígido onde eu preciso: eu tenho pré-definido o que eu vou assistir e quando eu vou assistir, e não superestipula minha semana. Pode ter um dia que eu vá ter um mal dia, então eu posso só relaxar e rever Succession. Mas isso não pode ser frequente, porque senão eu entro nesses loops perigosos. E eu me conheço bem, um loop perigoso é desculpa para eu comer bobagem e ir dormir tarde. Eu vou me sentir horrível no outro dia se eu fizer isso por uma semana inteira.

Mas ele também me libera nos fins de semana: como eu já vou ter lido durante a semana e vou ter progredido na porra do RPG de 90 horas que eu teimei em querer jogar, eu posso sentar e ver todos os filmes que eu quis ver durante a semana e que eu lembrei de ter posto na minha watchlist do Letterboxd. Eu não consigo assistir mais que dois filmes por noite antes de dormir, mas geralmente são filmes que eu queria muito assistir. A qualidade vence a quantidade.

Esse é o meu cronograma atualmente. Ele provavelmnte vai mudar conforme as séries que eu tô assistindo forem terminando (o último episódio da temporada de For All Mankind foi nessa última sexta) ou forem estreando (tudo vai mudar quando a terceira temporada de Succession estrear). Mas, por enquanto, ele tá assim:

  • Entre segunda e quinta-feira: dependendo do dia, assisto um episódio de série (atualmente: Succession), mas só um por semana. Eu tento dar prioridade para um jogo mais longo — RPG ou aventura (atualmente: Alien: Isolation e Mother 3) — e, antes de dormir, ler meu livro (atualmente: Exhalation e Ask Iwata).
  • Sexta-feira:
    • Durante a janta: episódio de série (1h, até semana passada: For All Mankind)
    • Depois: noitada de filmes!
  • Sábado:
    • Durante a janta: episódio de série (1h, atualmente: The Americans)
    • Depois: noitada de fimes!
  • Domingo:
    • Manhã: um filme da Agnès Varda
    • Noite: dobradinha de séries (30min, atualmente: Barry; 1h, atualmente: Mare of Easttown)
  1. Uma reação colateral desse momento em que eu fico passeando pelos apps de streaming é que, se eu recebo uma notificação do Twitter ou do Instagram enquanto eu tô escolhendo o que eu vou assistir, a chance que eu perca ainda mais tempo preso na timeline por motivo algum é muito maior. 

Video Works: uma jornada pela história dos jogos

Eu escuto poucos podcasts por vez, então nem sempre tenho o que ouvir durante o trabalho. As vezes eu começo a ouvir um podcast novo e posso ficar horas tirando o meu atraso ouvindo todos os episódios até ali. Mas isso é raro, e eu não consigo ouvir muita música enquanto tô trabalhando.

Foi então que eu decidi seguir uma recomendação feita (há muito tempo) por um amigo meu e assistir os vídeos de Jeremy Parish, um escritor especializado na história dos videogames. Chamado de Video Works, Parish acompanha a história moderna dos consoles (tudo o que veio depois do crash da Atari nos anos 80) de forma cronológica.

É um trabalho gigante, e muito divertido. Parish não fala só dos jogos ou dos consoles, mas oferece uma contextualização gigante ao redor dos seus lançamentos — como a crise energética dos EUA ofereceu uma oportunidade única para os videogames japoneses desembarcarem no ocidente, por exemplo.

Video Works é dividido em várias playlists, como NES Works e Game Boy Works. Se você tem um interesse em especial por algum console em específico pode ir numa playlist específica com tranquilidade, já que as séries são autossuficientes. Até mesmo os vídeos em si são divertidos. Eu dei uma chance pro projeto assistindo o vídeo sobre o Super Mario Bros. original, e é fantástico.

Como são feitos os sons de animais em documentários da natureza?

Eu encontrei esse vídeo há umas semanas no Open Culture e fiquei pensando nisso desde então (já que eu tô assistindo muito documentário natural nos últimos tempos). É algo nada surpreendente se você para pra pensar em documentários da natureza — nós temos tecnologia para capturar boas imagens de todos esses animais em longa distância, mas é difícil de capturar o som deles quando você tá escondido no meio da selva e não quer que a onça se assuste com você e sua equipe de três pessoas filmando ela pular de um lugar pro outro.

Na escola de cinema a gente aprende sobre a técnica de Mickey Mousing, em que animações antigas usavam a trilha-sonora para “sonorizar” ações que não têm sons muito “interessantes” para o público infantil. Então passos são notas de piano, uma gargalhada é um dedilhado no violão, ficar triste se torna umas notas de piano, etc. Eu vejo essa recriação de sons (que são feitos pelos profissionais de foley, heróis nunca mencionados do cinema) em uma espécie de Mickey Mousing 2.0. O som das aranhas é especialmente genial.

Via Open Culture

Uma ponte pra cada situação

Neremiah Mabry é um professor e um engenheiro de estruturas, e nesse vídeo para a revista Wired ele explica cada tipo diferente de ponte e qual situação ela é usada.

Me fez lembrar que eu tinha um medo incomum de pontes quando eu era criança. Quando meus pais me levavam para Porto Alegre e eu via a Ponte do Guaíba eu ficava muito nervoso. Hoje em dia tem uma ponte ainda maior ao lado dessa, mas eu não tenho medo.

Efeitos práticos são tudo de bom

O vídeo acima é de um anúncio de uma empresa japonesa de bebidas, e é mais um anúncio que vai pra minha coleção de vídeos que eu amo porque usam efeitos visuais práticos.

Eu gosto muito de vários usos de computação gráfica, e esse vídeo com certeza usa para compôr e remover alguns detalhes pontuais, mas a parte mais legal mesmo — os corredores maleáveis e tudo voando pelos ares, é 100% efeito prático. Eu amo a sensação que esse tipo de efeito visual passa. Se você quiser dar uma olhada em como tudo foi feito (inclusive no corredor de 85 metros criado especificamente pro anúncio), dê uma olhada nesse vídeo de bastidores.

Esse vídeo me fez lembrar do anúncio Welcome Home que o Spike Jonze dirigiu para o lançamento do HomePod da Apple. É um dos meus vídeos favoritos (e também tem um making off muito bacana):

Eu não quero entrar para a briga de efeitos práticos e efeitos em computação gráfica aqui (até porque eu acho que essa é uma briga com um vencedor já). Computação gráfica cria coisas além da nossa realidade, mas eu amo a fisicalidade que os efeitos práticos de Mad Max: Estrada da Fúria criam, tornando aquilo que não pode ser verdade em algo real e tangível:

E usa computação gráfica para finalizar, tirar cabos e equipamentos de segurança e compôr os planos gerais. Que filme perfeito.

Kentucky Route Zero: Memory Overflow

O compositor Ben Babbitt lançou no seu BandCamp um disco de “sobras” da trilha-sonora de Kentucky Route Zero. O disco inclui músicas ouvidas só nos trailers (como a belíssima The Flood) e músicas do jogo que não foram incluídas na trilha-sonora oficial, como ruídos de estações de rádio, sons distantes e sonhos.

Eu passei o fim de semana ouvindo esse disco, e me deu uma vontade imensa de jogar KRZ de novo. Essas “sobras” representam muito da minha experiência com o jogo: segundo Babbitt, esse é seu último envolvimento com o projeto que acabou ocupando toda uma década para o trio que compõe o Cardboard Computer, e de alguma forma eles ilustram o furor, o desespero e os sonhos dessa última década que não foram registrados como as faixas do disco oficial, mas que de alguma forma foram sentidos. Ouvir elas assim, fora do contexto do jogo, parecem justamente memórias. São músicas passageiras, que antes eu ouvia com os efeitos sonoros do jogo por cima. Elas soam diferentes agora, como uma memória parece ter um sentimento diferente daquele momento que foi vivido antes.

Lindo demais. Dá pra ouvir de graça no BandCamp, eu comprei pra manter comigo porque são músicas muito especiais.

Ted Chiang: Medos da tecnologia são medos do capitalismo

Ted Chiang, autor de Exhalation, o livro de contos de ficção-científica que eu estou lendo nesse exato momento, e do conto que deu origem ao filme A Chegada, em uma entrevista para o podcast de Ezra Klein (ênfases minhas):

I tend to think that most fears about A.I. are best understood as fears about capitalism. And I think that this is actually true of most fears of technology, too. Most of our fears or anxieties about technology are best understood as fears or anxiety about how capitalism will use technology against us. And technology and capitalism have been so closely intertwined that it’s hard to distinguish the two.

Let’s think about it this way. How much would we fear any technology, whether A.I. or some other technology, how much would you fear it if we lived in a world that was a lot like Denmark or if the entire world was run sort of on the principles of one of the Scandinavian countries? There’s universal health care. Everyone has child care, free college maybe. And maybe there’s some version of universal basic income there.

Now if the entire world operates according to — is run on those principles, how much do you worry about a new technology then? I think much, much less than we do now. Most of the things that we worry about under the mode of capitalism that the U.S practices, that is going to put people out of work, that is going to make people’s lives harder, because corporations will see it as a way to increase their profits and reduce their costs. It’s not intrinsic to that technology. It’s not that technology fundamentally is about putting people out of work.

It’s capitalism that wants to reduce costs and reduce costs by laying people off. It’s not that like all technology suddenly becomes benign in this world. But it’s like, in a world where we have really strong social safety nets, then you could maybe actually evaluate sort of the pros and cons of technology as a technology, as opposed to seeing it through how capitalism is going to use it against us. How are giant corporations going to use this to increase their profits at our expense?

And so, I feel like that is kind of the unexamined assumption in a lot of discussions about the inevitability of technological change and technologically-induced unemployment. Those are fundamentally about capitalism and the fact that we are sort of unable to question capitalism. We take it as an assumption that it will always exist and that we will never escape it. And that’s sort of the background radiation that we are all having to live with. But yeah, I’d like us to be able to separate an evaluation of the merits and drawbacks of technology from the framework of capitalism.

Via Kottke. Esse é um assunto que me fascina desde que eu li The Soul of the New Machine, de Tracy Kidder.

Essa é a Shameika

Fetch the Bolt Cutters é uma obra-prima intimista e crua, composta por histórias que Fiona Apple não só conta como sente, porque são momentos e sentimentos da vida dela que a marcaram, de homens abusivos e da irmandade que ela encontrou em mulheres ao seu redor. Uma dessas é Shameika, em que Apple lembra da conversa que uma colega sua teve com ela na quarta-série sobre não dar ouvido para o bullying que ela estava sofrendo.

Uma das coisas lindas que Shameika captura é a imensidão de um pequeno momento. Na música, Apple conta que Shameika esteve em sua vida por pouco tempo — elas só foram colegas de escola na quarta-série —, e nunca teve a oportunidade de dizer para ela como o que Shameika disse foi importante para sua vida.

As pessoas se perguntaram onde estaria Shameika agora, e pelo visto a Pitchfork encontrou. Em novembro, Jenn Pelly publicou sua entrevista com Shameika Stepney, a colega de escola de Fiona Apple:

It was late April, deep in quarantine, when Shameika first found out about Fiona’s song, but not by hearing it. (She was always only vaguely aware of her former schoolmate’s music career.) The news came, instead, via an out-of-the-blue handwritten card sent in the mail by her and Fiona’s adored third grade teacher, Linda Kunhardt.

Shameika remembers venturing to her mailbox one day for a bit of fresh air and finding the curious note. Her disbelief is still palpable as she recalls the contents of the card: “Shameika, I hope this letter is finding you safe during quarantine, I had to write you because I don’t know if you remember this girl Fiona McAfee. You told her not to listen to bullies, and that she had potential. I just wanted to say thank you. And I wanted to let you know that your prophetic words have been turned into a beloved song titled your name…

A entrevista toda é bacana, e uma prova de que Shameika realmente é a pessoa incrível que Fiona Apple lembrava ser, e contextualiza seu desaparecimento na vida de Apple — Shameika foi expulsa da escola um ano depois, quando bateu em uma garota branca que a insultou. Shameika, que também é uma compositora, mostrou a música que fez com o seu lado da história, Shameika Said:

O Ano em que a Terra Mudou

O bacana de um blog é que, pra mim, eles são pequenos livro de recortes dos gostos do autor naquele exato momento em que o recorte foi feito.

Por exemplo: nesses últimos meses o que eu mais ando assistindo nos serviços de streaming são séries documentais tipo aquelas que davam (dão?) no Discovery Channel. No Disney+ eu fico assistindo sobre arqueólogos no Egito (o catálogo do National Geographic é bom demais). Na Apple TV+ eu fico assistindo documentários da natureza (assim como Peanuts, o serviço tem exclusividade nos documentários naturais da BBC). Eu não sei o porquê, mas essas séries são a única coisa que me acalma esses dias, e é algo que eu nunca tive muito costume de assistir antes.

Eu ainda vou fazer um post sobre como, do nada, o serviço de streaming da Apple virou um dos mais essenciais por aí. Enquanto eu não faço isso, fique com o trailer do novo documentário deles: The Year Earth Changed, sobre as mudanças que ocorreram na natureza quando parte da população mundial ficou dentro de casa.

O documentário é produzido pela BBC e a narração é do David Attenborough — o mesmo pessoal e o mesmo narrador do mítico Planeta Terra, e estreia no Apple TV+1 no “Dia da Terra”, em 22 de abril.

  1. Pelo amor de DEUS Apple, muda o nome desse serviço. 

Peanuts, 50 anos antes

Essa foi a tirinha de Peanuts em 29 de março de 1971:

Sally se arruma para a escola. Ao se sentar na classe, comenta “Aqui vamos nós de novo… Ainda procurando pelas respostas!”

Esse é o meu lema da semana (e do ano, etc.)

Via @Peanuts50YrsAgo.


Em outras notícias, me desculpem pela ausência de posts nas últimas semanas. Eu caí naquele pensamento de novo que existem observações do meu dia-a-dia que não valem um post, e acaba que quando eu paro pra pensar, quase nada vale um post. Eu tô tentando reverter essa ideia! Que essa semana seja um pouquinho melhor por aqui. Tomara que seja por aí também.

“Lore” é uma armadilha

Um dos melhores textos que eu li nas últimas semanas é “What we argue about when we argue about WandaVision”, da Emily VanDerWerff. Como os melhores textos da autora, ela pega uma série como contexto para destrinchar e analisar outros assuntos da cultura em geral. Seu último ponto é sobre como muito da recepção e discussão sobre os filmes e séries que assistimos hoje em dia se dá sobre sua trama: será que ela faz sentido no contexto maior do MCU? Será que um easter egg que apareceu no segundo episódio não significa outra coisa? O texto é fantástico, em especial essa última parte:

In a piece for Current Affairs, Aisling McCrea put something that lots of culture writers have been circling for years so succinctly, I actually am jealous. McCrea discusses culture via two terms used by the ancient Greeks: logos (stuff pertaining to the material world, which we can see and measure and quantify in some way) and mythos (stuff that is more elusive, which we mostly feel or contemplate). Around the piece’s midpoint, she writes:

This rejection of imagery, symbolism, or any higher meaning that cannot be reduced to the literal, has become especially pervasive in contemporary art criticism. This is not to say that there isn’t still great art criticism; it’s just that the internet has led to a much greater volume of all criticism, and much of it is dominated by a worldview that seems to reject metaphor, symbolism, mood and tone, or at least render them secondary to “plot.”

