Posts publicados em 2020

Meus filmes favoritos de 2020

Eu comecei o ano querendo refazer um projeto que fiz no longínquo ano de 2013 de assistir um filme por dia e escrever um pouquinho sobre ele. Não acho que tenha sido um bom ano pra fazer essa escolha, aconteceu tanta coisa por tanto tempo que foi difícil de me concentrar pra ver filmes quando o mundo parecia acabar umas três vezes por semana, em média.

Mesmo assim, 2020 trouxe um bocado de filme bom. Eu tava comentando com uma amiga esses dias sobre isso. Eu passei os últimos dois ou três anos meio que iludido com cinema, numa espécie de exaustão. Eu via a maioria dos filmes por obrigação e não por curiosidade, como eu costumava assistí-los naqueles anos em que eu assistia filmes demais. Mas esse ano foi diferente. Esse ano teve tantas descobertas e estreias boas, que eu voltei a ficar curioso pra assistir os filmes que me recomendavam ou que eu lia sobre. Foi um péssimo ano pro cinema, mas foi um bom ano de filmes.

Foi, também, um ano complicado para eu resenhar filmes. Eu tenho cada vez mais dificuldade de escrever críticas em si1, e muito do que eu tenho a dizer sobre meus filmes favoritos do ano são observações bem mais pessoais. Por alguns meses eu fiquei batalhando essa sensação para encontrar algo que eu pudesse resenhar, mas no fim das contas eu acabei desistindo. Eu acho eu não sou um bom crítico, que consegue ver o lugar de uma obra no contexto em que ela foi criada, mas me acho um bom observador de alguns aspectos da cultura. O que você vai ler aqui são muito mais observações do que fazem esses filmes especiais pra mim, do que avaliações sobre como eles fazem.

Uma última observação, como toda a lista de filmes precisa ter. Essa lista compreende os filmes assistidos em 2020 que a gente pode considerar como “estreias”, então alguns filmes de anos anteriores que só foram lançados em 2020 podem acabar entrando nela. Eu costumo fazer uma segunda lista de descobertas, com filmes lançados em outros anos e que eu descobri agora, lá no Letterboxd.


Retrato de Uma Jovem em Chamas (Céline Sciamma, 2019)

Eu me apaixonei por Retrato de Uma Jovem em Chamas como eu me apaixonei pelos meus outros filmes favoritos: de supetão, sem perceber.

Eu não tinha ideia do que eu estava prestes a experimentar, e o clássico instantâneo de Céline Sciamma tirou meu chão. Uma história de amor e de idílio, de descoberta e de afirmação, em que três pessoas conseguem criar um lugar onde elas podem estar livres de todo o resto, e descobrir o que é amar — porque era assim que histórias de amor precisavam ser vividas há não muito tempo.

Eu não sei o que eu esperava antes de assistir Retrato de Uma Jovem em Chamas. Eu não esperava ser tão incapaz de falar sobre esse que é o meu filme favorito em anos, o que tirou meu chão e fez meu coração bater mais forte como Estrada da Fúria fez lá em 2015. É um dos meus grandes filmes, e se todo o resto de 2020 não deu muito certo, pelo menos isso — esse encontro desse filme comigo — é perfeito.


First Cow (Kelly Reichardt, 2019)

First Cow é aquele feito que acontece quando um grande diretor está em total controle daquilo que sabe: é o filme mais acessível de Kelly Reichardt, ao mesmo tempo que é a melhor execução de suas ideias até aqui.

É uma comédia de amigos, um filme de culinária e uma fábula anti-capitalista sobre dois amigos que decidem roubar o leite da primeira vaca à chegar no interior dos Estados Unidos para vender quitutes. Reichardt é uma mestra de pegar ideias simples e estendê-las até revelar uma experiência humana em comum. Em First Cow, ela pega tudo isso para fazer um dos melhores faroestes modernos e observar de onde o coração dos Estados Unidos veio, e quem sabe enxergar onde ele está indo. Como todo o filme de Reichardt, é revelador.


As Mortes de Dick Johnson (Kirsten Johnson, 2020)

Depois de fazer um dos documentários mais lindos que eu já vi com Cameraperson, a diretora Kirsten Johnson faz algo ainda mais legal: ela impede a morte.

E em As Mortes de Dick Johnson ela faz parecer ser fácil tornar o seu pai, o querido Richard Johnson, em um imortal, mas o documentário é um daqueles filmes que são bons de assistir, mas que escondem uma complexidade estrutural bem na nossa frente. A diretora não impedirá a morte de seu pai — a arte não nos dá esse poder — mas ao olhar ela de frente, ela tem uma daquelas epifanias que a gente acha que só um personagem do filme de Bergman jogando xadrez com a Morte pode ter: ela percebe o que seu pai é ainda quando está vivo. A morte se torna apenas mais uma etapa que Richard Johnson vai enfrentar antes dela.

Tinha tudo para ser um filme triste, mas As Mortes de Dick Johnson olha para a morte tão de frente que o filme acaba se transformando em uma ode à vida de Richard, e como a nossa oportunidade de sermos humanos nesse mundo é tão breve e especial. A forma como Johnson faz a morte de seu pai se transformar em um paradoxo temporal com seu final é um dos maiores feitos que eu já vi em um filme.


Lovers Rock (Steve McQueen, 2020)

Eu sabia que Steve McQueen sabia filmar a beleza. Por mais sombrios que sejam seus filmes, eles sempre possuem esses breves lampejos de beleza e de felicidade. O que eu não sabia era que Steve McQueen poderia mergulhar nessa beleza e nessa felicidade e fazer um dos filmes mais lindos que eu já vi.

Um filme-protesto escondido dentro de um filme de festa (parecido com o que US Go Home fez, mas ainda mais belo e mais furioso), Lovers Rock é uma noite na vida de uma festa da comunidade de West India em Londres, e como o simples fato de se sentir feliz é um necessário ato de rebeldia, em que cada dança que McQueen captura em seus planos longuíssimos é um ato revolucionário. E ainda tem espaço para o amor que surge em um júbilo desses.


Soul (Pete Docter e Kemp Powers, 2020)

Cai para Pete Docter a responsabilidade de fazer a Pixar voltar às premissas criativamente ilimitadas, e o resultado é o melhor filme do estúdio desde Divertida Mente — uma jornada belíssima em busca do que move nossas vidas no mundo. Como o filme anterior de Docter, Soul traduz conceitos difíceis em jogos visuais criativos e em um bom humor afiado, mas é na jornada do músico/professor Joe Gardner em entender o que é (e os limites) do propósito e de nossa missão na vida que Soul mostra seu melhor lado. É um dos poucos filmes de 2020 que eu queria que fosse mais longo.

Além disso, é o filme que mais dói assistir em 2020. A Nova York que a Pixar cria aqui é repleta daqueles detalhes que nós observamos no nosso lar quando nos sentimos vivos: a conversa de pessoas estranhas na rua, o farfalhar das árvores, os encontros do acaso… Soul é uma ode aos verdadeiros momentos que definem nossas vidas, e bate forte quando Joe finalmente abre os olhos para toda essa vida ao redor dele.


Uma Vida Oculta (Terrence Malick, 2020)

Depois de uma década explorando um cinema mais improvisado, Terrence Malick volta ao cinema narrativo tradicional com Uma Vida Oculta, seu filme mais coeso desde Terra de Ninguém, em que retrata a vida e o cárcere do fazendeiro Franz Jägerstätter, que se recusa a expressar seu apoio por Hitler na Áustria em meio à Segunda Guerra.

Mas Uma Vida Oculta não deixa de ser um filme puramente malickiano, que traz a forma mais orgânica dos seus filmes mais recentes e os eleva à beleza de imagem alcançada em seus clássicos como Além da Linha Vermelha e Cinzas do Paraíso. Malick usa essa beleza inquestionável (a natureza parece se curvar à própria beleza em determinados momentos) para ressaltar a brutalidade do mal, aquele visível e invisível, e enxergar as pequenas ações heroicas que precisamos fazer para lutar contra ele.

Demorou quase uma década para Malick encontrar seu ritmo de novo, mas o encontrou em um dos seus melhores filmes, e o mais pungente até aqui.


A Despedida (Lulu Wang, 2019)

Chegando atrasado por aqui e sendo lançado direto em streaming, A Despedida é um dos melhores filmes que eu vi esse ano e uma das minhas maiores tristezas: Lulu Wang é uma diretora que preza pelos close-ups, mas aqueles close-ups onde cada detalhe do rosto é subitamente interessante e revelador, e não poder assistir esse filme na tela grande que ressalta esses traços é de partir o coração.

A Despedida pega uma história (real) um tanto absurda — a mentira que a família precisa contar para a matriarca, que está com câncer, para ela não precisar se preocupar com a vida — e revela com carinho e fascinação uma dessas realizações difíceis de termos na vida: que fazer parte de uma família é um jogo simples e complexo ao mesmo tempo, que ser parte de uma herança cultural é algo difícil de compreender, mas fácil de ser. E faz tudo isso de uma forma orgânica e emocionalmente honesta.


Undine (Christian Petzold, 2020)

Christian Petzold é um dos meus diretores em atividade favoritos, e depois das obras-primas Fênix e Em Trânsito ele decidiu fazer um dos experimentos que eu mais gosto: recontar um mito antigo nos dias atuais.

Em Undine, isso não parece acontecer, até que acontece. Undine é uma historiadora nos museus de Berlim, contando do passado da cidade para turistas e estudantes. Mas quando um imprevisto acontece o mito a alcança, e Undine explora como mitos como esse podem funcionar — e até mesmo revelar facetas novas — em um mundo que há muito tempo já se desencantou por eles.

Undine está longe de ser um dos grandes filmes de seu diretor, ao mesmo tempo que é inconfundivelmente um filme de Petzold: não há um plano a mais, uma cena desnecessária, embora o filme nunca pareça estufado ou correndo para dar conta de tudo o que precisa falar. É um filme orgânico, em que um mestre explora um novo gênero para onde ele pode estender suas imagens enigmáticas e seus temas favoritos.


Adoráveis Mulheres (Greta Gerwig, 2019)

Greta Gerwig comprova que é uma das melhores novas diretoras hoje com sua adaptação corajosa de Adoráveis Mulheres, que reconstrói eventos do livro oferecendo uma nova ênfase.

É um amadurecimento técnico e temático de Lady Bird e Frances Ha, mas que só ressalta o que Gerwig sempre teve: um conhecimento máximo de como fazer todos os personagens em cena importarem, e como levar os pequenos confrontos que compõem a vida deles no filme com a importância necessária. Adoráveis Mulheres comprova o domínio completo de Gerwig sobre seus filmes, e sua herança de Jonathan Demme.

Assim como o diretor de Silêncio dos Inocentes, Gerwig pode desorientar a história, mas nunca o espectador. Adoráveis Mulheres remonta os eventos dos dois livros de Louisa May Alcott para abrir os desejos e frustrações de seus personagens de forma mais dinâmica. O que torna seus sonhos mais bonitos, e suas frustrações mais difíceis.


American Utopia (Spike Lee, 2020)

David Byrne não tem mais um, mas dois dos filmes concerto mais mágicos do cinema. Com American Utopia, ele se une ao diretor Spike Lee para adaptar seu show-transformado-em-peça-na-Broadway em uma reafirmação de sua carreira. Um espetáculo ao mesmo tempo realista e otimista em relação ao estado das coisas nessa desgraceira de ano, que vê tanto onde falhamos quanto o que podemos fazer para reconstruirmos o que for necessário agora que a era Trump parece acabar.

E, além de tudo isso, é um bocado de música boa. É como passar um tempo bom com seus amigos lembrando de bons momentos. As letras enganosamente simples de Byrne revelam a exaltação que é estar vivo, e se tem um momento em que a gente precisa lembrar como é lindo e estranho poder experimentar a vida, é quando ela parece tão distante como agora.


O Preço da Verdade (Todd Haynes, 2019)

Duvide de quem achar que O Preço da Verdade é um filme menor de Todd Haynes. Tem seus problemas na forma de “filme baseado em fatos reais”, mas Haynes é um desses diretores que consegue exprimir na tela a decomposição da saúde de seus personagens ao mesmo tempo que revela a podridão da cultura que os cerca.

O Preço da Verdade é também uma continuação dos temas queridos de Haynes, e observa como os tentáculos de mega-corporações regem nossas vidas não através do mero didatismo, mas de como o corpo e a mente de seus personagens definham enquanto o processo legal contra uma empresa química se prolonga por anos. Embora seus eventos sejam bem antes da era Trump, Haynes parece preciso em seu ataque: os efeitos de um governo que afrouxou ainda mais as rédeas de grandes corporações só serão sentidos em muito tempo — e, na grande maioria dos casos, tarde demais.


A Vastidão da Noite (Andrew Patterson, 2019)

Minha maior surpresa do ano, A Vastidão da Noite é um filme que une tantos elementos do que eu mais gosto que me faz questionar se ele não é, de fato, o resultado de uma dobra espaço-temporal.

É uma apreciação de um momento em que a tecnologia ainda estava envolta em mágica e mistério, e uma vitrine para pessoas contarem histórias. O que começa como uma noite onde eventos estranhos acontecem em uma cidade pequena se torna em um belo filme sobre compartilhar histórias sem saber se elas serão acreditadas ou não. Une-se a isso interferências no rádio, problemas de conexão e distorções de frequência em meio a uma cidade onde pode ou não existir experimentos militares, e você tem uma ficção científica fascinante e atemporal. Esse é um novo favorito cult.


O Ninho (Sean Durkin, 2020)

Nove longos anos depois do seu filme de estréia, o excelente Martha Marcy May Marlene, Sean Durkin está de volta com um drama sobre uma família às vésperas de uma implosão.

A direção fria e inabalável de Durkin (que com apenas dois filmes na carreira já conseguiu definir traços estéticos) torna a crise doméstica da família em um filme de casa assombrada muito como Andrew Haigh fez em 45 Anos — portas se fecham e se abrem sozinhas, sons ecoam pelos seus corredores…

É a dinâmica entre Jude Law e Carrie Coon, a rainha da nuance, que eleva O Ninho — ele é uma força que não consegue parar, e ela é o alicerce que até então segurou tudo na vida dele. Ao invés de deixar esses traços definirem seus personagens, Durkin permite aos atores espaço o suficiente para eles se transformarem. O Ninho captura perfeitamente a complexidade dessa dinâmica, em que sentimentos não são constantes, e são geralmente contraditórios — a raiva compartilha espaço com o amor, a insegurança compartilha espaço com o carinho.