What McCrea touches on here is something I would imagine you’ve noticed if you consume a lot of pop culture writing. Though there are a ton of great critics out there working, by far the most popular articles and videos about culture are those that purport to “explain” to you what’s happening. At their best, these articles and videos reach beyond the cultural artifact at hand to talk about connections to other pop culture topics or dig into the long, complicated history of the characters whose adventures we so enjoy. At their worst, they more or less repeat the plot and tell you how to feel about it. (If you doubt me, watch any given YouTube video with “the ending, explained” in its title.)

But the problem is that when you boil down a piece of art to its most immediately obvious qualities — the plot and/or the lore underlying the story, for instance — you turn it into something tangible. You place boundaries on it that are designed to make it easier to consume so you can move on to the next pop culture artifact.

But art isn’t tangible. Even the worst, most cynical Marvel movie is full of things worth discussing for their more intangible qualities, like how particular visuals made you feel or the way the themes intersect with your life, or just the way a joke made you laugh really hard. There are a lot of superhero movies I strongly dislike, such as Batman v Superman, that are still worth dissecting as art rather than as commerce because they’re trying to say something and express some fundamental truth of the human condition.

Eu concordo com tudo o que VanDerWerff diz, e sua definição de logos e mythos é tão boa e simples que me revigora toda a vez que eu leio. Esses são termos que estudamos na faculdade de cinema (e que você provavelmente já se deparou se lê bastante sobre narrativas), e ela os usa aqui de uma maneira bem objetiva: por causa da natureza das histórias como WandaVision, nós somos impelidos a dissecar seu logos — sua história tangível, seus enigmas, sua representação daquilo que a gente sabe, como os personagens da Marvel — e deixamos o mythos — o intangível, o misterioso, o que é sentido, o que a gente sabe que existe, mas não sabe bem explicar o que é — para trás, ou até mesmo consideramos ele um problema de roteiro.

Eu acho que isso é um efeito cíclico. Como eu argumentei no meu post sobre WandaVision, a série é um misto de duas coisas que fazem muito sucesso no boca-a-boca da internet: o universo da Marvel e séries que usam o modelo da caixinha de surpresas que Lost aperfeiçoou. São filmes e séries feitos para serem decodificados, para suas referências serem compreendidas e assinalar o que vem pela frente nos próximos filmes e séries. Como eles fazem muito sucesso, mais gente se junta nessas discussões, que as tornam ainda mais onipresentes (você se lembra a loucura que era Lost? O Obama chegou a remarcar um discurso por causa da série).

Eu tenho a impressão que um dos efeitos colaterais desse tipo de discussão é uma canonização da mitologia dessas histórias. O MCU está passando por um ponto que Lost alcançou em sua quarta temporada, em que o sua própria história trabalha contra ele, limitando o que o público acha que pode acontecer, e limitando o que seus autores podem explorar. São histórias que dependem e presenteiam a dedicação de seus espectadores em relação aos detalhes e as referências, mas isso cria uma impressão de autoridade sobre seus fãs1, que cobram e reclamam toda a vez que essas histórias contradizem esse cânone, ou ignoram algum evento anterior.


Essa mitologia que existe dentro de uma ficção é chamada pelos fãs de “lore” (de “folclore”). Existem iniciativas para organizar e explorar o lore de franquias famosas, e é um trabalho realmente impressionante quando você confere a dedicação do trabalho em mapear O Senhor dos Anéis e Star Wars com tanta precisão.

Mas eu sinto que, conforme a voz dos fãs vai ficando mais alta, esse lore que antes servia mais para dar contexto à uma história acaba se transformando em uma armadilha para essas próprias histórias, como uma forca onde você mesmo dá a quantidade de corda.

E isso me faz pensar em como eu gosto quando algo tá nem aí pro lore, ou pro que você pensa que aconteceu. A terceira temporada de Twin Peaks faz isso com maestria, e a série seguinte do criador de Lost, The Leftovers, faz questão de criar uma história onde o que aconteceu é propositalmente incerto.

Mas acho que minhas abordagens favoritas para resolver a armadilha do lore vêm dos jogos de The Legend of Zelda e das tirinhas de Peanuts.

Zelda segue uma fórmula: todas as histórias dos jogos aconteceram, de uma forma ou de outra. A única coisa que é certa no lore dos jogos é de que Hyrule é um reino mantido sobre o balanço de três forças: coragem, poder e sabedoria, e quando esse balanço está instável, três figuras nascem para reestabelecer esse balanço: a princesa Zelda (sabedoria), o seu cavaleiro Link (coragem), e o monstro Ganon/Malice (poder).

Pronto. Nós sabemos porque a história básica de Zelda é sempre a mesma. É uma explicação direta que esconde uma limitação técnica na época que os primeiros jogos foram criados, mas que define a estrutura de todos os jogos até hoje. Zelda trata cada aparição de Zelda, Link e Ganon como eventos isolados com gerações e gerações de diferença. Quando um jogo referencia outro, ele o faz com a incerteza de uma lenda: alguns duvidam do que aconteceu, outros consideram isso uma verdade absoluta, etc.

Isso dá uma liberdade para os game designers de Zelda se desprenderem da história dura de sua franquia e se dedicar mais à jogabilidade, criando uma “lenda” que se adapta aos interesses do que o jogo quer explorar, e não o contrário. A própria linha do tempo “oficial” que eles oferecem para os fãs é revisada constantemente (e não faz muito sentido, o que eu acho que é exatamente o ponto).

Zelda usa esse aspecto de lenda em suas histórias justamente para enriquecê-las através das incertezas. O que acontece entre as centenas de anos que separam Ocarina of Time e The Wind Waker, por exemplo? O que a Hyrule de um ainda existe na de outro?

Peanuts faz um trabalho ainda mais surpreendente em sua simplicidade. Foi uma tirinha escrita por mais de cinquenta anos, e seu autor, Charles Schulz, conseguiu estabelecer uma identidade para seus personagens sem nunca limitá-los.

Existe algo específico da forma. Peanuts trata de um breve momento do dia-a-dia de Charlie Brown, Snoopy e seus amigos. isso não impedia que Schulz se aventurasse em narrativas maiores — alguns eventos na vida dessas crianças se desenrolavam um pouquinho todos os dias por semanas a fio.

Mas esses eventos nunca era jogado contra seus personagens. As coisas que acontecem em Peanuts nos informam sobre a personalidade de nossos personagens, e não de suas histórias. E é isso que tornou as tirinhas no marco que são: você não precisa ler todas para saber tudo o que acontece com a turma do Charlie Brown. Em poucas tiras você consegue identificar que o Minduim é um fracassado, a Lucy é irritada, o Linus é sabio, o Schroeder é esnobe, e o Snoopy é um sonhador. Se você lê continua lendo, você descobre algo mais bonito: com esses pequenos momentos quase irrelevantes no dia-a-dia deles, a gente descobre que esses traços não são tudo o que esses personagens são. Nós observamos como Linus trata os irmãos, como Charlie Brown se relaciona com o pai, e assim por diante.

Dessa forma — fazendo as tirinhas explorarem quem essas pessoas são, e não o que acontece com elas —, Schulz conseguiu tornar Peanuts no marco editorial que foi, porque se baseou em uma verdade da nossa existência: a gente nunca conhece alguém completamente. A gente sempre vai se surpreender com as pessoas que a gente conhece, e eu diria que a chance disso acontecer conforme a gente convive mais tempo com elas é ainda maior. Nós usamos os eventos do nosso dia-a-dia para conhecer as pessoas que nos acompanham nele. Os eventos acontecem, mas as pessoas ficam.

Eu acho que se nos prendemos demais à esses eventos, esse lore, nós acabamos caindo na armadilha de julgarmos demais o presente, a história que a gente estamos acompanhando. Entender o passado e como ele informa nosso presente é necessário para a nossa vida, mas se usarmos o passado para enxergar o presente — e não o contrário —, caímos na armadilha de ignorarmos o que está acontecendo em detrimento daquilo que já conhecemos, de supervalorizarmos aquilo que sabemos bem, e negarmos o desconhecido.

A gente pode acabar deixando de descobrir um ponto de vista novo, uma pessoa legal, um momento importante, ou uma nova faceta de alguém que a gente achava que não tinha mais como nos surpreender. E por que apreciaríamos a arte, se ela não olhasse para quem somos e onde estamos agora para nos ajudar a enxergar aquilo que, na nossa mera existência humana não conseguiríamos enxergar sozinhos?


  1. A gente tá passando por um momento em que os fãs andam com muita força em tomar decisões, e se isso é bom ou não (não é) é um tema para outro post. 

A trilha sonora de Ela

Pra mim, cada mudança de computador é um evento. Eu faço tudo no meu computador, então sempre que eu preciso trocar de um computador por outro, eu preciso tomar cuidado. Eu demoro meses considerando, eu preparo a mudança com semanas de antecedência, e faço tudo com calma, pra não perder nada. É engraçado, mas eu tomo muito mais cuidado com as coisas que estão no meu computador do que as que estão no meu celular. Eu acabo apagando mensagens, fotos e aplicativos sem muita consideração. Mas eu sei a localização de cada arquivo no meu computador, eu conheço de cor as minhas configurações preferidas dos programas que eu uso para trabalhar ou para escrever.

Eu mudo de computador a cada cinco anos1, e é um processo que eu me dedico à fundo porque é o aparelho central do meu dia-a-dia, mas também porque eu tenho coisas no meu computador que eu tenho muito medo de perder. Eu acho isso um tanto mágico: o digital nos permite armazenar qualquer coisa em pouco espaço de um jeito milagroso, mas também completamente efêmero. Um comando descuidado e puf, você perdeu algo importante para sempre.

Uma das coisas mais importantes para mim nesses momentos é a trilha-sonora de Ela, que sobreviveu três transferências de computador já. É um dos objetos mais raros, vindos de uma internet pré-streaming, mas pós-torrent: um álbum nunca lançado do Arcade Fire, levado para a internet em links suspeitos, no formato de um bootleg. A promessa da banda é de que o lançamento oficial do disco viria pouco tempo depois do lançamento do filme, em 2013, mas isso acabou só acontecendo na última sexta-feira.

Agora eu posso recomendar a trilha-sonora de Ela sem precisar mandar um link para a pessoa baixar — o disco tá disponível no Spotify, no Apple Music e no YouTube. Ela também mais suscetível à efemeridade digital — ele também foi lançado em vinil e em fita cassete. Ela está salva na minha biblioteca do Music, mas também tá salva no HD do meu computador. E no meu HD externo. E no Dropbox que eu tenho só pra ela. Essa trilha-sonora é especial demais para eu ter a chance de perdê-la.

Eu considero a trilha-sonora de Ela a minha “música ambiente perfeita”. Eu não sei se ela faz parte do gênero musical ambiente (eu acho que não?), mas eu penso nela nesses termos porque ela é, muito provavelmente, o disco que eu mais ouvi na minha vida. Eu escuto suas músicas quando estou triste, e quero me sentir menos sozinho na minha melancolia. Mas eu também gosto de ouvir quando estou feliz, porque suas notas são doces e sensíveis, e cada segundo em que elas me acompanham se torna um momento um pouquinho mais bonito, um pouquinho mais inesquecível. São músicas boas para trabalhar, porque suas notas são espaçadas na medida certa; e também são boas para relaxar e aproveitar o momento, porque elas parecem cercar ele com seus toques de piano.

Meu momento mais perfeito ouvindo esse disco foi em 2014. Eu me lembro como se fosse ontem. Naquele verão eu morava muito perto do trabalho — eu podia ir a pé até ele em menos de cinco minutos. Eu gostava de acordar bem cedo para poder ficar caminhando um pouco antes de chegar no escritório. Eu gostava de ir pelo meio da Santa Casa, porque no meio dela tem um café que eu gostava de pegar meu café com leite. Era uma manhã cinzenta e fria, logo depois de uma noite chuvosa. Eu caminhei pela Santa Casa ao som de Morning Talk. Ela começa lenta e triste e eu não lembro o porquê, mas eu tava meio triste também.

Eu tirei os fones de ouvido para pedir o meu café e agradecer a atendente, e quando coloquei eles de volta a música estava entrando em Supersymmetry, sua parte mais agitada e mais mágica. A música parecia guiar a movimentação da rua: os carros começavam a andar mais depressa, mais pessoas pareciam sair e andar na rua. O dia tava começando. Graças a esse momento, e à essa música, o meu estava começando um pouquinho melhor.

  1. Eu parei pra pensar sobre isso agora a pouco no banho e me deparei com esse padrão inesperado. Eu ganhei primeiro computador (um desktop Positivo) em 2005; depois substituí ele por um MacBook Pro em 2010, e por outro MacBook Pro em 2015. Em dezembro de 2020 eu troquei por um Mac mini. É uma periodicidade que eu nunca fiz questão de manter, mas eu começo a “sentir” meus computadores engasgando a cada cinco anos. 

Como nossos hábitos alimentares mudaram na pandemia

Ontem de noite eu resolvi dar uma lida nos artigos da minha lista de leituras e me deparei com esse artigo do The Atlantic sobre as mudanças dos hábitos alimentares durante o isolamento social.

Tem vários detalhes bacanas nesse artigo. A autora, Amanda Mull, contextualiza a ideia das “três refeições”, que começou a existir junto com a industrialização e o fato de que as pessoas tinham que sair de casa para trabalhar — fazendo com que a janta fosse a principal refeição familiar, já que os pais estavam fora durante o dia; e como a mesma industrialização criou a ilusão da necessidade do café-da-manhã como uma refeição essencial.

Meu detalhe favorito, porém, é todo o motivo pelo qual Mull escreveu o artigo. Ela começa comentando como seus próprios hábitos alimentares mudaram na pandemia. Ao invés de almoçar e jantar, a autora diz que faz apenas uma grande refeição o dia todo — o que ela chama de Big Meal, o que eu chamo de pratão. Ela também busca por pessoas que desenvolveram outros hábitos alimentares estranhos: pessoas que pararam de fazer refeições em momentos específicos e começaram a comer pequenas porçòes durante o dia; ou uma pessoa que finalmente teve tempo suficiente no dia para fazer as três refeições, por exemplo. E essas mudanças não fazem mal. Mull lembra que o o nosso corpo se adapta às necessidades do nosso cotidiano, e a forma como ele requer comida é uma dessas adaptações.