O Som do Silêncio (Darius Marder, 2019)

Um poderoso tour-de-force de um baterista de uma banda que começa a perder a audição, O Som do Silêncio é um filme comovente, mas não porque romantiza a surdez ou a aceitação. Darius Marder observa muito mais a jornada interna de Ruben do que das pessoas ao seu redor, e apenas quando ele se abre (em uma performance arrebatadora de Riz Ahmed) que o filme nos permite ver a comunidade que ele atraiu para o seu entorno.

O Som do Silêncio é um daqueles acertos difíceis, emocionalmente maduro para não cair no clichê do “filme de superação”, mas nunca imponente demais para se tornar inacessível. É um filme que mergulha no estado de sensações de seu protagonista — com a ajuda de um design de som excelente — para observar seus anseios e suas dores de perto, e em dramas assim não precisa se dizer nenhuma palavra a mais. A jornada está toda no corpo de Ruben, que nunca escapa o olhar fascinante de seu diretor.


Kajillionaire (Miranda July, 2020)

Ao mesmo tempo o filme mais acessível de Miranda July, e sua maior conquista como diretora até aqui, Kajillionaire conta a história de uma família de golpistas mega-estranhos em Los Angeles que, ao fazer parceria com uma garota normal, veem a sua estrutura familiar ser fundamentalmente abalada.

Como os filmes anteriores de July, Kajillionaire é tão estranho quanto seus personagens, um filme que mistura comédia com melancolia e com uma forte carga emocional sobre pais e filhos que nunca conseguiram se conectar. É absurdamente bem dirigido e bem atuado, em que cada cena revela um pouco das dinâmicas que mantiveram a família unida até ali, enquanto assistimos essa dinâmica ruir. Ao mesmo tempo, July consegue modular essa estranheza a ponto de ela fazer parte da história e não interrompê-la (como aconteceu com O Futuro), fazendo o clímax do filme bater mais forte, porque a gente não consegue ver de primeira onde bateu.


Boys State (Jesse Moss e Amanda McBaine, 2020)

Quem diria que um filme da Apple TV+ estaria nessa lista, mas voilà2.

Ao final de Boys State, eu estava de queixo caído. O que começa como um documentário sobre uns garotos brincando de serem políticos termina como um triste retrato de como políticos jovens percebem o quão fácil, e como compensa, cair nos vícios de corrupção e mentira que regem aquilo que eles almejam substituir. Isso sem perder o ritmo: o evento se passa em uma semana, e o filme é dinâmico e se transforma em uma bola de neve com facilidade, com pequenas escolhas de seus personagens desembocando em momentos decisivos na corrida final. É um retrato tão inteligente e desolador do ambiente político americano atual que é difícil de não perder o chão.


A Assistente (Kitty Green, 2019)

O poderoso um dia na vida de uma assistente de um magnata do cinema de Kitty Green, A Assistente é um filme corajoso e poderoso que pode vir a definir os filmes da era do movimento #MeToo.

A forma minimalista com que o filme revela a corrupção e a sujeira do escritório torna a atmosfera de A Assistente em desoladora, e o filme não tira o pé do acelerador até o fim, em um retrato silencioso e destrutivo de como uma jovem é removida de seu poder e de sua capacidade mental de poder evitar que o pior aconteça. É desolador e essencial.


Time (Garrett Bradley, 2020)

O poderoso documentário sobre uma Sibil Fox Rich, uma mulher que luta por mais de vinte anos pela liberdade do marido, condenado a 60 anos (!) por assalto à mão armada, Time usa sua construção como uma viagem no tempo para passar pelas várias batalhas que Rich enfrenta, suas derrotas e suas vitórias. É um documentário poderoso e imenso em escopo — a própria documentada ofereceu mais de uma década de material filmado por ela mesma para o projeto —, ao mesmo tempo íntima e épica sobre o racismo estrutural nos EUA, o sistema penitenciário como resquício da escravidão e, mais poderoso ainda, o retrato de uma ausência. A ausência do marido e do pai é palpável já no início, mas o vazio que assume uma parte considerável da vida dos filhos é de partir o coração.


Mank (David Fincher, 2020)

À primeira vista, Mank é muito menos que a soma de suas partes. O drama de David Fincher sobre a escrita do primeiro tratamento de Cidadão Kane simula a estética e a estrutura do clássico de Orson Welles, mas seu impulso narrativo não têm o mesmo fôlego.

Mank funciona melhor, porém, como uma janela para todas as histórias que cruzam com o personagem principal — o filme é um excelente mapa tanto do contexto em que Cidadão Kane foi criado para ser revolucionário, quanto pros eventos que o clássico se inspira. É um filme amargo e cínico sobre a era dos estúdios de Hollywood, o machismo do star system, a corrupção política nos Estados Unidos, e sobre como o trabalho de alguns é ignorado quando cantamos os feitos de uma peça de arte. Não é um filme perfeito, e têm problemas grandes em seu último ato, mas a acumulação histórica que Mank cria, e a queda irremediável do seu personagem principal perante aqueles que ama, tornam esse um filme Fincheriano à altura, não importa o quanto ele tente simular Orson Welles.


Wolfwalkers (Tomm Moore e Ross Stewart, 2020)

Wolfwalkers une mitologia com aula de história, sentimentos selvagens com relações familiares, e faz tudo sendo acessível o suficiente para crianças. A história da amizade entre uma garota da cidade e uma garota-lobo da floresta que a cidade está destruindo são o que movem a animação belíssima do Cartoon Saloon, em que a selvageria dos sentimentos — algo que nos permitimos sentir quando crianças — é expresso em cores e movimentos belíssimos; enquanto ao fundo a invasão inglesa na Irlanda se desenvolve através do conflito cidade e natureza.

É emocionante e lindo, e aprende as melhores lições com o Estúdio Ghibli em se permitir expressar e sentir emoções grandes demais para personagens tão jovens — elas são fortes o suficiente para conseguir lidar com elas.


  1. Acho que você, meu caro leitor do Pão, já deve ter percebido isso, mas eu expliquei meus motivos pra isso lá por maio

  2. Eu escrevi isso antes de outro filme da Apple TV+ entrar. 

As coisas incríveis que meus amigos fazem

Eu gosto muito de estar próximo dos meus amigos. Antes desse ano, que me forçou a ficar longe deles, eu sempre estava com algum amigo. Seja conversando, seja trabalhando, seja fazendo absolutamente nada enquanto a gente fica sentado no sofá. Eu gosto de estar na companhia dos meus amigos, e sinto bastante falta deles.

Esse ano eu tive que aprender a passar o tempo e acompanhar meus amigos de jeitos diferentes, e um desses jeitos foi acompanhando o que eles fazem. Eu tenho muitos amigos que criam coisas incríveis, e vou aproveitar esse espacinho de internet que eu tenho aqui pra vocês conhecerem alguns deles.

Eu pretendo fazer mais posts assim daqui pra frente. É legal lembrar que eu estou cercado de gente inspiradora como meus amigos, e me sinto menos sozinho escrevendo pro Pão sabendo que logo aqui no lado desse espacinho virtual eu tenho amigos meus escrevendo, filmando, gravando podcasts e cozinhando.


Para ler: o blog da Jéssica

Eu comentei isso uma vez com a Jéssica: mas eu queria saber escrever tão bem como ela. A Jéssica escreve no Medium, e ler ela é uma das melhores coisas que eu fiz esse ano. Suas linhas são objetivas e ao mesmo tempo poéticas, e ela tem aquele dom que eu acho que um grande escritor tem que é a capacidade de fazer ligações entre as coisas que a gente acharia improvável — mas ela faz parecer real, às vezes até inevitável. São textos precisos sobre a experiência que é ser a Jéssica, mas também que é ser humano. Eu me surpreendi lendo Sinestesia, seu texto mais recente, que captura muito memórias da minha infância que eu não sabia que eu ainda tinha.


Para ver: os filmes do Leo

Eu já escrevi sobre o curta que o Leo lançou há uns meses, mas vale deixar um link para o canal do Fantasma do Espaço, que tem um longa e um outro curta também incríveis. Eu já falei lá no outro post, mas vale repetir: o Leo tem um olho único no cinema gaúcho, e talvez no cinema brasileiro, que geralmente é feito por gente “da cidade grande”, ou como alguém dessa cidade grande enxerga o interior. Os filmes do Leo são diferentes, são visões bem íntimas do interior do RS, onde natureza e cidade brigam por espaço.


Para ouvir: o podcast da Manu e da Luísa

A Emanuele e a Luisa, junto com a Roberta, fazem o podcast Cadê minhas Lésbicas. Eu trabalhei com a Manu há dez anos, e desde sempre eu sempre gostei de ouvir (e ler) o que ela tem pra dizer sobre qualquer coisa, e no último ano em que estamos distantes eu tenho o prazer de ouvir suas opiniões em seu próprio podcast. CMLês tem tudo o que um bom podcast de conversa pode ter: é honesto com suas participantes, é engraçado em uns pontos e surpreendentemente emocionante em outros. Como uma boa conversa mesmo. Eu particularmente amo o episódio em que elas dissecam o filme Carol — eu não canso de ouvir sobre esse filme.


Para comer: os pães e tortas da Taís e do Victor

Essa é uma dica mais regional, porque se você não estiver por Porto Alegre (e Santa Maria), provavelmente não vai poder experimentar, mas fica aí o link deles pra você ficar com inveja. A Taís e o Victor começaram a Taís Bakery esse ano — a qual já recebeu uma crítica aqui das fotos de uma das suas tortas. Quando eu preciso ir pra POA eu sempre me organizo para comprar um pão artesanal (divino) ou um cheesecake de paçoca (o qual é um crime e eles precisam ser investigados de tão bom). Eu geralmente gosto de reunir meus amigos para comer uma torta e umas bobagens no meu aniversário, mas como acho que mês que vem a gente ainda vai estar se isolando socialmente eu vou ter que comer essa Torta Brownie Brigadeiro sozinho. Uma pena.

The Sims 4 acabou de receber sua maior atualização — e é das boas

The Sims 4 comemorou seis anos em setembro (meu primeiro post sobre ele é agosto de 2014, quando eu experimentei a demonstração), e é um jogo que vai muito bem, obrigado. De todas as tentativas da EA de transformar seus jogos em “serviços vivos”, The Sims 4 foi o que mais deu certo. O jogo recebe atualizações gratuitas frequentes, e pacotes de conteúdo pago a cada quatro a seis meses.

Eu passei os últimos dias experimentando a última atualização, lançada no último dia 7 de dezembro, e ela é a maior atualização de The Sims 4 nesses seis anos. Atualizações anteriores do jogo já adicionaram uma geração de vida inteira (bebês!) e piscinas, mas essa é a primeira atualização a mexer no Criar-Um-Sim, um recurso que até então esteve intocado desde o lançamento do jogo em 2014.

O CAS é, de longe, o melhor recurso do The Sims 4. Eu tenho meus problemas com essa geração, que tem mecânicas ótimas mas que nunca soube somar elas em uma jogabilidade interessante como The Sims 2 conseguiu, mas o CAS é um desses recursos que falam por si mesmo. É o melhor criador de personagens de um jogo, e é uma aula de design: é o criador de Sims mais poderoso de toda a franquia, e ao mesmo tempo é o mais fácil de usar. A modelação do corpo é toda feita arrastando e soltando, e o resultado são Sims realmente únicos.

Porém, até a última atualização, seus Sims seriam realmente únicos se eles fossem brancos. The Sims 4 passou os últimos seis anos com pouquíssimas opções de pele, e a grande maioria era variações de tons mais claros. Esse ano, com os protestos contra a violência policial e o racismo que explodiram nos EUA, vários desenvolvedores de jogos prometeram uma melhor representação negra na indústria e nos produtos. Pouquíssimas saíram das promessas, e a Maxis entregou uma mudança completa no CAS — uma que devia ter sido feita há muito tempo, por sinal. São mais de cem novos tons de pele, e todos possuem um slider para afinar o tom; melhorias nas texturas dos cabelos crespos; e controles de saturação e brilho para pele e maquiagem.

É uma atualização que muda o comportamento do recurso mais vital do jogo, e aquele que funciona melhor. Embora The Sims 5 já esteja oficialmente em desenvolvimento, a Maxis promete ainda mais cinco anos de atualizações e novos conteúdos para The Sims 4. Eu tenho minhas dúvidas se eles conseguem resolver problemas de jogabilidade tão fundamentais, mas são atualizações como essa que me fazem suspeitar que há uma chance.

Como sempre, as notas da atualização são gigantescas e bem humoradas.

Dua Lipa: NPR Tiny Desk (Home) Concert

Uma das minhas descobertas favoritas durante a pandemia foi o Tiny Desk Concert, pequenos shows realizados nos estúdios da rádio pública americana (NPR), em que uma banda ou um artista se apresentam por alguns minutinhos. É uma versão bem compacta e bem íntima de um show.

Durante a pandemia, as performances no estúdio da NPR estão suspensos, então o Tiny Desk Concert é filmado na própria casa dos artistas. Eu achei o ambiente perfeito para Dua Lipa, que se sente (literalmente) em casa cantando algumas músicas do seu novo álbum, o excelente Future Nostalgia.


Isso me faz lembrar: a rádio pública aqui no Rio Grande do Sul é a FM Cultura (107.7 FM em Porto Alegre) e a programação dela é incrível. Como tudo sob o governo do Bolsonaro (e graças ao panaca do Sartori), a FM Cultura está em perigo e precisa da nossa ajuda.

Paris, Texas é o filme do dia do MUBI

Quando eu vi Paris, Texas pela primeira vez, em 2014, eu terminei o filme pensando que ele era o melhor filme que eu já vi. Em meus melhores dias, eu ainda penso isso. O filme começa com a história de um homem andando sozinho pelo deserto do Texas, e se transforma em uma jornada pelo coração do sonho americano — um sonho que talvez nunca tenha sido realidade, mas seus fantasmas estão por todo o lugar.

Paris, Texas acaba de entrar na programação do MUBI — ele ficará disponível pelos próximos 30 dias —, e é o primeiro filme do especial Wim Wenders: Viagens Sem Volta, uma retrospectiva dos filmes de estrada do diretor alemão, fascinado por estradas sem fins e becos sem saída. Deles, Paris, Texas é seu filme mais conhecido — ele é um dos poucos filmes a levarem à Palma de Ouro no Festival de Cannes com a lendária “unanimidade do júri” —, mas a mostra possui outros filmes fantásticos como Alice nas Cidades e O Amigo Americano.