New or worsening food compulsions, such as eating far more or far less than you used to, are cause for alarm. But what’s not cause for alarm, Larkey said, is adjusted eating patterns or mealtimes that are more useful or satisfying in the weird, stressful conditions people are now living in. “We’re really not taught that we can trust our body’s cues,” she told me. “It can feel so destabilizing to have to think about them for maybe the first time ever.”

In some of the new routines created to make the past year a little less onerous, it’s not hard to see how life after the pandemic might be made a little more flexible—more humane—for tasks as essential as cooking and eating. For now, though, go ahead and do whatever feels right. There’s no reason to keep choking down your morning Greek yogurt if you’re not hungry until lunch, or to force yourself to cook when you’re bone tired and would be just as happy with cheese and crackers.

Eu senti meus hábitos alimentares mudando logo que o isolamento social começou, em março do ano passado. Eu fui perdendo a vontade de comer de noite porque eu comecei a acordar cada vez mais cedo, e eu nem sempre sentia fome no horário do almoço. Minha fome aparece ali pelas 14h, 15h, e desaparece até o dia seguinte. Como meu horário de almoço é às 12h, eu costumo comer algo nesse horário para puxar o apetite, mas minha rotina ideal seria ter um horário de almoço no meio da tarde. Eu ainda “janto”, mas na ocasião específica de ser dia de jantar pizza. É uma exceção obrigatória. De resto? Um sanduíche ou um ovo mexido resolvem.

Escute a Wikipédia

O vídeo acima é uma gravação de tela do site Listen to Wikipedia, um desses experimentos web que eu amo descobrir do nada. O projeto registra a movimentação constante das edições do maior site colaborativo da internet, e cada adição, exclusão e novo usuário são indicados por notas e acordes diferentes de maneira instantânea.

Sinos indicam adições, e cordas indicam exclusões. A entonação muda de acordo com o tamanho da edição; quanto maior a edição, mais profunda será a nota. Círculos verdes mostram edições de usuários não registrados, e círculos roxos marcam edições realizadas por robôs. Você pode ver anúncios de novos usuários conforme eles criam uma conta no site pontuado por uma ondulação.

Eu tô com o site aberto há uns minutos já. Na verdade eu esqueci que ele estava aberto porque fui pegar um café e voltei pro computador e continuei lendo umas coisas no meu RSS, quando percebi que a “música” que eu tava ouvindo vinha desse site.

Dá pra selecionar várias Wikipédias ao mesmo tempo, silenciar certos tipos de atividade, etc. É uma pequena maravilha.

O Coração É um Eterno Penitente

Se você lê A Baguete, já sabe como eu rasguei de elogios o novo curta-metragem do meu amigo Leonardo Michelon e da Bruna Giuliatti. Esse é um dos três curtas que fazem parte do Desejos do Coração — eu falei da segunda parte no ano passado.

Eu podia voltar a rasgar os elogios que eu fiz antes, citar como eu amo a forma com que o Leonardo mistura referências que eu acho fantásticas — o cinema de recortes do Chris Marker e o filme-diário do Jonas Mekas, pra ficar só em dois exemplos. Mas eu acho que isso só distancia as pessoas de um trabalho que é essencialmente íntimo sensível.

Eu já comentei como a visão do Leo consegue traduzir um quê de melancolia e de fantástico na existência às margens da cidade que a vida nas cidades do interior nos oferece, mas com O Coração É Um Eterno Penitente eu acho que fica ainda mais claro como esse projeto dos três curtas busca algo muito mais interno e pessoal. A fórmula é a mesma do curta anterior: a imagem ilustra a narração não-falada, um monólogo que pode muito bem ser interno de um desses personagens, ou uma consciência lembrando de uma memória. Como O Coração É um Inadimplente Sem Esperança, o fato de não ouvirmos esse monólogo torna o jogo muito mais pessoal, muito mais interno.

Eu tenho uma sorte tremenda de ser amigo de tanta gente talentosa. O mais bacana, quando eu testemunho a arte desses meus amigos, é conseguir perceber o olhar pessoal dos meus amigos sobre aquilo que fazem. É por isso que eu acho limitador ficar falando das influências estéticas que eu enxergo os diretores trazerem para esse curta, porque ele não é a soma delas: ele usa um pouco, mas as une em uma visão única. Eu tenho a sorte de ser amigo do Leo e de ler os livros que ele me recomenda, e de perceber como eles podem ajudar ele a nortear os filmes que ele faz. Mas eu acho muito mais bonito ver como é a visão dele sobre esse tom e esse ritmo que eu gosto tanto, porque isso é muito mais especial.

Eu conheço muitas das figuras que aparecem em cena em O Coração É Um Eterno Penitente, e sinto saudade de noites como aquela que o Leo e a Bruna registraram. Mas é o que ele criou com essas imagens e com esse texto que é realmente único: um breve mergulho nas memórias de alguém e na intensidade de seus sentimentos. É um momento criado para capturar um sentimento de verdade.

Jogos para terminar em uma jogatina

O Fabrício Aguiar, autor do blog 16 Bits da Depressão, fez uma lista com dez jogos para se jogar em uma jogatina. A lista inclui jogos bem narrativos, como What Remains of Edith Finch, e metroidvanias como Gato Roboto.

As experiências mais intensas e memoráveis que tive com videogames foram de jogos que terminei em uma ou duas sentadas na poltrona. Possivelmente, você já tem alguns exemplos em mente.

Aqui, trago alguns exemplos: jogos curtos e intensos para você sentar na poltrona e se divertir terminando-os em poucas horas!

Um dos jogos dessa lista é Portal, e esse foi o primeiro jogo que me veio em mente quando eu li o título do post do Fabrício. Eu lembro até hoje de comprar o The Orange Box porque eu queria muito jogar Half-Life 2, mas no fim das contas eu passei uma tarde inteira jogando Portal, um jogo de puzzle que dura apenas algumas horas, mas que me marcou muito porque seus níveis são muitíssimo criativos, e a GLaDOS é uma excelente personagem. Hoje em dia ele já é um clássico, mas foi demais entrar de cabeça nesse jogo sem ter ideia do que podia ser.

Essa lista me fez sentir falta de duas coisas: de ter mais tempo para conseguir terminar jogos em uma sessão; e de jogos que podem ser terminados em uma sessão. A maioria dos jogos que eu experimentei ultimamente são gigantes. Alguns são magníficos e eu não tiraria um segundo sequer da experiência, mas eu sinto falta de descobrir um jogo como Portal que pega uma ideia simples, experimenta ela em um punhado de cenários variados, mas que consegue criar essa experiência em duas, três horas.

Devem ter muitos jogos assim por aí. Eu mesmo joguei vários, mas eles costumam ser mais jogos narrativos como Firewatch e Gone Home ou Kentucky Route Zero. Jogos são experiências que são muito questionadas pelos seus consumidores — eles são caros, e as pessoas demandam um mínimo de conteúdo “aceitável” pelo preço. Mas esse mínimo anda tão grande hoje em dia… jogos de mundo aberto são tão comuns que eles deixaram de ser um “evento”. Qualquer jogo pode ser maior do que GTA 5 agora, mas será que todos precisam ser?

Enfim, a lista do Fabrício me deu umas boas dicas do que jogar pra coçar essa minha vontade de jogar uns jogos que eu finalmente vou poder terminar. Minha lista dos que eu comecei mas que nunca vou terminar já está grande demais.

WandaVision foi uma boa serie de TV presa em uma franquia que não deixou ela brilhar

WandaVision foi uma boa (e as vezes, uma ótima) série de TV que revelou como o MCU — o conjunto de filmes e séries que compõem o universo de super-heróis da Marvel no cinema e na TV — mudou o modo que discutimos cultura para pior. A série, que completou sua primeira (e quem sabe única) temporada na Disney+ na última semana foi a primeira produção da franquia a ser lançada em mais de um ano, e me lembrou de como eu não sentia falta.

Eu não sou um grande detrator do MCU. Eu gosto de um punhado dos filmes e acho a franquia, num geral, uma boa série cujos capítulos costumavam aparecer pela última década com alguns meses de diferença entre si. E eu acho que em alguns momentos WandaVision foi uma das melhores realizações da franquia até aqui, trazendo momentos genuinamente belíssimos em uma série de TV extremamente interessante. Mas o fator monolítico desse universo transformou muito do que se consome sobre cultura de um jeito ruim.

Os filmes e séries que compõem o MCU são simples por natureza, e não de um jeito ruim: como outras séries1, existe uma coesão estética entre seus capítulos e uma certa independência narrativa: você não precisa assistir cada filme ou série da Marvel para entender e gostar de um filme como Capitão América: Guerra Civil ou Thor: Ragnarok, por exemplo. Seus arcos narrativos são bem delimitados com a ajuda dos seus gêneros, você sabe bem o que esperar e quais clichês você vai encontrar. Essa é uma corda bamba especialmente difícil para um fascículo da franquia conseguir se equilibrar, e no geral a Marvel conseguiu manejar bem: comparado à outros “universos cinemáticos” que tentaram a mesma coisa, como os Monstros da Universal ou a própria Liga da Justiça da Warner/DC, a Marvel sempre teve o cuidado de transformar seus filmes arrasa-quarteirão em eventos para a família inteira: dos filhos que leem os quadrinhos aos pais que precisam acompanhar eles nos cinemas.

Porém, esses filmes também são feitos com seus fãs em mente: cada capítulo que compõe o MCU não é responsável apenas pelo arco narrativo daquele capítulo, mas também pela continuidade narrativa maior, que permeia todos os outros capítulos; e escondem pequenos detalhes para os mais dedicados — personagens menores em um filme aparecem em outro, itens são mencionados que na verdade montam o palco para um conflito maior em dois ou três filmes mais tarde, etc.

Não dá pra negar que WandaVision não tinha esse segundo público em mente: sua protagonista é uma das personagens-chave de Os Vingadores: Ultimato, e sua importância para o futuro do MCU — que agora vai começar a entrar nos multiversos — é cada vez maior. A própria série é estruturada como uma caixa de enigmas à Lost, em que cada detalhe de cada cena precisa ser destrinchado pelo público, sedento por saber como tudo vai se encaixar. E, como Lost, WandaVision sofreu mais quando precisou pagar pela sua própria aposta: quando o público acha que o prêmio da caça ao tesouro que esse tipo de série tenta fazer oferecer é insuficiente, toda a jornada será mal vista.

É possível observar como WandaVision sofre em manejar tudo isso: em ser uma boa série por si só; um fundamento para o futuro do MCU; uma caixinha de mistérios; e, por fim, uma exploração do trauma e do luto de Wanda. Que a série ao menos tente fazer tudo isso é louvável em si, e ela bem que podia ser lembrada justamente por essa tentativa — há muito o que se escrever sobre como a série consegue e não consegue fazer tudo isso.

Há um efeito colateral quando a força monolítica do MCU, uma franquia que o mundo inteiro pode assistir e discutir ao mesmo tempo, é altamente controlada por uma produtora como a Disney, que otimizou a criação de franquias e de brand awareness a níveis pós-apocalípticos: nenhum fascículo do MCU existe em si mesmo, interessa como parte da cultura ao seu redor. Pelo contrário: elas coexistem e se dependem muito mais conceitualmente do que narrativamente.

É nesse jogo que WandaVision, uma boa série sobre uma pessoa passando pelo luto de perder à todos que ama e que acaba levando outras pessoas como reféns de seu trauma, acaba perdendo seu significado. Séries como essa e como Lost são muito mais bem sucedidas em suas alegorias, em seu fator elusivo — em como o enigma da série serve para acentuar o drama de seus personagens.

Eu já falei aqui como séries tiram muito mais proveito do tempo do que filmes, tanto aquele passado nos episódios quanto aquele que existe entre eles, mas vale repetir: embora séries possuam tramas — por episódio, por temporada, e na série como um todo —, sua unidade narrativa é muito menor porque seu efeito narrativo é cumulativo: nossas experiências com Don Draper ou Tony Soprano ou Selina Meyer são através de vários momentos em um longo período de tempo, onde podemos não só ver a ação que eles tomam como também suas repercussões através do tempo. É no efeito que ações e decisões possuem sobre os personagens que acompanhamos que entendemos o que está acontecendo.

Em sua primeira metade, essa temporada de WandaVision era sobre como uma mulher se prende às suas séries favoritas para escapar da dor que está sentindo. E ei, se tem algo que eu fiz esse último ano foi me afundar em Gilmore Girls e Community para me fazer companhia no meio da pandemia. Em sua grande parte, WandaVision é muito mais perspicaz e pungente do que qualquer um poderia dar crédito à ela, e existe naquele âmbito das grandes séries de TV, onde parece que nada acontece, onde a falta de coesão entre os enigmas da série refletem o desnorteamento existencial de sua protagonista.

Porém, WandaVision não existe em um contexto onde o que acontece importa em si, mas sim em como ela faz parte de um grande palco para os filmes e séries futuros da Marvel. Se a presença de um agente da SHIELD em Homem de Ferro indicava o que poderia estar por vir, a presença de certos inimigos e de certos eventos é obrigatória em WandaVision porque a série precisa dar continuidade a certos eventos — e a gente precisa estar sempre brincando de corrida com eles: seja desvendando pistas ou pegando referências e discutindo à exaustão se elas são canônicas ou não (acredite, eu já estive em mais de uma dessas discussões quando o assunto é Star Wars, e eu sou insuportável nelas).

É como se Wanda em si fosse refém de uma outra realidade, na qual sua dor e seu aprendizado não são mais do que meros plot points pelo qual o MCU precisa passar para estabelecer seu novo mega-evento, em que seu desenvolvimento como personagem pode ser considerado como irrelevante — ou até mesmo como uma pedra no caminho que é a progressão do universo da Marvel nos cinemas.

Quando eu paro para pensar nisso eu fico muito triste, porque esses filmes acabam criando uma falsa ilusão de destino e de conquista na vida de seus personagens, quando WandaVision parecia muito bem querer sugerir que não há uma teoria única sobre como podemos interpretar o mundo, de que ele não é um enigma que pode ser solucionado com as pistas certas. Sua segunda metade, porém, contradiz tudo isso porque existe em um universo que se beneficia de explicações e teorias entre fãs, em que a realidade pode ser reduzida à algo tangível: uma série de eventos que se levam de um ao outro, sem a possibilidade de metáfora, de simbolismo e de tom. Para o MCU, tudo o que importa é a trama — e aquilo que pode levar ela para frente.


  1. Existe todo um outro texto que eu posso escrever sobre como o universo cinemático da Marvel pode ser considerado um grande seriado, e um que usa o formato de forma muito interessante. 

Será que eu quero assistir o Oscar esse ano?

O início do ano sempre foi uma época muito divertida pra mim. O Oscar divulga seus indicados (e começa todo aquele burburinho de quem não foi indicado) e os distribuidores brasileiros começam a lançar os filmes nos cinemas. Todo fim de semana era um agendamento de quantos filmes eu consigo assistir de uma vez, eu começo a acompanhar os prêmios dos sindicatos para poder prever quem ganharia o Oscar (macete total, é muito fácil de acertar acompanhando os sindicatos).

Mas esse ano… eu posso contar nos dedos quantos filmes eu já assisti em 2021, e eu não encontro mais aquele ânimo para assistir filmes durante a semana (e, em alguns casos, nem em fins de semana). Eu me sinto tão por fora da conversa que meus filmes favoritos do ano passado sequer aparecem entre os filmes favoritos na retrospectiva do Letterboxd. Será que eu perdi o jeito de ver filmes?

Esse é um dos motivos que eu ando escrevendo tão pouco sobre filmes ultimamente por aqui, mas também é um pouco pela oferta dos lançamentos. Eu não tenho muito interesse pelos filmes do Netflix e do Prime Video de maneira geral, e isso vem mais de como eu criava expectativas por um filme: eu sabia que ele existia antes, eu tinha visto um trailer ou lido algo sobre. Hoje em dia esses filmes simplesmente aparecem, são comentados por um fim de semana, e desaparecem em seguida. Ou eu assisto ele naquela semana em que eu acabo descobrindo que ele existe, ou eu perdi o trem.

Eu ainda fico empolgado quando o MUBI lança algum filme que tá na minha watchlist há um tempo, ou quando o Telecine traz uns filmes mais diferentes — ou até mesmo quando antigos favoritos aparecem no Netflix e no Prime Video. Mas têm algo na ideia de programação que tanto um cinema ou até mesmo um canal de TV proporcionam que eu sinto falta. As vezes eu chego a ir no MUBI Ao Vivo para ver se não pego um filme no começo, só pela experiência.

Claro, o Oscar não é flor que se cheire. Mas até a omissão de filmes ou de pessoas me fazia me interessar em assistir coisas diferentes. Na prática, a corrida desse ano tá começando agora: a votação começou no último domingo, a premiação deve acontecer em abril. Talvez meu desejo de ver filmes se reascenda até lá, mas eu tô genuinamente assustado de ter perdido o jeito.

As rotinas de Ursula K. Le Guin e David Lynch

Hoje eu começo meu novo trabalho, com uma carga horária diferente da que eu tive nos últimos três anos. Eu tive uns dias de folga entre o meu último trabalho e esse, e usei eles para tentar estabelecer uma nova rotina. Isso porque meus projetos, como escrever aqui no Pão ou estudar francês ou outras coisas que eu estou estudando, requerem um tempo do meu dia-a-dia, e eu tento ter um pouco de tempo pra tudo.

E eu me dou muito bem com rotinas. Eu preciso de uma para liberar minha mente para fazer outras coisas. Se eu estou seguindo minha rotina, eu sei que eu vou ter um pouco mais de espaço mental para escrever um post pro Pão, por exemplo, porque eu não preciso me preocupar com outras coisas naquele momento — elas têm um tempo para me ocupar também, então fica tudo bacana.

Eu aprendi isso lendo sobre o processo artístico de alguns dos meus artistas favoritos. A autora Ursula K. Le Guin, que escreveu alguns dos melhores livros que eu já li, era famosa por ter uma rotina. Le Guin, além de escritora, era mãe, editora e professora de universidade. O dia dela começava às 5h30 da manhã, por exemplo, e ela escrevia das 7h15 às 12h:

A lista de tarefas de Ursula K. Le Guin

David Lynch também é famoso por manter uma rotina bem específica: ele acorda cedo para meditar e fumar um cigarro, mas por sete anos ele ia no Bob’s às 14h30 para comer a mesma coisa. Ele comenta mais sobre como a rotina ajuda a criatividade dele no vídeo abaixo:

Nesse post sobre a rotina de Le Guin, o Open Culture usa uma citação de Gustave Flaubert para explicar o ímpeto de criar uma rotina organizada: “seja normal e organizado em sua vida, para que você possa ser violento e original em sua escrita” (Flaubert é o autor de Madame Bovary).

Rotinas são muito úteis para mim. Elas me ajudam a me sentir confortável o suficiente para usar mais a minha cabeça (eu demoro muito para escrever porque requer muito esforço para mim). Mas rotinas também são bem pessoais. Eu não consigo me ver acordando 5h30 como Le Guin, por exemplo. Se você quer encontrar um tempo ou força para continuar o seu projeto, eu recomendo tentar estabelecer uma rotina. Não esqueça de deixar um tempo para não fazer nada — descansar é muito importante —, e respeite seus limites.

Se eu não postar nada nos próximos dias, não se preocupem! Significa que eu vou ter que mudar a minha rotina um pouco mais, o que é normal também. Ela vai se ajeitando com o tempo.

As relações complicadas entre pais e filhos em Peanuts

A tira do dia1 de Peanuts é essa (via Comics.com):

Charlie Brown comenta com Linus que seu pai precisa de encorajamento

Eu sempre achei fascinante como a relação entre pais e filhos em Peanuts são complicadas, e geralmente melancólicas. A gente sempre vê apenas a interpretação das crianças sobre essas relações (nenhum adulto jamais foi visto nas tirinhas), mas Peanuts é bastante autobiográfico, e sua evolução por meio século acompanhando a turma do Charlie Brown dá tempo e espaço para Charles Schulz desenvolver elas com muita complexidade.

Pensando isso me lembrei desse excelente tópico do Twitter, que vou republicar aqui porque vai suma da timeline do autor. Luke Epplin observa como as relações com as mães em Peanuts geralmente são tristes — muito porque Schulz nunca pôde ver sua mãe, que morreu de câncer enquanto ele servia na Segunda Guerra:

Let’s do a mini-Mother’s Day thread: When Charles Schulz got drafted in WWII, his mother was dying of cancer. He never saw her again. Mother’s Day in Peanuts is often a sad occasion, none more so than this autobiographical strip.

Snoopy e Charlie Brown escolhem um cartão de dia das mães

In the 70s and 80s, it was often Woodstock who was looking for his mother on this day. In keeping with the sadness of this day in Peanuts, he not only never found her, but often ended up heartbroken.

Woodstock chora no colo de Snoopy por não encontrar sua mãe

A recurring trope was for Woodstock to sit at the top of a hill with a flower in his hands in the hope that his mother would fly by. Much like how the Great Pumpkin never comes, his mother is nowhere to be found.

Woodstock espera pela mãe no topo de uma colina

Mothers are absent in Peanuts in general. Charlie Brown talks of his father but rarely his mother. Peppermint Patty’s mother died when she was a child and she’s raised by her father. Here’s a poignant strip of her on Mother’s Day.

Patty Pimentinha escolhe um cartão de dia das mães para seu pai

Snoopy, too, doesn’t know his mother but tries to find her at various points. Once, Schulz did a long series on Snoopy just wandering the country trying to locate her. She’s nowhere to be found.

Snoopy procura por sua mãe

There is humor in these strips–as in the last two panels–but at its core it’s about loss and wandering in the rain looking for a mother who will never return.

Snoopy se esconde da chuva enquanto busca por sua mãe

Of course, the Peanuts characters find family among themselves. Snoopy does seem like a parental figure for Woodstock, but as these strips make clear, he can’t replace the absence of a mother.

Snoopy conforta Woodstock, que sente saudades da sua mãe

What can you say? Just look at how deeply sad a strip like this one is.

Charlie Brown conta para Lucy que está preocupado com Snoopy saindo de casa para procurar sua mãe

The punchline, if you want to call it that, of the entire series where Snoopy wanders the country in search of his mother is just, “Mom?”

Charlie Brown se despede de Snoopy antes do cachorro sair para procurar sua mãe

OK, I’ll conclude here. I don’t think you can separate the absence of mothers in Peanuts from how Schulz lost his own mother, a loss that came just as he was shipping out to war. Mothers are searched for in Peanuts, but never found.

Woodstock procura sua família no ninho, mas o ninho está vazio

Eu gosto como as pessoas pesquisam sobre esses pequenos detalhes dessas tirinhas diárias. Peanuts foi publicada por muito tempo, e certamente acompanhou pessoas por grande parte de suas vidas. Se você quer ler mais sobre como essas tirinhas desenvolviam assuntos bastante complexos um pouquinho por dia, confira os excelentes artigos de Kevin Wong para o Kotaku.

  1. É uma republicação, claro. Nenhuma tira nova de Peanuts foi publicada desde o falecimento de Charles Schulz em 2000. 

Séries com minhas aberturas favoritas

Eu sou completamente contra o recurso de pular abertura de um episódio de série que o Netflix têm. Eu amo uma boa abertura, e acho especial quando uma série usa ela como um portal pro tom e pro ritmo da série. Seja a música fofinha e os fades nos dando boas-vindas à Stars Hollow de Gilmore Girls ou a música levemente perturbadora e as imagens vazias na abertura de Twin Peaks. Uma boa abertura, inclusive, pode até ajudar na cena inicial de um episódio, ressaltando o gancho que ele oferece.

Essas são as minhas aberturas favoritas:

United States of Tara

Essa série sobre uma mãe (Toni Collette) com perturbação de identidade dissociativa e sua família é uma das joias raras da TV da década passada. Em três temporadas (as três estão no Prime Video!) ela foi de comédia para drama familiar para terror sobre trauma com muita naturalidade, sempre repleta de atuações excelentes. A série representa as identidades de Tara com um pouco de caricatura, para ajudar o espectador a entender como cada uma delas afeta cada uma das pessoas ao redor de Tara — seu marido, seus filhos, vizinhos e amigos —, e a abertura usa a mesma abordagem em um tom certeiro: um pouco melancólico, um pouco aconchegante, um tanto estranho. Bem como a série em si.

Halt & Catch Fire

Eu já falei aqui sobre sobre como Halt & Catch Fire captura perfeitamente o sentimento de descoberta de um universo inteiro que norteou a corrida da microcomputação entre os anos 1970 e 1990. A sua abertura é uma tradução visual perfeita para esse sentimento de desbravamento de fronteiras que bits e interfaces proporcionaram esses pioneiros. E é viciante de assistir.

The Leftovers

Outra abertura perfeita, da minha série favorita. A abertura de The Leftovers mudou drasticamente na segunda temporada. A abertura da primeira era opressora e complexa. A nova abertura é bem mais simples: fotos com ausências estranhas ao som de Let the Mistery Be tornam a esperança que está às margens da segunda temporada muito mais visível. Ela fica ainda melhor na terceira, quando cada episódio usa uma música-tema que condiz com a história que o episódio vai contar.

Succession

Outra que usa fotos e uma música bacana. Eu nem sei como Succession consegue arrasar nesse quesito também, mas tem algo mágico no tema composto por Nicholas Britell que simplesmente nos transporta exatamente para onde a série nos quer: no coração do mundo dos super-ricos, onde picuinhas familiares podem destruir países e consumir vidas. Tudo isso ao mesmo tempo em que nos dá uma palhinha da relação dos irmãos com seu pai. Seu efeito na audiência é tão grande que ela está sendo estudada.

ER

A clássica abertura de Plantão Médico nunca vai sumir da minha mente. Eu lembro de acordar no meio da noite quando eu era muito pequeno e ver minha mãe sentada na frente da TV, e quando a música tema de ER começava, ela era absorvida para dentro do County General Hospital e o cotidiano dos plantonistas. A grande estrela aqui é a música fantástica, que une sintetizadores com batidas; mas fica aí o meu carinho pro trabalho visual também, ao mesmo tempo bem representativo das grandes séries dos anos 1990, e estranhamente ainda muito moderna. Bem como ER, que era muito a frente do seu tempo.

Hubble observa a Galáxia Olho Negro

Galáxia Olho Negro, com seu anel de poeira escura cobrindo o núcleo

O Hubble tá sempre trabalhando e registrando as maravilhas ao nosso redor. Na última sexta, o perfil da NASA Goddard no Flickr postou uma imagem que o telescópio capturou da Galáxia Olho Negro (NGC 4826 pros fãs). Segundo a NASA, essa galáxia é bem movimentada (fonte):

NGC 4826 is known by astronomers for its strange internal motion. The gas in the outer regions of this galaxy and the gas in its inner regions are rotating in opposite directions, which might be related to a recent merger. New stars are forming in the region where the counter-rotating gases collide.

A Galáxia Olho Negro foi vista pela primeira vez em 1779 por Edward Pigott.

Eu recomendo muito que vocês sigam a NASA Goddard no Flickr ou por RSS, é um dos meus feeds favoritos com imagens quase que diárias dessas maravilhas celestiais à nossa volta.

Os cartazes de René Magritte nos anos 1920

Antes de ir para a França e se tornar um dos nomes mais conhecidos do Surrealismo, René Magritte vivia em Bruxelas como um ilustrador, criando peças comerciais ao estilo Déco, via OpenCulture

Os dois cartazes abaixo são para anunciar duas peças da empresa de compra Norine, do casal Honorine “Norine” Deschrijver e Paul-Gustave Van Hecke. Van Hecke também tinha uma galeria de arte, e foi um dos primeiros defensores do Surrealismo — e um dos primeiros a pagar Magritte pelo sue trabalho surrealista.

Ilustração de uma mulher em trajes verdes com o texto “Arlequinade” Uma mulher em trajes pretos com o texto “Lord Lister”

Magritte também fez cartazes para performances musicais, como esses abaixo:

Um rosto abstrato com o texto “Arlita” Uma cantora usando um vestido verde, com o texto “Primevere”

Alguém criou um exercito de corvos (e eles salvaram uma vida)

Das coisas boas demais pra ser verdade: uma pessoa começou a dar comida para os corvos da vizinhança, e eles se tornaram “leais” à ela. O número de corvos cresceu e eles começaram a defender a casa da pessoa de “intrusos” (suas visitas). A história é genial:

A couple months ago, i was watching a nature program on our local station about crows. The program mentioned that if you feed and befriend them, crows will bring you small gifts. My emo phase came back full force and i figured that i was furloughed and had lots of time- so why not make some crow friends.

My plan worked a little too well and the resident 5 crows in my neighborhood have turned into an army 15 strong. At first my neighbors didnt mind and enjoyed it. They’re mostly elderly and most were in a bird watching club anyway. They thought the fact that i had crows following me around whenever i go outside was funny.

Lately, the crows have started defending me. My neighbor came over for a socially distanced chat (me on my porch her in my yard) and the crows started dive bombing her. They would not stop until she left my yard.