Muito do que a gente considera “filme-de-estrada” hoje nasceu nesse cinema de Wim Wenders — a descoberta de quem somos é formada por aquilo que é constante nos lugares que cruzamos. São filmes sobre solidão e sobre a falta de rumo que podemos nos encontrar na nossa vida; mas também sobre o imenso espaço que podemos cruzar para encontrar aqueles que são importantes para nós.

Enfim, Paris, Texas é o filme do dia do MUBI. É um dos meus filmes favoritos também, e recomendo a você se deixar levar nessa viagem.

Esse é o Super Nintendo World

A Nintendo finalmente divulgou as primeiras imagens do parque temático baseado nos jogos da empresa, que deve abrir nos parques da Universal em Osaka, no Japão, em fevereiro do ano que vem.

O Super Nintendo World deveria ser aberto esse ano, depois de cinco anos de planejamento. No início do ano a Nintendo divulgou um trailer do que a gente poderia esperar, mas não nos mostrou nada do parque em si. Tudo o que a gente sabia vinha de imagens aéreas que apareciam pela internet e eram sumariamente removidas pela Nintendo logo depois. O ano do fim do mundo tá quase acabando, e pelo visto eles quiseram aproveitar pra dar uma boa notícia e nos mostrar como está ficando:

A Universal Studios também divulgou uma promo do parque:

E a Bloomberg divulgou um pouco do que viu na prévia concedida para a imprensa:

Enquanto isso eu gostaria de aproveitar esse momento para divulgar minha campanha de doação para realizar meu novo projeto de vida que é me mudar para o Japão.

A morte de um cinema de rua

Rafael Aguinaga para a Piauí:

Por conta própria, ao longo de oito anos nós já tínhamos recebido cerca de 15 mil crianças vindas de escolas municipais. As sessões sempre aconteciam de manhã, fora do horário comercial, e a gente combinava tudo com as professoras dessas escolas. Funcionava muito bem. Nós juntamos os dois patinhos feios da indústria – o documentário e o cinema de rua – com propósito educativo. Isso deveria ser replicado por outros cinemas no Brasil. Há um monte de documentários espetaculares que são ignorados pelo circuito convencional. A gente passava filmes sobre o Rio São Francisco, sobre a Amazônia… Só filmes brasileiros. Nesses dias eu fazia questão de operar o projetor e receber os alunos pessoalmente no cinema.

E agora esse projeto tinha virado política pública. É o que sempre deveria ter sido. A gente começou a receber um subsídio de 10 mil reais por mês da prefeitura. Um dinheiro modesto, que servia para pagar o aluguel da sala, basicamente. Depois que assinamos essa parceria, a Secretaria de Direitos Humanos pediu que a gente também fizesse sessões para idosos e adolescentes que moram em abrigos. Foi muito legal. Nossa rotina passou a ser assim: crianças de manhã, idosos e adolescentes à tarde. À noite, muitas vezes fazíamos saraus e apresentações de música na sala de cinema.

Porto Alegre não tem cinema de bairro, mas só no centro da cidade tem três cinemas de rua. Um deles, o Vitória, já fechou no ano passado. As cinematecas do Capitólio e Paulo Amorim estão fechadas por conta da pandemia. São as salas que eu frequentava no meu dia-a-dia. Eu morei a algumas quadras da CCMQ e, naquele tempo, eu ia lá religiosamente depois do trabalho, de terça à sexta.

Esses espaços são muito especiais, como pequenos oásis onde a cultura pode agir por conta própria, e tem sido duro ver o descaso do governo em oferecer suporte à elas nesse momento — e, no caso do Joia, a facada nas costas que fechou a sala de vez.

O Internet Archive está preservando jogos e animações em Flash

O Flash foi uma daquelas tecnologias tão fundamentais quanto odiadas da juventude da internet: era um jeito fácil e simples de criar animações e jogos complexos que podiam ser jogados num navegador, na época em que a tecnologia básica da internet — o HTML, o CSS e o JavaScript — estavam começando a amadurecer. Sites usavam Flash para criar efeitos e animações complexos, e portais como o Kongregate, o Miniclip e Newgrounds hospedaram centenas de jogos feitos com essa tecnologia com o passar dos anos.

Entre 2007 e 2010, quando o iPhone se firmou como uma plataforma na qual os desenvolvedores precisavam prestar atenção (e, eventualmente, seria o centro da atenção), o Flash encontrou seu pior inimigo: Steve Jobs, que anunciou que o iOS não ofereceria suporte à tecnologia. Gradualmente, a Adobe encerrou o suporte da tecnologia, primeiro nos celulares — no início dos anos 2010, o Android usava o suporte ao Flash como um de seus recursos notáveis contra a concorrência — e, no fim desse ano, em todos os outros dispositivos.

Você provavelmente já tem o Flash desativado há anos no seu navegador. O Chrome, o Firefox e o Safari não o ativam por padrão desde meados de 2015. Existem bons motivos para isso: o Flash é pesado, lento e propenso à brechas de segurança, por causa do seu código fechado. Ele certamente não é o futuro da web, uma vez que as tecnologias fundamentais da internet amadureceram e, em muitos sentidos, superaram o que o Flash podia fazer. Mas ele foi fundamental para tornar a web criativa e interativa nos primórdios, e uma boa parcela da internet vai ser perdida quando o Flash parar de funcionar no fim do ano, uma parcela que consiste em experiências únicas que desbravaram a web antes de todo mundo. O JavaScript voa hoje porque o Flash tropeçava e caía.

É por esse valor inestimável à história da internet que o Internet Archive começou a hospedar um arquivo de jogos e animações em Flash. Usando um emulador chamado Ruffle, o Internet Archive é capaz de armazenar e executar esses softwares no seu navegador sem a necessidade de nós instalarmos um software desatualizado e sem suporte. É uma das várias iniciativas incríveis do IA, que preserva a história e a evolução da internet enquanto algumas gigantes por aí tentam apagá-la para colocar um novo parquinho de anunciantes no lugar.

Boas notícias: em breve, o emulador Ruffle será lançado como uma extensão para navegadores — mais leve, mais ágil e mais seguro do que instalar o Flash no seu computador —, permitindo que todos esses sites e portais de jogos em Flash que poderiam parar de funcionar no fim de 2020 possam continuar existindo e hospedando essa parte importante da internet.

Episódio 10 – com Victor Silva

O Victor e eu nos sentamos pra conversar sobre como a gente desbravou o mato que era a internet no início dos anos 2000.

Você pode encontrar o Victor no Twitter, em @amobrejas e no Instagram, em @vicaobaker.

Esse é o último episódio do Pãodecast nesse ano, mas eu já estou gravando conversas para o ano que vem. Quer participar? Envie uma mensagem e vamos combinar um dia.

Como é que eu vou falar de Betty?

Eu não entendo nada de skate. Antes de Betty, eu sequer achava skate interessante. Vai ver eu posso começar por aí, porque Betty é um daqueles achados que eu tenho na minha vida que expandem o mundinho dentro da minha cabeça. Eu nunca achei que eu ia me interessar por uma série sobre um grupo de skatistas, e agora Betty talvez seja minha série favorita desse ano.

É o seguinte: Betty é uma “dramédia1” da HBO sobre um grupo de mulheres skatistas em Nova York. É difícil de dizer sobre exatamente, porque embora Betty tenha uma trama (e uma trama muitíssimo bem construída, quando você para para pensar nela), a série parece ser muito mais observacional do que dramática. Cada episódio da primeira temporada é mais ou menos um tempo em que a gente fica assistindo essas garotas passarem o tempo juntas. Seja procurando um lugar para andar de skate, seja dando uma volta procurando algo bom para comer ou tentando encontrar uma mochila esquecida no parque.

E esse é o bacana de Betty, é genuinamente uma série de garotas passando o tempo juntas e descobrindo um pouco sobre como elas gostam de passar o tempo — e como o sexismo e o racismo que está sempre no fundo acaba afetando esses momentos que elas têm. Betty acompanha essas garotas em um momento difícil de capturar de forma narrativa — aquele momento em que firmarmos nossas amizades, descobrimos nossos primeiros amores, e gastamos nosso tempo livre com coisas que não têm muito sentido aos olhos dos outros. Aos olhos delas, porém, andar de skate faz todo o sentido, e Betty é extremamente eficaz em tornar a conquista delas pela liberdade e autodescoberta que é andar de skate pela cidade.

Betty age de forma tão sutil que é fácil achar que nada está acontecendo. Como cada episódio retrata um momento específico (uma briga de bar, uma sessão de fotos, e assim vai) do grupo, mas a série está justamente observando como cada uma das garotas reage à emoções sísmicas em seu dia-a-dia: como Camille não quer ser “reduzida” à uma “garota skatista” no meio dos homens, ou como Janay precisa enfrentar sua relação com um amigo problemático (ou algo ainda pior). Ao observar esses pequenos momentos entre elas sem adicionar muito mais drama externo, Betty permite que a gente observe os sentimentos bastante íntimos de alegria, tristeza, traição e companheirismo em pessoas que ainda não sabem exatamente o que estão sentindo, e como estão sentindo, em uma época da vida onde há muita descoberta a cada segundo. Betty não entrega essas descobertas em conclusões fortes porque nunca precisou formar um enredo com elas em primeiro lugar. Esses sentimentos são confusos e nem sempre são bonitos, e é a honestidade com que a série entrega eles que a torna especial.

A criadora e diretora da série, Crystal Moselle, trouxe esse grupo de atores não-profissionais do seu filme Skate Kitchen, que tem algumas semelhanças com o enredo da série. O filme é excelente, mas é em Betty que Moselle pode mostrar o quanto ela entende a vida dessas garotas, e como é difícil para elas viverem da sua paixão em meio ao arcaico “mundo dos homens”. Com sua câmera que navega entre essas garotas, Moselle consegue capturar todos os pequenos momentos de felicidade que essa luta constante trazem — uma piada, um choro, o milhão de memórias que se formam com uma companhia perfeita —, e que incentivam elas à continuar tentando. É o que traz à Betty sua linda espontaneidade, da descoberta do que pode ser viver livremente.


  1. Um professor meu dizia que o melhor nome para esse tipo de história era “tragicomédia”. Eu concordo, mas acho o termo carregado demais. Nas séries da HBO especificamente, dramédia são todas aquelas séries que não são necessariamente comédias, mas respeitam os trinta minutos típicos do gênero. É algo bem específico porque torna o drama mais eventual, e eu gosto muito. 

Nada que é dourado permanece

Meu amigo Leo Michelon colaborou com o diretor e crítico Giordano Gio em Nada que é Dourado Permanece, um vídeo-ensaio sobre os ritos de iniciação presentes no cinema gaúcho.

É comum, quando a gente estuda cinema, procurar aspectos semelhantes em um cinema de determinada época ou de determinado local. Geralmente essas épocas são alguma década no início dos anos 1900 e o local geralmente é algum país da Europa, mas eu acho fascinante quando a gente para e olha o cinema que é feito perto de casa, e como ele captura e revela a nossa relação com o lugar que a gente vive. É um trabalho importante, e fico feliz que tá sendo feito — e tá sendo feito muito bem, o vídeo-ensaio é muito bom de assistir, dá seu tempo para a gente ouvir, ver e entender sem ser maçante.

Episódio 9 – com Guilherme Novello

O Guilherme e eu tiramos a noite pra conversar sobre sonhos (aquele tipo que a gente tem quando dorme).

Você pode seguir o Guilherme no Twitter e no Instagram.

A primeira temporada do Pãodecast acaba no próximo episódio. Se você quer conversar sobre alguma coisa, a nova temporada chega em algum momento do ano que vem. Me envie uma mensagem e vamos marcar nossa conversa. ☕️

Minha longa jornada até Earthbound

Eu tenho muita dificuldade de jogar RPGs. Eu nunca joguei os de mesa, eu estou falando especificamente dos videogames nesse caso. Eu sou um jogador muito lento (muito mesmo), e tenho muita dificuldade de adentrar um jogo com um tutorial de algumas horas, porque eu posso muito bem passar meses progredindo muito pouco (eu acho que metade dos meses que eu passei fazendo o ranking do Zelda foi nos tutoriais de Twilight Princess e Skyward Sword).

Some a isso meu desinteresse pelo tom da maioria dos Final Fantasy recentes e meu afastamento progressivo de Pokémon, os únicos RPGs que eu gostava de jogar há um tempo, e eu comecei a achar que esse tipo de jogo não me interessava mais. O problema é que eu gosto de jogos com boas histórias. Tá cheio deles por aí em aventuras e em jogos de mundo aberto, mas tem um tiquezinho que é diferente em RPGs, aquele tipo de história crescente e sem vergonha de ser grandiloquente.

Então eu passei os últimos quatro, cinco meses anos dessa quarentena jogando várias contra-propostas de RPGs. Eu joguei moon RPG Remix, que eu gostei muito. Eu joguei (de novo) Undertale, um jogo que meus amigos gostam mais que eu. Eu joguei o charmoso Guildlings do Apple Arcade também. Todos eles me ofereceram alternativas aos combates aleatórios e a estética medieval dos RPGs que eu estava acostumado. Foi bem bom.

Daí eu finalmente cheguei no que eu já imaginava ser o meu destino quando eu comecei essa busca: Earthbound.

Earthbound é, pros videogames, o que Brilho eterno de uma mente sem lembranças é pro cinema: é um favorito cult, apreciado fervorosamente pelos poucos que experimentaram na época, e que gradualmente foi sendo descoberto por mais pessoas, que se inspiraram nele para criar outras obras. Earthbound é um dos legados mais estranhos da Nintendo: é um jogo japonês que se passa no interior dos Estados Unidos num misto de anos 90 e futuro próximo — e comenta e homenageia e debocha a cultura americana em igual medida.

Não é necessariamente uma leitura fiel dos EUA, mas é uma boa visão do que os EUA representam para o seu criador, Shigesato Itoi, em um dos jogos mais “autorais”1 da história da Nintendo, sobre a aventura de um grupo de crianças tentando salvar o mundo de uma ameaça alienígena que pode acometer a Terra no futuro.

Eu caí de amores por Earthbound na introdução:

Acho que dá pra tirar tudo o que é excepcional de Earthbound direto dessa intro. É um jogo produzido no que talvez seja o videogame mais bem servido da Nintendo, o SNES, mas não é um grande sucesso como A Link to the Past, Super Metroid ou Super Mario World. Não: é um punhado de referências da cultura japonesa e da cultura americana que eram bastante especiais para seu criador. A introdução me lembrou na hora das séries de aventura que passavam na Nickelodeon no final dos anos 1990, com uns adolescentes desvendando crimes ou explorando ruínas misteriosas enquanto também conseguiam conciliar os estudos e os horários dos pais. Não é que seja bobo, mas não se leva tão a sério, e existe esse tom perfeito naquilo que sabe exatamente o quão especial é por ser divertido.