/u/crane contou essa história em um subreddit especializado em “aconselhamento jurídico”, questionando se ela seria responsabilizada caso os corvos atacassem alguém. O tópico é divertido por si só, e o conselho escolhido foi sobre como ensinar os corvos a se comportar:

They are resource guarding. To stop them from attacking people, ask guests to bring shiny objects or food scraps to the murder of crows as an offering. You could also supply your guests little baggies of treats for them to offer up. If they dive bomb someone don’t give them food for 24 hours. If they are nice to a guest, give them a high value treat to reinforce positive behavior. Advice from my partner, she was a field biologist that is published in biology/ornithology.

O tópico fez tanto sucesso que /u/crane postou uma atualização sobre como os corvos acabaram salvando a vida de um de seus vizinhos:

The plan worked and the crows are now a beloved part of the community. There have been no recent dive bombings.

Most amazingly, the crows may have legitimately saved my neighbor. Our city had a pretty big ice and snow event recently. Like i said in my last post, most of my neighbors are older. One of my neighbors was walking down his steep driveway, slipped, and couldnt get back up.

The crows started going ballistic and were making more noise than we have ever heard. A different neighbor went outside to see what was up and found the gentleman in his driveway. Neighbor is mostly ok! Just some serious bruises.

De vez em quando a internet consegue ser boa demais.

30 minutos de visuais relaxantes dos filmes de Hayao Miyazaki

Na verdade não são trinta minutos mesmo, são seis — mas as sequências são rearranjadas a cada repetição. Mesmo assim, é sempre bom sentar e acompanhar um pouquinho da beleza pastoral dos filmes do diretor japonês Hayao Miyazaki.

Eu lembro que eu assistia Meu Amigo Totoro sempre que eu ia visitar a minha avó, era o único VHS na casa dela, e eu não via problemas nisso. Eu sempre gostei de assistir um filme que não me agitava nem me dava medo. As coisas acontecem em Totoro, mas num rítimo próprio.

Todos os filmes do Studio Ghibli (com uma exceção) estão disponíveis na Netflix.

O Daft Punk acabou

O Daft Punk anunciou que a banda se separou.

O dia de hoje ficou muito, muito triste. É um fim gigante pra mim, essa banda embalou alguns dos melhores momentos da minha vida, e imaginar que um dia eles lançariam um som novo para embalar um novo momento era uma boa esperança de se ter.

Muito obrigado por todos esses momentos e todas essas memórias, Daft Punk. Que jornada incrível vocês me ajudaram a ter.

Eu me apaixonei por colunas de conselhos

Eu acabei abraçando vários costumes nesse último ano de pandemia e isolamento social. Algumas, como a pizza de sexta-feira, eu mantenho até hoje. Outras, com ler depois do almoço, acabaram alguns meses depois de eu ter começado. Eu acho eles bons definidores do tempo que tá passando durante a pandemia: eu lembro da “época em que eu via filmes nas terças-feiras”, algo que aconteceu entre abril e maio de 2020. Parece muito tempo, mas foi ano passado.

O mais novo costume que eu abracei nesses últimos meses foi ler colunas de conselhos. Eu nem sabia que isso tinha conseguido sobreviver na internet. Eu lembro que colunas de conselhos existiam em revistas de saúde e estilo de vida (geralmente mais voltados ao público feminino), e nunca dei muita bola antes porque eu era jovem e ninguém tem problemas maiores do que um jovem de 11 anos, etc.

Mas colunas de conselhos são muito boas de se ler. Elas têm basicamente duas partes: a primeira é descrição do problema que a pessoa enviou para o colunista, escrita por quem eu imagino que já tenha bastante experiência lendo essas colunas e sabe que é preciso oferecer os detalhes certos para seu correspondente conseguir aconselhar com sucesso, além de um pouquinho de desespero, o que ajuda a deixar o problema mais profundo; a segunda é o conselho em si, em que uma pessoa muito mais mentalmente saudável do que eu responde a coisa certa, dando dicas de como desfazer o emaranhado causado pelo problema.

Tem algo a mais também: eu tenho a impressão de que histórias acontecem com as pessoas que as contam, e em um último ano em que eu tinha a impressão de que nada estava acontecendo comigo, eu comecei a perceber como os pequenos e os grandes problemas do nosso dia-a-dia também são histórias que podem ser boas para serem contadas, já que eu não tenho mais uma viagem ou algo que aconteceu no fim de semana pra contar para os meus amigos. Teve um momento ali pelo meio do ano em que eu achava realmente difícil de enviar um “oi, tudo bem?” para as pessoas que eu me importo, porque eu sentia que nem eu e nem elas tínhamos o que responder.

Acho que essas colunas de conselhos me ajudaram muito nisso. Primeiro eu comecei a usar algum pequeno problema do meu dia-a-dia (geralmente um que tem um final engraçado) pra puxar assunto com meus amigos e não deixá-los se sentindo muito sozinhos. Eu geralmente recebia uma anedota sobre um outro problema como resposta, e assim a gente vai se ajudando. Eu vou deixar o meu “tudo bem?” para quando eu puder ver meus amigos e abraçá-los enquanto eles respondem porque, se não estiver, pelo menos eu vou estar ali pra ajudar.

Colunas de conselhos são tão grandes na internet que existem subreddits só disso, portais que fazem um apanhado dos melhores conselhos da semana, e colunas de colunas de conselhos. Se você quer dar uma chance, minhas duas colunas favoritas são Ask the Fuck-up, da Jezebel (que inclusive foi um dos meus links favoritos do ano passado) e Dear Prudence, do Slate. As duas têm ótimos problemas e ótimas respostas, e as duas autoras não poupam tempo nem tamanho na hora de explicar sua linha de raciocínio. Um dia eu quero ter a saúde mental delas.

Arcade Fire e Owen Pallett anunciam o lançamento da trilha-sonora de Ela

Luva, vinil e fita-cassete da trilha-sonora do filme Ela Detalhes da luva e vinil da trilha-sonora do filme Ela

Eu recebi tantas boas notícias na sexta-feira que eu ainda tô pondo elas em dia. Uma das que mais me deixou feliz foi o email do Arcade Fire anunciando o lançamento da trilha-sonora de Ela, o premiado filme de Spike Jonze lançado em 2013, e um dos meus filmes favoritos de todos.

A trilha de Ela existe na forma de um bootleg que vazou na internet na época em que o filme foi indicado ao Oscar de melhor trilha-sonora em 2014, e desde então ele vive protegido em meu computador. Eu troquei de computador duas vezes desde 2014, e em todas as vezes esse bootleg é uma das coisas que eu mais tomo cuidado para passar da máquina antiga para a nova. É um dos meus bens digitais mais preciosos: uma música etérea, que mistura um pouco de melancolia, saudade e felicidade com sintetizadores delicados e um piano profundo. Ele geralmente é a trilha-sonora das minhas melhores manhãs.

Embora o Arcade Fire tenha anunciado que ia trabalhar em um lançamento da trilha lá em 2014, isso não se materializou até agora. Sexta-feira, o anúncio veio do nada e foi uma surpresa tão boa que eu passei o dia procurando formas de encomendar o vinil. Eu ainda não consegui, mas vou na primeira oportunidade. A trilha também vai ser lançada em fita cassete, nas lojas de música digitais, e nos serviços de streaming como Spotify e Apple Music dia 19 de março.

Parando pra pensar agora, a trilha-sonora de Ela é como o ápice de tudo o que eu gosto. É composto pela minha banda favorita e acompanha um filme que eu amo tanto (e que, se você acompanha esse blog há tempos, provavelmente sabe que eu não consigo parar de falar sobre), dirigido por um dos meus diretores favoritos. Eu tô tão feliz que ela finalmente vai ser lançada mês que vem, mal dá pra acreditar que esse dia vai chegar.

Tijolos de restos plásticos são mais fortes que os de concreto

Eu tava precisando de uma boa notícia essa semana, e olha só essa: uma jovem chamada Nzambi Matee começou uma empresa que fabrica pavimentos feitos com restos plásticos que são mais fortes, duráveis e baratos do que os feitos com concreto. Ainda por cima, ajudam a reduzir um tipo perigoso de poluição que permanece muito tempo no planeta. Pelos seus esforços, Matee foi honrada pela ONU:

Each day, the business churns out 1,500 plastic pavers, which are prized by schools and homeowners because they are both durable and affordable. Gjenge Makers is also giving a second life to plastic bottles and other containers which would otherwise end up in landfills or, worse, on Nairobi’s streets.

“It is absurd that we still have this problem of providing decent shelter – a basic human need,” said Matee. “Plastic is a material that is misused and misunderstood. The potential is enormous, but its after life can be disastrous.” […]

“We must rethink how we manufacture industrial products and deal with them at the end of their useful life,” said Soraya Smaoun, who specializes in industrial production techniques with UNEP. “Nzambi Matee’s innovation in the construction sector highlights the economic and environmental opportunities when we move from a linear economy, where products, once used, are discarded, to a circular one, where products and materials continue in the system for as long as possible.”

Via Colossal, que tem imagens lindas de como Matee e sua equipe pavimentaram os arredores de uma escola.

As fotos que compõem os quadros de Norman Rockwell

Por muitos anos, as obras do pintor Norman Rockwell foram desmerecidas por serem consideradas clichês. Suas pinturas eram retratos do cotidiano, mas seu uso de cores fortes e expressões faciais bem demarcadas são facilmente consideradas como sentimentalistas, que costumavam estampar capas de revistas ou anúncios.

Esse estilo e seus sujeitos — geralmente momentos mundanos, como um garoto levando uma injeção ou uma criança espiando outros passageiros pelos bancos do trem — que fazem a obra de Rockwell ser onipresente. Como outro pintor da época, Edward Hopper, Rockwell se interessava muito mais por representar o dia-a-dia americano. Mas os interesses dos artistas estavam em lugares diferentes, segundo o OpenCulture:

But while Hopper gave artistic form to the country’s alienation, Rockwell — whom history hasn’t remembered as a particularly happy man — created an “American sanctuary others wished to share.” And though neither Hopper nor Rockwell’s America may ever have existed, they were crafted from the pieces of American life the artists found everywhere around them.

Com o passar dos anos, o legado de Rockwell, de clichê e sentimentalismo, foi mudando justamente por sua maestria técnica em compôr cenas perfeitas demais. Rockwell usava das cores e das expressões faciais grandiloqüentes para ressaltar o seu idealismo, e apontar exatamente o que é real e o que não é em sua obra. É mais fácil de observar isso quando a gente observa as fotos que ele encenava com seus vizinhos e amigos como referências para o que ele iria pintar:

Comparativo entre as pinturas e as fotos de referência de Norman Rockwell Foto de homens tocando instrumentos musicais em uma pequena salinha à noite Pintura de homens tocando instrumentos musicais em uma pequena salinha à noite Foto de uma criança espiando um homem a alguns assentos de distância no trem Pintura de uma criança espiando um casal apaixonado a alguns assentos de distância no trem

A NPR publicou um artigo (e um programa de rádio) sobre esse processo do artista, e o Google Arts & Culture têm uma análise ilustrada de como Rockwell usou essa técnica de encenação para criar algumas das obras mais marcantes da luta contra a segregação racial nos EUA dos anos 1960.

Populus Run é uma mistura de WHAT THE GOLF? com Subway Surfers

Eu amo os jogos do estilo “corrida infinita”, aqueles em que o personagem está sempre seguindo em frente e você precisa fazer ele desviar de obstáculos. Pra mim, esse é o melhor estilo de jogo pra celular: jogos como Alto’s Adventure e Super Mario Run têm comandos fáceis e o objetivo é simples, e quando é bem feito os obstáculos vão ficando difíceis o suficiente para desafiar qualquer bom jogador. Então é perfeito tanto para jogar nos minutos em que você espera a água do café esquentar quanto para uma viagem mais longa (seja lá quando a gente puder viajar de novo).

Esse fim de semana eu experimentei Populus Run (Apple Arcade para iPhone, iPad, Mac e Apple TV). Ele me lembrou muito WHAT THE GOLF?, outro jogo favorito do Apple Arcade, porque ele pega um estilo de jogo e vira do avesso. Populus Run faz isso sendo uma corrida infinita de multidões, então você controla um grupo de pessoas através de pistas com bolachas gigantes e montanhas de batatas fritas. Nem todo o mundo chega nos checkpoints, alguns são esmagados por obstáculos, outros vão cair em buracos, mas é divertidíssimo perceber como o jogo consegue fazer você brigar com a própria física do jogo para fazer uma dúzia de pessoas entrar em um túnel que só vai ter lugar para metade delas.

Cada pista de Populus Run oferece alguns objetivos, como número mínimo de pessoas que devem chegar ao final, ou número de moedas (que têm o formato de Pingo d’Ouro) ou “segredos”, que são personagens vestidos com roupas estranhas. Esses são especialmente difíceis, as roupas grandes deles ocupam muito espaço, então se eles encostarem em algum obstáculo eles provavelmente vão cair e ficar para trás.

O mais divertido pra mim é a sensação de caos que os melhores níveis do jogo oferece. Tá todo o mundo correndo, tem uma bolacha recheada esmagando alguns deles, e do nada os outros precisam passar por um trecho estreito entre dois bolinhos ingleses, então mais um tanto vai ficar para trás ali também. É divertidíssimo, e a direção de arte do jogo capricha na textura das superfícies tão bem que dá aquela sensação de sonho para os visuais do jogo.

3:45 PM

Esse curta-metragem de animação de Alisha Liu dura só alguns minutos, mas é especial e muito bonito — as formas simples que ela usa são ótimas tanto para apontar o momento mundano em que as duas personagens estão vivendo e os pensamentos difíceis que uma delas está enfrentando.

Via Kottke, que inclusive descreveu isso como um “susto de domingo”, algo que acho que acomete todo o mundo, mas que eu não sabia que tinha um nome.

O remaster de Mass Effect parece glorioso

Aqui vai uma coisa que você provavelmente não sabe sobre mim: eu sou um fã insuportável de Mass Effect. Eu sou fascinado por essa ópera espacial desde que o original foi lançado no Xbox 360, quando ele era o ápice da narrativa interativa em jogos AAA desse lado do mundo. Agora que esse tipo de jogo não é feito mais pelas grandes desenvolvedoras do ocidente, eu sinto um carinho ainda mais especial pela franquia, mesmo com a dor que foi ver Mass Effect Andromeda ser uma bagunça.

Então eu tô empolgado, pra dizer o mínimo, com o remaster da trilogia original, que eu acho a melhor coisa que a BioWare já fez (desculpa, Raul!). Mass Effect: Legendary Edition inclui os três jogos e (quase) todos os DLCs e vai ser lançado em 14 de maio para PC, Xbox One e PS4 e tá glorioso. O trailer acima captura muito do que ME tem de tão especial: é como um romance, em que histórias seguem se espiralando em outras histórias diferentes, da ação à aventura ao romance e ao terror. Tudo o que eu queria era poder jogar essa trilogia deitado na minha cama no meu Switch, mas nem esse agrado a EA me faz.

Um vídeo de um show do Daft Punk em 2007 acabou de aparecer na web

Daft Punk não faz muitas apresentações ao vivo. Na verdade, elas são tão raras que hoje em dia elas alcançaram aquela fama quase mítica e quando imagens de uma apresentação deles aparece na internet, é como se alguém tivesse conseguido gravar um ovni aparecendo.

Esse show que Johnny Airbag divulgou no YouTube fez parte do Alive 2007, um disco com gravações da turnê do Daft Punk. O vídeo foi gravado em Chicago em 2007, no primeiro dia do Lollapalooza.

O último álbum do duo foi Random Access Memories, em 2013, e já passou da hora de aparecer um novo disco por aí.

Via Kottke.

Qual a melhor dupla de jogos Mario & Zelda?

Esses dias, enquanto eu terminava de jogar um dos Metroid Prime para fechar a trilogia de ranking das três franquias principais da Nintendo, eu fiquei traçando o histórico dos jogos de Metroid, Super Mario e The Legend of Zelda de acordo com as gerações de consoles. Chegou num ponto em que eu comecei catalogar como os jogos dessas franquias pontuaram os videogames da empresa, até que cheguei nessa lista.

Esse é um ranking rápido das melhores duplas de jogos dos consoles da Nintendo de acordo com a qualidade dos jogos. A melhor dupla não significa que tem os melhores jogos das duas franquias (pra isso confira o ranking do Super Mario e o ranking de The Legend of Zelda), e sim que a média dos dois jogos é a melhor.

Eu só vou levar em conta o principal volume da plataforma — então continuações ou spin-offs não contam. Eu acabei percebendo que o GBA não teve um título original de Super Mario, então The Minish Cap acaba não entrando na lista, enquanto o Wii possui duas gerações das duas franquias, então ele entra no ranking duas vezes — e, pra complicar mais um pouquinho, Breath of the Wild aparece em dois consoles distintos.

É surpreendentemente difícil de classificar essa lista, porque quando Super Mario lança um jogo mais ou menos, Zelda lança um baita jogo, e vice-versa. A exceção é o Nintendo DS, que tem um jogo bom do Mario, mas nada demais, e um jogo completamente esquecível de Zelda. Já o Game Boy tem o melhor Zelda de todos e um dos piores Mario (se é que um jogo do Mario consegue ser ruim).

  1. DS: New Super Mario Bros. e Phantom Hourglass.
  2. NES: Super Mario Bros. e The Legend of Zelda.
  3. Game Boy: Super Mario Land e Link’s Awakening.
  4. GameCube: Super Mario Sunshine e The Wind Waker.
  5. Wii: New Super Mario Bros. Wii e Skyward Sword.
  6. Switch: Super Mario Odyssey e Breath of the Wild.
  7. 3DS: Super Mario 3D Land e A Link Between Worlds.
  8. Wii: Super Mario Galaxy e Twilight Princess.
  9. Wii U: Super Mario 3D World e Breath of the Wild.
  10. N64: Super Mario 64 e Ocarina of Time.
  11. Super NES: Super Mario World e A Link to the Past.

Não me peça pra justificar as decisões.

Aparentemente descobriram uma nova tonalidade de azul

Farelos da nova tonalidade de azul, YInMn

Eu sempre achei que se tinha uma coisa que a gente já tinha total conhecimento, eram as cores. Nunca imaginei que (1) seres humanos conseguem criar tonalidades de cor; e (2) exista alguma cor que a gente ainda não tenha visto. Mas descobri que essas minhas duas certezas não faziam sentido quando eu li esse artigo sobre a primeira nova tonalidade de azul em dois séculos, YInMn.

O artigo é ótimo se você, como eu, não tem ideia de como tonalidades são criadas, nomeadas, patenteadas e licenciadas para uso (e como esses usos são categorizados de maneiras bem específicas). Sempre achei que cores fossem algo que a gente não tem domínio sobre porque é um aspecto intrinsicamente natural, já que quase tudo tem cor, mas olha como esse é um processo muito artificial:

Like all good discoveries, the new pigment was identified by coincidence. A team of chemists at Oregon State University (OSU), led by Mas Subramanian, was experimenting with rare earth elements while developing materials for use in electronics in 2009 when the pigment was accidentally created.

Andrew Smith, a graduate student at the time, mixed Yttrium, Indium, Manganese, and Oxygen at about 2000 °F. What emerged from the furnace was a never-before-seen brilliant blue compound. Subramanian understood immediately that his team stumbled on a major discovery.

“People have been looking for a good, durable blue color for a couple of centuries,” the researcher told NPR in 2016.

Não é todo o dia que meu mundo vira de ponta cabeça com um detalhe novo sobre como ele funciona. Hoje foi um desses dias.

Você precisa usar a Lista de Leitura do seu navegador favorito

Ali por 2017 eu voltei a usar um leitor RSS. Desde a morte do Google Reader lá no longínquo ano de 2013 eu não usava um RSS. Como outros milhares de usuários, eu acreditei que o Twitter e o Facebook eram uma boa alternativa: eles também tinham um feed de notícias e eu podia acompanhar meus sites e blogs favoritos por ali. É claro que eu tava enganado, os algoritmos do Facebook e do Twitter manipulavam seus feeds, e eu gradulamente fui parando de acompanhar os sites e os blogs que eu gostava, que ficavam dando espaço para posts de pessoas e de veículos que eu odiava, porque raiva cria mais engajamento — você vai comentar, reagir, compartilhar para mostrar para seus amigos como aquele post era péssimo e tudo o mais. Chegou num ponto, ali em 2017, que eu simplesmente odiava estar na internet.

Foi quando eu revivi minha conta no Feedly1, reorganizei meus feeds, limpei os sites que pararam de atualizar e os blogs que morreram naquele intervalo de cinco anos, e voltei a consumir notícias e textos principalmente por RSS. É difícil de dizer como isso mudou minha vida. Eu passo a maior parte dos meus dias na frente do computador, seja trabalhando, seja vendo filme, jogando alguma coisa ou conversando com meus amigos. Voltar a usar o RSS e a ter controle sobre minha própria curadoria da internet é excelente. Ao contrário do que outras pessoas dizem, fazer isso não nos isola ao redor das nossas próprias opiniões. Diferente do Facebook e do Twitter, os veículos que usam RSS são principalmente revistas digitais, blogs e sites de notícias. Eles não são voltados ao engajamento de posts curtos que removem o contexto de notícias ou se beneficiam de hot takes, eles prezam por textos mais longos e elaborados, onde o contexto em que algo está sendo escrito é tão importante quanto o motivo do texto em si. Não é à toa que, se a toxicidade da internet sempre existiu, ela estava muito mais escondida antes das redes sociais explodirem no final dos anos 2000: as plataformas que usávamos — fóruns, RSS e newsletters — eram mantidos por pessoas que também usavam essas mesmas plataformas, e se importavam em manter a qualidade delas.


Enfim, conforme eu fui me readaptando ao RSS eu comecei a usar um outro recurso que até então eu era bem cético, a Lista de Leitura. Eu nunca dei muita bola pra esse tipo de recurso até que eu precisei começar a organizar e fazer anotações das minhas referências pra dissertação de conclusão da faculdade, que consistiam principalmente em artigos de sites da internet (as discussões que eu tive com meu orientador sobre isso valem um post). Foi quando eu decidi experimentar o Instapaper, o pai desse tipo de serviço. No Instapaper você pode adicionar links que você quer ler depois, e o aplicativo faz o trabalho de extrair o conteúdo desse link, formatá-lo em um jeito confortável de ler (você pode personalizar cor e tipografia) e destacar e fazer anotações em trechos desse conteúdo. O Instapaper me ajudou horrores nessa época, porque eu podia organizar os links das minhas referências por capítulos da dissertação, destacar as partes que eu queria fazer uma citação direta, e ele registrava a data em que eu acessei esses artigos. Naquele ano o Instapaper virou o meu melhor amigo.

Há muito tempo que o Instapaper não é o serviço mais conhecido ou mais bem sucedido desse tipo. A funcionalidade é tão boa, e por um tempo ele se tornou tão essencial pra tanta gente, que os próprios navegadores começaram a criar recursos semelhantes integrados. O Chrome adicionou há poucas semanas o Read Later, o Safari possui a Lista de Leitura há alguns anos já; e o Firefox é integrado ao Pocket, uma alternativa mais poderosa e mais famosa ao Instapaper.

Todas essas opções fazem a mesma coisa: você salva um link nele e ele armazena em uma lista. O Safari e o Firefox possuem até mesmo uma “visão de leitor”, que basicamente reformatam o conteúdo do site, removendo anúncios e elementos gráficos que não pertencem ao texto principal. E o Pocket, que é integrado ao Firefox mas que você pode integrar através de extensões no seu navegador favorito, possui o mesmo recurso de tags e anotações do Instapaper. O fato de eles serem integrados aos navegadores, inclusive, permitem que sua lista de leitura seja sincronizada com todos os seus dispositivos e permite que os textos sejam salvos para serem lidos offline — para quando você for pra praia, em 2026, ver que não tem sinal e descobrir uma pilha de textos salvos sobre assuntos que você tinha muita curiosidade para ler sobre anos antes.

Lista de Leitura não é só útil para você salvar aquele texto longo que você encontrou no meio do caminho, quando você está navegando procurando alguma coisa e tinha um link para esse texto levemente relacionado que você quer ler uma hora dessas. Ele é excelente para esses casos, mas ele também é ótimo pelos mesmos motivos que um leitor RSS: ele ajuda na nossa curadoria do que consumimos na internet, nos incentivando a tirar um tempo para dar atenção à um conteúdo que oferece mais contexto e desenvolve mais um assunto do que uma thread no Twitter ou um textão no Facebook.

Esses recursos fazem um bem danado para sua saúde mental, mas para a saúde do seu computador e do seu celular também. Navegadores, principalmente o Chrome, deixaram de ser esses aplicativos leves e ultra rápidos e se tornaram um buraco negro que suga toda a energia e memória dos seus dispositivos porque acabamos tendo o péssimo hábito de deixarmos tudo o que queremos aberto em dezenas de abas que e usando recursos até que a gente decide que não quer mais ler aquilo porque o navegador está lento demais. Esses recursos existem justamente para resolver esse problema.

É comum a gente esquecer como o navegador é uma ferramenta poderosa simplesmente porque passamos o dia na frente dele. Mas um navegador nos oferece várias ferramentas para organizarmos o nosso consumo da internet, justamente para não nos sentirmos sugados por ela. Recursos como a Lista de Leitura e os Favoritos nos permitem salvar e organizar nossos links favoritos.

  1. Do Feedly eu fui para o The Old Reader por um tempo, até que estacionei no Feedbin, o melhor cliente RSS que eu usei até aqui. Essa é uma das belezas do RSS: é um padrão aberto, e os dados são seus. Não quer mais usar um serviço porque achou um melhor? É só exportar sua lista de feeds e importar no outro. 

Apreciando os trailers de Breath of the Wild

Eu acordo mais de uma vez por semana pensando algo do tipo “o que será que vai acontecer em Breath of the Wild 2?” ou “quando vai ser lançado?” ou ainda “será que a Zelda vai ser jogável?”. Em alguns desses dias eu revejo a única informação confirmada de Breath of the Wild 2: um trailer que anuncia o seu desenvolvimento:

E geralmente isso me faz perceber como é bom esperar por um novo jogo de Zelda. Só não é tão bom quanto finalmente jogar ele. Hoje em dia, com The Legend of Zelda: Breath of the Wild tendo sido lançado há quase quatro anos, é fácil de esquecer que esse também foi um jogo que a gente sonhou por muito tempo, e que por grande parte desse tempo a gente sabia muito pouco sobre ele.

Quando foi anunciado, em 2014, a gente só sabia que Zelda U seria em mundo aberto, como o primeiro jogo da série foi. Eu tava assistindo a coletiva de imprensa da Nintendo na E3 no meio da minha aula de história do cinema, quando esse trailer saiu:

Esse anúncio revelou tão pouco que a internet passou dias tentando tirar toda a informação possível: essa figura encapuzada era o Link mesmo, ou a Zelda finalmente seria a protagonista? O que é essa máquina de destruição que tá correndo atrás dele? Você viu COMO A GRAMA SE MEXE?

Enfim, Zelda U era pra ser o system-seller do Wii U, e acho que por um momento a Nintendo realmente acreditou nisso porque até deixou o Miyamoto e o Aonuma, que são designers que raramente fazem promessas sobre seus jogos antes de podermos ver eles em ação, comentarem sobre quando eles achavam que o jogo ia ficar pronto no final daquele ano:

Depois disso tudo começou a degringolar. O Wii U não foi um sucesso, e em 2015 e 2016 a Nintendo passou boa parte do tempo tentando colocar jogos na plataforma porque os desenvolvedores externos tinham debandado, mas a maior parte de seus estúdios já estavam lançando jogos muito melhores no Nintendo 3DS, que acabou virando o foco da empresa enquanto um novo videogame de mesa não ficava pronto.

E assim, Zelda U ficou de escanteio, com notícias sobre seus atrasos. Teve uma vez que foi pelo motor de física do jogo (ainda bem, porque o que apareceu no jogo final é excelente), teve outra que era teoria da conspiração, de que a Nintendo decidiu reformular o jogo para o NX (foi só uma meia verdade).

O fato é de que demorou um bocado de tempo, em termos de anúncios de jogos, pra que a gente pudesse ver Zelda U novamente. Foi só na E3 2016 que o jogo apareceu de novo. Não só isso, foi o único jogo que a Nintendo levou para a E3 naquele ano. Jornalistas puderam pôr as mãos nele pela primeira vez, e jogaram em um mapa que hoje sabemos que é o Grande Plateau, a (enorme) área inicial do jogo.

E daí a gente finalmente descobriu como o jogo ia ser chamado:

As pessoas começaram a compilar tudo o que Link conseguia fazer nesse trailer. Ele era realmente impressionante.

Breath of the Wild voltou a ser o centro das atenções pelo resto do ano ao lado da revelação do NX, que ia se chamar oficialmente Nintendo Switch. BOTW é um dos jogos exibidos no trailer que revelava o console. Pelo restante de 2016 a gente saberia que BOTW não era mais o system-seller do Wii U, e sim seu último título da Nintendo para o console. Agora ele seria o system-seller do Switch.

A pergunta é — quando?

A Nintendo programou uma coletiva de imprensa para revelar o preço, a data de lançamento e outros detalhes técnicos do Switch em janeiro de 2017. Para a surpresa de muitos, o Switch já estava quase pronto, e seria lançado em março daquele ano. A gente pôde ver pela primeira vez alguns dos jogos que iam ser lançados no primeiro ano do console: Splatoon 2, ARMS, Super Mario Odyssey, Mario Kart 8 Deluxe! Por toda a apresentação, o único jogo que ia ser lançado no mesmo dia que o videogame era o 1-2 Switch. Isso não soava certo.