Ao mesmo tempo, Earthbound é imprevisível. É um jogo direto ao ponto, mas que adora se estender em tangentes estranhas; que sempre deixa o jogador à espreita de uma surpresa — seja uma morte inesperada do que parecia ser um personagem principal, ou de um detalhe ousado que você não esperava ver em um jogo com classificação livre como esse. É de virar qualquer um de ponta cabeça.

E também é um jogo que contradiz Miyamoto em sua missão com game design. O criador do Mario é conhecido por priorizar mecânicas de jogabilidade antes de tudo em um jogo, e o seu histórico realmente torna difícil de questioná-lo. Quem quer uma história atrapalhando as mecânicas de jogabilidade em Super Mario Galaxy, por exemplo? E ainda bem que Breath of the Wild deixa o jogador procurar a história nos cenários, ao invés de fazer ele engolir cutscenes à torto e a direito.

Ainda assim, Earthbound consegue manejar um equilíbrio entre as mecânicas do RPG e a história, o que é um problema que sempre me afetou no gênero, onde detalhes característicos desses jogos me incomodaram: histórias param porque um evento aleatório apareceu no mundo, ou você não constrói nenhuma ligação com determinado personagem se não buscar uma missão paralela lá no início do jogo.

Earthbound é diferente: é um jogo de mecânicas de RPG extremamente básicas — stats são quase irrelevantes até determinado ponto, você encontra batalhas aleatórias que são literalmente cachorros de rua andando soltos por aí, etc. Mas tudo nesse jogo funciona no balanço entre essas mecânicas simples e como elas são apropriadas pela história do jogo, com suas trocas de perspectivas que redefinem as habilidades dos personagens, as quebras de quarta parede, e o humor que é empregado nos itens e nos locais que você vai conhecer. Não é a toa que esse a tradução e adaptação desse jogo para o ocidente fez a Nintendo fundar a Treehouse (o estúdio ultrassecreto de localização da empresa), é um trabalho maravilhoso.

Agora vou jogar a sequência, que dizer ser ainda melhor. Eu duvido.

  1. Eu talvez comente mais sobre isso no futuro, mas para uma produtora grande como a Nintendo, eu acho bem fascinante como a gente consegue identificar os traços e interesses dos seus autores maiores nas obras: Aonuma em Zelda, as várias direções de Super Mario com seus idealizadores, Miyamoto com Wii Sports, etc. 

Lexicografia Positiva

Lexicografia Positiva é um projeto iniciado por Tim Lomas que reúne palavras intraduzíveis de uma língua para outra que representam algo feliz.

“Saudade” talvez seja a mais conhecida palavra sem equivalência na língua portuguesa, mas meu carinho favorito, o “cafuné”, também pertence ao léxico. O japonês é especialmente bonito:

Koi no yokan (恋の予感)

The feeling on meeting someone that falling in love will be inevitable.

Ibasho (居場所)

‘Whereabouts’; a place where one belongs, fits in, can be oneself

Wai-wai (ワイワイ)

The sound of children playing.

O site é bem bacana de explorar, e provavelmente vou perder umas boas horas do final de semana nele. As palavras são categorizadas por idiomas e por temas (Estética, Saudade, Ambivalência, Amor, etc.) O The New Yorker publicou um artigo sobre a origem do projeto em 2016.

Via @tdbem, que complementou a lista com uma série de expressões igualmente adoráveis.

A Gaivota de Anton Tchekhov interpretada no The Sims 4

A dramaturga Celine Song, autora de Endings executou uma performance do clássico A Gaivota de Anton Tchekhov no The Sims 4, como parte do programa de “instigação” do New York Theater Workshop, para ajudar artistas durante a pandemia, enquanto os teatros estão fechados.

A performance é caótica e bonita, bem do jeito que as melhores jogatinas de The Sims são: os Sims nem sempre se comportam exatamente do jeito que Song quer, o que torna a execução da peça em algo inusitado e único — algo bem semelhante com uma performance ao vivo. Song explica melhor:

The Sims is a very interesting video game, because it attempts to simulate human life as it exists, the mundanity and all. In The Sims, we as players are both Gods and voyeurs. That seemed to closely resemble the experience of writing and watching a play as a playwright, but without the living, breathing humans as the actors.

Via Polygon. O artigo também tem um apanhado bem bacana de outras tentativas de usar videogames e espaços virtuais pra experiências teatrais.

Minha cena favorita de The Office

Essa é a minha cena favorita da versão americana the The Office:

Tem também aquela sequência maravilhosa do Dwight colocando todo mundo em uma simulação de incêndio e as pegadinhas do Jim. Mas essa, do protetor de tela do DVD, é a minha favorita.

The Office é uma daquelas séries que é bem clara desde o início: esse é um ambiente de trabalho meio bosta cheio de gente que não necessariamente gosta uns dos outros, mas em geral se suportam. Pra série funcionar, porém, ela precisa desvelar essa dinâmica como cotidiano. A versão americana de The Office é ótima nisso: embora tenha arrombos de humor absurdo e o humor-através-do-ódio que o Michael Scott interpretado pelo Steve Carell causa na gente; a série funciona, e só se manteve no ar por tanto tempo, porque com o passar dos episódios se descobriu ser uma série onde pequenos momentos de harmonia e de algo até parecido com felicidade podiam ocorrer.

A gente lembra do relacionamento do Jim e da Pam como um dos grandes eventos de The Office, mas é fácil de esquecer que ele só aconteceu na quarta temporada. São momentos como esse aí de cima que me tornaram fã da série, e que eu só reparei revendo ela nas últimas semanas. Tem o tom absurdo, tem o Michael Scott, mas The Office, no fundo, cria uma bela evolução de pessoas que convivem juntas por tempo suficiente na vida delas que acabam encontrando juntas breves momentos de beleza. Nem que seja no protetor de tela do DVD.

Uma imagem gigante da constelação de Órion

Constelação de Órion

Ontem eu tava comentando com uma amiga sobre como eu amo ler e ver sobre o universo. As vezes chega a ser um problema sair de um vórtice da Wikipédia, em que eu passo sábados inteiros lendo sobre alguma nebulosa ou o que acontece quando duas estrelas se chocam, por exemplo. Eu acho fascinante, e não é algo que eu falo muito sobre.

Enfim, Matt Harbison é um astrônomo amador que, pelos últimos cinco anos, vem capturando uma imagem detalhada da constelação de Órion. Ele completou a imagem, e o resultado é esse mosaico de 2.5 gigapixel composto por mais 12.816 fotos. É legal de vasculhar a imagem à procura de algo que você já leu sobre, é parecido com aquela curiosidade que você tem de ver os lugares que você conhece em um mapa.

Via Kottke.

O trailer de MANK, o novo filme de David Fincher

MANK, o novo filme de David Fincher depois de um hiato de seis anos desde Garota Exemplar, finalmente recebeu um novo trailer. E se eu já tava com saudade de ir no cinema ver um filminho nesse isolamento social, esse trailer simplesmente me matou.

A textura da imagem, a forma que Fincher transforma o enquadramento, a montagem precisa, o tratamento de som… que saudade de ver um filme desse cara.

Chega na Netflix em 4 de dezembro, e em novembro em “cinemas selecionados”, se é que vamos poder ir neles até lá.

Os contos de Raymond Carver

Um dos meus planos para 2020, lá no longínquo ano de 2019, era que eu ia voltar a ler mais. Eu fui uma criança que lia muito, mas quando eu entrei na faculdade eu magicamente parava de ler. É estranho, porque desde que eu me lembro eu estou sempre “lendo um livro”. Nos últimos anos, isso significava ler algumas páginas, ficar alguns meses sem ler, daí ler mais algumas páginas, e assim mais uns meses sem ler até terminá-lo. Mas eu sempre considerava que eu tava lendo um livro. Eu decidi parar com essa baboseira e ler de uma vez, e se o livro não me chama a atenção pra voltar no outro dia, simplesmente procurar outro pra ler. Desde que eu saí da faculdade eu acho que eu lia um livro por ano, e muito porque eu ocupei o que eu considerava meus horários de leitura com outras coisas (ver o Twitter, principalmente). Então eu mudei isso esse ano.

Demorou um bocado pra eu encontrar meu tempo pra ler como eu queria em 2020, mas se tem um plano pra esse ano que eu me dediquei (e que não se chama Animal Crossing), foi o de ler mais. Eu finalmente encontrei meu horário de leitura perfeito: depois do almoço e antes de voltar pro trabalho. Eu costumava usar esses trinta ou quarenta minutos pra ficar descansando na frente do computador, mas eu acho que eu nunca descanso na frente do computador. Então eu decidi usar esse tempo pra ler.

Eu já tô lendo muito mais do que eu li nos últimos anos. Eu decidi que ia ler todos os contos do Raymond Carver, que se espalham por sete livros publicados e duas coleções de “restos” no gigantíssimo 68 Contos de Raymond Carver. Eu comecei relendo Iniciantes, um livro com a versão “original” dos seus primeiros contos publicados. Eu já tinha lido esse livro em 2014 e gostado muito. Reli e continuei gostando muito, então decidi seguir em frente.

Raymond Carver escrevendo em sua máquina de escrever em seu escritório cercado por uma estante de livros

Raymond Carver foi considerado um dos grandes autores do minimalismo americano, uma abordagem à escrita que reduz a narrativa aos seus elementos mais básicos. Eu tenho a impressão que isso torna os contos do autor mais cinemáticos, também. Eles são bem diretos em termos do que está acontecendo, e torna o detalhismo bem mais eventual, e bem mais forte quando aparece. Em um dos meus contos favoritos, “Coreto”, Carver detalha a textura do lençol da cama de hotel que o casal está deitado. Mas ele o faz porque eles estão sobre aquele lençol por horas, e a textura começa a chamar a atenção de seus personagens.

Segundo a introdução de Iniciantes, esse minimalismo talvez não fosse um aspecto inicial do autor, mas sim do editor Gordon Lish, que reduziu os contos daquele livro em até 60% para publicação em Do que estamos falando quando falamos de amor. Lendo eles depois de ver suas versões maiores me causou uma estranheza, porque eu já achava Iniciantes bem direto ao ponto, e alguns contos de Do que estamos falando… parecem “capados” de fim ou de início como resultado.

Mas é algo que eu acabei me acostumando, e que parece que o escritor foi se adaptando conforme seus próximos contos, que parecem menos capados e mais como momentos eventuais nas vidas ordinárias que Carver se especializou em escrever. Todos os contos do autor são sobre o cotidiano de pessoas de classe média-baixa dos EUA, satisfeitas por não estarem na linha de pobreza, mas conscientes que se algo acontecer — se elas perderem o trabalho, sofrerem um acidente, ou a geladeira estragar — pode ser a catástrofe que vai levar todo o pouco de estabilidade que eles têm. É como a versão literária dos quadros de Edward Hopper, como o famoso Nighthawks: composições simples de pessoas em meio à imensidão americana. Distantes o suficiente pra gente saber o que elas estão sentindo de verdade — mas o rosto delas não nos engana.

Carver nunca escreveu dois personagens iguais (embora alguns livros possuam versões diferentes de contos de outros livros, o que eu acho bacana), mas todos os seus contos parecem ter aspectos autobiográficos. Carver também viveu de bicos e trabalhos temporários enquanto não conseguia publicar seu primeiro livro, e em todas as suas histórias a presença de bebidas alcoólicas (ou a ausência delas) é bastante demarcada, talvez um reflexo do alcoolismo que ele enfrentou até os quarenta anos.

Esses fatores comuns, e o minimalismo que guia a forma de todos os seus contos, fazem suas histórias serem simples de você sair lendo e acompanhando seus personagens; mas os sentimentos que elas provocam estão longe de serem fáceis de suportar. São famílias se desfazendo, amigos percebendo que estão se afastando, ou o medo de se perder tudo que os deixa imóveis. Em Você poderia ficar quieta, por favor?, seu primeiro livro de contos, os personagens estão todos silenciosamente desesperados, mesmo quando estão felizes. O tom se complexifica bastante durante a carreira do autor, até chegar nos magníficos Catedral e Fogos, seus dois últimos livros.

A coletânea Catedral é considerada a obra-prima do autor, e o seu conto-título talvez seja o mais marcante de todos os que eu li: nele, o marido precisa receber um amigo da esposa que não ama mais, de uma época bem antes dos dois terem se conhecido. O amigo é um homem velho e cego, e o conto acontece todo dentro da cabeça do marido, com seus preconceitos aflorando e então despencando, um após o outro. A história é bem direta: o amigo aparece, eles jantam, o marido tenta não falar bobagem, ele convida o amigo pra assistir TV enquanto a esposa arruma a cozinha, está dando um documentário sobre catedrais, o amigo pede pro amigo descrever o que como são as catedrais, já que ele nunca viu uma, e o marido percebe coisas que ele parece nunca ter visto dessa forma — e o leitor também.

Já é em Fogos que eu vi o autor explorando mais a sua abordagem. Os contos ainda são bastante minimalistas e centrados no que os personagens estão fazendo e pensando, mais do que o que acontece ao seu redor; mas Carver parece mais confortável em transformar sua forma e adaptá-la. Alguns contos têm mais de um narrador em primeira pessoa, e as vezes o que um fala contradiz o outro. Outras vezes o tempo da narrativa muda — começa com uma primeira pessoa no presente, e se transforma numa primeira pessoa no passado, como se o que está acontecendo do nada se transforme em uma memória. Nada que acabe nos tirando da história para observarmos a forma como ela está sendo contada, e essa é a magia dos contos de Carver pra mim: elas acontecem tão naturalmente, mesmo as mais tristes, as mais violentas, que você só percebe o que aconteceu quando elas acabam, quando elas mesmas se transformam em memória para o leitor.

São pequenos momentos na vida de pessoas comuns que eu acompanhei o ano inteiro, e fico muito feliz de ter escolhido esse autor como minha porta de entrada pra literatura de novo. Eu não sei se eu teria a mentalidade de ler um romance nos últimos meses, mas era bom sempre ter um pequeno momento na vida de alguém que eu podia mergulhar e observar, as vezes compartilhar um pensamento, ou as vezes só ver elas com a distância que o autor me deixou.

Episódio 7 – com Manuela Neri

Eu e Manu falamos sobre como é se virar morando sozinho, e como é impossível fugir de baratas voadoras.

Você pode encontrar a Manu no Twitter.

(Desculpem pela falta de voz nos créditos, eu tava um pouco doente!)

Esse episódio foi produzido por Arthur Freitas. A trilha-sonora é do Blue Dot Sessions. A ilustração do Pãodecast foi feita pelo Raul Fontoura.

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O Coração É Um Inadimplente Sem Esperança

Meu amigão Leonardo Michelon lançou hoje um curta que ele fez nessa estação chuvosa que a gente tá tendo aqui no sul.

O Coração É Um Inadimplente Sem Esperança é curtinho, um pouco mais de dez minutos, mas captura muito o que eu gosto no trabalho do Leo, que compreende muito bem o sentimento de cidades pequenas (ou do interior), onde as coisas acontecem em um outro ritmo, diferente daquele da cidade.

O Coração… é ainda mais especial porque é um trabalho que usa bastante da influência literária onde esse ritmo prevalece: os contos góticos de Carson McCullers e Flannely O’Connor, ou o minimalismo de Raymond Carver. São autores que prezavam pela atenção ao detalhe, que revelava uma realidade bem íntima dos seus personagens. O Coração… captura algo muito semelhante ao mesmo tempo que é bem específico aqui do Rio Grande do Sul, onde essa chuva que lava por semanas parece trazer o peso da existência consigo.

As Mortes de Dick Johnson estreia hoje na Netflix

O documentário anterior da diretora Kirsten Johnson, o belíssimo Cameraperson, era um filme ensaio sobre suas memórias enquanto observava sua mãe perder as dela. Era ao mesmo tempo um filme íntimo (um recorte da carreira da diretora como fotógrafa de outros documentários) e abrangente (as imagens dos outros documentários iam desde imagens da natureza até o nascimento de uma criança no meio de um hospital de campanha).

O novo documentário de Johnson que estreia hoje na Netflix, As Mortes de Dick Johnson, é sobre seu pai, e uma tentativa dela de tornar a morte inevitável dele em algo divertido ou até mesmo capaz de enganar o tempo à seu favor. Eu mal vejo a hora de sentar na frente da TV hoje de noite e assistir, Cameraperson é o tipo de filme poderosíssimo que me faz ficar interessado por tudo o que Johnson quer fazer — e As Mortes de Dick Johnson parece ser esse tipo de filme também.

Eu tô adorando Perry Mason

Eu quase paguei minha língua quando escrevi semana passada sobre assistir séries semanalmente porque, quando o terceiro episódio de Perry Mason terminou, eu quase deixei ir pro próximo episódio (eu não deixei, mas ô vontade). Eu queria ter visto enquanto a série ainda tava dando na HBO, pra me incentivar a ver os episódios semanalmente, mas não consegui porque tava assistindo outra série na época e agora a temporada inteira tá na HBO Go, e a tentação é grande.

Postzinho rápido porque eu tô no meio da temporada, mas a recomendação é forte. Perry Mason tem a sensibilidade das séries antes do pico da TV na década passada: é uma série de antiherói, sim, mas como as melhores desse clichê ela enxerga todos os personagens ainda mais fascinantes ao redor do protagonista, e como as ações dele afetam essas pessoas ao redor — o que só acentua o anti do heroísmo dele.

Diferente dos antiheróis que enchem a TV, o Perry Mason interpretado por Matthew Rhys é realmente um personagem falho — ele sabe que ele falhou como pai, como marido e, na visão da sociedade americana do início dos anos 1930, como homem. Ele não tenta se redimir por esses atos, pelo menos não conscientemente. Ele tenta sobreviver na Califórnia pós-Grande Depressão, e o jeito que ele arranjou foi em fazer pequenos bicos de detetive particular que investiga traições e casos de tablóides, como o de um comediante que gosta de fazer sexo envolto de glacê. Até que um caso macabro cai no colo dele e do advogado que ele trabalha, que dá a estrutura da primeira temporada da série: o sequestro e assassinato macabro de um bebê envolvendo a alta sociedade de Los Angeles e uma igreja.

Eu ainda não sei direito o porquê de Perry Mason funcionar tão bem. O mistério do bebê é meio trama padrão de dramas que precisam de uma muleta narrativa pra seguir em frente; mas ele é construído ao redor de personagens fantásticos com atuações fabulosas por trás. O Mason de Rhys (um dos melhores atores hoje em dia) tem tristeza típica dos filmes de filme noir da época, mas ainda assim com um pouco de bom humor no coração. A secretária Della Street (Juliet Rylance, de The Knick) é leal aos seus colegas, mas também é a pessoa mais competente do escritório. O policial Paul Drake (Chris Chalk, de When They See Us) é a antítese do Mason: um homem tentando fazer o certo, mas sendo incapaz de agir por ser um homem negro na força policial corrupta de Los Angeles. Esses personagens tão numa das séries mais bonitas que eu já vi. Perry Mason esbanja sua produção com uma reprodução dos EUA entre as duas Guerras Mundiais. Me lembrou o quanto eu gostava daquele jogo Mafia, que acontecia mais ou menos na mesma época, e de como eu amo os filmes noir: é uma série que usa bastante contraste pra demarcar as profundezas de seus personagens, onde até mesmo o figurino revela mais intenções do que o que as pessoas conseguem falar em uma sociedade que não os dá ouvidos.

Acho que, por ser uma série, Perry Mason tem a paciência de deixar seus personagens simplesmente existirem nesse mundo construído milimetricamente pra eles, e é aí que a série brilha pra mim. São oito horas, e acho que nem metade do que eu já vi é sobre a “trama” do assassinato. Como minhas séries favoritas, a trama é uma desculpa para a história seguir em frente, e os verdadeiros conflitos dos personagens, aqueles que existem no cotidiano, que são invisíveis em outras formas de arte que não têm a gordura que uma série de TV proporciona. Com isso, Perry Mason cria uma ótima série de gênero (é bem especificamente um drama de advogados, tipo The Good Wife mas nos anos 30), mas que aproveita seu tempo e seus visuais incríveis pra ressaltar os momentos privados que revelam como a sociedade americana falha com suas pessoas. É linda e profunda, sim. E é divertida também, porque o cotidiano que a série observa é cheio de desvios e de becos sem saída, e nem todos eles são trágicos.

Episódio 6 – com Erê Carvalho Zimmer

A gente começou conversando sobre pastel, depois conversamos sobre música e finalmente conversarmos sobre a arte de flertar.

Você pode encontrar o Erê no Twitter e no Instagram.

O Pãodecast é produzido por Arthur Freitas, a trilha-sonora é do Blue Dot Sessions, e a ilustração foi feita pelo Raul Fontoura.

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Em defesa de assistir séries semanalmente

A quarentena aqui por casa já dura seis meses e a cada mês — as vezes à cada semana — eu vou repensando e reavaliando algumas coisas na minha vida. Eu me reaproximei da música, por exemplo. Eu parei de assistir tanto filme e a ler mais (ainda vou escrever sobre isso!). Hoje eu vou falar de uma nova redescoberta.

Como todo o jovem com acesso à internet em meados dos anos 2000, eu sou um adepto da maratona de séries há um bom tempo, desde quando isso significava baixar um pacote de RMVB legendado ou de AVI com pacotes de legendas do Legendas.tv. Foi assim que eu vi Família Soprano e A Sete Palmos e Deadwood pela primeira vez, foi como eu descobri a primeira temporada de Community ou de United States of Tara também. Passar uma semana inteira baixando (porque a velocidade da internet naquela época era um… problema) pra poder maratonar temporadas inteiras no sábado e no domingo.

Quando a Netflix começou a lançar seus conteúdos originais ali na primeira metade de 2010, com temporadas completas de House of Cards e Orange is the New Black sendo lançadas simultaneamente, era quase que uma “formalização” de como os ~jovens~ assistiam TV. Ter que esperar uma semana pros novos episódios das últimas temporadas de Breaking Bad e Mad Men era algo que estava saindo de moda.

E pelos últimos anos eu me acostumei a assistir séries assim. Eu sempre acompanhei uma ou outra série semanalmente — as que eu sempre fui mais fiel, como Community ou Veep ou The Leftovers e Watchmen —, mas a grande maioria das séries da década passada pra cá foram vistas em questões de dias. Até que, nos últimos meses, eu comecei a sentir o peso de ficar muito tempo na frente da TV, e de ter tempo sobrando pra ficar todo esse tempo na frente da TV. As histórias que eu assistia nas séries que eu assisti nesses últimos meses viraram borrões narrativos.

Séries de TV são ótimas oportunidades pra acompanhar narrativas que se desenvolvem durante muitos anos, que espiralam e se transformam, mas têm a qualidade específica de serem feitas através de momentos — sejam eles de 20, 40 ou 60 minutos — que acompanhamos. A tragédia de Walter White em Breaking Bad envolve dezenas de personagens por um período de anos, mas ela é considerada uma grande série de TV porque cada episódio não era só uma parte dessa tragédia, mas uma própria história em si. Grandes séries de TV têm essa qualidade — nós nos lembramos tanto da sua grandiosidade narrativa quanto da sua profundidade. O primeiro fator é feito pelas temporadas, que se estendem através dos anos, mas o segundo só é possível de construir episódio por episódio.

Antes da Netflix, séries de TV precisavam criar grandes episódios semanalmente — eles precisam ficar na sua mente durante a semana inteira para que você volte na semana seguinte, e precisam desenvolver uma relação com você que seja forte o suficiente para você esperar meses até a próxima temporada. Com o streaming, e com a Netflix e o Prime Video disponibilizando temporadas inteiras de suas séries na quinta ou sexta-feira, para você poder assistir elas inteiras durante o fim de semana, essa qualidade da série de TV se perdeu, e temporadas de séries se tornaram mais próximos de filmes de dez ou quinze horas. É muito mais difícil discernir o que acontece em um episódio de Stranger Things do que de Succession, por exemplo.

E tem um motivo formal pra isso: o “gancho” do episódio mudou. O gancho é aquele evento que nos instiga a querer continuar assistindo a série. Tecnicamente todos os episódios de TV usam ganchos. Quanto mais tempo uma série está no ar, menos ela precisa desse artifício porque seu público já está naturalmente investido nos acontecimentos dos personagens, mas o “gancho” ainda existe. Seja uma série exibida semanalmente ou disponibilizada por inteiro no streaming, o gancho de seus episódios está bem no finalzinho, provavelmente na última cena ou na última sequência de cada episódio.

Em uma série de TV exibida semanalmente, esse gancho é o “desenredo”, a consequência do clímax do episódio. O clímax é aquele evento mais forte da narrativa, o ponto alto onde o conflito estoura. Em Succession, por exemplo, é quando o patriarca da família trai um de seus filhos, deixando ele pra ser comido vivo pelos jornalistas. O episódio não termina nesse evento, mas termina no desenredo — em como o filho traído precisa aguentar a traição do seu pai quieto, por exemplo. Esse desenredo geralmente é marcante, mas também é vago. A gente não sabe o que está na mente do personagem, como ele está reagindo ao evento do clímax. Tanto o personagem quanto o espectador precisam amadurecer esse sentimento durante a semana.

Já um episódio de série da Netflix usa o clímax como gancho. O momento mais marcante de um episódio de House of Cards ou Stranger Things é exatamente aquele evento final, o que torna o episódio em um crescendo dramático. Isso tem dois efeitos: o primeiro, a gente não vê a consequência desse evento importante, o que nos leva a querer começar o próximo episódio imediatamente; o segundo, que eu acho menos intencional e mais problemático, é que torna as temporadas de séries assim um crescendo gigante. A série nunca pode “diminuir” os riscos do clímax do episódio anterior sem desmentir seus próprios eventos, o que torna um episódio extremamente dependente do outro1.

Eu não quero fazer um juízo de valor aqui e dizer que séries de TV semanais são melhores. Elas tendem a criar episódios de TV muito melhores, é claro, mas acho que é um fator que precisa ser avaliado caso-a-caso Por exemplo, minisséries como Olhos que Condenam caem muito bem na fórmula da Netflix porque são visivelmente séries com capítulos extremamente dependentes uns dos outros. Mas séries de TV que duram vários anos, e que precisam nos fazer nos conectar com seus personagens muito além da narrativa, precisam criar grandes momentos. E tá sendo muito bom, pra mim, experimentar essas histórias com um tempo pra refletir sobre elas. Eu tô revendo Enlightened agora, e ver a personagem de Laura Dern aprender que lidar com as adversidades do seu dia-a-dia é parte essencial do que é a vida adulta é algo belo, mas que eu acho que perderia muito da magia se eu fosse ver tudo de uma vez. O crescimento da personagem acontece “em tempo real” se eu dou uma pausa entre episódios.

Minhas séries favoritas dos últimos anos, como Succession e Betty também são pensados em episódios fechados. Em nenhum dos casos eu acho recomendável você olhar essas séries fora de ordem, mas você sabe exatamente o que acontece em cada um dos episódios porque seus eventos — o conflito, o clímax e o desenredo — são muito bem estabelecidos, e levam mais naturalmente um episódio ao outro assim. Os personagens dessas séries crescem em cada episódio, mas nossa relação com eles amadurece durante a semana. O jeito que eu deixo o Kendall em um episódio de Succession pode ser extremamente diferente de como eu vou reencontrá-lo na semana seguinte.

Tenho a impressão que isso é algo que outros serviços de streaming estão observando. Em termos comerciais, a Netflix domina alguns finais de semana do ano com três ou quatro séries que dominam a conversa, como Dark e Stranger Things e Sex Education. Mas olhe como a HBO conseguiu dominar semanas a fio ano passado com Watchmen e a última temporada de Game of Thrones e a segunda temporada de Succession, que acabou levando os principais prêmios da noite ontem no Emmy. E vale a pena de lembrar como Twin Peaks hipnotizou todo o mundo por dezesseis semanas em 2017, com episódios que nunca eram parecidos um com o outro.

Outros serviços de streaming parecem ter observado e estão agindo de acordo. Algumas séries do Prime Video estão sendo lançadas semanalmente, e o Disney+ e o Hulu lançam tudo semanalmente hoje em dia. Para os serviços, isso mantém suas séries como assunto para conversas por mais tempo durante o ano, tornando-os mais essenciais para pessoas com o mínimo de convívio social. Para nós, isso provavelmente vai resultar em episódios melhores para nossas séries favoritas, e eu honestamente não vou reclamar.

  1. Acho importante explicar que isso vale principalmente pras séries dramáticas da Netflix, mas ainda mais para suas produções live action. As animações originais da Netflix são bem menos “maratonáveis”, embora sejam criadas pra isso. BoJack Horseman é uma série visivelmente pensada pra que cada episódio se sustente sozinho. 