É claro que não, a Nintendo tava deixando o melhor pro final:

Eu revejo esse trailer de tempos em tempos. É um dos meus trailers de jogos favoritos (tá junto com esse teaser de Halo 3), e deu o tom para o lançamento de BOTW. Não era só um Zelda com um mapa gigantesco, mas uma grande aventura por Hyrule. Todas as espécies que a gente aprendeu a amar na franquia estavam ali — os Zora, os Rito, os Gorons!! Os Gerudos!! Os Kokiri!!!!! —, a porra da Grande Árvore Deku tava de volta, caramba. A gente não sabia de nava o que estava acontecendo no trailer e, de alguma forma, isso parecia certo: BOTW era pra ser descoberto.

Ah, e no finalzinho, a Nintendo finalmente revelou que sim, Breath of the Wild ia ser o jogo de lançamento do Switch.

O resto é história.

A história da Wikipédia através dos relatos de seus fundadores

A Wikipédia fez vinte anos na última sexta-feira, dia 15. Eu considero ela o site mais importante da internet. É o site que melhor define a promessa do que a internet pode ser — um espaço de informação livre e colaborativa, onde pontos de vista se somam ao invés de se isolar. É gratuita, é distribuída, e se um dia sair do ar, o buraco que ele vai deixar na sociedade é gigante demais. A Wikipédia conseguiu ser inestimável para nós em tão pouco tempo que é difícil de pensar numa internet em que ela geralmente não é o segundo resultado em qualquer pesquisa no Google.

Para celebrar esse aniversário, o OneZero publicou uma história oral da Wikipédia com seus fundadores e contribuidores mais relevantes. É uma leitura fascinante:

Now 20 years later — Wikipedia’s birthday is this Friday — nearly 300,000 editors (or “Wikipedians”) now volunteer their time to write, edit, block, squabble over, and scrub every corner of the sprawling encyclopedia. They call it “the project,” and they are dedicated to what they call its five pillars: Wikipedia is an encyclopedia; Wikipedia is written from a neutral point of view; Wikipedia is free content that anyone can use, edit, and distribute; Wikipedia’s editors should treat each other with respect and civility; and Wikipedia has no firm rules.

[…]

It is not perfect. There is trolling. There are vandals. There is bullying of “newbies” by editors. And there are imposters who edit not for the greater good but to serve the greed, vanity, or ambition of self-interested (sometimes paying) parties. And, yes, there are many, many weak and thinly sourced articles (only about 40,000 out of the site’s 6 million entries meet the higher standard of being “good articles”). There is also a gender imbalance within the domain of Wikipedia — in English Wikipedia, more than 80% of editors are men and just 18% of biographies are about women.

Regardless, Wikipedia is now a cornerstone of life online. How many wives did King Henry VIII have? Where does the word “fuck” come from? Why did people wear bearskin shoes? Wikipedia has all the answers.

Uns fãs de Community fizeram um jogo de paintball assassino

Um grupo de aspirantes a desenvolvedores de jogos se juntaram para criar Six Seasons and a Game, um jogo de paintball assassino na faculdade de Greendale, o cenário de Community. E não é que o resultado ficou muito bom?

Six Seasons and a Game é um jogo de tiro em primeira pessoa, multiplayer e gratuito! Os voluntários encheram os cenários com referências à série (quer dizer, só a ideia do jogo ser um “paintball assassino” já entrega), e conseguiram criar espaços muito legais para interligar os espaços já conhecidos. Os corredores ao redor da sala de estudos dos protagonistas, por exemplo, só foi vista raramente durante a série. Aqui dá pra percorrer por tudo. O melhor é que, além de ser de graça, esse jogo é leve e divertido. Se você está procurando algo pra passar o tempo com seus amigos mas seus computadores não aguentam o tranco, Six Seasons and a Game é muito bem otimizado.

Essa não é a primeira vez que fãs de Community puseram as mãos na massa e fizeram um jogo. Enquanto a série ainda estava no ar, uns fãs recriaram Journey to the Center of Hawkthorne, um jogo de plataforma e aventura exibido em um episódio no final da terceira temporada, e também é um jogo gratuito e muito bom. Essa comunidade de Community é muito talentosa.

Six Seasons and a Game tá disponível no Steam e Journey to the Center of Hawkthorne tá disponível no GitHub.

Mas eu ainda tô esperando o filme.

Artista cria peças de exposição enviando-as sem proteção pelo correio

O artista Walead Beshty constrói peças feitas de vidro e as envia por FedEx para galerias e museus desde 2007. Ele as envia sem proteção, então quando as peças chegam elas estão danificadas, criando padrões de rachaduras nas superfícies:

Peça de vidro rachado de Walead Beshty sobre uma caixa de encomendas da FedEx Peça de vidro rachado empilgadas de Walead Beshty sobre caixas de encomendas da FedEx Peça de vidro rachado de Walead Beshty ao lado de uma caixa de encomendas da FedEx

Toda a vez que essas peças mudam de expositor, o artista as envia novamente por FedEx, sem proteção — então uma mesma peça nunca é a mesma entre exposições. Segundo uma entrevista do artista, sua intenção não é a de usar o “readymade” popularizado por Michel Duchamp com sua fonte, e sim de criar peças artísticas usando um sistema adotado por uma corporação gigante:

[…] Os objetos não são tratados de maneira diferente de outros pacotes da FedEx, eu simplesmente uso o sistema da FedEx para registrar como o objeto foi manipulado em termos estéticos. O resultado é um objeto que está mudando constantemente. Todas as vezes que o objeto é enviado, ele passa por uma transformação material.

No site do estúdio de Beshty têm mais informações (e peças) dessa e de outras coleções.

Via Kottke

O problema de Lane Kim em Gilmore Girls

Emily VanDerWerff é uma das minhas escritoras favoritas. Ela escreve sobre TV, sua história e suas dinâmicas, como ninguém, e o melhor, ela te faz entender o que funciona e o que não funciona em uma série de TV. Como as melhores críticas e ensaístas, VanDerWerff põe em palavras aquilo que a gente sente quando assiste algo.

No volume dessa semana da sua newsletter Episodes, VanDerWerff finalmente fala sobre o momento que, pra mim, é o mais importante em Gilmore Girls: quando a relação de Lane com sua mãe finalmente explode, e como Gilmore Girls não consegue tratar esse momento com o cuidado que ele merece:

Truth be told, I don’t think I could have told you what I hated about this storyline until my friend, Cassie, watched the entirety of the series over the past few months. Cassie’s viewing of the series immediately clarified for me what bugged me so much about this storyline: Once — just once — I wanted the show to take Lane’s desperation to live a life free from her mother’s influence as seriously as Lane did.

If the series were going to have a moment when it took Lane’s life seriously, it would have been somewhere in this season four storyline. That season is perhaps the show’s best, as it slowly but surely brings lots and lots of chickens home to roost, one of those being Lane’s long hidden secret life. Gilmore Girls excels at telling serialized stories where lightly comedic kookiness covers up something far bleaker, then at switching itself up tonally, so the bleakness breaks out and oozes over the comedy. Season four is the series’ best at this sort of tonal whiplash, particularly in its second half.

And for at least a little bit, Gilmore Girls takes Lane seriously in this storyline. The scene where Mrs. Kim kicks her daughter out of her house is a heartbreaking one, and the moment when Lane shows up at Rory’s door is, too. It feels like something the series has been building to for years and years — Rory and Lane, trying to shake off the influence of their mothers and making their way in the world.

Lane é a minha personagem favorita de Gilmore Girls, junto com Emily, porque as duas são as personagens mais bem exploradas até certo ponto, quando a série decide que se continuar cavando as dores e as frustrações delas, pode acabar respingando no carisma de suas personagens principais. Simpatizar muito com Emily pode tirar a coragem de Lorelai de viver fora das garras da mãe; observar como Lane tenta sair do relacionamento abusivo com sua mãe mas vê que Rory já está muito distante da sua realidade daria muito mais peso às dinâmicas de classe da série, algo que GG sempre preferiu tratar com muito mais sutileza e nuance.

Mas, como VanDerWerff escreveu na newsletter, Lane deixa de ser uma Lorelai 2.0 e se transforma em alívio cômico, e é a falta de seriedade com que a série (!) trata Lane a partir da quarta temporada que machuca bastante. Gilmore Girls sempre foi excelente em observar como relações íntimas, como as familiares e as amizades, podem ser abaladas para sempre mesmo que continuem existindo de alguma forma. Porém, Lane e a Sra. Kim não desenvolvem uma relação repleta de cicatrizes como a de Emily e de Lorelai — assim que sua mãe a visita em sua nova casa, as duas voltam à mesma dinâmica de antes (o que piora ainda mais na sétima temporada).

Enfim… Gilmore Girls? A melhor série já feita, tão boa que quando falha, falha por excesso de carinho.

O legado social do Nintendo 3DS

Cecília D’Alessandro escreveu um excelente post-mortem sobre o Nintendo 3DS (e os portáteis da Nintendo de maneira geral) quando o pequeno foi descontinuado no ano passado:

Hardware matters, but in the end, portable console players want to connect to each other with as few barriers as possible. The legacy of the 3DS, at least for me, is as a reminder that gaming is more than just entertainment: It’s a social network. Strangers saw each other playing their 3DSes out in the world and forged quiet (or loud), immediate connections. The magic of the Switch is that it was one of the first consoles to bring those outside connections inside—from the cafe onto your sectional couch.

Eu comprei um Nintendo 3DS com o primeiro salário do meu primeiro trabalho. Eu e meus colegas da época jogávamos Mario Kart depois do almoço e antes de começar o turno da tarde. Depois que saí da empresa para ir para a faculdade, minha jogatina com o 3DS era quase sempre sozinha. Eu jogava no trem, indo de Porto Alegre para São Leopoldo, até que comecei a perceber que outras pessoas também estavam tirando seus videogames das mochilas e bolsas para jogar. Eu nunca fiquei amigo dessas pessoas, mas visitei várias cidades em Animal Crossing: New Leaf e perdi várias brigas no Super Smash Bros.

Esse tipo de interação era bastante único dos videogames portáteis: você via que alguém estava jogando, seja no parque, no shopping ou no trem, e tirava seu videogame. Antes do 3DS, você falava com a pessoa, vocês trocavam Friend Codes e então podiam jogar juntos. O 3DS facilitou um pouco esse primeiro contato. O próprio videogame piscava uma luz verde indicando que tinha alguém por perto, o Mii da pessoa chegava na sua praça virtual e vocês eram apresentados. Você olha ao redor e encontra a pessoa que acabou de conhecer.

Eu acho que o que tornou o Nintendo 3DS tão especial para aqueles que tiveram ele foi justamente esse sentimento de culminação, de a Nintendo entender completamente o apelo de um videogame portátil que consoles de mesa e celulares não tinham: o 3DS era uma espécie de sociedade secreta que você entrava e, ao mostrar o seu portátil para os outros, era recebido com boas vindas. O StreetPass, o SpotPass, o bloco de notas e o relatório de jogos eram recursos naturais em um videogame que você jogava em qualquer lugar, nem sempre confortável o suficiente para pegar o celular com outra mão e anotar o código que você precisa digitar na próxima fase do jogo. Tudo o que você precisava para jogar no 3DS, ele oferecia.

É algo que eu sinto bastante falta no Switch, que indica que a Nintendo vê ele muito mais como um console de mesa do que um portátil. Recursos sociais são escassos nele, enquanto que eram fundamentais pro sucesso do 3DS. O Switch é superior em quase todos os sentidos, mas a Nintendo sabia exatamente o que um portátil precisava no 3DS, e o tipo de interação que um videogame portátil provocava e incentivava. Com o fim daquele pequeno videogame (e da linhagem que ele seguiu), um pouco dessa mágica se perdeu.

O legado social do Nintendo 3DS

Cecília D’Alessandro escreveu um excelente post-mortem sobre o Nintendo 3DS (e os portáteis da Nintendo de maneira geral) quando o pequeno foi descontinuado no ano passado:

Hardware matters, but in the end, portable console players want to connect to each other with as few barriers as possible. The legacy of the 3DS, at least for me, is as a reminder that gaming is more than just entertainment: It’s a social network. Strangers saw each other playing their 3DSes out in the world and forged quiet (or loud), immediate connections. The magic of the Switch is that it was one of the first consoles to bring those outside connections inside—from the cafe onto your sectional couch.

Eu comprei um Nintendo 3DS com o primeiro salário do meu primeiro trabalho. Eu e meus colegas da época jogávamos Mario Kart depois do almoço e antes de começar o turno da tarde. Depois que saí da empresa para ir para a faculdade, minha jogatina com o 3DS era quase sempre sozinha. Eu jogava no trem, indo de Porto Alegre para São Leopoldo, até que comecei a perceber que outras pessoas também estavam tirando seus videogames das mochilas e bolsas para jogar. Eu nunca fiquei amigo dessas pessoas, mas visitei várias cidades em Animal Crossing: New Leaf e perdi várias brigas no Super Smash Bros.

Esse tipo de interação era bastante único dos videogames portáteis: você via que alguém estava jogando, seja no parque, no shopping ou no trem, e tirava seu videogame. Antes do 3DS, você falava com a pessoa, vocês trocavam Friend Codes e então podiam jogar juntos. O 3DS facilitou um pouco esse primeiro contato. O próprio videogame piscava uma luz verde indicando que tinha alguém por perto, o Mii da pessoa chegava na sua praça virtual e vocês eram apresentados. Você olha ao redor e encontra a pessoa que acabou de conhecer.

Eu acho que o que tornou o Nintendo 3DS tão especial para aqueles que tiveram ele foi justamente esse sentimento de culminação, de a Nintendo entender completamente o apelo de um videogame portátil que consoles de mesa e celulares não tinham: o 3DS era uma espécie de sociedade secreta que você entrava e, ao mostrar o seu portátil para os outros, era recebido com boas vindas. O StreetPass, o SpotPass, o bloco de notas e o relatório de jogos eram recursos naturais em um videogame que você jogava em qualquer lugar, nem sempre confortável o suficiente para pegar o celular com outra mão e anotar o código que você precisa digitar na próxima fase do jogo. Tudo o que você precisava para jogar no 3DS, ele oferecia.

É algo que eu sinto bastante falta no Switch, que indica que a Nintendo vê ele muito mais como um console de mesa do que um portátil. Recursos sociais são escassos nele, enquanto que eram fundamentais pro sucesso do 3DS. O Switch é superior em quase todos os sentidos, mas a Nintendo sabia exatamente o que um portátil precisava no 3DS, e o tipo de interação que um videogame portátil provocava e incentivava. Com o fim daquele pequeno videogame (e da linhagem que ele seguiu), um pouco dessa mágica se perdeu.