A era dos videogames portáteis acabou

A Nintendo encerrou a produção de todos os modelos do Nintendo 3DS no Japão (e provavelmente no resto do mundo também). Esse é, talvez, o fim dos videogames portáteis dedicados.

O Nintendo 3DS é parte da linhagem que conseguiu manter a Nintendo relevante durante gerações de videogame que seus consoles de mesa não conseguiram competir com o PlayStation. O sucesso estrondoso do Game Boy e do Game Boy Advance durante os anos do Nintendo 64 e do GameCube foram essenciais para a empresa no início dos anos 2000, e o sucesso modesto, mas estável, do Nintendo 3DS salvou a Nintendo do fracasso do Wii U (sem falar no DS e o Wii, que venderam como água juntos no fim dos anos 2000 e início dos anos 2010).

Hoje o cenário de jogos portáteis é bem diferente, com qualquer celular sendo capaz de jogar centenas de milhares de jogos, que vão desde quebra-cabeças e Tetris genéricos até RPGs e GTA: San Andreas. É surpreendente que o 3DS conseguiu durar tanto tempo desde que foi lançado, há nove anos, porque era um videogame fadado ao fracasso em um mercado que o iPhone já tinha dominado nos anos finais do DS. A própria Nintendo seguiu em frente, pegando as lições dos portáteis e trazendo para o seu híbrido Nintendo Switch. Vai ser interessante ver como ela vai seguir em frente sem esse braço que já foi fundamental pra ela por muito tempo.

Minha relação com videogames portáteis começou relativamente tarde, mas eu sempre gostei que eles eram uma alternativa relativamente mais barata para os jogadores brasileiros que não tinham dinheiro pra comprar um console de mesa. Eu “herdei” um Game Boy Advance SP do meu primo, com The Minish Cap e Super Mario Advance, e me apaixonei pela ideia. Eu só fui ter um outro videogame portátil anos depois com o 3DS, que eu paguei com o meu primeiro salário de estagiário. Hoje, meu 3DS é meu grande backlog de vários jogos que eu quero/quis/vou jogar com o passar dos anos, já que ele oferece compatibilidade com todos os videogames portáteis da Nintendo e com jogos do SNES e do NES pelo Virtual Console. É uma pequena preciosidade que vai fazer falta — celulares não têm jogos grandiosos mas pequenos como os portáteis da Nintendo ofereciam de vez em quando, e eu não sei se eles vão ter espaço num console de mesa como o Switch.

Defector está aqui

Captura de tela da página inicial do site Defector no dia 10 de setembro de 2020

Defector, o site formado pela equipe que se demitiu do antigo, excelente Deadspin, foi lançado hoje.

Eu não sou um fã de esportes, mas era um leitor assíduo do Deadspin por anos. Era um blog sobre esportes, mas sua cobertura era muito mais abrangente que isso. Como todos os sites que pertenceram à rede de blogs do Gawker (como o Kotaku e o Gizmondo), o Deadspin era um blog com um tema, mas que transcendia esse tema ao relacionar ele com qualquer tópico do nosso dia-a-dia. É aquele tipo de cobertura mágica, que faz uma pessoa não muito interessada em esportes no geral a se interessar pelo assunto ao mostrar, com humor e sagacidade que eram típicos da blogosfera de meados dos anos 2000, como “gostos” e “assuntos” não existem no vácuo. O Deadspin usava esportes pra comentar sobre política, pra expor redes de abuso e de misoginia na nossa cultura, para explorar o racismo institucional dos Estados Unidos.

Como o Gawker, o Deadspin “acabou” porque pessoas com dinheiro demais não gostavam que um blog que atraía milhões de pessoas por dia expusessem como as garras de acionistas e especuladores alcançam muito mais do que o Vale do Silício, causando interferência política (Peter Thiel, que financiou a falência do Gawker, é confidente de ninguém menos que David Trump). Assumindo as empresas mães desses blogs que expunham suas influências na economia americana, eles mataram seus maiores inimigos por dentro. Se você quer saber sobre o que aconteceu com o pessoal do Deadspin, o post de abertura do Defector explica direitinho isso ao mesmo tempo que dá um panorama da internet hoje em dia.

E agora aquela mesma equipe voltou com Defector, um blog mantido por assinaturas (pra não depender de acionistas e publicitários) com a mesma voz do grande falecido Deadspin. É muito bom ver um site assim surgir hoje em dia. Ele tem aquela mesma qualidade de muitos dos meus sites favoritos, que já deixaram de existir há muito tempo. Sites que eu sei o endereço de cabeça, e que acessar eles no início do dia ou no horário do almoço é um ritual do meu cotidiano. Eu amava isso no The Dissolve, e é bom finalmente ter um site assim de novo pra colocar na minha barra de favoritos. É aquele tipo de site que, quando acontece algo, você vai correndo acessar o site pra ler um post sobre algum dos seus autores favoritos comentando exatamente aquilo. É divertido, é instrutivo e serve àquele propósito mítico da internet de nos conectar às ideias uns dos outros.

Longa vida ao Defector, meu mais novo melhor amigo na internet!

O trailer de Duna é incrível

A Warner finalmente divulgou o trailer1 da nova versão de Duna, e caramba eu tô empolgado.

Essa versão é dirigida por Denis Villeneuve, do excelente Blade Runner 2049 e do magnífico A Chegada. Eu sou um fã do trabalho mais recente dele (não gosto muito dos pseudo-Nolan que ele fez no início da carreira, mas até lá tem um potencial), e quero muito ver pra onde ele vai levar o material.

Eu tô há tempos procurando um universo de ficção científica pra afundar minha cabeça. O cinema tem O Senhor dos Anéis pra fantasia, mas fora Star Wars não tem uma ópera espacial grande o suficiente pra me satisfazer. O Duna do David Lynch é instigante (mais instigante do que bom, vale dizer), quero ver o que o Villeneuve faz com o quádruplo do orçamento.

Agora, tá com uma carinha de que vai ser um outro fracasso de bilheteria como BR2049 foi (Villeneuve trabalha num ritmo lento demais porque gosta muito dos planos que encena), então nem vou me animar muito pra uma sequência que já foi meio que confirmada.

Esse é um filme que eu quero muito ver no cinema. Villeneuve trabalha numa proporção gigante, sempre, e vale a pena uma imagem maior que o natural. Eu realmente espero que a Warner atrase o lançamento (que, por enquanto, tá previsto pra dezembro). Não façam como fizeram com Tenet.

  1. Particularmente eu gostava mais de quando os trailers simplesmente surgiam na internet, sem muito aviso prévio. Criava aquela surpresa e excitação de ver o que um filme ia ser pela primeira vez. Há tempos já não é assim — esse trailer de Duna foi anunciado há umas semanas já e a Warner ficou criando “hype” pro seu “lançamento” como se ele fosse o filme em si. Pra mim é surreal que um trailer por si só não seja capaz de criar conversa sobre um filme mais. 

E se Digimon tivesse vencido?

Eu estou assistindo esse vídeo repetidamente desde ontem. Eu adoro a Jenna e suas análises de como certas escolhas no game design dos jogos que gostamos repercutem. Aqui, ela faz uma análise do que tivesse acontecido se Digimon tivesse vencido Pokémon no final dos anos 1990 pela ubiquidade da atenção das crianças.

O ponto de divergência nas timelines segundo a Jenna é bastante plausível, na verdade. Ele seria a exibição de um episódio do desenho de Pokémon no Japão que provocou convulsões em centenas de crianças. No nosso mundo, isso impactou Pokémon, tirando-o do ar por quatro meses, mas o anime volta e a Nintendo pode dominar a TV e o Game Boy simultaneamente por anos a fio. No mundo que Jenna propõe, Pokémon nunca voltou pro ar, e Digimon teve a chance de dominar tanto os canais de TV quanto os videogames, se tornando o mamute cultural que a Nintendo nunca teria.

É um vídeo muito engraçado, principalmente quando ela começa a falar de como os furries dominariam a cultura popular ou como Mother 3 teria sido lançado pro Nintendo 64. Mas o que eu realmente gosto é em como ela reflete sobre como Pokémon é vital pra existência da Nintendo como ela é hoje. Embora o Game Boy tenha sido um sucesso estrondoso sem os jogos de Pokémon, o lançamento criou uma nova onda de sucesso que fez a Nintendo atrasar o lançamento do sucessor do Game Boy em anos, permitindo que as “revisões de hardware” do portátil existissem. Esse é um impacto gigante, porque muito do sucesso contínuo do Game Boy pra Nintendo — e que tornou a Nintendo a grande monopolizadora do videogame portátil até o lançamento do iPhone — foi o fato deles serem baratos de serem produzidos e vendidos (lá fora, vale lembrar).

Por exemplo, se Pokémon Red & Blue não tivesse sido lançado, o sucessor do Game Boy teria sido lançado no lugar. O nosso sucessor do videogame é o Game Boy Advance, outro sucesso estrondoso da Nintendo porque refletiu a fórmula do original: era ainda menor, era barato e era mais poderoso. O Game Boy Advance não teria sido lançado em 1996, porque a tecnologia que o permitiu ser lançado em 2001 não era tão madura e nem tão barata em 1996.

O Game Boy 2 fracassaria enquanto a Nintendo lutava contra o PlayStation e o PlayStation 2 com o Nintendo 64 e o GameCube, e nessas gerações o videogame portátil foi essencial para a Nintendo, porque vendiam como água. Sem um Game Boy Advance para ajudar a Nintendo a aguentar o baque do fracasso do GameCube, eu duvido que uma “aposta” como o Nintendo DS teria existido. Eu duvido também que a Nintendo tivesse mantido sua linha de portáteis em paralelo aos videogames de mesa, o que nunca resultaria no Nintendo Switch.

Enfim, como vocês podem ver eu também adoro analisar a carreira da Nintendo. A Jenna faz isso muito melhor.

Eu tô amando The Last Campfire

Eu passei esse fim de semana jogando The Last Campfire, que foi lançado no último dia 27 no Apple Arcade (e no PC, no Switch, no Xbox e no PS4). É o meu novo jogo favorito do serviço de assinatura de jogos da Apple, e eu tô considerando comprar ele no Switch pra poder jogar na TV.

The Last Campfire é o novo jogo da Hello Games, o pequeno estúdio que fez No Man’s Sky, um dos jogos mais ousados e fascinantes da última década. O lançamento de No Man’s Sky foi meio complicado — as pessoas descobriram que explorar o espaço levava muito tempo e era raro encontrar planetas com vida orgânica (surpresa!?) —, e a Hello Games passou os últimos quatro anos fazendo grandes pacotes de atualização pro jogo, adicionando multiplayer, estações espaciais, e aliens.

O novo jogo dessa équipe é bem menor. É do mesmo designer de um dos meus jogos favoritos do Wii, LostWinds, e compartilha muito do mesmo DNA. Ao invés de ser um plataforma, The Last Campfire é um jogo de aventura onde o jogador controla Brasa, um serzinho encapuzado que se separou de outros coleguinhas e precisa atravessar umas ruínas pra reencontrá-los. Nessas ruínas, Brasa descobre que outros encapuzadinhos como ele morreram com o mesmo objetivo. Para Brasa conseguir sair desse lugar misterioso é preciso reunir essas almas e levá-las até à fogueira que dá título ao jogo, onde um espírito levará os encapuzadinhos para o Além.

The Last Campfire é um jogo econômico. Ele não é muito longo e sua estrutura é simples: você atravessa as ruínas misteriosas em busca dos vestígios dos encapuzadinhos. Você precisa mover um sapo de lugar para conseguir uma chave, que vai liberar uma área onde está um desses encapuzadinhos. Quando você o encontra, o jogo abre uma espécie de “dungeon” (como as de Zelda), onde você precisa resolver um quebra-cabeça para reconectar o corpo do encapuzado à sua alma. As vezes você move pedras para conseguir alcançar a alma, outras vezes você precisa pisar nos lugares certos na sequência correta.

Conforme você vai solucionando os quebra-cabeças da “dungeon interna”, você vai descobrindo como o serzinho perdeu sua alma. E esse é um dos traços onde The Last Campfire mais remete à LostWinds: embora seja econômico, o jogo consegue criar uma história e um lugar com muita eficácia. LostWinds criava uma sensação de que o vilarejo do Deus do Vento (onde a história começava) era um lugar repleto de história e de tradição.

The Last Campfire é muito mais íntimo, as histórias que você vai descobrindo são de criaturas com medo e se sentindo sozinhas ou com fome, e conforme você vai as reunindo perto da fogueira o jogo consegue criar uma sensação de comunidade muito bonito. Aos poucos, as ruínas não parecem mais tão sombrias e vazias, a chama da fogueira vai crescendo e mais encapuzadinhos se sentam ao redor dela.

É na “textura“ dos comandos que The Last Campfire brilha. LostWinds era um dos jogos que realmente entendia as possibilidades do Wii Remote, e The Last Campfire faz algo muito semelhante com a tela de toque do iPhone e do iPad: os controles não são só precisos, mas eles criam uma ilusão de peso que é rara até mesmo nos outros jogos do Arcade, que tentam criar esquemas de controle semelhantes à joysticks, o que causava uma estranheza. Como Monument Valley e Assemble With Care, o time da Hello Games usa a tela do celular como uma tela em branco onde você é o pintor: uma passada de dedo muito rápida oferece um toque ágil mas fraco, fazendo Brasa correr; um giro firme com o dedo aplica força, o que é útil para mover manivelas ou empurrar caixas. Sabendo do cuidado desse time com seus jogos anteriores, eu suspeito que os comandos traduzam muito bem para mouse/teclado e controles de videogame também.

É um jogo perfeito para sessões curtas por causa da sua estrutura, e também oferece uma ótima experiência se você quer sentar e enfrentá-lo em uma sessão: não existem cronômetros nem urgência nas suas missões, e o cuidado visual e sonoro do jogo nunca faz a experiência ser maçante ou estressante — você não precisa correr com nada, porque o jogo pede sua paciência. The Last Campfire é bem delicado. Ele retribui sua dedicação e sua atenção, tanto nos quebra-cabeças quanto nas histórias que eles têm pra contar.

Episódio 4 – com Cássio Fagundes

Era um pouco tarde da noite quando eu e o Cássio paramos pra conversar. Eu tava trabalhando. Ele tava lavando louça.

O Cássio não tá por aí na internet, mas ele pediu pra avisar que se quiser falar com ele, procura na praia.

O Pãodecast é produzido por mim, a trilha-sonora é do Blue Dot Sessions, e a ilustração foi feita pelo Raul Fontoura.

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Tem um monte de filme bom disponível de graça no Kinoforum

Com um extenso catálogo de 212 filmes, o festival já começa a disponibilizar os filmes. A ideia é emular virtualmente as consagradas sessões de curtas-metragens do evento, disponibilizando-as a cada 24 horas do dia 20 ao dia 27 de agosto - do dia 27 ao dia 30 o catálogo deverá estar inteiramente disponível possibilitando o acesso e navegação entre todas as sessões.

O que caracteriza a escolha dos filmes deste ano, e a sua divisão temática através dos programas e mostras, é a ideia da busca de um olhar sobre o agora. A edição online de 2020 foi planejada para contemplar essas novas telas e novos públicos que o festival deve encontrar neste novo formato, seguindo com o compromisso de apresentar visões plurais sobre as realidades do mundo e reforçando a importância da cultura e do audiovisual neste momento.

Com filmes de 46 países e 5 continentes é possível termos um rico e interessante panorama das histórias curtas que querem ser contadas hoje no mundo. A programação está dividida em Mostra Limite, Mostra Internacional, Mostra Latino-Americana, Programas Brasileiros, Mostra Infantojuvenil, Programas Especiais e Atividades Paralelas.

Nos Programas Brasileiros temos a Mostra Competitiva, que reúne os 12 filmes de 5 estados brasileiros elegíveis às premiações do festival; e a Mostra Brasil, que conta com 29 títulos de 13 estados, divididos em 7 sessões: “Fabulações do Agora”, “O Céu da Terra”, “Relatos de Nós”, “A Corrida do Amor”, “Cronos e Kairós”, “Imagens do Mundo” e “Público e Privado”.

A Mostra Internacional deste ano conta com 41 curtas de 26 países diferentes, trabalhos estreantes e outros que já rodaram os principais festivais de cinema do mundo, entre os realizadores estão nomes consagrados como Jonathan Glazer e Yorgos Lanthimos, mas também estreantes - além da Mostra Internacional, outros filmes estrangeiros estão disponíveis em alguns programas especiais como a Mostra Limite, seleção concentrada em filmes que inovam na linguagem e abordagem; também nas sessões “Novas Áfricas”, que buscam uma ponte entre o Brasil e a África através do curta-metragem, com trabalhos realizados por cineastas pan-africanos; na sessão “Terror Na Tela”, que conta com alguns filmes brasileiros e internacionais do gênero de horror; além das Sessões Mercosul em Curtas e da Mostra Latino-Americana, que trazem uma seleção de trabalhos realizados no continente.


Festival Internacional de Curtas Metragens – 31º Curta Kinforum de 20 a 30 de agosto Edição Virtual Programação pode ser acessada em: https://2020.kinoforum.org/programacao-completa

Acesso pelo endereço kinoforum.org.br, ou pelos aplicativos innsaei.tv (para celulares, tablets e smart TVs, disponíveis no Google Play e na Apple Store). Pra ver na TV, você pode usar o AirPlay ou o Chromecast. Mais informações na Associação Cultural Kinoforum.

Alguém entrou na minha cabeça, leu minha mente e fez o jogo perfeito pra mim

Eu não sei quando ou quem, mas alguém entrou na minha cabeça.

Fantasy Life é um RPG lançado para o Nintendo 3DS em 2015, e eu não sei como eu não descobri ele antes porque, caramba, eu não sei como explicar, mas esse jogo pega todas as minhas frustrações com o gênero e resolve cada uma delas. Eu tô a um ponto de distância pra dizer que esse jogo é perfeito pra minha pessoa.

Meu gosto pra jogos de videogame se desenvolveu bem tarde na minha vida. Eu não tive um videogame na infância, e o computador que o meu pai usava pra trabalhar não era muito poderoso. Grande parte da minha infância foi jogando uns jogos de aventura de apontar-e-clicar que ele sempre gostou muito de jogar, ou SimCity e o primeiro The Sims. A gente só teve um computador mais forte lá por 2007, que foi quando eu comecei a jogar jogos mais “sérios” (que tinham sido lançados vários anos antes, porque nem a pau que algo como Crysis ia rodar nele).

Em resumo, uma boa parte da minha vida foi jogando coisas simples ou simuladores, e isso teve um efeito gigante em como eu jogo videogames até hoje. Eu prefiro jogos que não se importam se eu sigo em frente devagar, ou se eu vivo desviando do objetivo principal porque eu encontrei algo mais interessante no meio do caminho. Eu também me frustro bastante se um jogo não aceita bem essas minhas disgressões e a história parece que “quebra”. Eu acabo gostando de jogos com pouca história, ou que ela se desenvolve espaçadamente (como Animal Crossing e Breath of the Wild), ou jogos com tanta história que é impossível de se desvencilhar dela (como Portal ou Kentucky Route Zero).

É aí que vive o meu problema com RPGs. Existe uma falsa “abertura” na jogabilidade da maioria dos jogos do gênero que me irrita bastante, porque são jogos com histórias longas e mirabolantes, mas estruturalmente são quase sempre a mesma coisa: você vai de uma cidade à outra — que é onde a história acontece, porque você interage com outros personagens — e no meio do caminho você precisa ficar grindando de nível pra poder batalhar com um chefão que você vai encontrar a seguir. Como eu sou um jogador inexperiente em praticamente tudo, eu odeio combates de maneira geral, e evito sempre quando eu posso. Só que em RPGs eles são a única maneira de você seguir em frente, e você precisa ficar batalhando um monte pra aumentar de nível e de experiências pra conseguir progredir com as histórias.

Em Octopath Traveller, por exemplo, se eu escolho ser uma mercante eu atravesso um bosque e a primeira coisa que me aparece é um monstro. Eu não posso ir lá e, sei lá, vender algo que eu tenha em mãos pra ele. Eu preciso batalhar com ele. Eu tenho uma sacola de compras na mão, e do nada ela se transforma numa espada. Eu sempre fiquei meio frustrado com isso, porque RPGs geralmente são os jogos com as histórias mais mirabolantes do meio, e eu me sinto por fora da maioria por causa disso. Se jogos fossem livros, Half-Life seria um daqueles virador-de-páginas que a gente compra no aeroporto; mas, sei lá, Final Fantasy IV seria um Guerra e Paz e, meus amigos, eu quero muito ler Guerra em Paz, esses novelões gigantes com centenas de personagens. Eu amo!

É aí que entra a mágica de Fantasy Life. Ele pega esse fator mais limitador da maioria dos RPGs e dá uma bela mexida, adicionando mecânicas de simuladores como Animal Crossing e The Sims. Ao invés de você ser um guerreiro — ou um arqueiro, ou um mago, ou um ninja, ou um cavaleiro, sei lá — indo salvar o mundo, Fantasy Life deixa você escolher entre doze vocações bem diversas. Os cavaleiros e mágicos e arqueiros estão lá, mas você também pode ser cozinheiro, mineiro, e até alfaiate! É exatamente o que eu sempre quis, poder jogar essas histórias intrincadas dos RPGs podendo realmente fazer as ações da classe que eu escolhi. Eu decidi ser um pescador, por exemplo, e estou evoluíndo de nível pescando peixes e vendendo eles no mercado.

Isso faz com que o jogo evolua em velocidades diferentes pra cada jogador, mas eu não tenho problemas com isso. Pelo contrário, acho que isso faz Fantasy Life se tornar ainda mais especial, porque usa aquilo que é bem específico dos jogos em si — a necessidade do jogador fazer escolhas.

Uma das coisas mais bacanas que Fantasy Life faz, também, é me apresentar com maior delicadeza às mecânicas mais clássicas do gênero. Depois que eu domino a minha vocação inicial, eu posso ir no sindicato (!) do reino (!!) e decidir começar uma nova profissão (!!?). Eu posso escolher entre aquelas doze vocações de novo e misturar minhas habilidades de uma vocação com a outra pra continuar a história. Se você escolhe ser um mineiro, por exemplo, você vai na mina escavar pedras, e se você depois decide ser ferreiro, você pode forjar ferramenta, armas e armaduras. Daí você decide ser um cavaleiro, e pode fazer suas próprias armas com suas próprias mãos. É muito bacana!

Fantasy Life me impressionou um monte porque, pra é um RPG com uma história relativamente curta, mas que ganha escopo justamente na forma que o jogador joga. Ao invés de você viajar o mundo como nos Final Fantasy da vida, você fica só aos arredores do reino, explorando ele de maneiras diferentes conforme você aprende uma vocação e evolui de nível e mistura suas habilidades entre vocações. É tão repleto de conteúdo (e a localização da Nintendo Treehouse não decepciona), que me fez gostar de aprender combater. Vai ver esse é o jogo que vai me ensinar a gostar dos RPGs mais clássicos, no final das contas?

Ainda bem que Gilmore Girls existe

As coisas tão meio quietas por aqui, mil desculpas por isso. Eu queria ter mais inspiração do que escrever ultimamente, mas eu ando bastante cansado do trabalho e decepcionado que eu não tô conseguindo escrever o projeto de mestrado que eu tô tentando escrever. Eu demorei mas eu tô começando a sentir os efeitos de se sentir sozinho por muito tempo e isso não tá fazendo bem pra minha cabeça.

É nessas horas que eu lembro que Gilmore Girls e amigos, ainda bem que Gilmore Girls existe. Eu tinha parado de rever — depois de passar uns três ou quatro anos revendo infinitamente, terminando e recomeçando a série —, mas na última semana eu fiz meu check-in em Stars Hollow de novo. Essa não é a melhor série já feita, mas é a melhor série já feita.

Eu tô indo com mais calma dessa vez. Ao invés de assistir vários episódios por dia, eu tô assistindo um episódio por semana. Eu tô no segundo episódio, em que Rory, a filha da Lorelai, começa na nova escola particular. Esse é o evento que faz a série começar: Lorelai é filha de dois magnatas da alta sociedade americana, mas ela nunca conseguiu aceitar o estilo de vida que todo aquele dinheiro e poder demandava. Lorelai engravidou cedo, pra desgosto dos pais, e logo depois do nascimento da filha decidiu largar a escola e fugir para uma cidadezinha no interior, onde ela encontrou um lar. A Rory cresce e se torna uma daquelas crianças prodígio — inteligentíssima, e o sonho é se tornar ainda mais inteligente —, e acaba conseguindo uma vaga numa escola prestigiada e cara. Lorelai não tem dinheiro pra oferecer essa educação pra filha, e acaba tendo que fazer um acordo com os pais: eles emprestam o dinheiro para a educação de Rory, e ela vai todas as sextas-feiras jantar na casa deles.

E é isso. Gilmore Girls não é uma série de grandes eventos. A primeira temporada tem uma fórmula bem simples: nós acompanhamos o dia-a-dia das garotas Gilmore, e eventualmente elas vão para a casa dos pais da Lorelai, onde o conflito geralmente surge/explode. Emily, a matriarca da família, tem uma visão de vida muito diferente da de Lorelai, e todos os conflitos mal terminados ou absorvidos durante os anos tendem a vir à tona quando a rígida Emily e a instintiva Lorelai se deparam. Sendo mãe e filha, as duas se conhecem mais do que gostariam, o que pode criar momentos realmente bonitos de conexão entre duas pessoas muito diferentes; ou momentos dolorosos em que elas se machucam de maneiras imperdoáveis.

A dinâmica familiar dos Gilmore é um dos pontos altos dessa série. A criadora Amy Sherman-Palladino ficou conhecida pela sua potência em criar diálogos inspirados e afiados, cheios de referências e humor (reza a lenda que os roteiros dos episódios chegavam a ter 70 páginas, quando o normal é 45, porque os diálogos precisavam ser lidos com o dobro da velocidade normal). Mas ela é uma grande dramaturga também. A complexidade emocional que vai se criando em Gilmore Girls é sutil e poderosa, que explora os machucados geracionais que uma mãe rígida como Emily pode causar numa filha, ou como uma mãe-melhor-amiga como Lorelai pode acabar causando em Rory. A autora consegue sempre visualizar o que se perde quando Lorelai e Rory brigam (são momentos raros, mas dolorosos sempre), como se uma porta se fechasse com algum assunto que mãe e filha entendem que nunca mais vão poder compartilhar.

Mesmo assim, essa série é um conforto de se assistir. Muito do charme de Gilmore Girls existe porque Lorelai encontrou um lar e uma família adotiva em Stars Hollow. Se um dos grandes arcos da série é Rory percebendo que o lar que a mãe criou não é o lar que ela gostaria de viver, Gilmore Girls só consegue fazer esse arco funcionar tão bem como ele funciona porque a cidade é muito bem construída. É um apanhado de clichês, onde sempre há um evento na praça da cidade onde todos se encontram. Alguns são clássicos, como o dia das bruxas ou a páscoa, mas outros — como o campeonato de dança de 24 horas, do meu episódio favorito, ou a exposição de obras vivas — são inspiradíssimos.

É por causa de Stars Hollow que a série é tão boa de assistir, principalmente quando as coisas tào ruins do lado de cá. No segundo episódio, Lorelai se desentende com a mãe em mais uma briga cansativa, e Rory descobre que ela não é inteligente assim. É um episódio de pequenas derrotas, onde elas acabam um pouco pra baixo, e não tem muita solução — Emily não morreu, e Lorelai precisa ver ela semana que vem; Rory vai precisar estudar muito mais pra conseguir pegar o ritmo da nova escola. Mas o episódio não termina com nada inspirador. Ele termina com Lorelai, Rory e Lane comendo pizza enquanto passeiam pela praça da cidade conversando sobre todas as derrotas que tiveram naquele dia. Elas estão cansadas, com as mãos engorduradas, mas ali em Stars Hollow elas são amadas e estão protegidas. Os problemas vão poder esperar até amanhã. Esse restinho de dia ainda pode valer a pena.

Episódio 3 — com Eduarda Ellwanger

Eu e a Eduarda falamos de família e o que é se sentir em família.

Você pode encontrar a Eduarda no Twitter e no Instagram.

O Pãodecast é produzido por mim. A ilustração é do Raul Fontoura e trilha-sonora é do Blue Dot Sessions.

Quer fazer parte de um episódio? A gente tem mais uma vaga para a primeira temporada, mas já estou começando a organizar os entrevistados da segunda! Nos envie uma mensagem.

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The Touryst foi lançado para PC e Xbox One

The Touryst, o meu jogo favorito do ano passado acabou de ser lançado no Xbox One e no Windows, e já está disponível no Xbox Game Pass.