Eu ganhei uma escova de dentes de Natal

Meus pais me perguntaram se eu tava precisando de algo esse ano pra que eles pudessem me dar de presente de Natal. Faz uns anos já que eu nunca preciso de nada (eu tenho um trabalho, pais!), mas sempre lembro de um jogo que eu quero comprar ou de uma edição de colecionador de um filme que eu encontrei por aí e essa é geralmente a oportunidade perfeita de não desperdiçar meu dinheiro nesse tipo de coisa.

Eu não tinha nada pra pedir, então dei aquela mentira de que não precisava de presente embora soubesse que se eu não ganhasse nada no dia 24 de dezembro eu ia ficar ofendido. Na noite de véspera de Natal, que é quando a gente troca os presentes aqui em casa, minha mãe me surpreendeu com uma escova de dentes.

Eu não esperava. Escova de dente é aquele lance que eu esqueço de comprar no mercado e acabo usando a mesma por meses a fio até o ponto em que a minha gengiva começa a sangrar porque as cerdas tão uma pra cada lado e duras como espinho. Quando eu tô que não consigo falar, eu vou no mercado e compro a escova de dentes mais barata que eu encontro. Não que eu não dou bola pra minha higiene bucal, eu dou! Escovar os dentes e limpar a boca é um ato religioso pra mim, com horário marcado e duração mínima estipulada, mas eu não quero gastar 35 reais na escova de dentes da Colgate que tem um cabo antiaderente ou coisa e tal.

Enfim, eu gostei da surpresa. Eu gosto de presente simples e criativo, como uma escova de dentes. Mas eu não tava esperando que essa escova de dentes ampliasse meus horizontes sobre o que é conforto. Meus amigos, eu tô no céu. Pra quem dá importância para aqueles minutos que tu fica com um pau na boca com uma pasta de sei-lá-o-que sendo espalhada pelos seus dentes todos os dias, se sentir confortável escovando os dentes é essencial. Deixa eu mostrar a dita cuja:

Escova de dente

E aqui, um close das cerdas macias e perfeitas, que eu sinto abraçarem meus dentes para massagear com a pasta de dentes:

As cerdas da escova de dentes

Pelo que diz na caixa, o nome dessa escova é “Powerdent Eco Care Light”. Ela é bem light mesmo, é levinha de segurar e o cabo parece ser feito de algum material verdadeiro, não de plástico. Madeira, ou carvão, algo assim. E as cerdas, meus amigos. À primeira vista eu achei que ela era pequena demais, mas quando eu usei pela primeira vez ela me surpreendeu, indo em lugares onde as outras escovas jamais foram, preenchendo cada espaço que antes eu precisava fazer malabarimos para encontrar.

É aquele tipo de presente que você agradece (literalmente) todos os dias por ter ganho. Todos os dias eu lembro como minha vida ficou melhor depois daquela estranha noite de 24 de dezembro de 2020, o dia em que eu ganhei uma escova de dentes de Natal.

Supo Mungam Plus disponibilizará filmes novos todas as sextas-feiras de janeiro

A distribuidora Supo Mungam Filmes trouxe pro Brasil alguns dos melhores filmes dos últimos anos, como Em Trânsito e Retrato De Uma Jovem Em Chamas. No fim do ano passado eles anunciaram que iam finalmente lançar esse excelente catálogo de filmes em DVD e blu-ray (você pode reservar a edição lindíssima de Retrato no site da Versátil!), e que iam montar um serviço de streaming dedicado à filmes independentes e autorais.

O serviço, chamado Supo Mungam Plus, vai trazer novos filmes pro catálogo todas as sextas-feiras desse mês, começando com Bamako (Abderrahmane Sissako, 2006) e O Conto das Três Irmãs (Emin Alper, 2016) no próximo dia 8.

A lista até o final do mês inclui alguns filmes excelentes: na próxima sexta entra o clássico recém redescoberto O Funeral das Rosas (Toshio Matsumoto, 1969), que estava no acervo do MUBI até pouco tempo. No dia 29 entram o excelente Entre os Muros da Escola (Laurent Cantet, 2008) e Obediência (Craig Zobel, 2012), que eu quero muito assistir. É o primeiro grande papel da Ann Dowd, uma atriz que eu adoro.

O SMP já têm uns filmes excelentes no catálogo também, eu tava dando uma conferida e, além do magnífico Em Trânsito, também está por lá Wendy & Lucy da Kelly Reichardt, diretora de filmes excelentes pra você assistir durante o isolamento; e Eu, Olga Hepnarová de Petr Kazda e Tomás Weinreb, um filme polonês perturbador que não sai da minha cabeça desde que eu vi há uns bons três ou quatro anos.

Rachel Handler investiga o misterioso caso da escassez de bucatini

Rachel Handler é uma das jornalistas que eu mais gosto de acompanhar o trabalho. Ela escrevia para o The Dissolve, um site sobre filmes que eu amava muito, e sua escrita tinha um tom próprio muito forte: era bem humorado ao mesmo tempo que direto. Ela escrevia sobre qualquer coisa de forma clara, mas conseguia colocar tangentes nos assuntos com observações incisivas e hilárias. Ela tinha uma coluna no The Dissolve chamada “Female Stuff” que eu revisito até hoje.

Enfim, Handler tem escrito para a Vulture/New York Magazine pelos últimos anos, e seu trabalho continua incrível. Mas o texto que ela publicou há algumas semanas é simplesmente a melhor coisa que eu li em meses, uma investigação sobre o desaparecimento misterioso de bucatini, um tipo muito específico/chique de macarrão (aquela espécie de espaguete grossa e longa, com um furo no meio para o molho entrar e explodir na boca quando mastigados) durante a pandemia nos EUA.

“What the Hole is Going On?” começa com ela e seus amigos desesperados buscando esse macarrão por Nova York no meio da pandemia, e acaba se desenrolando de maneira surpreendentes — um pouco disso pelos nomes italianos das pessoas que ela cruza na busca por respostas, o que faz tudo parecer um episódio muito bem humorado de Família Soprano.

Curte só um trechinho, mas eu recomendo ler tudo:

“Rachel!” he roared. “I’ve touched closely to the reason. Because of the environment, people have been using bucatini as straws, instead of a plastic straw.”

“I’m sorry, what?” I asked.

“Yes. You can buy them. There are a couple of companies making them. You can have your soda and then eat your straw,” he said. “It’s like eating your fork or knife.” My mind reeled as it tried to understand and accept this information as true. “But pasta is not a ready-to-eat product,” Rosario added. “You have to cook it. So when you use pasta to drink sodas, you’re drinking and eating a not-ready-to-eat product. You put yourself at risk because that product has never been pasteurized or killed. And the only pasta cut affected is bucatini because of the hole.”

This made both perfect sense and absolutely no fucking sense at all, the sort of demented-timeline event that could only happen in 2020, when everything is, metaphorically, an innocent piece of pasta turned into a straw in a bid to help the environment that actually ends up being fatally dangerous. I confessed to Rosario that every time I made bucatini, I ate several raw strands per minute as I cooked it, as a sort of barometer of al dente–ness. I wondered if I was now going to die because of it, and I made peace with this instantly.

A evolução dos personagens de Super Mario

Mario Bros. é uma das franquias mais famosas e importantes dos jogos, e tá fazendo trinta e cinco anos. Para comemorar, a Nintendo relançou no fim do ano passado os excelentes 64, Sunshine e Galaxy na coletânea Super Mario 3D All-Stars, e vai relançar o (também excelente) Super Mario 3D World, até então exclusivo do Wii U, no Switch em março.

Eu amo essa franquia. Junto com The Sims, os jogos do Mario são os que eu mais joguei antes de Breath of the Wild chegar na minha vida. E na vida de muita gente também, e pra comemorar o aniversário dos jogos o Kotaku tá fazendo uma série de artigos sobre a evolução dos personagens. Dois textos já foram publicados, um sobre o legado da princesa Peach e outro sobre a evolução e o charme do Bowser.

São textos bem bons que observam como os personagens vão se adaptando aos jogos conforme a tecnologia dos consoles da Nintendo foi evoluindo nas últimas décadas, mas também como eles foram tomando um legado próprio ao lado do próprio Mario.

No texto sobre a Peach, Mike Shoars escreve sobre como a relação do jogo com a outra princesa de Super Mario Galaxy é fundamentalmente diferente:

Mario helps Rosalina, but he never rescues her. In the game’s climax, Rosalina and her Lumas undo the damage of Bowser’s newly-formed sun collapsing in on itself and destroying the universe. In her farewell to Mario, she grows to near-Bowser size, speaks about the birth of new stars, before saving all of creation. She is the closest thing we ever see in the main Mario games (don’t @ me, Paper Mario fans) to God.

E como Bowser evoluiu de um simples vilão de videogame para um vilão de videogame que se preocupa em ser um bom pai:

Both versions, interestingly enough, have embraced his most unique aspect: his fatherhood. Bowser Jr. is portrayed as an enthusiastic and tech-minded member of Bowser’s army in the main games, balancing out his dad’s more old-fashioned reliance on dark magic and airships. In the most recent RPGs, especially Paper Mario: The Origami King, Bowser’s status as a sometimes-competent warlord and a patient, supportive father is a huge part of his character arc. In a multimedia franchise owned by a corporation that approaches change in a cautious, measured fashion, Bowser just keeps growing.

Bem que a Nintendo podia colocar Super Mario Galaxy 2 no Switch também…

As séries que me fizeram companhia em 2020

Mesmo com mais tempo livre para ficar assistindo TV durante os últimos dez meses, eu não assisti muito mais séries do que em 2019. Minha grande suspeita, como eu já expliquei em agosto, é que eu não ando mais maratonando séries. Eu prefiro ver elas por semana, ou no mínimo dia sim, dia não. Mesmo assim, algumas séries realmente me ajudaram a manter um senso de continuidade em um ano onde tudo pareceu parado.

Eu não vou listar todas as séries que eu vi ou que eu comecei a ver esse ano, mas sim aquelas que eu acho que me estimularam e que eu gostei de ter feito companhia nos meus finais de tarde aqui em casa, mais ou menos na ordem que eu assisti elas.

  • Fleabag (Prime Video). Foi revendo essa série entre fevereiro e março que me fizeram voltar a escrever pro Pão. Ainda é uma das melhores séries que eu já vi.
  • The Good Place (Netflix). A última temporada acabou sem fazer muito barulho, mas o bom humor e a honestidade emocional que a série usa para explorar ideias como “o que é ser uma pessoa boa?” e “como viver feliz?” foram essenciais ali pros meses onde tudo ainda estava muito confuso.
  • Community (Prime Video e Netflix). Ah sim, eu revi Community esse ano também, como todos os anos. Mas também foi a primeira vez que eu revi Community enquanto muitas outras pessoas viam e vinham conversar comigo sobre a série. Foi algo bem especial pra mim, e me ajudou a aguentar (e a aumentar) a saudade que eu sinto dos meus amigos.
  • The Wire (HBO). Como Gilmore Girls, eu vejo The Wire todos os anos. Eu revejo essa série uma vez por ano desde 2009, quando eu vi ela pela primeira vez. É um ritual quase religioso pra mim. Acho que eu nunca vi alguma obra que consegue traçar um panorama e fazer um mergulho nos sistemas que moldam a sociedade com todas as suas armadilhas. É uma série que nos faz ter uma visão mais aguçada das coisas, e um lembrete para observar mais a fundo como a gente falhou em 2020.
  • Central Park (Apple TV+). Eu não tinha ideia que eu ia acabar gostando de uma série na Apple TV+ mas puxa vida, Central Park é divertido demais. Eu adorei como a série misturou musical com eventos nada grandiosos do dia-a-dia de uma família. Ver as pessoas se divertindo em um parque (mesmo que numa animação) me fez lembrar de como é bom caminhar por aí.
  • Betty (HBO). Essa série foi uma surpresa maravilhosa pra mim. Eu nunca pensei que ia gostar de acompanhar skatistas matando o tempo pelas ruas de Nova York, mas acabou sendo o ponto alto das minhas semanas — passar o tempo com elas é bom demais, e me fez um bem pra caramba.
  • Eu Terei Sumido na Escuridão (HBO). Eu não acredito em “guily pleasure”, então fica aí a declaração que eu amo série sobre investigação de assassinos em série, mesmo as mais bobas, mas Eu Terei Sumido na Escuridão me pegou de surpresa por virar a premissa de ponta-cabeça e não tornar o assassino em uma figura mitológica, se interessando muito mais pela visão que suas sobreviventes tinham dele, e da escritora que ajudou a resolver o caso.
  • I May Destroy You (HBO). Foi difícil ver a minha série favorita do ano, porque ela entra na pele da sua protagonista de um jeito tão desconfortável que era duro olhar pro que ela revelava da Arabella (e de mim), mas ao mesmo tempo era impossível não assistir, porque a intensidade dessa série é contagiante. Não saber o que vai acontecer na cena seguinte era o lampejo de imprevisibilidade que eu precisava.
  • Gilmore Girls (Netflix). Eu decidi rever Gilmore Girls com mais calma esse ano, porque eu acabei usando a série como uma muleta nos anos anteriores e eu precisava cuidar um pouco mais de mim e não me deixar fugir para Stars Hollow na primeira oportunidade. Mesmo assim, eu continuo visitando minha cidadezinha favorita da TV uma vez por semana. É sempre bom.
  • Perry Mason (HBO). Fiquei preocupado que os primeiros episódios de Perry Mason eram muito “TV prestígio”, mas o terceiro episódio chegou e a série me ganhou com seu interesse em ir além do protagonista-trágico. São poucas as séries hoje que conseguem ter o fôlego de deixar seus personagens coadjuvantes terem suas próprias trajetórias. Mal posso esperar pela segunda temporada.
  • Enlightened (HBO). Se você lê A Baguete já sabe que eu quero escrever sobre esse clássico cult de duas temporadas, mas a versão resumida vai aí: Laura Dern se destrói inúmeras vezes nessa série, mas é em todas as novas maneiras que ela encontra para se reconstruir que mora a beleza.
  • The Mandalorian (Disney+). Eu gosto bem mais da primeira temporada porque ela não tenta ficar conectando tantos eventos à Saga Skywalker, mas Pedro Pascal sendo o pai de um bebê Yoda em uma série bem episódica como há tempos não víamos é tudo de bom. Mal posso esperar pra rever o Mando em dezembro.
  • The Americans (Prime Video). Chegou no finalzinho do ano, e é o que eu tô assistindo agora. Impressionante como eu não escrevi sobre The Americans ainda por aqui, porque quando ela estava no ar há uns anos era algo que eu não conseguia parar de falar sobre com meus amigos. Eu tô no início da segunda temporada agora, e amando como a série é bem sutil em transformar o drama da primeira (espiões que também são um casal com problemas conjugais) com o da segunda (pais que percebem que o trabalho deles coloca a vida de seus filhos em risco).