The Touryst é um daqueles jogos raros hoje em dia — ele não é experimental e corajoso como os indies, nem conservador e apelativo como os AAA —, que se dedica a abraçar algumas mecânicas já provadas por outros jogos e tornar eles impecáveis. É curtinho, mas é lindo e charmoso e cheio de imaginação, onde você é um turista atravessando uma série de pequenas ilhas com alguns quebra-cabeças que precisam ser decifrados para você liberar as próximas ilhas.

O mais bacana de The Touryst é que, por causa do seu mundo diminuto, cada detalhe do jogo é cheio de decisões inspiradas e mini-games. Você pode surfar ou jogar joguinhos em um fliperama, ou pilotar um drone ou fazer aula de mergulho. Nem tudo isso faz você progredir na história do jogo, mas tudo isso ajuda a montar uma experiência relaxante e divertida e repleta de descobertas. Foi a melhor surpresa pro Switch ano passado, e eu tô muito contente que esse jogo tá ainda mais lindo no Xbox One X. A Shin’en não só se preocupou em criar um jogo com mecânicas bem maduras e desenvolvidas, mas também um jogo virtualmente livre de bugs. Foi uma experiência que me surpreendeu muito.

BDG passou um ano lendo todos livros de “Halo”

Minhas preces foram ouvidas.

Eu amo Halo, e tô muito feliz que Halo Infinite vai ser lançado esse ano. É um dos meus universos de ficção científica favoritos, primeiro porque é super desenvolvido — cada planeta tem uma tradição própria, mesmo que seja só uma colônia de uma civilização — e o jogo político se desenvolve por centenas de anos. Também, como o vídeo acima mostra, porque nada faz muito sentido, o que nos lembra que não tem porque levar ele muito a sério.

Episódio 2 — com Raul Fontoura

Eu e o Raul começamos conversando sobre os jogos que nós gostamos, depois sobre game design. Quando a gente viu, estávamos conversando sobre as escolhas que tomamos na vida. E o episódio é bem divertido de ouvir por causa disso! Eu até mudei a nomenclatura dos episódios e deixei só o nome do convidado, pra tirar a ideia de que a gente conversa sobre algum tema em específico. A gente conversa sobre vários, e é a conversa que interessa.

Você pode encontrar o Raul no Twitter (@raulranma), no itch.io e no Tumblr.

Esse episódio do Pãodecast foi produzido por mim. A ilustração é do entrevistado, o Raul, e trilha-sonora é do Blue Dot Sessions.

Você pode assinar o Pãodecast no Apple Podcasts, Spotify, Pocket Casts ou no seu player favorito assinando o RSS.


A primeira temporada do Pãodecast vai ter dez episódios. Eles são quinzenais, e saem nas quartas-feiras. Ainda há alguns episódios vagos, se você quiser conversar comigo sobre qualquer coisa (até mesmo sobre nada), envie uma mensagem pelo email mesa {arroba} paomortadela.com.br ou uma mensagem de voz clicando aqui.

“Halt and Catch Fire” e “The Soul of a New Machine”

Ontem de noite estavam comentando sobre a abertura de uma das minhas séries favoritas no Twitter, Halt and Catch Fire:

Halt and Catch Fire me lembra muito um dos meus livros favoritos, The Soul of a New Machine, de Tracy Kidder. Escrito no início dos anos 1980, o livro documenta o desenvolvimento de um minicomputador na aurora da computação pessoal. É uma invenção que leva a equipe à beira da loucura por causa da forma que o gerente do projeto na empresa lida com sua equipe, usando o que ele chama de “gerenciamento de cogumelos”: deixá-los no escuro enchendo-os de merda.

The Soul of a New Machine é um livro trágico porque a equipe dá tudo o que pode para desenvolver um minicomputador que acaba sendo defasado muito rápido. O período, entre os anos 1970 e 1980, foi a explosão da evolução do hardware computacional (o Macintosh, o grande computador pessoal da Apple, foi lançado alguns anos depois), e o “gerenciamento de cogumelos” foi o que não permitiu que a equipe enxergasse que o grande trabalho que eles estavam realizado estava fadado ao fracasso.

Mas o livro tem uma noção da informática que eu gosto muito, e que é partilhada por Halt and Catch Fire, de que esses engenheiros de software e desenvolvedores eram desbravadores, e que cada invenção — uma placa-mãe, uma memória RAM, um processador, as instruções da BIOS — levava um pouco de quem eles foram e da maneira que eles pensavam, o que revela tanto dos seus potenciais quanto suas limitações (o livro descreve, já naquela época, como qualquer pessoa que não era um homem branco era colocado de lado pela indústria).

A tragédia de The Soul of a New Machine é de que a “alma” que os engenheiros davam à essas invenções serviam para mudar os meios, mas não as intenções pelas quais a tecnologia seria utilizada. Um exemplo que o livro dá pra tragédia que é a computação, de um modo geral, é que os computadores possibilitaram que empresas pudessem gerar e armazenar relatórios sobre qualquer setor sem a necessidade de papel, o que poderia eliminar muito os custos de uma empresa. O problema é que os executivos não acreditavam no que eles viam na tela de computador, então todos esses relatórios precisavam ser impressos, o que acabou aumentando o gasto com papel.

Mesmo assim, a beleza do que foi inventado nessa era da computação (que é muito semelhante ao que aconteceu de novo com a internet na segunda metade dos anos 1990) indicava que a tecnologia poderia ser usada pra ressaltar o potencial da humanidade, e não apenas alimentar suas falhas. O problema é que a tecnologia só vai até certo ponto, ela só muda nossos meios, mas não nossas intenções.


Esse post é uma versão mais coerente de algo que eu postei no Twitter. O original está aqui.

It's Lit: As línguas artificiais de JRR Tolkien

No último vídeo de It’s Lit, Lindsay Ellis explica como as línguas artificiais criadas por Tolkien para seus livros da Terra-Média influenciaram muito mais do que o gênero literário de fantasia, se transformando em um ramo importante no desenvolvimento de qualquer mundo narrativo — de Game of Thrones à Avatar. Como todos os vídeos do It’s Lit (e o trabalho da Lindsay Ellis de maneira geral), o vídeo trata o tema com fascínio e é só a ponta de uma discussão maior (e é curtinho!)

O que eu mais gostei foi reparar porquê eu gosto tanto da fantasia de O Senhor dos Anéis. Eu tenho a ideia de que eu gosto muito mais quando o gênero fantástico é usado para contar histórias muito íntimas de um personagem tentando sobreviver num mundo muito maior e indiferente à sua existência e aos obstáculos de sua vida — uma fantasia que torna a fantasia em si em algo mais cotidiano, digamos assim.

Eu sempre me referi ao que eu gosto no gênero como essas histórias menores em um mundo muito maior… e Senhor dos Anéis. Mas assistindo o vídeo eu percebi que, na verdade, O Senhor dos Anéis é mais ou menos o que eu gosto em uma escala muito maior: essas são as histórias de alguns indivíduos envolvidos em uma batalha muito maior que eles, e uma situação histórica muito, muito antecedente à eles. A Terra-Média e o mundo narrativo que Tolkien criou é uma versão muito maior do que aquilo que a gente geralmente se refere como “mundo narrativo”, é uma construção social e cultural gigantesca (onde até mesmo os idiomas inventados possuem histórias e um crescimento orgânico), usada para abrigar histórias grandes mas que, dada a herança cultural desse mundo, parecem eventos muito menores em um mundo ainda maior.

Yo La Tengo lançou a trilha-sonora do meu estado de espírito durante o isolamento

A banda Yo La Tengo lançou hoje o álbum We Hame Amnesia Sometimes, um álbum gravado à distância durante o período de isolamento social que a gente tá passando. A banda tava lançando prévias do trabalho nos últimos dias, mas largou o álbum completo no Bandcamp deles.

Assim como Fetch the Bolt Cutters no início do isolamento social, esse álbum do Yo La Tengo parece conseguir capturar direitinho o que eu ando sentindo nas últimas semanas. As faixas são as vezes calmas, as vezes dissonantes e confusas, mas são sempre bastante “introspectivas”, se isso é algo que eu posso usar como adjetivo de uma música. O álbum da Fiona Apple é íntimo e furioso, que é algo que eu sentia no início do isolamento. Esse álbum do Yo La Tengo é mais “calmo”, quase “cansado” mas não exaustivo. Difícil de explicar. Tá sendo bem emocionante de ouvir, porque faz sentir que a alma “sai” do corpo.

O álbum tá no Bandcamp, mas também no Spotify e no Apple Music.

Torta Brownie Brigadeiro

Um dos problemas de viver longe dos amigos é que eu tenho amigos talentosos e eu não posso apreciar eles de perto, principalmente quando o talento deles é um absurdo desses:

Torta de chocolate com massa brownie e cobertura de brigadeiro

Olha mais de perto:

Detalhe dos brigadeiros na cobertura da torta

Eu tô muito triste que eu não moro em Porto Alegre nesse momento. Se você mora, eu recomendo seguir a Tais Bakery no Instagram, onde eu vi esse absurdo de torta. A Taís e o Vitor abrem a agenda por lá e pelo WhatsApp. Eu amo eles e eu amo essa torta.

Júlia, no MUBI

Eu assisti Julia há alguns anos e ele nunca saiu da minha cabeça porque Tilda Swinton entrega uma daquelas atuações em que tudo o que ela faz fica marcado na mente. A forma como ela abraça o a criança no meio do deserto, ou como ela olha ao redor… Eu não lembro muito bem do filme, então fiquei empolgado pela oportunidade de rever ele agora: ele entrou na programaçào do MUBI hoje e fica por lá por um mês.

Episódio 1 — Tainara Fraga

Esse último sábado eu sentei com a minha amiga Tainara pra finalmente tirarmos do papel uma ideia que tivemos no ano passado: nós gravamos o primeiro episódio do Pãodecast, um podcast de conversas.

A ideia é bem simples, na verdade. Todo o episódio é uma conversa de quinze minutos com um convidado, sobre qualquer coisa que eles tenham em mente no momento. Eu queria que o primeiro episódio fosse com a Tainara, porque tive a ideia com ela e parecia certo começar dessa forma. A gente conversou sobre relacionamentos, e como foi terminar um namoro de muito tempo no meio da quarentena. É menos triste do que parece, espero que gostem!

Esse episódio do Pãodecast foi produzido por mim. A ilustração é do Raul Fontoura e trilha-sonora é do Blue Dot Sessions.

Você pode assinar o Pãodecast no Apple Podcasts, Spotify, Pocket Casts ou no seu player favorito assinando o RSS.


A primeira temporada do Pãodecast vai ter dez episódios. Eu ainda não defini se serão quinzenais ou semanas (depende de como for o ritmo da minha edição deles, hehe), mas eles vão sair nas quartas-feiras. Ainda há alguns episódios vagos, se você quiser conversar comigo sobre qualquer coisa (até mesmo sobre nada), envie uma mensagem pelo email mesa {arroba} paomortadela.com.br ou uma mensagem de voz clicando aqui.

Central Park é um charme, pena que tá na Apple TV+

Eu queria tanto poder recomendar Central Park pra todo o mundo que tá precisando de uma série carinhosa sobre uma família que se ama mesmo quando não se entendem. É uma comédia musical em desenho animado, dos mesmos criadores de Bob’s Burgers, e o humor carismático e coração grande são traços em comum nas duas séries.

Central Park ainda não tem os personagens bem formados de Bob’s Burgers, mas acho que isso é comum em toda a primeira temporada de uma comédia, já que o humor e o desenvolvimento dependem muito dos roteiristas e da audiência entender intimamente os personagens pra resultar em comédia. Mas Central Park tem picos muito altos, e não é só porque é um musical. A série é sobre uma família que mora no Central Park de Nova York, onde o pai trabalha como administrador, e os episódios são geralmente sobre pequenos eventos nos seus dias. A mãe é uma jornalista querendo ser levada a sério em um folhetim que ninguém se importa, a filha tá tentando entender seus sentimentos em relação à um garoto; e o caçula está apaixonado por um cachorro. Tem uma trama de uma ricaça querendo comprar o Central Park pra transformar em um “investimento imobiliário”, mas isso quase que não importa — Central Park tá mais preocupada no dia-a-dia dos personagens.

E é um charme, os números musicais não se focam nos grandes eventos da vida da família, mas nos pequenos eventos do cotidiano. É uma crítica recorrente à série, de que não existe material o suficiente pra criar números musicais entre os personagens, mas eu abracei isso mais como uma subversão de uma família nada excepcional tentando levar o seu dia a dia entre si com mais carinho do que desavença. Nem sempre eles conseguem, mas o que importa é o quanto eles tentam. Eu acho que isso só realça a carta de amor da série ao parque do título, porque destaca como esses pequenos momentos que realmente importam na vida da família se passam entre os bancos e as árvores do parque, e como eles são sortudos de viverem em um lugar como o Central Park. Esse é um lugar especial pra eles e quando a ricaça ameaça destruir ele, vira uma ameaça ao afeto da famíla entre si.

Só que é um saco que essa série esteja no Apple TV+. Ninguém assina o Apple TV+. Eu só assisto porque ganhei um ano de graça no serviço, e das outras séries que eu vi por lá até agora nenhuma me chama a atenção o suficiente pra recomendar que alguém pague por mais um serviço de streaming só por essa animação, então eu recomendaria esperar a primeira temporada acabar, no fim do mês, pra você aproveitar o período de teste grátis e assistir tudo. A série também tá naquele Popcorn Time, inclusive.

Essa é uma bela vaca.

Retrato de uma vaca pequena

Ela se chama Evie, e essa é a foto que fez Kelly Reichardt escolher Evie pra ser o animal título do seu filme mais recente, First Cow.

Eu ainda não vi o filme (eu quero assistir ele hoje de noite, depois de gravar o nosso primeiro episódio do Pãodecast), mas eu tava lendo esse artigo na Polygon sobre como Evie foi escolhida por Reichardt, e me lembrei de outro filme que gostei muito, A Rota Selvagem, protagonizado por um cavalo e um menino.

O que me chama a atenção, tanto em cavalos quanto em vacas, é esse olhar profundo que eles têm. Eles são animais grandes e vivem com a gente por tanto tempo que a gente começa a assumir algumas suposições sobre esses olhares. Eu sempre achei o olhar de um cavalo mais que humano. São olhos grandes mas tào profundos. E essa foto da Evie me fez perceber que isso também vale para vacas.

Segundo A24, a distribuidora de First Cow nos EUA, Evie teve uma filha no início do ano.

Belas, belas vacas.